Em 1.850 Na França, Foi Criado Em Uma Cooperativa De Mineradores Um Fundo Para Ajudar Os Seus Integrantes. Eles Participavam Com Uma Contribuição Mensal E Valor Fixo, Por Um Combinado Período, E Assim Tinham A Garantia De Resgate Com Acúmulo Ao Final De U (2024)

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA MARIA MADALENA NORONHA DE VASCONCELOS DOS ANTECEDENTES DO PNRA À PRODUÇÃO E GESTÃO DO ESPAÇO NO PROJETO DE ASSENTAMENTO AMARALINA - VITÓRIA DA CONQUISTA: (Uma Fonte de Cobiça) Salvador 2007 MARIA MADALENA NORONHA DE VASCONCELOS DOS ANTECEDENTES DO PNRA À PRODUÇÃO E GESTÃO DO ESPAÇO NO PROJETO DE ASSENTAMENTO AMARALINA - VITÓRIA DA CONQUISTA: (Uma Fonte de Cobiça) Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia, Instituto de Geociências, Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do grau de mestra. Orientadora: Prfa Dra. Guiomar Inez Germani Salvador 2007 V 331 Vasconcelos, Maria Madalena Noronha de Reforma Agrária: dos antecedentes do PRNA à Produção e gestão do espaço no Projeto de assentamento amaralina – Vitória da Conquista: (uma fonte de cobiça) Maria. M. N. de Vasconcelos – Salvador, 2007. 157f. : il. Apêndices Orientadora: Professora Guiomar Inez Germani Dissertação (Mestrado) Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal da Bahia. Instituto de Geociências, 2007. 1 Geografia Agrária Brasil, Bahia e Vitória da Conquista (BA); 2 Os Antecedentes Estruturantes para a Reforma Agrária no Brasil; 3. Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) Objetivos e Metas: Avanços e Recuos; 4. A Bahia e os Arranjos para o Plano Regional de Reforma Agrária – PRRA; 5 Vitória da Conquista: o papel na contextualização Sócio-Espacial na Região Sudoeste; 6 Retrospectiva histórica e a singularidade dos agentes produtores do Projeto Amaralina. I Germani, Guiomar Inez. II Universidade Federal da Bahia, Instituto de Geociências. III Título. CDU 911.3632 (813.8) (043.3) TERMO DE APROVAÇÃO MARIA MADALENA NORONHA DE VASCONCELOS DOS ANTECEDENTES DO PNRA À PRODUÇÃO E GESTÃO DO ESPAÇO NO PROJETO DE ASSENTAMENTO AMARALINA - VITÓRIA DA CONQUISTA: (Uma Fonte de Cobiça) Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestra em Geografia, Universidade Federal da Bahia, pela seguinte banca examinadora: Guiomar Inez Germani_____________________________________________________ Doutora em Geografia, Universitat de Barcelona, Espanha Creuza Santos Lage________________________________________________________ Doutora em Geografia, Université de Bordeuaux III, França Antônio da Silva Câmara____________________________________________________ Doutor em Sociologia, Université Paris VII Salvador, 27 de março de 2007 Dedico a concretização dessa dissertação, a duas mulheres significativas para a minha compreensão de que a luta, quando posta em primeiro plano se movimenta sem fronteiras e sem amarras. In memorian: Noemi foi liderança do Projeto Amaralina, primeira presidenta da Associação dos Lavradores de Amaralina (ALFA), faleceu em 2000, vítima de uma doença respiratória, contraída, por um banho no Rio Verruga, logo no início da ocupação. Trabalhadora rural, Noemi foi uma mulher pioneira, tanto na luta pela ocupação da terra e autonomia dos trabalhadores e das trabalhadoras, quanto na quebra dos valores até então, existentes naquele espaço, onde as relações eram tão singulares, mas tão densas, quando a discussão era poder, sobretudo, entre homens e mulheres. A vida privada — da dona de casa, cozinheira, lavadeira, e muitas outras tarefas — se transmutou para a vida pública. Noemi andava todo o perímetro do Projeto estabelecendo relações — segundo ela de amor, solidariedade e fé — política, ultrapassando as fronteiras de seu limite físico. Um dos grandes débitos que Amaralina tem hoje é não ter produzido, ainda, uma mulher capaz de romper com as amarras das desigualdades de gênero no PA Amaralina, que Noemi começou e tanto tentou. Dorothy, pertencente a uma comunidade das irmãs de Notre Dame, morava no Amazonas. Sintonizou o ritmo entre a Igreja pacifica e a Igreja de luta, entre a fé omissa e a fé autêntica e como mártir da fé e da ecologia, não teve fronteiras para apostar numa vida plena, em defesa das populações pobres, e da preservação do meio ambiente, indo até a morte, — para ela era um ato de amor e fé ―. Seu gesto transcendeu as fronteiras da Igreja Católica e até os limites do próprio cristianismo. A Igreja Católica, as Igrejas cristãs, e as grandes instituições, ainda devem à humanidade uma palavra e uma atitude sobre a crise da fome, do desemprego, da devastação do meio ambiente e da ecologia como um todo. Dorothy já o fez com sua vida de forma contundente. Ela é mártir dessa mudança de época e, por seu sangue, insere a Igreja Católica, nos grandes desafios contemporâneos do planeta e de toda a humanidade. AGRADECIMENTOS Todo esforço para compreensão de leituras em diversas escalas, é sempre um rompimento com o velho para a construção do novo. Esta pesquisa é antes de tudo uma dívida que não pode ser quitada, ela jamais poderia ser concretizada sozinha por mim foi, sobretudo, um ato coletivo. Por isso, agradeço a todos e todas que direta ou indiretamente contribuíram para construir, confrontar, acirrar ou amenizar minhas inquietações sobre os rumos dos trabalhadores e das trabalhadoras dos Projetos de Reforma Agrária. São tantos e tão especiais... Às minhas filhas Lú Janaynna, Apoenna Marina, por tudo: pelo companheirismo, carinho e apoio fundamental, sem palavras... Ao meu companheiro Emanuel e minha mãe Engracia, pelas tolerantes compreensões das ausências, em detrimento das leituras: pelo carinho e apoio. À memória de meu pai José Alfredo, que nos deixou no percurso da construção dessa pesquisa. Meu sogro Israel que também, nos deixou ano passado: saudades... Aos queridos: irmão(a)s Socorro, maninha, Fefedo, Paulo, Neto, Marcos Sérgio e Marcinha; sobrinhos: Alfredinho, Djanilson, Denilson, Diana, Carolina, Sophia, Isabela, Camila, Paulinha. Nayara, Nayanna, Thalita, Jonathas, Antônio Neto, Thayna, Luana e Eric; cunhado(a)s: Alzira, Nira, Zé, Amélia, Jorge, Claúdio, Luiz, Marcos Valério, Marcos Vinícius e a sogra Evanira. A todos vocês: obrigada, sobretudo, pelo carinho apoio e motivação. Especialmente, para minha orientadora querida Guiomar, sempre receptiva e atenciosa acima de tudo, uma amiga mestra. Aos meus co-orientadores, Creuza e Antônio Câmara, a todos vocês: meu muito obrigado pelas contribuições neste novo vislumbrar. Aos meus mestres da Pós-Graduação em Geografia, Dora, Ângelo Serpa, Pedro Vasconcelos, Neide, Bárbara e Sílvio: obrigada pelas reflexões, e apoio fundamental nas horas necessárias. Aos amigos(a)s da Pós-Graduação: Suze, Jânio, Lú, Rita, Jorginho e James: agradeço pelo companheirismo e o convívio em aprendizagem. Aos funcionários da casa, Dirce (secretária) sinceros agradecimentos pela desburocratização quando necessário. Jô (bibliotecária) especialmente pelas informações tão fundamentais. A todos aqueles que trabalharam comigo no PA Amaralina e os que contribuíram nas entrevistas: pela confiança e doação de seus tempos, pelo compromisso com estes trabalhadores. Especialmente, a todos os assentados e assentadas do Projeto Amralina: meu muito obrigada por possibilitarem essa experiência enriquecedora e gratificante, da maior importância para meu crescimento profissional e como ser humano. No lar, a mulher é o proletário e o homem é o burguês, ou ainda, a mulher é o proletário do proletário Karl Marx, 1842 Essa cova em que estás, com palmos medida, é a cota menor que tiraste em vida. É de bom tamanho, nem largo nem fundo, é a parte que te cabe deste latifúndio. Não é cova grande, é cova medida, é a terra que querias ver dividida. É uma cova grande para teu pouco defunto, mas estarás mais ancho que estavas no mundo. João Cabral de Melo Neto, 1984 RESUMO Este estudo analisa dois grandes contextos temporalmente opostos, porém análogos ao modelo da estrutura agrária brasileira. Um diz respeito aos fatores estruturantes do processo de formação territorial e aos problemas relativos à questão fundiária brasileira. O outro está na implementação do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), em 1985. Apesar da política de pactuação entre o governo e setores populares, a reação da classe dominante contra o Plano, e os compromissos do Estado com esta classe, restringiu este a um instrumento que tentou melhorar a forma de consolidação das relações capitalistas no campo, sem efetivamente modificar a estrutura agrária que a despeito desse processo, continuou bastante concentrada. O Plano Regional de Reforma Agrária (PRRA) foi oficialmente implantado na Bahia em 1986, respeitando as diretrizes do PNRA. Mas as ações efetivas deste, só tiveram inicio em 1987, quando o Estado criou um aparato burocrático, materializado pela Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR), que juntamente com o INCRA e a Prefeitura de Vitória da Conquista, formaram uma “tríade tutelar” na produção e gestão do espaço do Projeto Amaralina. O Município de Vitória da Conquista em situação de crise estrutural, ocasionada pela perda de subsídios por parte do Governo Federal aos cafeicultores, num acordo institucional, incluiu em 1987, o primeiro projeto de assentamento da Região Sudoeste da Bahia, o Projeto de Assentamento Amaralina. Nos procedimentos metodológicos, utilizou- se a pesquisa documental com leituras sobre Reforma Agrária, Estado e os fundamentos teórico-metodológicos da Geografia, tendo como eixo orientador para interpretação dos fenômenos as categorias de análise da geografia ― Território, lugar, região e paisagem ― donde o espaço foi a própria categoria estruturante. Com base nos pressupostos da Pesquisa- Ação procedeu-se reuniões e entrevistas com os assentados e técnicos das instituições que operaram o PRRA. Fundamentada no método dialético através da observação participante estes dois movimentos operados em escalas geográfica ― visto tempo-espacial em seus diferentes tamanhos de realidade ― nos permitiram constatar que a forma de distribuição de terras adotada pelo PNRA/PRRA, com políticas compensatórias, não atingiu os objetivos desse plano que almejava a reprodução econômica nos projetos de assentamentos. O saldo da aplicação de “parcos” investimentos, tanto causou diferenciação no próprio lócus do PA Amaralina como os fragmentou na capacidade produtiva ― devido à orientação para investimento na atividade pecuária ― e nas relações sociais. A situação no assentamento Amaralina e de maneira geral para os pequenos produtores é um contexto de proletarização rural, com renda negativa, baixa produtividade e diminuição das propriedades menores. Palavras-chave: PNRA/PRRA; Reforma Agrária; Espaço Geográfico, Território, Projeto Amaralina: Estado; Estrutura Fundiária. Região, lugar e paisagem. ABSTRACT This study analyzes two great opposing contexts, but secularly analogous to the model of the Brazilian agrarian structure. One discusses the structuring factors of the process of territorial formation and to the problems related to the Brazilian agrarian question. The other is in the implementation of the National Plan of Agrarian Reform (PNRA), in 1985. In spite of the pactuation politics between the government and popular sectors, the reaction of the ruling class against the Plan, and the commitments of the State with this class, restricted this plan at one instrument that tried to improve the way of consolidation of the capitalist relations in the field, without effectively modifying the agrarian structure that in spite of this process, continued quite concentrated. The Regional Plan of Agrarian Reform (PRRA) was officially implanted in Bahia, in 1986, respecting to the guidelines of PNRA. But the effective actions of this Plan, had just begun in 1987, when the State created a bureaucratic apparatus, materialized for the Company of Development and Regional Action (CAR), that with the INCRA and Prefecture of Vitória da Conquista, had formed a “guardian triad” in the production and management of the space of Amaralina Project. The borough of Vitória da Conquista in situation of structural crisis, caused for the loss of subsidies supplied by the Federal Government to the coffee producers, in an institucional agreement, included in 1987, the first project of settlement of the Southwest Region of the Bahia, the Project of Amaralina settlement. In the methodological procedures, it was used documentary research with readings on the Agrarian Reform, State and the base theoretical-metodological of Geography, having as orienting axle for interpretation of the phenomena the categories of analysis of the geography - Territory, place, region and landscape - from where the space was the proper structuring category. Based on the Research-Action method, it was realized meetings and interviews with settled people and the technician from the institutions that had operated the PRRA. Based on the dialetic method, through the participant observation these two movements operated in scales geographic – for example time - space in its different sizes of reality – and allowed us to note that the form of land distribution adopted by the PNRA/PRRA, with compensatory politics, did not reach the objectives of this plan that aimed for the economic reproduction in the settlement projects. The balance of the application of “sparing” investments, in such a way, caused differentiation in proper lócus of the PA Amaralina and also fragmented them in the productive capacity – due to the orientation for investment in the livestock-farming- and in the social relations. The situation in the Amaralina settlement and, in a general way, for the small producers is a context of agricultural proletarization, with negative income, low productivity and reduction of the little properties. Key-words: PNRA/PRRA; The Agrarian Reform; Geographic space, Territory, Amaralina Project, State; Agrarian structure, Region, place and landscap. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Localização Geográfica do Município de Vitória da Conquista 23 Figura 1 - Imóveis grilados no Brasil (1998) 47 Figura 3 - Brasil: Assassinatos no campo (1980 a 1985) 53 Figura 4 - Brasil: PNRA metas, famílias e área (1985-1989) (Km²) 62 Figura 5 - Brasil: Famílias Acampadas e Assentadas 71 Figura 6 - Estado da Bahia no contexto de Região Nordeste 75 Figura 7 - Bahia: Assassinatos no campo (1984, 1987, 1980, 1990) 78 Figura 8 - Bahia - Evolução da população (1962 – 2000) 79 Figura 9 - Bahia - Utilização das terras (1980) 83 Figura 10 - Bahia: Regiões de Planejamento da CAR 86 Figura 11 - Região Sudoeste da Bahia 93 Figura 12 - Vitória da Conquista – população rural, urbana e total (1970, 1980, 1991, 1999) 94 Figura 13 - Evolução da produção do café no Planalto de Vitória da Conquista (em toneladas) 97 Figura 14 - Paisagem Projeto Amaralina (1987) 105 Figura 15 - Divisão espacial do projeto Amaralina (1987) 107 Figura 16 - Projeto Amaralina – evolução da população (1987 – 2002) 111 Figura 17 - Amaralina - utilização do Rio Verruga (1987) 112 Figura 18 - Nucleação e número de famílias no PA Amaralina (1988) 115 Figura 20 - Projeto Amaralina: Culturas plantadas nos núcleos (2002) 122 Figura 21 - PA Amaralina área de pastagem (2002) 123 Figura 22 - PA Amaralina: plantação de café (2002) 123 Figura 23 - PA Amaralina: Núcleo Baixa da Fartura 125 Figura 24 - PA Amaralina: Arte dos alunos Núcleo Baixa da Fartura 125 Figura 25 - PA Amaralina: Alunos da Turma Seriada Núcleo Canaã (2002) 126 Figura 26 - Alunos da Alfa e 1ª série Núcleo Landin (2002) 126 Figura 27 - PA Amaralina: Barragem do Landin (2002) 128 Figura 28 - PA Amaralina: Residência com infra-estrutura (2002) 129 Figura 29 - PA Amaralina: residência sem infra-estrutura (2002) 129 Figura 30 - Agrovila com infra-estrutura no PA Lagoa Caldeirão (2002) 129 Figura 31 - Agrovila sem infra-estrutura no PA Lagoa Caldeirão (2002) 130 Figura 32 - Projetos de Assentamento em Vitória da Conquista (2002) 137 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Brasil: utilização das terras por atividades econômicas (1920 - 1985) 32 Tabela 2 - Brasil: utilização das terras segundo classe de área (1940, 1970, 1985) (em ha) (%) 32 Tabela 3 - Brasil: número de estabelecimento por classe de área (1940 – 1985) 49 Tabela 4 - Brasil: área ocupada em estabelecimentos por estrato de classe (1940 – 1985) 49 Tabela 5 - Brasil: conflitos fundiários (1971 - 1976) ( %) 50 Tabela 6 - Brasil: Metas do PNRA na nova República (1985 – 1989) 60 Tabela 7 - Assentamentos Rurais no Brasil (1965 – 1993) 70 Tabela 8 - Bahia: Estabelecimentos e grupos de áreas (1970, 1980, 1995) (%) 76 Tabela 9 - Bahia: Área Segundo utilização (1976, 1980, 1995) 76 Tabela 10 - Bahia - pessoal ocupado na lavoura (1980) 77 Tabela 11 - Bahia - condição do responsável nos estabelecimentos (1940, 1970, 1980) (em ha) 78 Tabela 12 - Bahia: Projetos de Assentamentos – metas previstas (1985 – 1989) 87 Tabela 13 - Bahia: Síntese do PRRA (1986 - 1987) 88 Tabela 14 - Bahia: Projetos de Assentamentos na (1987 - 2002) 89 Tabela 15 - Taxa de urbanização e densidade da Região Sudoeste e Município de Vitória da Conquista 95 Tabela 16 - Região Sudoeste – utilização das terras por atividades econômicas (1980, 1985, 1995) 100 Tabela 17 - Vitória da Conquista – utilização das terras por atividades econômicas (1980, 1985, 1996) 100 Tabela 18 - Vitória da Conquista – estabelecimentos por grupo de área total (ha) (1980, 1985, 1996) 102 Tabela 19 - Vitória da Conquista: Projetos de Assentamentos (1987 – 2001) 102 Tabela 20 - Projeto Amaralina - culturas e áreas plantadas (1999 – 2002) 119 SUMÁRIO 1 INTRODUCÃO..................................................................................................... 15 2 OS ANTECEDENTES ESTRUTURANTES DA REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL – DAS SESMARIAS Á INDUSTRIALIZAÇÃO................................ 2 1 A LEI DE TERRAS, OS PARÂMETROS JURÍRICOS E CONSTITUCIONAIS PARA CONSOLIDAÇÃO DA ESTRUTURA AGRÁRIA BRASILEIRA........................................................................................................... 2.2 DA INDUSTRIALAIZAÇÃO NA AGRICULTURA ÀS REFORMAS DE BASE......................................................................................................................... 2.3 A ASPEREZA DO ESTADO: DO ESTATUTO DA TERRA À (DES) INTEGRAÇÃO TERRITORIAL............................................................................. 24 27 33 39 3 PLANO NACIONAL DE REFORMA AGRÁRIA (PNRA) OBJETIVOS E METAS: AVAÇOS E RECUOS........................................................................... 3.1 EXECUÇÃO DO PNRA (DE SARNEY A FERNANDO HENRIQUE................ 3.1.1 Novo mundo rural.................................................................................................. 3.1.2 As metas do PNRA e a realidade fundiária.......................................................... 55 64 66 69 4 A BAHIA E OS ARRANJOS PARA O PLANO REGIONAL DE REFORMA AGRÁRIA ― PRRA........................................................................ 4.1 O PLANO REGIONAL DE REFORMA AGRÁRIA (PRRA): OBJETIVOS E METAS...................................................................................................................... 4.1.1 Os parâmetros do PRRA na Bahia........................................................................ 4.1.2 As metas e fontes de recursos do PRRA................................................................ 72 81 81 87 5 VITÓRIA DA CONQUISTA: O PAPEL NA CONTEXTUALIZAÇÃO SÓCIO-ESPACIAL NA REGIÃO SUDOESTE................................................. 5.1 O CAFÉ E A ESTRUTURA FUNDIÁRIA EM VITÓRIA DA CONQUISTA....... 6 RETROSPECTIVA HISTÓRICA E A SINGULARIDADE DOS AGENTES PRODUTORES DO PROJETO AMARALINA................................................. 6.1 O ÉTHOS DA ACAMPAMENTO E O PERCURSO BUROCRÁTICO RUMO AO MODELO DO ASSENTAMENTO.................................................................... 6.1.1 Estrutura produtiva em Amaralina........................................................................ 91 95 104 108 116 6.1.2 Educação, saúde, Saneamento e habitação no PA Amaralin.............................. 6.2 OS ELEMENTOS DA ORGANIZAÇÃO E GESTÃO ESPACIAL NO PA AMARALINA........................................................................................................... 123 130 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 138 REFERÊNCIAS...................................................................................................... 145 APÊNDICE A ― Delineamento Metodológico do Projeto de Pesquisa............. 148 APÊNDICE B ― Roteiro de Entrevista do Projeto Amaralina........................... 152 15 1 INTRODUÇÃO A presente dissertação tem como temática de estudo, o modelo de assentamento da reforma agrária, implantado no Projeto Amaralina, situado no Município de Vitoria da Conquista, visto os arranjos institucionais concebidos no I Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) e os operacionais do Plano Regional de Reforma Agrária na Bahia (PRRA). Este, institucionalizado pela Companhia Desenvolvimento e Ação Regional (CAR), que juntamente com a Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), empreenderam ações diretas que embora atomizadas, estavam essencialmente voltadas para o controle político e técnico da gestão desse espaço. Nesse sentido, o objetivo central da pesquisa pautou-se na análise das ações implementadas pelo PRRA e as conseqüências advindas, dos mecanismos institucionais empreendidos pelos diversos agentes presentes no Assentamento Amaralina. Cujos elementos, contribuíram significativamente na configuração de novas especialidades no Município e na Região Sudoeste. Buscou-se essencialmente, avaliar o modelo de produção e de gestão desenhado nesse espaço, que se fundamentou nos objetivos precípuos do Programa de Apoio ao Pequeno Produtor Rural (PAPP) tendo como eixo central a capitalização da pequena produção através da reprodução econômica desta. Para tanto, caracterizou-se os antecedentes estruturantes à implantação do PNRA no Brasil e do PRRA na Bahia visto seus objetivos, metas; o papel e a estratégia dos atores sociais envolvidos. O entendimento de que débito da estrutura sócio-econômica brasileira, constituída, ao longo dos séculos, está diretamente relacionado aos moldes da formação territorial, e particularmente à produção do espaço agrário — este promovido inicialmente pela assimetria de uma classe social dominante-colonial, preservando-se até hoje, através do limitante tripé da subordinação, expropriação e exploração, — nos fez compreender a importância de num primeiro momento, traçar uma breve análise da estrutura fundiária do país — esta detentora de uma concentração, progressiva há cinco séculos, tendo a terra como elemento de valor especulativo —, e de alguns mecanismos institucionais, utilizados pelo Estado tais como: os sistemas jurídicos e as políticas territoriais. 16 O marco histórico temporal da pesquisa delimitou-se do ano de 1987 até 2002, com enfoque nas políticas agrárias, territoriais e, prioritariamente, no Plano Nacional e Regional de Reforma Agrária, no contexto de sua operacionalização em Vitória da Conquista. A delimitação espacial teve duas abrangências de escalas: uma se afigurou no contexto brasileiro, visto o modelo da estrutura agrária e agrícola, e os elementos de arranjo espacial do PNRA; a outra se situou no Projeto de Assentamento Amaralina ― contextualizado em seus aspectos estruturantes ― área objeto de estudo, localizada no Município de Vitória da Conquista. Figura 1 Localização Geográfica do Município de Vitória da Conquista. A escolha do PA Amaralina como campo de investigação especifica, fez parte de uma preocupação da pesquisadora, que vivenciou esta experiência como técnica da CAR assessorando o projeto desde o início de sua ocupação, em 1987. Entendendo de antemão, que o modelo de política agrícola do PNRA/PRRA, direcionado para estes segmentos, não ultrapassou a pulverização anti-econômica da terra. Nesse sentido, a função organizadora dos interesses da classe dominante que o aparelho de estado desempenhou, ao longo da produção e gestão desse espaço, acabou promovendo a fragmentação destes pequenos produtores e diferenciação econômica no interior do Projeto de Assentamento. À luz das premissas dos paradigmas da geografia e da sociologia, se construiu uma matriz teórico-analítica do método de interpretação dos fenômenos, que estruturam os processos sociais no PA Amaralina. Entendendo-se assim, que a produção espacial do presente impacta sobre o futuro. A pesquisa foi fundamentada, nos princípios do método filosófico do materialismo histórico — para interpretação da lógica da realidade desse espaço construído — e teve como eixos norteadores a observação a análise e a síntese, os quais nos permitiram a reflexão da problemática à luz da base teórica e da constatação empírica, para interpretação da realidade investigada, dos elementos que circundam a natureza da significação do contexto geral, e das transformações do modo de vida dos assentados. Para a análise das estruturas espaciais em Amaralina, priorizou-se as categorias de análise da geografia tais como: lugar, paisagem, região, território e espaço geográfico ― sendo o espaço a categoria fundante ― considerando-se que estas, delimitam e configuram as 17 relações entre os objetos e o conjunto das ações. No campo empírico-analítico, se trabalhou as variantes estruturais e conjunturais, mensuradas, por duas escalas temporais, onde se denominou no percurso metodológico de momentos. O primeiro momento refere-se à incorporação do Projeto de Assentamento Amaralina, aos programas operacionais do PRRA, identificando-se as formas de aplicação dessas políticas e as estratégias direcionadas pelo INCRA, CAR, Prefeitura municipal e entidades da sociedade civil, em 1987. No segundo momento, analisou-se a conjuntura de retirada das instituições do projeto Amaralina em 1994. ― Tais instituições públicas, sofreram medidas de desmontes por parte dos governos federal, estadual e municipal ―. A partir desse período, foram constituídos novos modelos de produção e gestão nesse espaço. A nosso ver, a importância do caráter científico desse estudo, reside no fato de que os acontecimentos humanos, históricos e sociais não se dão por acaso, ao contrário, estão sempre relacionados entre si. Mesmo que tais relações não sejam explícitas, evidentes ou conscientes, busca explicar a realidade através da mesma, e em última instância, compreender e analisar os fatos sociais, incluindo-se aí, a história do desenvolvimento das sociedades nas suas mais complexas relações. Dessa forma, compreendemos que a relevância social da pesquisa, se assenta primeiramente, nos elementos fornecidos por ela mesma cujos, deverão permitir aos sujeitos envolvidos a apreensão dos indicadores empíricos e teóricos, margeados sempre pelas categorias presentes — no PA Amaralina, dimensionadas pelo PRRA e pelos movimentos sociais —. Assim, a partir da leitura do resgate histórico e do papel deles mesmos enquanto sujeitos sociais, imbricados com as problemáticas que antecederam e estão presentes na estrutura econômica e fundiária, será possível estes interpretarem o significado dos grupos sociais e das situações históricas. Entendendo assim, que este processo constrói novas apreensões e alterar a conduta no sentido de transformação da realidade dada. Com relação aos procedimentos metodológicos, utilizados na pesquisa secundária, constituiu-se inicialmente, de uma revisão bibliográfica sobre a natureza da produção espacial, a problemática agrícola e agrária, o papel do Estado e dos movimentos sociais. Para tanto, se recorreu às abordagens consideradas clássicas e aos estudos contemporâneos. No entanto, o desdobramento da análise mais aprofundada, se fez na leitura do PNRA e PRRA, 18 analisando-se os próprios planos, projetos, artigos bem como, outros acervos disponíveis sobre estas questões. Quanto a coleta dos dados primários, utilizou-se técnicas com instrumentos de observação participante e entrevistas qualitativas junto a 10 (dez) famílias assentadas no Projeto Amaralina, e 3 (três) técnicos egressos desse projeto. Tendo como base, o roteiro de entrevistas1 criteriosamente produzido para a realização desse pesquisa. Outras informações foram colhidas através de diversas reuniões, seminários, ciclos de palestras com os assentados do PA Amaralina e outros projetos do Município de Vitória da Conquista. Bem como, com lideranças e trabalhadores vinculados ao Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), o Núcleo de Pesquisa Agrária da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vitória da Conquista e os ex-técnicos e assessores do PA. Além, de um valioso acervo de projetos, relatórios e avaliações que a pesquisadora tinha armazenado ao longo do tempo. Com base no estudo do acervo documental, pudemos compreender como premissa básica, que os caminhos que levaram a necessidade da oficialização da reforma agrária no país, sempre foram dicotômicos. Por um lado, fizeram parte de acúmulos históricos de exclusão e resistência da pequena produção e do proletariado rural e urbano. E por outro lado, esta política ao ser determinada por atos institucionais, sempre se afastou dos interesses dos trabalhadores do campo e da cidade. O que de certa forma, promoveu grandes instabilidades políticas e amargos conflitos entre classes sociais. O desenvolvimento do estudo se distribuiu em sete capítulos. O primeiro é parte integrante dessa abordagem, a introdução. O segundo se refere a uma periodização do que poderíamos considerar os antecedentes estruturantes da reforma agrária no Brasil, onde se abordou o modelo de produção do espaço agrário, empreendido no Brasil, desde a chegada do colonizador em 1500. Foi através do Regime de Sesmarias, com doações de porções de terras aos donatários, que foi iniciado, o processo de expropriação dos nativos, com doações dessas terras, aos “novos donos”, ocasionando assim, profundas desigualdades sociais presentes até hoje, na estrutura fundiária. 1 Roteiro de entrevista Apêndice B. 19 Contextualizou-se também, os principais instrumentos jurídicos que normatizaram a forma de propriedade do uso e pose da terra. Dentre eles a de Lei de Posses de 1822, Lei de Terras de 1850 e a Constituição de 1946. Por sua vez, o Estatuto da Terra e o I Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico (PND), nas décadas de 1960/1970, se tornaram instrumentos de estratégias geopolíticas, reguladoras e direcionadas para um tipo de ocupação extensiva, com a abertura de fronteiras nas chamadas “áreas vazias”, para empreenderam grandes projetos da chamada integração nacional, — com aplicação de fortes investimentos nas empresas multinacionais e nacionais —, promovendo assim, o deslocamento das lutas pela reforma agrária. Estes instrumentos foram responsáveis pela nova expansão territorial, dando uma diferente configuração no espaço agrário brasileiro e provocando rapidamente, profundas modificações na estrutura fundiária do país. O terceiro capítulo, nos remeteu a uma análise das estratégias utilizadas pelo governo de transição democrática da “Nova República” e segmentos da sociedade civil, ― ou mais precisamente, o que denominamos a grande pactuação dos “velhos agentes” ― para implementar o PNRA. Este aprovado em 10 de outubro, de 1985, objetivava modernizar as relações no campo. Estrategicamente, visava por um lado, mitigar os efeitos deixados pelo regime militar — levas de trabalhadores sem terra, sem trabalho, em situação de mendicância — e por outro lado, dar solução ao velho problema de abastecimento das cidades ― que se tornava mais crítico ― e absorção dos excedentes populacionais, contingenciados nos grandes centros urbanos. O PNRA foi visto à luz do modelo teórico — objetivos traçados pelas correntes desenvolvimentistas — e operacional — delimitação de metas, áreas e recursos. O quarto capítulo inseriu a Bahia, num contexto estrutural e conjuntural visto os arranjos espaciais para a implementação do PRRA, elencando-se assim, suas particularidades desde a ocupação efetiva pelos portugueses, onde o Estado brasileiro apresentava as aptidões naturais e possibilidades econômicas para implantação da cultura da cana-de-açúcar. Processo esse, que legitimou a primeira trama do poder do Estado e das classes dominantes, configurando-se assim, um padrão de estrutura fundiária altamente concentrada, que historicamente desenhou uma desigual distribuição de riqueza. Daí entender-se o quadro agudizante que requeria urgentes medidas em 1985. O quinto capítulo situa o contexto territorial da pesquisa, o Município de Vitória da . 20 Conquista, onde se insere a delimitação espacial de nosso objeto empírico de estudo o Projeto Amaralina. Nesse sentido, abordou-se a particularidade do Município no contexto regional, como um entreposto comercial de animais no período colonial e sua histórica vocação para a pecuarização, definindo-se com o perfil de grande concentrador de terra e de renda. Para melhor entendermos a urgência de implementação do PRRA em Vitória da Conquista, nos centramos na década de 1970, auge da produção da cultura do café. Esta cultura, ao ser implantada foi paulatinamente, incorporando as áreas da pequena produção de subsistência, provocando mudanças nos padrões tecnológicos, num curto período de tempo. A cafeicultura atraiu grandes contingentes de trabalhadores — já sem terras — para o centro da cidade o que provocou certa densidade urbana e crescimento do comércio. As relações de trabalho entre os catadores de café e os patrões, se estabeleciam nos limites mais perversos da exploração dessa força de trabalho. Os fatores estruturais da política de concentração fundiária e a situação emergencial de retirada de subsídios, por parte do governo aos produtores do café — causado pelo rompimento do Acordo Internacional do Café, em 1985 — levaram o Município a uma crise sem precedentes, ocasionando a redução da produção do café ou mesmo, o reinvestimento na pecuária. O desaquecimento do mercado de oferta de trabalho, a acentuação do fluxo campo/cidade, e, por fim, uma forte depressão social, foram as conseqüências mais imediatas. O sexto capítulo é o subespaço projeto Amaralina, nosso recorte espacial de investigação. Nele se buscou entender o processo de embate travado na produção espacial desse projeto pelos diversos atores presentes. Compreendo que de forma desigual, havia uma convergência de ambos os segmentos nesse campus de poder: a luta pela imediata sobrevivência da produção familiar e pela grande possibilidade da reprodução econômica ampliada desses produtores. O projeto Amaralina não se definiu como uma ocupação espontânea dos trabalhadores, que, por direito, se tornaram seus legítimos ocupantes. Esse empreendimento fez parte de um projeto do governo municipal e estadual, formando um bloco do poder, para atenuar a crise deixada pela “nova” forma, gananciosa de investimentos, na agricultura para produção cafeeira, em larga escala no Município. Estes somaram forças institucionais, políticas e econômicas para moldarem o Projeto de Assentamento. 21 A estratégia inicial da prefeitura local, para suprir as necessidades básicas do Município e da Região, era transformar esse empreendimento tanto num celeiro de abastecimento hortigranjeiro — contando com a força de trabalho dos poucos trabalhadores sem terras, que iriam ser indicados pelo Sindicato Rural e prefeitura — quanto na expansão do solo urbano para a classe média; e áreas de atrativo turístico rural. O que requeria deste poder, de imediato, o controle da posse da terra, tanto através da imissão de posse, como da seleção de seus pares eleitos. Até porque, corriam o risco desta terra ser ocupada pela grande leva de trabalhadores rurais, desempregados das fazendas de café. Mas no processo de implementação, este projeto perdeu fôlego. Por um lado, os objetivos centrais do PRRA, visavam apenas investimento na agricultura — grande parte destes foram aplicados na pecuária extensiva, em detrimento de culturas alimentares. Por outro lado, a correlação de forças — até então naquele momento de definição para ocupação dos lotes —, entre a tríade do poder e os segmentos do movimento sindical, social e da Igreja, tomou dimensões incontroláveis visto a efetivação de qualquer proposta que não contemplasse a grande massa de trabalhadores, sem condição de subsistência naquele momento. E certo que as ações implementadas pelo PRRA, em 1987, através de mecanismos institucionais empreendidos pelos distintos órgãos, visto a definição de um modelo de produção espacial e gestão no Projeto Amaralina, este margeado pelas determinações gerais da política de modernização do Programa de Apoio a Pequena Produção (PAPP), determinou os elementos constituidores de possibilidades de reprodução econômica ampliada de alguns poucos e semi-proletarização de muitos destes assentados. A retirada simultânea da área/projeto de toda estrutura dos gestores, forçou um novo patamar de lutas para estes trabalhadores, que “órfãos”, se engajaram num processo de mobilização junto aos organismos institucionais, com o intuito, de garantirem sua sobrevivência. Ao mesmo tempo, parcela se articulou ao MST, dando início a concepção de outro modelo de assentamento e outras formas de potencialização política, formando redes de ocupações que por sua vez, foram reconfigurando a estrutura fundiária do Município. 22 Entende-se que estes trabalhadores, ao adquirirem a cultura do espaço político e de representação simbólica nos movimentos sociais, construído por eles e outros agentes sociais, ocasionam aí, a “gênese de classe”, reproduzida na organicidade das negociações com o Estado e no interior do próprio projeto, o que faz surgir o lócus da concorrência interna, de certa forma, permite a estes adquirirem um novo ganho de capital social. No entanto, do ponto de vista das conquistas econômicas, a estrutura da organização da produção através das cooperativas implementadas por estes, é uma reprodução do projeto desenhado em 1987, pelo Estado. Dessa forma, percebeu-se que alguns trabalhadores, ao lidarem com as novas espacialidades, admitem o valor desse espaço em todas as suas formas de manifestações e este aparece frente ao processo de produção e reprodução do capital. Neta nesta lógica, a terra é categoria de valor e o trabalho de lucro. No sétimo capitulo considerações finais, elencou-se alguns indicadores estruturantes do modelo do espaço agrário brasileiro; os arranjos institucionais e os mecanismos dos sujeitos presentes, na produção do espaço Projeto Amaralina, consolidando um modelo de gestão à moda interventiva. Com base nas leituras teóricas e empíricas, apontou-se um quadro das tendências mais recentes, ou seja, a posteriori o PNRA/PRRA, tanto para as categorias de grandes produtores e pequenos produtores, essencialmente os do Projeto Amaralina. Por fim, julgamos necessário afirmar de antemão, que esse estudo teve indicadores dinâmicos e temporais em si, e, como tal, não tivemos a pretensão de exaurir tão complexa temática, nem esgotar todas as formulações teóricas existentes, tampouco acreditamos que esta pesquisa, tenha revelado toda riqueza vivida pela pesquisadora, durante seis anos em contato direto com os assentados do projeto Amaralina e as diversas instituições presentes, e nem adentrou totalmente na complexidade que se afigura neste lócus de produção e reprodução das relações sócias até porque, compreende-se exempli gratia que: [....] o espaço organizado pelo homem é como as demais estruturas sociais, uma estrutura subordinada e subordinante. É como outras instâncias, o espaço embora submetido à lei da totalidade, dispõe de certa autonomia (SANTOS, 1978, P. 145). Essa pesquisa objetiva acima de tudo, que o esforço de organização dessas reflexões sirva de estímulo para suscitar novos estudos sobre a compreensão do espaço-tempo histórico, 23 a fim, de que capte as transformações operadas pela realidade que circunda o universo de parcela destes produtores, segregados no Projeto de Assentamento. 24 2 OS ANTECEDENTES ESTRUTURANTES PARA REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL – DAS SESMARIAS À INDUSTRIALIZAÇÃO O estudo da agricultura brasileira tem se caracterizado por amplos debates teóricos acerca dos moldes significativos da penetração e reprodução do capital no campo expressado, sobretudo, no papel dos agentes produtores e reprodutores da estrutura agrária. Dado as formas particulares de seu desenvolvimento, este setor, desde a ocupação efetiva dos portugueses, se tornou elemento preponderante na formação econômica e política brasileira, responsável pela expansão territorial e configuração do espaço rural e urbano do País. Historicamente, a estrutura agrária brasileira tem seu traço fundamental pautado no caráter concentrador da posse e uso da terra, desde os primórdios da colonização, através do sistema jurídico português as sesmarias1. O parcelamento do território através do sistema político de Capitanias Hereditárias2 entre o período de 1534 a 1536 atribuiu direitos e deveres regulamentado por documentos chamados Forais – uma espécie de contrato onde colonos e sesmeiros, tinham que pagar tributos à Coroa e aos capitães-mores para facilitar a colonização das terras. Em que pese às determinações gerais de Portugal limitando estas distribuições à capacidade de exploração a cada concessionário por tempo de uso, para não acumular terras na mão de uma só pessoa. No entanto, Martin Afonso, concedeu estes títulos por uso perpétuo. No tocante à concessão de terras, tinha o donatário poderes para vendê-lo como melhor lhe aprouvesse, sem pensão nem foro, apenas com o dízimo à Ordem de Cristo (um décimo dos frutos colhidos, criado por D. Afonso II), em 1218, em Portugal (MIRAD/INCRA, 1987 p. 15). 1 Convertendo-se na primeira Lei escrita de Sesmarias em 1375, baixada por D. Fernando I, essa Lei tinha a finalidade de obrigar os proprietários a cultivar e semear as terras, caso não o fizessem deveria ceder parte a um agricultor para que realizasse a lavoura, foi de certa forma, uma interferência na propriedade agrária dos senhores feudais de Portugal para salvar a agricultura. Eram lotes de terra incultos ou abandonados que os Reis de Portugal cediam aos sesmeiros para cultivá-lo. No Brasil é uma antiga medida agrária. A légua tem 3.000 braços ou 6.600 metros. 2 Este sistema implantado no Brasil permitiu os seus donatários, grandes regalias diante da administração, podendo implantar engenhos, receber taxas de impostos e distribuir terra. Cada lote era constituído por uma capitania, medindo teoricamente 50 léguas de costa, com 15 lotes doados a 12 donatários. 25 Com expansão, sobretudo, na costa, do litoral baiano, lugar geograficamente favorável à implantação de engenhos de açúcar, entretanto, qualquer outra área poderia está incluída para fins de outras explorações econômicas. Embora houvesse sido estabelecido limites para as sesmarias ─ a área máxima deveria ser de três léguas ou meia légua, dependendo da capitania ─ estes nunca foram respeitados, encontrando-se, nos escritos sobre o assunto, citações sobre os mais abusivos tamanhos de sesmarias concedidas. Normalmente, as sesmarias doadas no nordeste eram maiores do que as doadas no sul. (SILVA, Francisco, 1978, p. 17). Essa produção organizada do açúcar para o comércio europeu, tendo como base o binômio senhor do engenho e o trabalho escravo, tanto desenhou os primeiros passos da formação social e do trabalho no Brasil ─ implantando a propriedade privada, concentrando grandes latifúndios ― como configurou uma forma de colonização do território com distribuição extremante desigual. Foi o modo de produção do açúcar aqui implantado que conformou nos primeiros tempos da colonização o regime de terras e, demais, tôda a sociedade que então sôbre êle se erguia. {...} A sesmaria encontrara no açúcar o seu destino econômico. (GUIMARÃES, Alberto, 1968, P. 45). A estrutura de classe da colônia foi se formando, pouco a pouco, em virtude da necessidade da expansão territorial. Composta pelos senhores de engenho, proprietários, trabalhadores ─ formados por uma extensa massa de escravos negros ─ e segmentos intermediários tais como, os clérigos, mercadores, os assalariados do engenho, ou mesmo os que tinham função técnica e cultural, cumpriam papel importante na realização da atividade econômica imprescindível à colônia. A forma de distribuição de terras entre os sesmeiros do Norte e do Sul, e entre a própria classe dominante, apesar de ter sido desigual, não obstante: A desigualdade na distribuição não iria como nunca foi, ao ponto de extremar, de um lado, imensos senhorios e, de outro lado, pequenos lotes, concedidos a pessoas de pequenos recursos, a homens do povo. Não chegaria a distribuição das sesmarias, por mais desigual e injusta que fôsse, a se afastar dos limites da classe dos senhores. (GUIMARÃES, Alberto, 1968, p. 53). A grande massa se compunha por diversas etnias ─ brancos, negros, índios e mestiços ― vivia esta à margem do processo produtivo, inclusive praticando atividades consideradas pela nobreza de “inúteis e vadias”. Os pequenos agricultores surgiram no contexto agrário da colônia, bastante marginalizados, buscavam alternativas de subsistência plantando em 26 pequenas faixas de terras e limitava-se a produzir gêneros para sua própria subsistência, vendendo o excedente no mercado interno. Eram verdadeiros sítios volantes que se estabeleciam, atravessando no tempo e no espaço todo o período colonial, estendendo suas raízes até tempos mais recentes. Esses tipos, que foram a gênese dos pequenos agricultores No Brasil, sempre foram tidos como “vadios” “ociosos”, {...} eram mandados para novos povoados. {...} Deve-ser lembrado que, ainda além da produção de alimentos, era interessante fixar esses “marginais brancos” nos povoados devido à facilidade de convocação para fins militares e pagamentos de impostos. (SILVA, Francisco, 1978, p. 19, 20, 21). A extinção do regime sesmeiros, através da Resolução de 17 de Julho de 1822, deveu- se á falta de cumprimento por parte dos mesmos, no que se referem os três preceitos que regulamentavam a concessão dessas glebas, quais sejam: 1) mediação; 2) confirmação; 3) cultura. O Alvará de 5 de janeiro de 1785 definiu ser o cultivo das terras a condição essencial. Porém, o inexpressivo cultivo, por parte dos sesmeiros, permitiu ocupação por “posseiros” em escalas crescentes, aumentando o número de estabelecimentos em todas as regiões. {....} o reconhecimento de uma situação insuportável, cujas conseqüências poderiam de tal modo agravar-se a ponto de constituírem uma ameaça à propriedade latifundiária. Referimo-nos a um acontecimento da maior significação para a história do monopólio da terra do Brasil: a ocupação, em escala cada vez maior, de terras não cultivadas ou devolutas, por grandes contingentes da população rural. Foram estes contingentes de posseiros ou intrusos, como passavam a ser chamados, que apressaram a decadência das sesmarias, obrigando as autoridades do Brasil Colonial a tomarem outro caminho para acautelar e defender os privilégios da propriedade latifundiária (GUIMARÃES, Alberto, 1968, p. 59). A partir daí, a ocupação de terras devolutas passou a ser baseada no Regime de Posses que vigorou a partir de 1822. Estabelecida de forma alodial, firmada por contingência, sobretudo, da crise na economia exportadora, permitiu de certa forma, um tipo de expansão espontânea das pequenas unidades de produção. Muito embora, esta categoria tenha se constituído com presença complementar, agregada aos grandes fazendeiros. Desde as sesmarias, a ocupação de terras pelos donatários tinha consolidado um modelo agrário exportados, baseado em grandes propriedades, sujeitou a mão-de-obra escrava para definir uma economia não apenas pelo primado da circulação, mas também pelo fato de 27 próprio trabalhador escravo ter entrado no processo como mercadoria. “{....} Converter-se de livre em escravo, de possuidor de uma mercadoria em mercadoria ” (MARX, 1980, p.121). Desta forma, ele foi objeto de comércio, antes de ser produto direto e produziu lucro entes de começar a produzir mercadorias. Através do cativeiro, o capital organizou e definiu seu próprio processo de trabalho, processo esse, regulado pelas regras do comércio. A dupla função da escravatura, como fonte de trabalho e como capital, na conjuntura de expansão do crédito e dos cafezais, tinha um preço alto. A demanda crescente de trabalho escravo e a elevação do preço desta vinha onerando a parcela correspondente aos rendimentos monetários sob forma de renda capitalizada do fazendeiro. O tributo pago ao traficante de negros correspondia mais que a produtividade do trabalho. Este processo se tornava um ciclo vicioso. A solução seria então a abolição da escravatura, para desonerar a fazenda da renda capitalizada e do tributo pago ao vendedor de mercadoria escrava. Não obstante, se fazia necessária uma lei que incentivasse a imigração de estrangeiros, sobretudo, europeus para produzir uma maior oferta de trabalhadores livres para serem absorvidos nas fazendas de café. Bem como, legislar a ocupação territorial para garantia da negociabilidade das terras e, uma nova garantia para o crédito hipotecário, base do capital, necessária, à manutenção e expansão dos negócios capitalistas dos fazendeiros. As bases para o desenvolvimento do capitalismo internacional, sobretudo da Europa, exigiram uma nova lógica nas relações capital e trabalho, provocando modificações na dinâmica da força de trabalho, promovendo sobremaneira, uma redefinição na estrutura da política agrária brasileira essencialmente através da Lei de Terras de 1850. 2.1 A LEI DE TERRAS, OS PARÂMETROS JURÍDICOS E CONSTITUCIONAIS PARA CONSOLIDAÇÃO DA ESTRUTURA AGRÁRIA BRASILEIRA. A Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, foi uma das mais importantes medidas jurídicas que institui a nova forma de propriedade de uso e posse da terra. Este instrumento foi estabelecido numa conjuntura de exigências do capital internacional, onde este modo de 28 produção necessitava engendrar novas relações com as economias coloniais. Efetivando, assim, o monopólio da terra, conformou imediatamente os novos senhores do Império, da República e posteriormente os cafeicultores de São Paulo. Coube ao Estado através de diversos instrumentos, criar todos os óbicis de acesso á terra para os trabalhadores sem recursos. Essa Lei admitiu todas as terras devolutas como propriedade do Estado. Ficava estabelecido assim, que as terras públicas só poderiam ser adquiridas através da compra. A terra era acessível apenas ao possuidor de dinheiro. Anulava as concessões feitas pelo governo aos migrantes. {....} visava, fundamentalmente, a três objetivos: 1 proibir as aquisições de terras por outro meio que não a compra (Art. 1º) e, por conseguinte, extinguir o regime de posses; 2) elevar os preços das terras e dificultar sua aquisição (o Art. 14 determinava que os lotes deveriam ser vendidos em hasta pública, com pagamento à vista, fixando preços mínimos que eram considerados superiores aos vigentes na país ); e 3) destinar o produto das vendas de terras à importação de “colonos”. (GRUIMARÃES, Alberto, 1968, p. 134). Esse projeto entrou em tramitação em 1843, dado os questionamentos do Senado e da Câmara quanto ao seu caráter frente às modificações de propriedade da terra no país. Mesmo depois da aprovada dessa Lei, passaram-se quatro anos sem sua efetiva execução e só em 1854, foi aprovado seu regulamento, já com bastante alteração quanto a Lei original. Outro aspecto questionado se referia ao preço e forma de pagamento, já que estavam à cima do mercado. Em 1858, foram baixadas instruções permitindo o pagamento a prazo. Concluindo- se, todos estes dispositivos, favoreceram os cafeicultores-latifundiários e dificultou a compra de terras por parte dos migrantes, sendo estes obrigados a venderem sua força de trabalho nas grandes plantações. É necessário se afirmar que particularmente, as Constituições do Brasil, tiveram como princípio os requisitos básicos para legitimação dos grandes proprietários. Na primeira Constituição outorgada em 1824, a polarização fundiária foi o eixo norteador para garantia da participação política, do cidadão nas eleições, na medida em que, seu anteprojeto estratificava os eleitores em graus mediante a renda anual. Como exemplo: um cidadão para ser eleitor de primeiro grau tinha que ter uma renda anual correspondente a 150 alqueires de mandioca. A renda mínima dos eleitores privilegiados seria equivalente a 250 alqueires, deputados 500 e 29 senadores 1.000 alqueires. Esta, ironicamente foi chamada a “Constituição da Mandioca” (grifo nosso). A constituição de 1891, promulgada sob a égide de Proclamação da 1º República, foi resultado de um processo de mudança no regime brasileiro, provocada pelo golpe militar contra a Monarquia, republicanos civis e principalmente contra os produtores de café, que em ascensão, intervinham diretamente nas definições políticas do Estado. Os Estados passaram a ter uma autonomia relativa frente à legislação de terras, estruturando suas próprias políticas fundiárias, provocando inclusive, certa falta de controle nos municípios. Entretanto, o princípio jurídico norteador da propriedade da terra continuou regido pela Lei de Terras. {....} As terras devolutas situadas nos Estado passaram a seu domínio, tocando a União apenas a parcela do território indispensável à defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais (INCRA, 1987 p. 24). Em 1917, é aprovado um Código Civil em substituição ao processo de administração estatal. Este estabeleceu a via judicial, com vistas, à discriminação entre as terras devolutas de domínio de Estado e de propriedade particular. A partir daí, não era mais permitida a revalidação de sesmarias, nem tampouco a legitimação de posses. Apesar dessa medida jurídica, tentar amenizar o processo de distribuição de terras para as oligarquias regionais pelo poder local. Na verdade, a limitação imposta pelo código civil não significou obstáculo para que os diferentes Estados de Brasil continuassem suas práticas de colocar as terras em mãos das oligarquias regionais, visto que tudo que se decidia, legitimava esta relação de poder. Mas se juridicamente, isto se realizava com tranqüilidade, na realidade a necessidade de regularização dos limites das fazendas para definir a situação jurídica da propriedade da terra junto com especulação imobiliária, deu inicio a um período de conflitos, primeiro, dentro da própria classe dos fazendeiros e negociantes e depois, entre estes e os ocupantes das terras. (GERMANI, 1993 p. 46). (Tradução nossa). A Constituição promulgada em setembro, de 1946, teve 85% de seus pares representativos das elites proprietárias. Esta acenou uma proposta de desapropriação oficial de terras para efeito de justiça social (grifo nosso). Em seu art. 147, a Constituição, defendeu o 30 uso da propriedade condicionada ao bem estar social, a lei poderia promover a “justa” (grifo nosso) distribuição da propriedade da terra com igual oportunidade para todos. Ao mesmo tempo, estavam implícitos os limites condicionantes, ou mesmo impeditivos, a estas ações no art. 141, assegurando este, o direito de propriedade com igual oportunidade para todos por utilidade pública, ou por interesse social, mediante “previa e justa indenização em dinheiro” (grifo nosso), mantendo os princípios da lealdade aos grandes latifundiários. Isentou ainda, o imposto territorial de imóveis até 20 hectares, garantiu a propriedade das terras devolutas aos posseiros que nela estivessem produzindo, limitando até 25 ha. Proibiu ainda, os Estados de alienarem ou concederem terras públicas, com área superior a 10 mil hectares. Os interesses classistas foram além do institucional, a própria Comissão Nacional de Política Agrária, criada em 1951, encaminhou um anteprojeto de lei à Presidência da República dando alternativas para o impasse criado, quanto à forma de pagamento em dinheiro, das desapropriações por interesse sociais. Este estava imbuído no custo histórico da propriedade, nos valores de benfeitorias bem como, nos impostos pagos, No percurso histórico de tentativa de efetivação de uma reforma agrária no Brasil, por parte do Estado, estes condicionantes se tornaram um dos grandes empecilhos. Se os elementos de sustentação da economia colonial foram combinados, e, aparentemente investidos, a renda capitalizada no escravo, transformava-se em renda territorial capitalizada3 e a propriedade do escravo, se transfigurou em propriedade da terra, como meio para extorquir o trabalho, e não para extorquir a renda, Esta renda, era, sobretudo, um instrumento de negócios, que moldou de certe forma, um tipo de capitalista personificado no capital produtivo, subjugado pelo comércio e pela circulação da produção. No segundo ciclo, o café, foi a principal fonte de lucro dos fazendeiros, passou a ser a renda diferencial, produzida tanto pela maior fertilidade das terras, quanto através da 3 No Brasil, a renda territorial não significou uma lei baseada na herança feudal. Esta foi engendrada, na própria crise do trabalho escravo, como meio de garantir a sujeição do trabalho ao capital, como substituto da expropriação territorial do trabalhador e da acumulação primitiva na produção da força de trabalho. A renda territorial surge assim, da metamorfose da renda capitalizada na própria personificação do escravo, como forma de capital tributário do comércio, como aquisição do direito de exploração da força de trabalho. 31 exploração do trabalho livre e das concessões estatais. O capital deixou de se configurar no trabalhador para configurar-se no resultado do trabalho. Neste processo capitalista de produção, a mais-valia aparece no produto do capital, como valor que se valoriza a si mesmo, o capital, ao libertar o trabalhador, liberta a si mesmo. Na relação ente o colono e o fazendeiro, a propriedade fundiária consolidou fundamentalmente as desigualdades econômicas, já engendradas ao longo da história do processo de ocupação e consolidação da economia brasileira, tendo como suporte mediador o Estado, que subsidiou os empresários do café, através das finanças provinciais e nacionais, depois, subsidiando a migração. De fato, tanto arregimentou a formação da força de trabalho para a grande lavoura, como criou as condições objetivas em prol da formação de uma classe dominante, através de distribuição de títulos de extensas terras e da regulamentação de diversas leis. Não restam dúvidas, de que o grande ciclo do café, promoveu mudanças na estrutura urbana, agrária e agrícola do país modernizando as relações de integração, da economia no espaço internacional, começando o processo de industrialização. Contudo, mantendo ou acentuando os velhos moldes produtivos ― grandes concentrações de terras nas mãos dos novos empresários do café ― e uma forma arcaica de relacionamento com a mão-de-obra empregada. Só a partir do primeiro Censo Agropecuário, em 1920, foi possível de fato se ter uma visão quantitativa do grau de distribuição e concentração de terras. Apesar da unidade rural pesquisada, ter sido o estabelecimento4, o fato é que,, quase 90% dos estabelecimentos tinham como responsáveis os proprietários de terras. Este Censo acusou 648.153 mil estabelecimentos em área de 175,1 milhões de hectares, ou seja, apenas 20% de ocupação do território brasileiro. Os estabelecimentos com mais de 1.000 hectares, um total de 4% controlavam 64% da área. Enquanto isso, o Índice de Gini5, já se encontrava com valores elevadíssimos 0, 804. 4 O que só permitia medir-se a concentração da posse e não a propriedade em si. 5 O índice de Gini é uma medida de concentração que varia de zero (concentração nula) até um (concentração absoluta). Quanto mais alto o valor, menor a grau de concentração de uma distribuição qualquer. 32 O Censo de 1940, apontou uma lógica da evolução agrária no pais, a progressiva atomização das explorações agrícolas. De 1.904.589 estabelecimentos (quase o triplo do ano de 1920) 414.468, ou seja, 22% deles tinham menos de 5 ha mais de 1/5 dos lavradores, trabalhavam em glebas com tamanho insuficiente para ocupar totalmente a mão-de-obra familiar disponível. O mesmo Censo revelou ainda, que o latifúndio continuava a expandir-se. Tabela 1 Brasil: utilização de terras por atividades econômicas (1940 – 1985) Área total Lavoura (%) Pastagem (%) Matas (%) Incultas (%) Improdutivas (%) 1940 1950 1960 1970 1975 1980 1985 197.720.247 232.211.108 249.862.142 294.145.466 323.896.082 364.854.421 374.924.929 9,50 8,20 11,50 11,60 13,00 15,80 15,70 44,60 46,40 49,00 52,40 51,10 47,80 47,90 24,80 24,10 23,20 19,70 21,80 24,20 23,70 14,80 14,80 11,30 11,40 9,50 6,80 6,30 6,30 6,50 5,00 4,90 4,60 5,40 6,2 Total 2.037.614.395 85,30 339,20 161,50 74,90 38,9 Fonte: IBGE, Censo Agropecuário, 1940. Elaboração: Madalena Noronha. Tabela 2 Brasil: utilização das terras segundo classe de área (1940, 1970, 1985) (em ha) (%) Classe de área (ha) Área total Lavoura Pastagens Matas Incultas Improdutivas Manos de 10 1940 1970 1985 De 10 a menos de 100 1940 1970 1985 100 a menos de 1. 000 1940 1970 1985 1. 000 a menos de 10.000 1940 1970 1985 10.000 e mais 1940 1970 1985 2.893.349 9.083.495 9.986.673 33.112.160 60.069704 69.565.161 66.184.999 108.742.679 131.432.557 62.024.817 80.059.162 109.625.898 33.504.832 36.190.429 54.414.565 56,80 66,00 68,90 24,40 26,20 33,30 9,80 8,70 16,50 3,70 3,10 8,50 1,10 0,50 3,20 18,30 15,10 16,00 30,20 37,60 35,80 46,10 55,30 52,90 53,60 63,00 56,50 41,40 54,30 39,10 5,20 5,20 5,40 16,60 15,30 18,40 19,30 19,90 20,01 25,50 24,30 24,30 44,30 30,40 41,80 15,90 8,70 3,60 22,10 15,30 7,20 17,70 11,50 6,40 11,20 9,50 5,80 8,50 9,20 7,90 3,80 5,00 6,10 6,70 5,60 5,30 7,10 4,60 4,20 6,00 5,00 4,90 4,70 5,50 8,00 Total 866. 590, 587 309,90 615,20 316,01 109,50 82,50 Fonte: IBGE, Censo Agropecuário, 1940. Elaboração: Madalena Noronha. 33 De acordo com os dados da tabela 1 se comparada à realidade do campo de 1940 e 1985, se verificará que em termos globais, o Brasil tinha mais de 45% de suas terras ocupadas por pastagens. Esta tem sido a forma de uso comum para “esconder” a terra mercadoria à espera da especulação imobiliária. Esta evidência é muito acentuada segundo tabela 2 p. 32, quando tomamos os estabelecimentos com menos de 10 hectares ocupando 56% das terras com lavouras, inversamente os estabelecimentos de 1.000 menos de 10.000, utilizam quase 54% das terras com pastagem. Do ponto de vista geral a produção agropecuária na Brasil, foi sempre marcada pela concentração do latifúndio e pela expansão da unidade familiar. Aparece, sobretudo, nos deferentes usos a que a terra esta submetida. Um exemplo expressivo deste processo de concentração da terra esta na distribuição do uso do solo pelas atividades agropecuárias. 2.2 DA INDUSTRIALIZAÇÃO NA AGRICULTURA ÀS REFORMAS DE BASES A crise mundial de 1929, que afetou tanto a economia das grandes potências industrializadas, como a dos países periféricos, obrigou o governo brasileiro a reformular suas diretrizes econômicas. O Brasil continuava a depender dos mercados internacionais e do capital estrangeiro, mantendo seu velho papel, de fornecedor de produtos primários para as grandes mercados. As reservas de ouros acumuladas, praticamente zeraram, provocando uma retenção no crédito internacional, As exportações cafeeiras, foram reduzidas pela metade e em conseqüência se acumulavam estoques de produtos. O descompasso entre a oferta e a procura, somada com grande depressão da economia mundial reduziu o preço da saca de café no mercado internacional. No início da década de 30, o Estado intervém na economia agrícola do país, criando inicialmente o Instituto do Cacau da Bahia e posteriormente (ICB) e o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), cujo papel fundamental era estabelecer a divisão regional do trabalho, direcionando essa produção para o Rio e São Paulo, Enquanto na Região Nordeste, as relações entre o Estado e as oligarquias algodoeiras e pecuaristas: 34 Se interpenetravam no “modelo” DNOCS, enquanto o Estado, controlado agora pela burguesia industrial de São Paulo, praticava uma política de reforço ao debilitamento das bases autóctones da burguesia regional do Nordeste, requisito para a expansão capitalista em escala nacional. (OLIVEIRA, Francisco, 1977, p.70). Mesmo com a intervenção do Estado, através do IAA, a produção açucareira de Pernambuco, jamais poderia enfrentar os estados sulistas. Daí, os produtores assumirem a bandeira de defesa da região em seus próprios interesses, visto que a desorganização da produção geraria desemprego para a massa de cortadores de cana e poderia colocar em cheque a ordem nacional, É importante ressaltar, que no setor agrícola, a expansão da produção, realizou-se sensivelmente, através da incorporação de novas áreas à cultura da cana. Com a política econômica, enveredada para uma nova dinâmica na acumulação de capital, a industrialização passou a ser, segundo Celso Furtado (1981), o fator dinâmico principal no processo de criação da renda, Os números refletiam a extraordinária transformação de um país agrário-exportador, para um país que buscava se assentar na produção industrial, voltada para o mercado interno. As grandes consolidações da industrialização do país vieram já no Estado Novo com a criação do Petróleo Brasileiro S.A. (PETROBRÁS) e a Companhia Siderúrgica Nacional de Volta Redonda. Porém, o impacto causado pela segunda Guerra Mundial aos países europeus, desorganizando o comércio e os transportes, favorecendo a economia açucareira. Embora os preços do açúcar subissem com a inflação, no período da guerra (1939 – 1945), tivesse havido uma sensível queda na produção nordestina, o Centro-Sul, dispondo de um mercado consumidor na própria região, teve um grande crescimento, {...} enquanto a produção nordestina, destinada principalmente ao consumo fora da região, teve um decréscimo na ordem de 10,9% entre 1930 e 1945, a produção do Centro-Sul, voltada diretamente para o mercado da própria região, e a ela ligada por ferrovias e rodovias, apresentou, no mesmo período, um crescimento da ordem de 27,3%%, (ANDRADE, Manuel, 1981, p, 68). A modernização centralista do “Estado Novo” implantou tanto uma série de órgãos, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) criado em 1942, ⎯ desenvolvendo importante papel no manejo das políticas territoriais ⎯ quanto o 35 disciplinamento entre capital e trabalho — através do controle dos sindicatos e a concessão lenta e gradual das leis trabalhistas postas em prática pelo Ministério do Trabalho —. Na década de 1950, havia predomínio de duas correntes de pensamentos sobre o desenvolvimento do país, uma, defendia a desnacionalização, ou seja, a vinculação da economia brasileira ao capital estrangeiro. A outra outorgava a preservação das riquezas nacionais, o desenvolvimento de um capitalismo nacional e se punha contra o monopólio do capital estrangeiro. A definição do Brasil foi de facilitar o investimento de capitais privados, estrangeiros, sobretudo, em associação com os nacionais. A industrialização foi também fortemente estimulada, pela manutenção de uma política cambial, que favorecia a importação de matérias-primas e equipamentos. A Comissão de Trabalho Brasil Estados Unidos para o Desenvolvimento foi implementada para criar as condições necessárias, no sentido, de promover, o desenvolvimento do país1, fazia apelo ao capital estrangeiro de preferência sobre a forma de empréstimo para promover a rápida industrialização; alterações substanciais no regime de propriedade da terra e uma política fiscal adequada2. As grandes unidades capitalistas se opuseram a internacionalização da produção industrial. Os banqueiros internacionais estavam acostumados a tomar empréstimos para assegurar o controle da comercialização agrária ou para explorar investimentos mineradores ou mesmo, de infra-estrutura, quase sempre com o aval dos Estados Nacionais, e muitas vezes, com garantias que incluíam o controle dos impostos para assegurarem o retorno dos juros e de capital. Mas o fato é que, na década de 50, o capitalismo oligopolista refez as relações entre Estado e empresa nas economias centrais. Fosse porque as políticas nacional- 1 Tinha como eixo referencial, o arcabouço da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), que na década de 1940, propunha uma política de industrialização para a América Latina com base na reorganização do comércio mundial. 2 Tratava-se de obter nos países periféricos, resultados equivalentes aos que se obtiveram nos países centrais, alterando-se a posição relativa das economias periféricas no comércio internacional, urbanizando-se as regiões (como conseqüência da alteração da divisão social do trabalho entre campo e cidade), industrializando-se a economia e tecnificando a produção agrária. 36 desenvolvimentistas haviam dado frutos, protegendo os mercados locais e incentivando a industrialização, fosse porque as empresas internacionais passaram a operar e a competir em escala mundial, começando a processar-se uma nova divisão internacional do trabalho. Não obstante, uma década depois, através da política norte-americana ― especialmente, as apontadas para os países em processo de desenvolvimento dependente ― foi explicitamente patrocinada, formas mais ativas de cooperação internacional, através da criação do Banco Interamericano, passando a financiar projetos de reforma agrária e infra- estruturas. Apesar desse processo ter se dado, de modo “tardio” na América Latina, ele esteve imbuído de um mecanismo de controle da ampliação do leque de relações que o governo brasileiro passou a estabelecer com Cuba. O perfil da economia brasileira da década de 1960 deve ser entendido, tomando-se como referencia básica a segunda metade dos anos cinqüenta, onde o padrão de acumulação foi assentado nas bases do chamado Plano de Metas do Governo Juscelino Kubstschek, que veio consolidar o bloco de atividades produtivas iniciado no governo Vargas, com intervenção do capital norte-americano. O padrão de acumulação de capital imposto no novo ciclo centrava-se, agora, numa expansão sem precedentes do chamado Departamento III da economia; em si mesma, a viabilidade dessa forma de expressão era, até certo ponto, previamente assegurado pela concentração de renda que se havia gastado no período anterior: era para a existência de uma demanda “reprimida” que apontava a análise da economia brasileira, realizada pelo Grupo Misto BNDE-CEPAL, em 1945, e que sem sobra de dúvidas, constituiu-se na base do Plano de Metas, (OLIVEIRA, Francisco de, 1977, p, 84). O Plano modificou a estrutura econômica do país, voltado preferencialmente para os setores de ponta da estrutura industrial, afetou todos os setores básicos do transporte à estrutura territorial com a construção de Brasília, criação da Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE)3, redefinindo a estrutura de circulação que o Estado procurou assentar no espaço nacional. 3 A criação da SUDENE, em dezembro de 1950, tinha como objetivo central a tentativa de superação do conflito de classes intra-regional e de uma expansão, pelo poder de coersão do Estado, do capitalismo do Centro-Sul. 37 A industrialização ocorrida no Nordeste se deu no campo da transferência da hegemonia da burguesia internacional, associada ao Centro-Sul, implantando fábricas e unidade produtiva, assegurou assim, o monopólio do espaço econômico nacional e, promoveu o crescimento e a modernização do setor agropecuário de produção para o mercado interno. Esse processo de integração de setores da economia nordestina à economia nacional, além, de não ter solucionado as grandes disparidades regionais entre Nordeste e Sudeste também, não gerou potencialidades de geração de emprego capaz de absorver a mão-de-obra da região, na medida em que as taxas de desempregos e as emigrações permaneceram elevadas. O período político de 1961, no Brasil, foi marcado por tentativas de rompimento com a velha lógica da classe dominante agrária: efetivar uma política de reforma agrária. Contida nas propostas do Plano de Reforma de Base ― reforma agrária, tributária, educacional, sobre remessa de lucros e outros ―, cujas, só foram assumidas diretamente pelo governo João Goulart depois de fracasso do Plano Trienal. Um dos motivos do fracasso desse plano, foram as circunstâncias de deterioração da economia brasileira, provocada pelo processo de modernização das relações capitalista de produção, implementado pelo presidente Juscelino, que deixou como herança avassaladora, o declínio das receitas totais, das exportações e a forte concentração de renda, exigindo do novo presidente Goulart, medidas de grandes impactos. O debate no seio da sociedade foi centrado particularmente, na proposta de reforma agrária na medida em que qualquer avanço nessa estrutura necessitava modificar a Constituição de 1946, essencialmente o Artigo 141. O presidente encaminhou ao Congresso Nacional uma mensagem com o anteprojeto de lei e, posteriormente, formalizou a Emenda nº. 5 de 1963, que teve sub-escritura de diversos parlamentares progressistas, apresentando como proposta: que o uso da propriedade fosse condicionado ao bem-estar social e para tanto, a lei poderia, inclusive: 1- Dispor sobre a justa distribuição da propriedade com igual oportunidade para todos e para esse único feito regular a desapropriação dos bens indispensáveis, assegurando através da regularização de desapropriação dos 38 bens indisponíveis, assegurando ao proprietário indenização justa mediante títulos da divida pública, resgatáveis em prestações sujeita à correção do valor monetário, em limite não superior a 10% ao ano, (SILVA, José, 1996, p, 26). Previa ainda, a desapropriação de 100 quilômetros de cada lado de todas as rodovias federais; bem como, as terras em torno de açudes, abarcando, inclusive, os bens urbanos e rurais, fossem eles móveis ou imóveis. Entretanto, foi apresentando outra emenda, propondo, que as desapropriações fossem efetivadas apenas em imóveis improdutivos com mais de 500 hectares, ainda assim, com correção monetária integral dos títulos fornecidos em pagamentos; aprovação do Estatuto do Trabalhador Rural4 e definição de áreas prioritárias em todas as unidades da federação e inclusão destas. No pretenso plano de reforma agrária, estas propostas, provocaram descontentamento junto aos empresários da agricultura brasileira. O presidente, após o comício da Central no Rio de Janeiro, realizado em 3 de março de 1964, e da assinatura de criação da Superintendência de Política Agrária (SUPRA), enviou ao Congresso uma mensagem de abertura da Sessão Legislativa, justificando a necessidade de atender os anseios populares e as justas aspirações populares, mediante o caos social e econômico em que se encontra o país, sugeria providências nas alterações constitucionais, pleiteando inclusive, a supressão da palavra prévia e da expressão em dinheiro por desapropriação por interesse social. Também, propunha voto dos militares, dos analfabetos; reforma universitária e um plebiscito, mediante voto de todos os brasileiros maiores de 18 anos. Após seis dias do comício, a direita paulista, o empresariado, os militares, padres, freira e as famílias católicas lideram a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” (grifo nosso), lideraram uma passeata pelas ruas centrais de São Paulo, com aproximadamente 300 mil pessoas. O Estado de São Paulo preparava ali, a derrubada de João Goulart. A continuidade de um sistema político e econômico, que necessitava do apoio da democracia de massas, iniciado desde 1945, até a queda de João Goulart em 1964, se 4 Que concedia aposentadoria por invalidez, reduzido apenas à metade de um salário mínimo por mês ─ reivindicação unificada, pelas Ligas Camponesas, União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícola (ULTAB), dentre outros organismos. 39 sustentou, e, ao mesmo tempo, se inviabilizou na persistência dos seus representantes sobre a visão estrutural do país, Segundo Celso Furtado (1981), o processo de industrialização, embora tenha se intensificado na década de 1950, não foi capaz de adquirir autonomia perante os fluxos do mercado externo. O próprio desenvolvimento industrial passou a depender crescentemente de capitais estrangeiros, não se criando uma camada empresarial, capaz de formular uma política autônoma em relação a estes interesses. A burguesia agrária se manteve na posição ideológica, orientada, desde o Brasil colonial na defesa do status quo, respaldada pelo poder Legislativo ― representante do grupo fundiário de atuação mais anti-social —, conseguiu sempre se mover dentro de uma frente ampla, confundindo seus interesses com o conjunto das políticas para a agricultura. Foi criado por este grupo um forte empecilho para a tomada de consciência da classe capitalista industrial, que vivia na contradição entre os interesses da industrialização e dos grupos que controlavam as terras utilizadas para a produção alimentar. É evidente que nas marchas e contra marchas, ficava claro, que o reformismo compunha com setores heterogêneos para a preservação do poder. O direcionamento das ações num quadro, onde a consagração do Estado era a única solução dos problemas sociais e econômicos, a queda do João Goulart e a ascensão dos militares significa dizer, que cessava um processo de “democratização” do Estado nos moldes mais efetivos do “populismo nacionalista”. 2.3 A ASPEREZA DO ESTADO: DO ESTATUTO DA TERRA À (DES) INTEGRAÇÃO TERRITORIAL Se no plano político, o Brasil, assistia na década de 1960, a “vacância militarista”, com perdas dos direitos civis1, no plano administrativo, a estratégia dos governantes, foi via planejamento da integração produtiva tendo por base instrumental, a regionalização da grande indústria oligopólica ― privada e estatal ― que reforçou a troca de mercadorias entre os 1 Em abril de 1964, foi promulgado pelo Congresso Nacional o general Humberto Castelo Branco, permanecendo no poder até 1967, Sucederam-se outros atos tais como: cassação de partidos políticos, fechamentos de associações vinculadas ao movimento social, indicações de governadores. Enquanto o poder Legislativo perderia para o poder executivo grande parte de suas funções. A absoluta autoridade do pode Executivo estava respaldada pela Lei de Segurança Nacional. 40 diversos pontos do espaço brasileiro. O viés do planejamento regional impulsionou esse processo utilizando a correia do repasse, dos incentivos fiscais e financeiros. Com ele se propagou a relação de produção capitalista no interior dos espaços diferenciados do país, com a transferência de frações do capital produtivo para regiões menos industrializadas, ocorrendo mudanças profundas na estrutura fundiária. O governo efetivou uma política agrária, baseada em mudanças legais e institucionais, tendo como instrumento maior o Estatuto da Terra, Lei nº. 5.504, de 30 de novembro de 1964, elaborado para estimular e privilegiar o desenvolvimento e proliferação de grandes empresas rurais, bem como, controlar os movimentos pró-reforma agrária existentes no Brasil. A criação do Ministério de Planejamento, da Coordenação Econômica e do Programa de Ação Econômica do Governo (PEAG), buscava atingir metas para equacionar as “disparidades regionais” e a necessidade de ocupação econômica da Amazônia. Com base mos relatórios sobre a problemática agrária no Nordeste, o governo tomou como medida a extinção da Superintendência de Política Agrária (SUPRA) ⎯ instituída no governo de João Goulart ⎯ criando o Instituto de Desenvolvimento Agrário (INDA) e o Instituto Brasileiro Reforma Agrário (IBRA), para cuidar dos assuntos agrícolas e complementares à “reforma agrária”, centralizando e subordinando a coordenação dessas ações através do Ministério Extraordinário. Nesse mesmo ínterim, o governo convoca um grupo, que anteriormente, se ocupara de um estudo sob a questão agrária no Brasil, para elaborar o Estatuto da Terra. O presidente encaminhou ao Congresso, a mensagem nº. 33 juntamente com o Projeto de Lei que dispunha sobre o Estatuto da Terra, tendo por base a aprovação da Emenda Constitucional aprovada em dez de novembro de 1964, ⎯ a mesma emenda que fora negada a João Goulart ⎯ abrindo assim, um caminho para a promulgação do Estatuto da Terra, que colocava um hiato no Art. 141 da Constituição de 1946, visto seu atenuante impossibilitador de execução da reforma agrária. O que daí, permitiria o pagamento das desapropriações em títulos da dívida pública, com correção monetária resgatável, no prazo máximo de vinte anos. Foram ainda introduzidos, nada menos do que dez mudanças na Constituição, dentre elas: a transferência do Imposto Territorial Rural (ITR) dos municípios para a União; concessão aos municípios do produto de arrecadação do ITR; abertura da exceção para pagamento das desapropriações rurais em dinheiro; introdução da figura do latifúndio; criação do Instituto 41 das Áreas Prioritárias; obrigatoriedade da autorização do Senado Federal para concessão de áreas de terras públicas superiores a três mil hectares e ampliação da área de até 100 ha para o usucapião. A partir daí, se deu a prerrogativa para aprovação da lei básica ─, referendada pelo Congresso Nacional, que apenas introduziu tímidas modificações no texto original ─. O Estatuto da Terra regulamentou os direitos e obrigações aos bens imóveis e rurais, para fins de execução da reforma agrária. Foi a lei pioneira concebida pela tecnocracia, que passou a exercer influência decisiva tanto no período do governo dos militares como referenciou o Plano Nacional de Reforma Agrária, no governo subseqüente. O governo, ao propor o Estatuto da Terra, obedeceu a uma motivação distinta daquela que estimulou a concepção da reforma agrária do governo Goulart. Por um lado, usou este, como medida atenuante de repressão, aos movimentos que vinham lutando pela reforma agrária; propagandeou o ITR e as medidas que se dispunham à distribuição de terras aos camponeses, Por outro lado, legitimou o grande capital agrário elevando a produtividade da terra. Tendenciosamente, o Estatuto foi casuístico e dividia-se em dois grandes temas: o da reforma agrária e da política de desenvolvimento rural. Esta teve grande aplicabilidade, sendo um instrumento importante na melhoria da agricultura convencional, como a criação do Sistema de Credito Rural, mobilizando toda a rede bancária ruralista. O governo para administrar as contradições do capital, transformou os capitalistas nacionais e internacionais em grandes detentores de propriedades de terra, através de programas de incentivos fiscais e ao mesmo tempo, instituiu órgãos como a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e o Banco da Amazônia, com objetivo de canalizar investimentos para projetos agrícolas, pecuários e industriais. As novas modalidades tiveram duas opções: a primeira assegurou a sobrevivência econômica e política das oligarquias fundiárias controladoras do poder regional nos estados do Centro-Oeste. Assim, não haveria privação da renda da terra. Privação esta, que seria a alternativa por meio de uma reforma agrária que abrisse o território à expansão capitalista. A segunda opção foram os incentivos fiscais concedidos às grandes empresas multinacionais, 42 para assegurar rentabilidade aos novos investimentos, que oferecia desconto de até 50% sobre o imposto de renda devido pelos empreendimentos situados nas áreas mais “desenvolvidas” do país, na imposição destes efetivarem depósitos no Banco da Amazônia. O Governo sucessor ⎯ General Costa e Silva (1967-1969) ⎯ deu continuidade ao cumprimento do plano político e econômico. Incentivou e fortaleceu o crédito agrícola e industrial, estabelecendo, em setembro de 1967, a resolução 69, determinando que: 10% dos valores que entrassem nos estabelecimentos teriam que ser aplicados em operações de crédito rural. Outra medida vinculada ao sistema financeiro foi a criação do Banco Nacional de Habitação (BNH), que abriu crédito à população para adquirir imóveis em longo prazo, emprestando, vultosas somas às construtoras, aumentando o lucro das mesmas, enquanto o crédito da população era reajustado trimestralmente de acordo com a inflação, Dessa feita, o governo não só se centralizava o desenvolvimento da Amazônia, como ampliou o raio da ação para a região Centro-Oeste, criando a Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste (SUDECO), vinculada diretamente ao Ministério do Interior, criando também o Grupo Executivo de Reforma Agrária (GERA). O presidente, ironicamente através do Ato Constitucional nº. 9 de 25 de abril de 1969, regulamentado pelo Decreto Lei 554, modificou também a Constituição, eliminando a necessidade do prévio pagamento das desapropriações e estabelecendo novas formas de fixações de justo preço. Foi um mero adido ao Estatuto, ou uma fleumática fase. Esse Ato foi derrubado pelo Tribunal Federal de recursos, em 6 de novembro do mesmo ano, onde foi declarada a inconstitucionalidade do Artigo nº. 11º do referido Decreto Lei, não sendo restabelecido pala Constituição subseqüente. Essa fase fiscalista consumiu os dois primeiros governos militares, deformou a RA e enganou os sem-terra. A redistribuição de terras foi simplesmente ridícula; menos de 300 famílias assentadas anualmente durante o primeiro qüinqüênio da vigência do Estatuto da Terra. (SILVA, José, 1996, p.48). Na política de tributação progressiva dos dois governos militares, com forte injeção de subsídios fiscais e creditícios bem como, a própria mobilização para ocupação da “terra prometida” às grandes empresas. Inicia-se a marcha da privatização do regime de 43 propriedade de terra no pais. Tendo um crescente ritmo entre 1960 e 1970, de ocupação das terras tida como devolutas, com 48,09%, para os estabelecimentos acima de 1.000 hectares, enquanto que, o aumento do número de posseiros na faixa de 5 até 10 hectares foi de apenas 11,49%. No governo Médici, (1969 – 1974), o planejamento estratégico, através da formulação do I Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico (I PND), tinha como objetivo incrementar as políticas territoriais através da estratégia de integração nacional. O governo visava essencialmente, transformar o Brasil em uma potência econômica, capaz de competir com a grande indústria internacional. A mudança da política fundiária em curto período representou uma vitória para os contra-reformistas. Os defensores dessa posição admitiam que agricultura tivesse cinco tarefas para cumprir o processo de modernização: 1) aumentar a oferta de alimentos; 2) suprir o setor industrial de matérias primas; 3) aumentar a produtividade, liberando a mão-de-obra; 4) aumentar os produtos exportáveis; 5) financiar o desenvolvimento, para transferências de recursos ao setor primário e secundário. Para dar suporte ao projeto político e econômico, o governo implementou, em 1970, o Plano de Integração Nacional (PIN). Esse foi um instrumento de promessa da incorporação de vastas populações ditas “marginalizadas”, ao processo de desenvolvimento do Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sul. Em sua efetiva prática de execução, este não significou qualquer possibilidade de integração destes segmentos, mas sim, os integrou ao programa da Amazônia no circuito de alargamento de suas fronteiras econômicas e fundiária, e, secundariamente às demais regiões. O discurso tinha apoio no Programa de Redistribuição de Terras e Estímulos à Agroindústria do Norte e Nordeste (PROTERRA) ─ dado às condições de miséria dos trabalhadores sem terra, assolados, sobretudo, pela seca, mas que, ironicamente, veio ressuscitar o pagamento em dinheiro das desapropriações por interesse social ─ e no Programa de Desenvolvimento do Centro-Oeste (PRODOESTE), bem como no Programa Especial para o Vale do Rio São Francisco (PROVALE). Também definiu uma série de medidas agressivas, dentre elas: a construção da rodovia Transamazônica, ligando o Nordeste ao extremo-ocidente da Amazônia. Além desta, também foi construída a Cuibá-Santárem, que 44 ao lado das demais já existentes, estruturava o fluxo de circulação dentro do projeto de integração nacional (grifo nosso). Com a criação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária2 (INCRA) substituindo os organismos encarregados da problemática fundiária (INDA E IBRA), este, ficou responsável pela a colonização oficial da Amazônia. Essa colonização previa o assentamento de pequenos produtores — nordestinos principalmente —, o projeto incluía agrovilas e núcleos urbanos. No entanto, se transformou num grande empreendimento para os grupos econômicos se desenvolverem tempo em que, tiravam do eixo da colisão, trabalhadores, governo e empresas privadas. Os trabalhadores rurais sem terra, sem organização junto à qual pudessem continuar suas lutas, tiveram de buscar saídas individuais, Uma delas foi a colonização na região Amazônica pela propaganda oficial, havia terras em abundância à espera dos colonizadores, {...} Essa política espelhava o interesse do governo em esvaziar os conflitos por terra nos quatro cantos do Brasil. O general Médici a justificava como uma forma de “levar homens sem terra para terra sem homens” (MST, 2001, p, 100). Os Projetos Integrados de Colonização se direcionaram para os grandes grupos de produtores assistidos pelo governo, em créditos e assistência técnica, estes, se localizavam espacialmente no eixo da rodovia Transamazônica. Já os Projetos de Colonização, estavam localizados ao Norte de Mato Grosso. Toda ação governamental se constituía apenas, na demarcação de algumas terras e distribuição do título aos proprietários. Os pequenos produtores que foram admitidos no projeto, não tiveram subsídios suficientes para efetivamente tocarem a produção, isto tanto os impossibilitou de se reproduzirem, como propiciou um forte movimento de perda de suas terras, para os grupos internacionais. Para garantir a ocupação pretendida e alargar as fronteiras econômicas do país, o governo investiu um milhão de dólares na região Oeste, implementou infra-estrutura urbana e pré-condição material. Demarcando assim, um novo ritmo na configuração territorial do país, pelas formas particulares de penetração do capital na agricultura, desenhando espaços, produtivos e espaços estagnados, Nesse sentido: 2 Criado neste período o Decreto Lei nº. 2.110, de 11 de julho de 1970. 45 A colonização no Brasil tem se construído, historicamente, na alternativa escolhida pelas classes dominantes do país para evitar, simultaneamente, a necessária reforma estrutural do campo e suprir-se da força de trabalho para seus projetos de fronteiras, Dessa forma, a abertura das novas fronteiras de ocupação na Amazônia sempre trouxe consigo esse caráter contraditório da formação da estrutura fundiária brasileira no seio da lógica do desenvolvimento capitalista, Assim, o processo que leva os grandes capitalistas a investirem na fronteira contém o seu contrário, a necessária abertura dessa fronteira aos camponeses e demais trabalhadores do campo. (OLIVEIRA, Ariovaldo, 1991, p. 142). O presidente Geisel governou de 1974 a 1979, através do II PND, modificou o enfoque das diretrizes de desenvolvimento. A ênfase dada ao crescimento econômico, sobretudo, para os setores de exportação, como os grandes empreendimentos monopolistas, requereu do governo, uma estratégia básica, no que diz respeito às políticas territoriais, engessadas pelos pólos regionais industriais Agropecuários e Agro-minerais da Amazônia. A implantação desses pólos se deu em áreas prioritárias, para viabilização de atividades produtivas — incentivando as empresas privadas ― levou o governo a criar, em 1974, o Programa Especial de Pólos Agropecuários e Agro-minerais da Amazônia (POLOAMAZÔNIA), A região já apresentava indicadores propícios tais como: certo dinamismo e vocação para esta atividade bem como, concentração econômica e populacional, Para consubstanciar esse processo da produtividade através do desenvolvimento agropecuário, o governo considerou a necessidade do pequeno produtor também se organizar de forma empresarial. Neste sentido, reestruturou o papel do INCRA, o qual passou a comercializar grandes áreas de terras mais precisamente para as cooperativas da Região Sul do país. Este órgão: Coerente com o seu firme papel, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) introduziu algumas modificações em sua atuação, Dentre uma delas, a eliminação dos projetos Integrados de colonização (PIC), os quais foram substituídos pelos pólos de desenvolvimento que tratavam de organizar toda uma série de pequeno, médio e grandes empresas, O INCRA passou a dar prioridade aos “projetos de assentamentos dirigidos” e aos “projetos integrados agroindustriais”, A novidade mais significativa, foram os projetos de colonização realizados pelas cooperativas do Sul e Centro-sul, implantados principalmente na área do Amazônia Legal, Neste último cabia ao INCRA somente a discriminação, titulação das terras, permanecendo as obras de infra-estrutura a cargo de outros órgãos de governo. (GERMANI, 1993, p. 228). (Tradução nossa). 46 Por outro lado, a consolidação da grilagem no Governo Geisel foi altíssima, levando inclusive, o Senado Federal a questionar as bases da política de distribuição das terras públicas para grandes grupos implementadores das atividades agropecuária, mineradoras e florestais na Amazônia Legal. Estas terras griladas, tanto criaram problema na cadeia dominial, como no investimento em outros setores que não a agricultura. O INCRA distribui nesse período 21 títulos definitivos, acima do módulo de 100 hectares. Foram beneficiadas grandes empresas como o projeto Jarí, do norte-americano Daniel Ludwig, ―1,5 milhões de hectares ― o grupo Volks-wagewm ―140 mil ― dentre outros. O perfil da grilagem oficializada no Brasil sempre foi assustador, O Governo Federal através do INCRA, para dar cumprimento à Portaria 558/99, que tratava do levantamento dos proprietários/detentores de imóveis rurais, cadastrados e não cadastrados, fez um mapeamento dos imóveis que não atenderam a notificação. De um total de 3.065 imóveis notificados, totalizando área de 93.803.340 hectares, 2.438 com área de 46 milhões de hectares, representando 47%, não respondeu a notificação. A pesquisa verificou uma tendência da não apresentação dos documentos por parte dos proprietários de imóveis de área até 10.000 ha, uma vez, que a proporção tanto em número quanto em área dos imóveis inadimplentes, cresceu assustadoramente. Exceção para o estrato de 500 mil a menos de um milhão de hectares que em sua maioria são de empresas de agropecuária. O saldo dessa grilagem é histórico para a estrutura fundiária no Brasil. Essa mesma pesquisa do INCRA, identifica que a maiorias dos Estados, possuíam áreas griladas, com destaque para o Acre com 64% da área; Pará com 35%; Amazonas, 28%; Mato Grosso com 17% e Bahia com 14% da área total de imóveis. Porém, quando demonstrado na figura 2, o total de área, dos imóveis grilados por regiões brasileiras, há uma inversão tendo destaque para a Região Centro-Oeste, com quase 150.000.000 de hectares grilados. Estas terras de ocupações de projetos de colonização antes, ou eram devoluta ou, pertenciam às comunidades indígenas. Coube a União, através do Conselho Nacional de Segurança, as decisões referentes a qualquer proposta nessas áreas. Como já citado, dado as exigências tecnológicas, os poucos pequenos produtores que 47 receberam titulação, terminaram aderindo o movimento de venda das terras para os grandes grupos internacionais. Para dar continuidade ao projeto de territorialização do capital, o governo montou um plano para atingir a Região do Cerrado, através do Programa de Desenvolvimento dos Cerrados (POLOCENTRO). Por ser considera uma área onde as forças de produção já estavam modernizadas, o programa concentrou três milhões de hectares, correspondendo a 15% do território, essa área potencialmente aptas à produção agrícola, englobou os Estados de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso do Sul. Foi través da criação do Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste (POLONORDESTE) ─ com a filosofia pautada no Programa de Desenvolvimento Rural Integrado (PDRI), subvencionado pelo Banco Mundial ─ que o governo até 1984, dinamizou os subsídios para as relações de modernização da pequena produção no Nordeste e Norte de Minas Gerais. Entretanto, a própria ineficiência governamental na sua forma de elaboração e execução dos programas, ocasionou o fracasso dessa proposta. Figura 2 Imóveis grilados no Brasil (1998) Fonte: INCRA, 1998. Elaboração: Madalena Noronha. 0 50.000.000 100.000.000 150.000.000 200.000.000 250.000.000 300.000.000 350.000.000 400.000.000 450.000.000 No rte No rde ste Su de ste Su l Ce ntr o-O es te Br as il Regiões H ec ta re s 48 O presidente Figueiredo (1979-1984), ―o último dos militares a governar o pais ― apesar do propósito de dar continuidade à política econômica e fundiária, teve que operar mudanças no curso desse projeto: Sua intenção foi desacelerar o processo de modernização agrícola, através da transformação do crédito rural o que antes era crédito especial, destinado a incentivar a produção agrícola se converteu em um crédito normal, com os mesmo encargos (de interesse e correção monetária) que os outros créditos existentes na economia, A política de subsídios se manteve para alguns sub- setores – como o trigo e álcool – com a expectativa da sua eliminação gradual, (GERMANI, 1993, p. 230,231). (Tradução nossa). As medidas tomadas, sobretudo, na política de crédito, provocaram um descontentamento para os que viviam sob as benesses do Estado, Mais concretamente, estas provocaram a estagnação do setor agrícola e uma crise no setor alimentar, obrigando o governo a buscar mecanismos atenuantes tais como: importar produtos e gêneros alimentícios bem como controlar preços dos produtos. As ocupações nas terras “devolutas” do Estado, ou mesmo dos indígenas, ― fossem de forma legal pelos os grandes grupos favorecidos e legitimados pelo INCRA, fossem de forma ilegal pelo processo de grilagem ― podem ser compreendidas, na contradição do modo de desenvolvimento do capitalismo na agricultura brasileira. Por um lado, continuou prevalecendo a figura do grande latifundiário improdutivo e por outro lado, as grandes empresas de agroindústrias, detinham o monopólio da terra e da produção. O traço essencial da estrutura fundiária brasileira tem, portanto, o caráter concentrado da terra. Quando observadas as tabela 3 e 4 que diz respeito a estrutura fundiária de distribuição das terras de 1940 até 1985, os dados nos revelam que — apesar das propriedades não terem se expandido sobre os territórios indígenas do Centro-Oeste e da Amazônia — já apresentava traço concentrador, poucos com muitas terras e muitos com pouca terra. Os estabelecimentos agrícolas com mais de 1.000 ha e apenas 1,4% destes imóveis ocupavam mais de 62 milhões de hectares, ou seja, tinham acima de 31% do total das terras. Enquanto isso, 34% dos proprietários de estabelecimentos agrícolas com menos de 10 ha, ou seja, 654.557 unidades ocupavam uma área de apenas 2.898.247 milhões de hectares, menos, portanto de 1,5% dessas terras. 49 Se analisarmos os dados de 1985, essa realidade não mudou. O Brasil, portanto, nestas décadas, aumentou de forma violenta a concentração fundiária. Isto fica evidente, quando tomamos mais uma vez, dois períodos e duas classes extremas na ocupação de terras, por exemplo, em 1985, na tabela 3 e 4, tem-se 2.177 estabelecimentos agrícolas com mais de 10.000 hectares menos de 0,04% do total — uma minoria ínfima — ocupava 56.2 milhões de hectares (15%), enquanto isso uma maioria de 3.085.779 de estabelecimentos agrícolas com menos de 10 ha ocupava pouco mais de 10 milhões de hectares, portanto, apenas 2,6% do total das terras. Tabela 3 Brasil: número de estabelecimentos por classe de área (1940 - 1985) Números de estabelecimentos Classe de área (ha) 1940 1950 1960 1970 1975 1980 1985 Total 1.904.589 2.064.642 3.337.769 4.924.019 4.993.252 5.159.851 5.834.779 Menos de 10 10 a - 100 100 a – 1.000 1.000 a – 10.000 10.000 e mais 654.557 975.438 243.818 26.539 1.273 710.934 1.052.557 268.159 31.017 1.611 1.495.020 1.491.415 314.746 30.883 1..597 2.519.630 1.934.392 414.746 35.425 1.449 2.601.860 1.898.949 446.170 39.648 1.820 2.598.019 2.016.774 488.521 45.496 2.345 3.005.841 2.166.424 518.618 47.931 2.174 Fonte: IBGE, Censo Agropecuário, 1960. Elaboração: Madalena Noronha. Tabela 4 Brasil: área ocupada nos estabelecimentos por estrato de classe (1940 - 1985) Área ocupada (ha) Períodos 1940 1950 1960 1970 1975 1980 1985 Total 197.720.247 232.211.106 249.862.142 294.145.466 323.896.082 363.854.4211 376.289.577 Menos de 10 10 a - 100 100 – 1.000 1.000 – 10.000 10.000 e mais 2.893.439 33.112.160 66.184.999 62.024.817 33.504.832 3.025.372 35.562.747 75.520.717 73.093.482 45.008.788 5.952.381 47.566.290 86.029.455 71.420.904 38.893.112 9.083.495 60.069.704 100.742.676 80.059.162 36.190.429 8.982.646 60.171.637 115.923.043 89.866.944 48.951.812 9.004.259 64.494.343 126.799.188 104.548.849 60.007.700 10.029.780 69.678.938 131.893.557 108.397.132 56.287.168 Fonte: IBGE, Censo Agropecuário, 1960. Elaboração: Madalena Noronha. Enquanto os grandes proprietários ampliavam a escala do latifúndio, se apropriavam das terras, que em princípio se destinavam a absorver os excedentes populacionais contingenciados pela estratégia da “ocupação de áreas vazias”, ocorriam choques inevitáveis entre proprietários, grileiros, posseiros e comunidades indígenas. 50 A Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulgou 715 conflitos cadastrados no país, ocorridos entre 1979 a 1981, 88,1% destes começaram em 1973, sendo que os maiores confrontes em média, 77,6% se deram a partir de 1977 e apenas 11,9% antes desse período. Os conflitos que envolveram um milhão e meio de pessoa, foram bem mais acentuados nas zonas de fronteiras agrícolas, sendo que 146 ocorreram no Sul/Sudeste, 560 no Norte e Centro-Oeste e 207 no Nordeste. A CPT (2002) divulga também um total de 459 conflitos no campo no período de 1971 a 1976. A tabela 5 apresenta o percentual de conflitos por região. Tabela 5 Brasil: Conflitos fundiários (1971 - 1976) (%) Períodos Sul/Sudeste Nordeste Centro Oeste Brasil 1971/1972 27,4 19,4 17,1 20,8 1973/1974 35,5 10,4 18,4 22,8 1975/1976 37,0 70,2 64,5 56,4 Fonte: CPT, 1991. Elaboração: Madalena Noronha. Esse modelo de planejamento das políticas territoriais, de ocupação combinada, com exploração econômica no período dos governos militares, colocou em prática um amplo programa de ocupação efetivamente econômica da Região Amazônica. Em que pese essa lógica já vir ocorrendo, desde a década de 1950 no Centro-Oeste e no Norte do país. O regime militar acelerou o processo de controle da região sob o lema integrar a Amazônia ao Brasil ― para não entregar ― “supondo” “espaços vazios”, muito embora, a região estivesse ocupada por centenas de tribos indígenas, populações ribeirinhas e por produtores rurais. A estratégia direcionada para a ocupação já orientada levava em conta o espaço nacional, com duplo objetivo: preservação das fronteiras internacionais e incorporação da economia internacional. Essa dinâmica do crescimento econômico foi conduzida, por determinantes cada vez menos locais, mais nacionais e externos. A ótica da acumulação as regiões deixaram de existir ― como lócus de acumulação autônoma ―, embora não tenha se dado uma hom*ogeneização total. Ao contrário, especificidades locais continuam existindo, e novas até são criadas. De certo, as dinâmicas regionais se soldam na expansão da crise, porém: Essa é uma realidade tensa, um dinamismo que se está recriando a cada momento, localização, globalização e fragmentação são termos de uma só dialética que se refaz com freqüência. As próprias necessidades do novo regime de acumulação levam a uma maior dissociação dos respectivos 51 processos e sub-processos, essa multiplicidade de ações fazendo do espaço um campo de forças multi-complexos, graças à individualização e especialização minuciosa dos elementos do espaço: homens, empresas, instituições meio ambiente construído, ao mesmo tempo em que se aprofunda a relação de cada qual com o sistema do mundo. (SANTOS, 1997, p. 252). Por fim, as alterações que ocorreram na base técnica da agricultura brasileira, ao longo de regime militar, privilegiaram um modus operandi de reprodução desigual tanto da terra, como do capital econômico e social, reafirmando no próprio caráter do modo de produção capitalista. Essa diferenciação que gera segundo Bourdieu (1995) “antagonismos individuais e coletivos, estrutura um campo de poder ― espaço de relações de força entre os diferentes tipos de sujeitos sociais ― cujas lutas se intensificam sempre no valor relativo, onde o capital é posto em questão pelos sujeitos que atuam dotados de um senso prático, de uma análise adquirida no princípio de visão e divisão, de estruturas objetivas e de esquemas de ações que orientam a situação e a resposta adequada. Politicamente, a existência dessa fissura nas classes sociais, incide diversidades dos atores, na medida em uns representam um desafio permanente às instituições próprias do estado e preservam historicamente os interesses sociais constituídos, por meio da representação em espaços políticos, organizados pelo próprio estado que passa, assim, a desenhar um papel de fundador dos próprios atores sociais. Enquanto outros rompem com a inversão da história, revelando-se portadores de projetos articulados inteiramente fora, em oposição ao estado. Estes projetos evidenciam fatos em que os atores de tal esfera, dispõem de repertórios lógicos e espaços de atuação que não coincidem com os do estado e nem com os do sistema político. Ao mesmo tempo, estes novos atores sociais, ao se organizam em redes, grupos e áreas mais amplas e tendem a ser voláteis, como são os conflitos da ação-direta, podem no âmbito de valores altruístas, assumirem diversos tipos de manifestações: desde aqueles que se esvaziam junto com o próprio esgotamento do circuito reivindicativo, até aqueles que ganham fôlego e passam a marcar presença no espaço político institucional, estabelecendo assim, um novo campo ético-político. O papel político das organizações no campo abriu a possibilidade para novas formas de identidade dos trabalhadores rurais combinando, “direitos legais” e “direitos ilegais”. O 52 percurso e a matriz discursiva dos movimentos sociais, rurais organizados, contribuíram para a base de formulação dos arranjos da proposta de reforma agrária no Brasil. Entre as práticas coletivas que constituíram os grupos em luta, cabe destacar inicialmente os movimentos mais representativos da década de 1950 até 1985, deslanchados pela Ligas Camponesas, na década de 1950, as Comissões Eclesiais de Base (CEBs) na década de 1960; Comissão Pastora da Terra (CPT) em 1975. O Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terras (MST), fundado em 1985, ― numa conjuntura de mudança estrutural quanto o papel do estado, saindo de um ciclo de ditadura militar para a transição da “Nova República” ― tem como lema central “ocupar, resistir e produzir” e como objetos de alcance: a terra; a reforma agrária e uma sociedade socialista. O mesmo teve e vem tendo um papel fundamental nas novas abordagens paradigmáticas do próprio conceito de sociedade civil, com reivindicações pautadas nas culturas políticas de mobilizações, emblemáticas e territoriais por identidade, mudando de um tipo histórico, heterogêneo, socialmente coletivo, para um tipo de sujeito emergente. Promovendo assim, uma mudança no ritmo histórico concentrador e latifundiário do pais. Mesmo diante do auspicioso movimento das forças políticas brasileiras  arregimentadas pelo estado e referendadas por parcela da sociedade civil  para implantação do I Plano Nacional de Reforma Agrária. Este teve como promessas, o rompimento do monopólio da terra, e a desasticulanção dos conflitos no campo. Num processo simultâneo, alguns setores empresariais que já vinham se mobilizando em várias partes do país, a partir das críticas à política agrícola ganham força de organização nacional. Unificados pela crítica à relativa ineficiência das antigas associações de classe, devido, ao caráter tradicional de sua atuação política, orientado para o estado, esses setores deram início ao que viria se constituir na União Democrática Ruralista (UDR). Esta associação da classe ruralista que visava à incorporação de diferentes setores do campesinato, surgiu como uma verdadeira resposta ao momento político. Seu papel na trajetória do projeto de reforma agrária no governo de transição foi bastante determinante. Num primeiro momento, a ação desse grupo, foi de enfrentamento direto com o MST. De acordo com os números expressos na figura 3, só em 1985, foram 171 assassinatos no campo, superando os próprios índices do regime militar. Num segundo momento, a UDR, já 53 beneficiado com o retrocesso do PNRA, passou a investir via assessoria jurídica, fazendo pressão junto à justiça para inviabilizar os processos de desapropriação de terras, na etapa já bastante débil da implantação dos Planos Regionais. No I Encontro da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA), foi avaliada à frustração do projeto de reforma agrária do governo de transição, vistos os limites impostos a qualquer política mais comprometida com as demandas dos setores populares. Referindo-se as dúvidas existentes por ocasião da formação da equipe que deveria elaborar o PNRA, José Gomes da Silva (1996), reflete que apesar dos amplos apelos dos movimentos sociais, para participação na elaboração do PNRA e ao mesmo tempo, o enfrentamento nas Comissões da Constituinte para não permitir as mudanças ocorridas no PNRA, este fatalmente enveredou por caminho contrário à vontade popular, mesmo considerando a forte presença dessa demanda nas negociações, o empenho do governo de transição na elaboração e implantação desse Plano, não atingiu nem mesmo os limitantes termos previstos pelo Estatuto da Terra. Figura 3 Brasil: Assassinatos no Campo (1980 a 1985) Fonte: CPT, 1990. Elaboração: Madalena Noronha As indagações sobre os determinantes da fragilidade política do PNRA são questões que não podem ser resumidas somente a partir do diagnóstico da vocação ou do perfil conservador e aliancísta, da transição política, nem também, nos moldes de enfrentamentos dos empresários rurais. Análises sobre esta questão têm que admitir os limites e contradições postos tanto nas próprias bases do movimento “vanguardista”, quanto nas definições do Plano em suas metas, objetivos e, sobretudo, na dosagem excessiva de burocracia. Essa debilidade 53 69 57 81 127 171 1980 1981 1982 1983 1984 1985 54 apontou o caráter politicamente anacrônico, frente simultaneamente, aos desafios colocados pela forma de desenvolvimento do capitalismo na agricultura e às possibilidades que o avanço das novas forças sociais progressistas, vinha oferecendo à democratização do país como um todo. 55 3 PLANO NACIONAL DE REFORMA AGRÁRIA (PNRA) OBJETIVOS E METAS: AVANÇOS E RECUOS É verdade que os 21 anos que decorreram entre a promulgação do Estatuto da Terra e o fim do ciclo do regime militar, em nome, de uma proposta de redistribuição e modernização da agricultura, com grande parte das propriedades rurais mantidas como reserva de valor, acentuou na estrutura fundiária a lógica perversa da expropriação e exploração. O saldo não poderia ser menos doloroso, sobretudo, para a pequena produção que se fragmentou e se parcelizou, internamente em seus mínimos módulos agrícolas. O discurso do governo de transição sobre o papel da reforma agrária, em oportunizar uma melhor distribuição de renda e romper com o monopólio da terra levou esta política, mas uma vez, a ser o cerne da questão na sociedade brasileira. O apoio das instituições encarregadas de assegurar a credibilidade do projeto da reforma agrária, não se fez tardar. Setores da Igreja, que durante o regime militar, estiveram fortemente marcados pelo seu compromisso com as camadas populares, colocando-se em permanente tensão com o Estado brasileiro. No momento da passagem para o regime civil se viram obrigados a redefinir sua relação com o Estado assumindo, o compromisso com as promessas da Aliança Democrática e com a reforma agrária ainda, nos palanque da campanha das diretas já1. Diante desse desafio e coerente com a sua prática tradicional de assegurar sua auto- reprodução o apoio da instituição ao projeto de reforma agrária do governo, se deu através de um peculiar arranjo de sua visão de mundo, ética e transcendental, com o diagnóstico dos custos sociais da modernização da agricultura, resultando daí um discurso de raízes éticas, vinculado à conquista da democracia, ao alargamento da cidadania para os excluídos do milagre, tendo a reforma agrária à função de corrigir essa defasagem. Nessa perspectiva, a democratização da terra era entendida como pressuposto ético de democratização da sociedade. 1 Exercendo forte influência, chegou a indicar o nome de Nelson Ribeiro para o Ministério da Reforma Agrária de Sarney. 56 Dessa forma, o conceito de reforma agrária, desses setores da Igreja, tinha vários pontos de aproximação com o projeto da Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) defendido desde a década de 1950 ― uma reforma agrária lenta e gradual ―. Em seu discurso a preocupação com a adesão de “todos” demonstrava os termos da ambigüidade, que orientou a sua prática. Por exemplo, às vésperas da aprovação do PNRA e da renúncia de José Gomes da Silva da presidência do INCRA, quando já não restavam mais dúvidas sobre a inexequibilidade da reforma agrária, Dom Luciano Mendes de Almeida, da CNBB, anunciava que a reforma agrária só seria realizada se não fosse apenas um ato presidencial ou de grupos comprometidos com os mais favorecidos, mas quando se tornasse prioridade para todos os segmentos sociais. Na prática, essa máxima, expressava a fragilidade dessa posição num momento em que se acirravam as contradições e os conflitos inibidores do avanço da luta institucional pela reforma agrária. Seu limite ético, definido nos termos do compromisso impunha-lhe a manutenção do projeto distributivista enquanto instrumento de “realização da justiça social” (grifo nosso). E, por conseqüência, a necessidade de negociar com o Estado, um projeto que deveria sensibilizar todos os setores sociais, mas na realidade, envolvia interesses contraditórios e desencadeava conflitos. A Confederação dos Trabalhadores na Agricultora (CONTAG) foi uma das principais articuladora do modelo de reforma agrária institucionalizado. Mesmo na ditadura militar a instituição jogara papel importante e decisivo na aprovação do Estatuto da Terra. A presença da mesma no governo de transição, se deu no plano da consensualidade entre governo e movimento sindical rural, tanto pela implementação da reforma agrária, como pela participação efetiva da elaboração do Plano nacional, bem como na definição das áreas prioritárias para a implementação do projeto. Mantendo sua tradicional prática política ― tendo no Estado seu principal interlocutor ― portadora de um projeto de reforma agrária para o desenvolvimento econômico, não se permitia enfrentar as contradições sociais no campo. A instituição passa pelo governo de transição, dividida entre a contingência de legitimar espaços de poder e a necessidade objetiva de assegurar sua credibilidade, junto aos trabalhadores rurais das diferentes categorias existentes no campo. 57 Em que pese essa instituição ter sofrido pressões pelas “novas forças” do movimento social, sindical, do Partido dos Trabalhadores (PT) e do MST, aglutinados em torno da Central Única dos Trabalhadores (CUT), o que a levou a redefinir o diálogo com o Estado, resultando no novo pacto político, o qual assegurou sua hegemonia junto aos movimentos sociais no campo. Isso pode ser percebido na comparação entre as decisões do 3º Congresso da COTAG, realizado em 1979, onde as resoluções procuravam fortalecer a estrutura sindical, ampliar a participação da base e compor uma pauta de reivindicações. O projeto de reforma agrária, definido como bandeira unificadora de todas essas lutas, garantida pela aprovação do encaminhamento das reivindicações, por pressão coletiva, parecia prometer avançar para além dos estritos limites da legislação existente ― o Estatuto da Terra ― e, no que se referia à estrutura sindical, condenava o sindicalismo atrelado e demonstrava maior liberdade e pluralidade sindical. Já o 4º Congresso, realizado em maio de 1985, se deu em um clima bastante conflituoso, com outros setores que defendiam a autonomia do movimento sindical e dos trabalhadores. Mas a CONTAG, segue um caminho de negociação com o Estado, armada com o Estatuto da Terra, e com o conteúdo da primeira proposta do PNRA. Já no iniciou do congresso, fez forte defesa pela unicidade sindical ─ firmemente aprovada ─ e a intenção clara, de assegurar espaços de aproximação com Estado, esta intenção era orientada para o PNRA, cuja primeira versão foi legitimada e lançada pelo o presidente Sarney, para o público do próprio Congresso. O diagnóstico que justificou o PNRA teve como base, os dados do Cadastro de imóveis rurais do INCRA2, cuja argumentação se fundamentava no caráter concentrador e excludente da atual estrutura agrária do país, responsável pela tendência de acumulação de terras ociosas, com prejuízos evidentes ao nível de produtividade agrícola do país e, em especial à produção alimentar, dada à preferência da grande produção pela exportação. Baseado nesta avaliação propunha a desapropriação por interesse social do latifúndio por extensão e por dimensão, tendo em vista o assentamento de trabalhadores rurais sem terra, ou com terra insuficiente para se auto-reproduzirem. 2 Instrumento prioritário na época da ditadura militar, já citado na análise referente ao Estatuto da Terra. 58 No processo de elaboração do PNRA, o mesmo, caminhou de mãos com os intelectuais comprometidos com os trabalhadores rurais, e representantes dos interesses do empresariado rural no Governo Federal, cujo empenho foi de modificar a proposta inicial. A inversão do Plano foi fruto de uma ação coletiva eficaz, coordenada de forma ágil pelas elites rurais, através de suas associações representativas, exercidas sobre o controle do MIRAD/INCRA, via os canais de comunicação política existente no Congresso Nacional e na Presidência da República. Finamente, aprovado pelo presidente Sarney, em 10 de outubro de 1995, sob o Decreto Lei nº. 91.766, o Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), depois de 12 versões até chegar ao impresso final ― com as armas da “República” ―, teve sua base jurídico- institucional montada, essencialmente, no Estatuto da Terra, que em seu Art. 1º regula os direitos e obrigações para fins de execução de reforma agrária dos imóveis rurais, alterando o Art. 147 da Constituição de 1946, através da Emenda Constitucional nº. 10/69. Tendo também como base os parâmetros da ratificação do Brasil na Conferência de Punta del Leste. A proposta excluiu a desapropriação os latifúndios que estavam cumprindo a função social, mesmo reconhecendo as elevadas incidências de posseiros e arrendatários. Apesar de manter as áreas prioritárias para a referida reforma agrária, transformou a figura da desapropriação, em recurso externo a ser utilizado, uma vez comprovado a impossibilidade de negociação e entendimento entre as parte interessadas. Além disso, centralizou as decisões, submetendo toda e qualquer desapropriação ao controle da Presidente da República. ― Tal qual os militares ―. Essa decisão final da política do governo para proposta de reforma agrária se faz completar, também, com aprovação simultânea ao PNRA de uma estratégia através de Política Nacional de Desenvolvimento Rural (PNDR) que, entre outras ações, subordinou o PNRA a uma política agrícola, formulada pela Secretaria de Planejamento (SEPLAN). Dessa forma o Ministro Nelson Ribeiro, controlado pelo PNDR e podado pelo Programa de Irrigação do Nordeste (PROINE) ─ que absorvia todos os recursos ─ ficou sem função. Nesse novo instrumento, fico estabelecido, que o aceso a terra deveria ser concedido aos trabalhadores com tradição agrícola, também foi instituído o conceito de função econômica ― perfeita correlação entre produção, área e mercado ― a ser utilizado complementarmente à 59 função social da terra. Através desse conceito, os autores do Plano de Desenvolvimento Rural, preocupavam-se em rever os critérios de ociosidades dos imóveis rurais, atendendo a reivindicações das Associações de Produtores Rurais. Foi através da exigência da impeditiva comprovação, de tradição agrícola para efeito de concessão do acesso à terra, que os reais pretendentes eram eliminados da reforma agrária, parte considerável dos integrantes do MST, vinham ameaçando cada vez mais, através das ocupações, nas propriedades de terras ociosas. A função social da terra atendeu os preceitos explícitos na Constituição de 1946, que em seu Art. 153, § 22 consagrou o direito à propriedade como função social, condicionada ao bem estar da Nação. O Estatuto da Terra ao definir a ação governamental como sendo um dos objetivos para implementação da reforma agrária, definiu também em seu Art. 16 que a reforma agrária era um instrumento que visava estabelecer a relação entre o homem e o uso da terra propiciando, sobretudo, a justiça social, com extinção gradual do latifúndio e do minifúndio. Tendo como fim último, a garantia do desenvolvimento econômico do País. No entanto, havia uma mudança substancial entre a proposta de extinção dessas categorias e a aprovada na versão final do PNRA. Cuja, propunha como objetivo maior “promover melhor a distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso {...}” (INCRA, 1985, p. 23). A partir daí, foram sendo desmembradas as diretrizes fundamentais do Plano, que estabeleceu seus objetivos específicos em cinco grandes eixos: 1) Contribuir para o aumento da oferta de alimentos e de matérias primas, visando ao atendimento prioritário do mercado interno; 2) possibilitar a criação de novos empregos no setor rural, de forma a ampliar o mercado interno e diminuir a subutilizacão da força de trabalho; 3) promover a diminuição do êxodo rural, procurando atenuar a pressão populacional sobre as áreas urbanas e os problemas dela decorrentes; 4) contribuir para aumentar os benefícios sociais proporcionados pelas inversões públicas direta ou indiretamente relacionados com o desenvolvimento do setor rural 5) promover a paz ao meio rural, mediante a erradicação dos focos de tensão. (INCRA, 1985, p. 23). 60 Com base nos dados das Estatísticas Cadastrais do INCRA, de 1978, e das Estatísticas Tributárias de 1984, o Plano estabeleceu metas quanto o assentamento de pessoas, tendo como pressuposto a existência de um contingente de 10.6 milhões de trabalhadores rurais sem terra. Estimando-se que, deste total, cerca de 3.5 milhões de assalariados permanentes ou temporários estavam desempregados, dado a dinâmica da agricultura empresarial. Os beneficiários do programa, seriam cerca de 7. 1 milhões de trabalhadores rurais, cujos assentamentos, eram previstos para 15 anos, ou seja, até o ano 2000. Durante o quadriênio de 1985, a proposta postulava o assentamento de 1.4 milhões de trabalhadores, assim distribuídos conforme a tabela nº. 6. Para realizar as metas, o Plano contava com um estoque de terras na ordem de 409,5 milhões de hectares pertencentes aos latifúndios por dimensão e exploração, além de uma estimativa de 17,7 milhões de hectares correspondentes a terras arrecadas pela União. Tabela 6 Brasil: Metas do PNRA na nova República (1985 – 1989) Períodos Famílias Assentadas 1985 – 1986 150.000 1987 300.000 1988 450.000 1989 500.000 Total 1.400.000 Fonte: MIRAD, 1985, 1998, p. 25. Elaboração: Madalena Noronha. O próprio PNRA definiu as metas de assentamentos das Regiões/Estados e delimitou as áreas prioritárias para as desapropriações, incorporadas nos planos regionais. A justificativa se pautava no fato de que estas questões, deveriam ser tratadas em nível nacional, mesmo admitindo que para a efetivação em suas ações concretas, dependessem de incorporações de metas locais. Tanto as metas das áreas a serem desapropriadas, como o número de famílias a serem assentadas por região se encontram distribuídas na figura 4. Nesse sentido, essa seleção atendeu alguns critérios complementares tais como: compatibilização entre o número de famílias beneficiárias, área necessária para assentamentos e, especificação das regiões geográficas. Os indicadores, para definição de prioridades destas áreas, tiveram como base o Art. 20 do Estatuto da Terra e outros que viessem ser incorporados como resultado das discussões em nível nacional, regional e local, que naquele momento se iniciava. Assim, foram 61 considerados os seguintes itens: a) incidência de conflito pela posse da terra; b) de complexo latifúndio/minifúndio; c) áreas próximas aos grandes centros urbanos, ou áreas densamente povoadas que estivessem na iminência de serem utilizadas por loteamentos imobiliários especulativos; d) áreas com incidências de trabalhadores rurais sem terra ou com pouca terra, arrendatários, posseiros, parceiros e assalariados. O Programa Básico de Ação consistia no assentamento de trabalhadores rurais e se fundamentava em eixos básicos como: oferta de terras e promoções das condições do uso e da organização do trabalhador. Constituindo-se, assim, em objetivos, etapas que iam desde a caracterização, diretrizes operacionais, ações imediatas aos programas complementares tais como: regularização fundiária, colonização, tributação da terra; e os programas de apoio Cadastro Rural, Estudos e Pesquisas, Apoio Jurídico e Desenvolvimento de Recursos Humanos. A proposta do Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário (MIRAD) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) para levar a cabo o PNRA, listou uma serie de ações a serem desencadeadas logo no primeiro período, para impulsionar o Programa, destacando-se: a desapropriação das terras, cujo processo de licitação estivesse concluído, suspensão imediata dos processos de licitação das terras arrecadadas para utilização de assentamentos dos trabalhadores; providências imediatas para a desativação das milícias e o desarmamento nas áreas de latifúndios; cumprimento da Lei dos Sítios, do Estatuto de Lavoura Canavieira, que destina lotes de 2 hectares, para produtores que já cultivavam a terra. Ainda determinava que os funcionários devessem desenvolver imediatamente trabalho de sensibilização em todas as instâncias de órgãos públicos, especialmente no poder Judiciário pela constitucionalidade dos Artigos 3º e 11º do Decreto Lei 554/69, que fixam preços justos para desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária. Por fim, a proposta abordou a demanda de recursos para o período de 1985 a 1986, para o cumprimento das metas de acesso à terra dos 150 mil beneficiários previstos na implantação do Plano. Foi estimado (em valores de maio de 1985, em milhões de cruzeiros) CR$ 4.623.707,7. Distribuídos em indenização das terras nua, benfeitorias, e ações de 62 redistribuição. As principais fontes e recursos disponíveis foram do Governo Federal e do Banco Interamericano de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD). 63 Nesse processo de concepção do PNRA, foram colocadas em prática as mais evidentes formas de atuação, onde os fazendeiros souberam associar velhas e novas práticas políticas, historicamente eficientes, de atuação direta junto ao poder instituído, através dos canais de comunicação existentes no Congresso Nacional e na Presidência da República. Assim é que, por ocasião do lançamento da primeira proposta do PNRA a Sociedade Rural Brasileira (SRB), Sociedade Nacional da Agricultura (SNA), a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e outras associações de classe dos fazendeiros, se mobilizaram no sentido de assegurarem seu espaço de participação nas decisões sobre a política de reforma agrária. As prioridades do governo em investimentos estatais e na subordinação da política fundiária à política agrícola acabaram interferindo diretamente nas propostas originais do PNRA. As modificações feitas na Constituição de 1988 ocasionaram a parcial derrota da reforma agrária, derrubando o Ato Constitucional nº. 10/69, devolvendo a questão agrária, sobremaneira, aos idos de 1946, aprovando a falácia da propriedade produtiva e restabelecendo a obrigatoriedade do prévio pagamento das indenizações. Em nossa compreensão, houve limites e contradições tanto nas próprias bases do movimento “vanguardista” quanto por parte do governo nas definições do Plano, quanto suas metas e objetivos. Essa debilidade apontou o caráter politicamente anacrônico, frente simultaneamente, aos desafios colocados pela forma de desenvolvimento do capitalismo na agricultura e as possibilidades que o avanço das novas forças sociais progressistas vinha oferecendo à democratização do país como um todo. A concepção conceitual do PNRA teve uma dosagem significativa dos setores conservadores. Neste sentido, ele foi fortemente influenciado por um discurso elaborado pela corrente que advoga a eliminação do latifundiário improdutivo, de modo a assegurar a criação de um mercado consumidor interno no meio rural, promovendo a produção de alimentos a baixo preço para crescente população urbana, a liberação de mão-de-obra e a produção de matéria-prima para os setores industriais em desenvolvimento, de forma produtivista. Nessa ótica, o combate ao latifúndio, significava a eliminação das formas de produção arcaicas, foro, parceria etc., de modo a acelerar o processo de proletarização, no campo e, conseqüentemente, a re-criação do campesinato, fetichizado pela reforma agrária, na figura do pequeno proprietário rural, o que seria um mal, ou uma ameaça necessária nesta direção. A 64 produção criítico-intelectual, da época, respaldava esse equacionamento de reforma agrária, mesmo quando enfatizando claramente, a necessidade de uma reflexão da questão agrária na ótica dos interesses dos trabalhadores rurais, essa tendia pensar o campesinato, como forma de produção pretérita, a ser superada com o avanço das relações de produção capitalistas no campo. 3.1 EXECUÇÃO DO PNRA (DE SARNEY À FERNANDO HENRIQUE) O objetivo desta pesquisa não se pretendo adentrar em uma análise mais detalhada de todos os eixos programáticos que nortearam o PNRA, desde a sua implementação em 1985, até 2002 ― horizonte temporal dessa pesquisa ―. Esta se reservou ao tratamento de dois indicadores essenciais, o primeiro de ordem instrumental, inerente, ao Plano/Projeto tais como: as metas, objetivos, programas de ações e execução, que contraditoriamente aos propósitos do presidente Sarney ao presidente Fernando Henrique, este, foi análogo, e, ao mesmo tempo, aquém do Estatuto de Terra. O segundo, de ordem político-estratégica tanto na pactuação do governo com os capitalistas fundiários e a oligarquia improdutiva, que secularmente reproduz a velha lógica da estrutura fundiária do pais: a expropriação da pequena produção. Desta forma, se fará uma análise sucinta sobre a previsão e execução dos governos subseqüentes ao presidente Sarney. Consolidando num quadro, os assentamentos implementados desde os projetos de colonizações até o presidente Itamar Franco. Considerando, que nos dois períodos de mandatos do presidente Fernando Henrique, ocorreram mudanças profundas na estrutura do PNRA ― visto a consolidação de um modelo néo-liberal, que dentre outras medidas promoveu a supressão de créditos e desmantelamento das instituições ― cujo desdobramento destas medidas rebateu significativamente na capacidade de subsistência e autonomia da pequena produção e, em especial, dos assentados do projeto Amaralina. Daí, entender-se a necessidade de um esboço mais apurado deste período. 65 O governo Collor (1990 – 1992), prometeu inicialmente assentar 500 mil famílias, mas só 23 mil foram assentadas, assim mesmo faziam parte do estoque deixado pelo governo Sarney. Foi de certa forma, o início da implementação do ideário neoliberal no Brasil, de maneira mais evidente, havendo modificações quanto o papel do Estado na economia, com privatização em larga escala das empresas estatais e redução das taxas alfandegárias para estimular as exportações. No plano fundiário, o governo passou a incentivar o retorno dos projetos de colonizações, além de reprimir duramente o movimento sem terra, não havendo dialogo entre sociedade e Estado. O governo Itamar Franco (1992-1994), sucessor de Collor, havia previsto assentar 20 mil famílias, em 1993, e 60 mil em 1994, beneficiou apenas 12.600 famílias. O presidente deu continuidade à política de privatização. Um dos seus grandes feitos foi a regulamentação retroativa à Constituição de 1988, da Lei Agrária, (Lei 8.629) reclassificando as propriedades rurais no Brasil da seguinte forma: 1) minifúndio – dimensão menor que o módulo rural fixado para o município; 2) pequena propriedade – dimensão entre um a quatro módulos rurais; 3) médias propriedades – dimensão entre cinco a seis módulos rurais; 4) grandes propriedades – dimensão superior a quinze módulos rurais.1 A Lei Agrária, ao regulamentar as questões postas na Constituição, eliminou o viés jurídico que impossibilitava as desapropriações. Incluindo o chamado “rito Sumário”, estabelece um prazo de 120 dias para o poder Judiciário decidir se propriedade em jugo é passível de desapropriação. Desta forma, a lei Agrária, foi mais um instrumento impedidor e controlador das lutas pela reforma agrária. No governo Fernando Henrique Cardoso (1995 2002) as pressões e enfrentamentos pela reforma agrária foram bastante tensas, dado a postura oficial “contemplativa” do governo. Tanto o massacre de Corumbá2, como as deliberações do 3º Congresso do MST ocorrido em Julho/95, obrigou o mesmo a sair do imobilismo. Da relação, perpassada pelos aconselhamentos de agências internacionais, operadoras do Consenso de Washington, com o Banco Mundial, resultou na definição do novo formato 1 O tamanho do módulo varia de acordo com a região. Está estabelecido entre 5 a 110 hectares. 2 Ocorrido em Rondônia, em agosto de 1995. 66 para o programa de reforma agrária, ajustado ao projeto neoliberal. Surge, então, no Brasil, a reforma agrária de “mercado”, através da qual, na percepção dos seus formuladores, haveria supostos barateamento e celeridade do processo, propiciado, pelos efeitos supremos do mercado. A tentativa de pacificação no campo, com os sem terra e latifundiário, ambos negociando, em balcão, pacificamente a compra e venda de terra; a descentralização do programa entendido como a transferência para Estados e, principalmente, para os municípios, os custos financeiros e políticos da reforma agrária; a contribuição do Ministério para o esforço fiscal e para o Estado Mínimo, com o desmonte do INCRA. 3.1.1 Novo mundo rural Na medida em que o Banco da Terra, não conseguia deslanchar na dimensão prevista, por conta das pressões políticas do Fórum Nacional pela Reforma Agrária, como álibi para a redução substancial nas dotações orçamentárias para a reforma agrária, o governo passou, a assumir o discurso segundo o qual, face os recordes números de assentamentos entre 1995 e 1998, chegara a hora de tratar da qualidade desses assentamentos. Para tanto, criou o “Novo Mundo Rural”, por meio do qual foi extinto o Programa de Crédito Especial para os Assentados de Reforma Agrária, (PROCERA) sob o argumento de que não há diferença entre um agricultor familiar, recém-empossado na terra, e um agricultor familiar consolidado. De acordo com as formulações do novo mundo rural, o progresso técnico na agricultura tem levado a um crescente tempo excedente de trabalho nas atividades agrícolas. Em função disso, os agricultores familiares, no caso, passaram a desenvolver outras atividades, não agrícolas, para aumentar a renda familiar. Para viabilizar a engenharia do novo mundo rural, o governo centralizou o programa de Reforma Agrária e o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF). Assim, ficou explícito que, de um lado, sob o comando do Ministério da Agricultura, estariam às políticas dirigidas aos setores tidos como de relevância econômica 67 para a agricultura; de outro, no Ministério do Desenvolvimento Agrário, os segmentos excluídos, objeto das políticas sociais compensatórias, no agrário. Em 12 de junho de 1997, o governo editou a MP n.º 1.577, já na sua 34ª reedição. Com esta medida, foram alterados vários dispositivos da Lei Agrária Nacional (Lei nº 8.629/93); do Decreto-Lei n.º 3.365/41; e do Estatuto da Terra (Lei n.º 4.504/64). Com o Decreto, foram adicionados critérios balizadores da vistoria em imóvel rural destinado para reforma agrária. Entre as conseqüências dos principais dispositivos desse instrumento, destacam-se: 1) caso um decreto declaratório não se traduza na desapropriação do imóvel no prazo de 5 anos, o mesmo caducará, impondo-se a automática imunidade desse imóvel à desapropriação, pelo período de um ano. Com o INCRA em processo de desmonte absoluto e, portanto, com sofrível capacidade operacional, combinado com as impossibilidades de recursos nos processos administrativos das desapropriações, poucos imóveis alcançarão as efetivas desapropriações; 2) o imóvel objeto de ocupação, ou de ameaça de ocupação, não seria vistoriado durante a vigência dos cinco anos agrícolas seguintes à ocorrência do evento. A Constituição Federal, dessa feita foi novamente alterada por uma lei ordinária, que determinava a não desapropriação das pequenas e médias propriedades e a propriedade produtiva. O próprio governo, reconhecendo a impropriedade dos juros compensatórios no processo de desapropriação, e o peso da prática dessa excrescência nos custos das mesmas, incluiu o dispositivo no projeto de lei e enviou ao Congresso, alterando a legislação do Rito Sumário da desapropriação, vetando qualquer tipo de verba compensatória nesses processos. Ante as reações ferozes da bancada ruralista, no Congresso Nacional, o governo, de pronto, voltou atrás. Agora, pela primeira vez, tenta-se consagrar essa lei. Tanto a cédula da Terra, como o Banco da Terra, foram dois instrumentos criados e ao mesmo tempo, modificados para comandar o processo de aquisição de terras, e colocar em prática a chamada reforma agrária de mercado, quanto à Lei Complementar nº. 93, de 05 de fevereiro de 1998, que institui o Banco da Terra, não conseguiram deslanchar por conta, das ações das entidades que compunham o Fórum Nacional Pela Reforma Agrária. Essas 68 entidades, baseadas em farta comprovação de desvios de finalidade na execução da Cédula da Terra ― programa piloto do Banco da Terra ― ingressaram com solicitação de Painel de Inspeção junto ao BIRD ― principal instituição financiadora desse programa ― requerendo a suspensão do apoio daquela instituição ao Banco da Terra, e a conseqüente transferência dos recursos para o programa de reforma agrária, clássica. O BIRD terminou não liberando os recursos’, o que levou o governo a instituir o Banco da Terra e depois transformar a Cédula da Terra em Programa de Credito Fundiário. Já o Leilão de Terras, foi um instrumento que se caracterizou pelo estabelecimento de condições facilitadas ― antecipação ―, para o resgate dos Títulos da Dívida Agrária (TDAs) emitidos para a aquisição de terras, via sistemática de leilões. Com tal providência, o governo concorreu para a inviabilização financeira do seu programa de assentamento; novamente, em benefício do latifúndio. Porque os TDAs foram criados, através de Emenda Constitucional, não apenas como meio de impor sanção ao latifúndio improdutivo, mas, também, para permitir, através de prazos dilatados o resgate desses títulos, condições para o Tesouro financiar a reforma agrária. Apesar de todas as perdas que o Projeto de reforma agrária sofrera na Constituição de 1988, não obstante, esta, reafirmou os propósitos, da permanência de prazo de até 20 anos para o resgate dos TDAs. Portanto, nas condições de encurtamento dos prazos fixados para o resgate, estabelecidas para o Leilão de Terras, esses títulos passam a adquirir grande liquidez. As primeiras tentativas de implementação desse mecanismo, não prosperaram face das resistências dos grandes proprietários em oferecerem as suas terras para o INCRA, em razão do prazo de dez anos fixado para o resgate das TDAs. Para resolver o problema, o governo reformulou o Decreto 433, de 24.01.92, por meio do Decreto n.º 2.614, de 03 de junho de 1998, antecipando, para prazo máximo de cinco anos, os resgates dos TDAs, dos imóveis até 3.0000 hectares, arrecadados via leilões, ou seja, quase a totalidade dos imóveis nas Regiões Sul e Sudeste, para as quais se dirige, preferencialmente, essa sistemática de aquisição de terras. Assim, ficou institucionalizada a terceirização dos negócios de terra, confirmando a estratégia de redução das atribuições do INCRA para meros objetivos de supervisão do programa de reforma agrária e de processamento dos empenhos financeiros, em nome das empresas imobiliárias, fundiárias que intermediaram, no caso, os procedimentos dos leilões de terra. 69 A atual lei que regula a incidência do Imposto Territorial Rural (ITR) ― Lei n.º 9.393/96 ― derivou da MP n.º 1.528/96, cuja, veio substituir a recente legislação sobre a matéria (Lei n.º 8.847/94). O governo Fernando Henrique, enfatizou as alterações processadas na legislação sobre a tributação da terra, como iniciativas fortemente punitivas do latifúndio improdutivo; moralizadoras do tributo, via de justiça fiscal; rebaixadoras dos preços da terra e; portanto, instrumento valioso para a democratização da posse da terra. Por ocasião do lançamento da MP, o próprio Fernando Henrique, garantiu através da imprensa que, no primeiro ano de vigência da nova legislação, a arrecadação do ITR saltaria para R$ 1.6 bilhões, o que revelaria o êxito da dimensão fiscal tributária. A primeira observação a ser feita sobre a mudança da legislação do ITR refere-se a “coincidência” da sua efetivação, justamente quando entrara em vigor, em 1997, o instituto da ‘progressividade no tempo’ fixado pela Lei n.º 8.847/94 (a lei n.º 8.847/97, que teve os seus efeitos iniciados em 1995). Por meio desse dispositivo, após dois anos mantidos improdutivos, o latifúndio teria a alíquota dobrada, a cada ano. Ou seja, após esses dois anos, a alíquota saltaria para 9%; no 3º ano, dobraria para 18%; no 4º, 36% e, assim, sucessivamente. 3.1.2 As metas do PNRA e a realidade fundiária O governo de Fernando Henrique, diz ter assentado de 1995 a 2000, 498.827 mil famílias de trabalhadores rurais sem terra, ou cerca de 1.8 milhões de pessoas. Ainda que desprezíveis relativamente às demandas da reforma agrária no Brasil merece reparos estas informações. Em seu programa de governo o presidente havia previsto distribuir cerca de 400 mil títulos de propriedade, mas após as eleições a meta foi reduzida para 260 mil famílias. Os Relatórios de Atividades do INCRA, exercício 1995, registram que, das 42.912 famílias tidas como assentadas naquele ano, 23,8% tratavam-se de famílias objeto de ações de consolidação de projetos antigos. Em 1996, as famílias nessas condições representaram 32%, das 62.044 famílias declaradas assentadas. Em 1997, o respectivo Relatório do INCRA informa que 70 26,3% das 81.944 famílias oficialmente anunciadas como assentadas, eram egressas de projetos antigos. Em 1998, o governo garante ter implantado assentamento para 101.094 famílias. Destes, o Relatório do INCRA, do respectivo exercício, informou que apenas 76.027 famílias foram objetos de assentamentos em projetos novos. No ano de 1999, o governo afirma que foram assentadas 75 mil famílias. Todavia, a análise dos dados oficial mostra que o governo incluiu dados já executados em projetos antigos envolvendo 12.843 famílias já assentadas; 25.174 famílias em imóveis que ainda se encontram em fase de imissão de posse e 3.798 famílias situadas em imóveis objetos de regularização fundiária. Pelos relatórios do INCRA, em 1999, foram assentadas 25.831 famílias. Muito embora o governo tenha publicizado que de 1995 a 1999 assentou 362.994 famílias. Ainda os mesmos relatórios, comprovam que apenas 237.332 famílias foram assentadas. Admitindo-se que somando os dados informados na figura de nº 5 ― demonstrados no relatório divulgado pelo INCRA através da Ouvidoria Agrária Nacional em 2003 ― com o número de famílias assentadas e acampadas para o período de 1995 a 2002, no cômputo geral, seriam cerca de 489.827 mil famílias, no entanto, admitindo a lógica da contradição dos dados de 1995 a 2002 foram assentadas apenas 368.101 mil famílias. A tabela 7 é uma síntese dos assentamentos rurais, compreendendo os projetos de colonizações e de reforma agrária. Tabela7 Assentamentos Rurais no Brasil (1965 – 1993) Administração Projeto de colonização Projeto de reforma agrária Governo/período Área Nº Famílias Área Nº Famílias Anteriores - 1965 a 1978 Gov. Figueiredo - 1979 a 1974 Sarney – 1985 a 1989 Fernando Collor – 1991 1992 Itamar Franco – 1992 a 1993 Total 29 anos 9.257.905 4.812.137 28.853 - - 14.098.895 46.745 3.864 696 - - 51.305 - 4.492.813 2.597 - 545.228 5.040.638 3.333 6.314 82.686 38.405 9.755 140.493 Fonte: Relatórios INCRA 1970/1995. Elaboração: Madalena Noronha. Um dado importante deste relatório, diz respeito ao número de famílias acampadas, em média, cerca de 153.825, revelando que todo mecanismo do governo ao desmobilizar a 71 luta organizativa do MST, através das políticas compensatórias e de incentivo à negociação direta dos trabalhadores, com os proprietários ― como já analisados nesta pesquisa ―, este número revela a não adesão dos trabalhadores a estes programas. Figura 5. Figura 5 Brasil: Famílias Acampadas e Assentadas - 2002. Fonte: Relatório INCRA, 2002. Elaboração: Madalena Noronha. Mesmo, o governo admitindo ter assentadas em torno de 1.8 milhões de pessoas, entre 1995 e 1999, estudos desenvolvidos por pesquisadores do alto escalão do próprio governo apontam a absoluta inutilidade desses resultados quando confrontados com a realidade da concentração da estrutura fundiária e das condições inviáveis nos projetos de reforma agrária. 30.479 42.912 66.034 101.094 36.846 92.986 20.466 33.783 1995 1998 2000 2002* Fam. Acampadas Fam. Assentadas 72 4 A BAHIA E OS ARRANJOS PARA O PLANO REGIONAL DE REFORMA AGRÁRIA – PRRA A Bahia foi o primeiro desenho da formação político-territorial brasileira ― através da chegada dos portugueses com ocupação no litoral baiano ― para atender as demandas do mercado europeu, cuja produção só era viável em determinadas áreas de clima tropical 6. Essa produção comercial simples, com atividade agroindustrial, para consolidar o Brasil, um grande exportador de cana-de-açúcar, exigiu dos colonizadores para administrar os “bens alheios”, a seletividade do lugar: primeiro foi uma atividade extrativista, tendo como alvo o pau-brasil ― desmatado imensas áreas para implantar os engenhos ―, e, segundo produzir espaços urbanos, fundando vilas e cidades. Segundo Manuel Correa de Andrade (1981, p.14) “o processo de produção do espaço está naturalmente ligado, determinado pelas razões econômicas que motivaram a própria ocupação”. A formação da Metrópole brasileira sofreu forte influência dos paradigmas geográficos, estes foram fundamentados, nos apostes teórico-metodológicos, contraditórios e análogos ― possibilismo e determinismo ― para explicar a expansão territorial através da criação e exploração de colônias. Por outro lado, Salvador, ao manter diretamente relações com o fluxo de circulação do capital de exportação, ― o mercado europeu ― assume ai, a função geográfica de região funcional ou “nodal” no estrito conceito hartshorniano, onde esta se tornou uma área núcleo de um Estado, ou uma cidade no centro de uma área de relações comerciais. Ou mesmo nos moldes vidalino ― “um dado modo de vida”, supondo uma evolução e uma estratégia de equilíbrio entre a natureza, as técnicas, os hábitos e os costumes. A Bahia era a próprio Estado na Região, suas fronteiras eram delimitadas pela possibilidade da viabilidade econômica e naturais. 6 Que se caracteriza com clima tropical úmido no litoral, semi-úmido ao oeste e semi-árido ao norte, centro e no sul ao longo do Rio Francisco. Seu relevo, de um modo geral, é um grande maciço com altitudes variando de 200 a 1 000 m. O fato de no início da ocupação física, ter se dado com base na diversificação dos fatores edafo- climáticos, de certa forma, definiram as aptidões tanto pela cana-de-açúcar, agropecuária, como pela relação comercial — proximidade dos portos — demarcando as duas grandes diferentes formas de ocupação físico- econômica. 73 A metrópole baiana, por ser uma das mais importantes produtoras da atividade açucareira, no século XVII, constituiu a primeira trama do poder do Estado brasileiro e das classes dominantes. Nesta imbricação, a mesma assumiu um poder de superposição sobre os estados que circundavam a costa litorânea nordestina. Esse contexto, de ascendência econômica e política, foi essencialmente viabilizadas pelo estado, que se legitimava como protetor do desenvolvimento, defensor e criador dos grupos que controlavam a economia e as relações sociais. Assim, encarregou-se de distribuir diretamente vastas porções de terras nos estuários dos rios, criando os primeiros núcleos de latifúndios, submetendo e escravizando a população indígena ao trabalho nos canaviais e importando mão-de-obra de escravos africanos. Papel este, adotado ao longo da formação histórica brasileira. Só em meados do século XIX, por ocasião da última divisão regional do Brasil, o Nordeste se consolidou como Região Econômica. Formado por dez Estados, dentre eles a Bahia, que ocupa a maior extensão territorial dessa Região ― com área de 567.295,03 km, representando 6,59% sobre o território nacional e 36,6% sobre a Região Nordeste―. Sua evolução territorial e administrativa era composta, em 1827, por apenas 41 municípios, em 2000, já confluía 417. Tendo, portanto, ampliado sua base municipal em torno de 90,0%. A Figura 6 localiza o Estado da Bahia no contexto da Região Nordeste, a Região Sudoeste e o Município de Vitória da Conquista. A modernização em forma de manchas nas regiões brasileira provocou e provoca áreas descontínuas e especializadas. Para a Região Nordeste, a Bahia se apresenta como grande produtora de cacau7 respondendo em 1996, por 79,52% da produção nacional. O café, cultivado em quase todas as regiões brasileiras, sofreu escalas diversas, consoante o papel geopolítico no grande confronto entre agricultura de exportação e agricultura para o mercado interno. A exemplo da cafeicultura paulista e do norte do Paraná, que nestes vinte anos, passou a representar 30,22% da área total do pais. A Bahia apesar de ter incorporando essa produção na Região, Oeste expandiu sua área numa velocidade menor. Carlos Walter (1985) sinaliza que há uma perda de produtividade espacial para certos produtos diante de novos ou antigos produtores mundiais, caso específico do café brasileiro, 7 No cenário nacional, sua posição de produtora de cacau, em 1940, atingiu o pico de 95,24% da área cultivada do pais. 74 pois de 4.169.641 toneladas produzidas em 1960, em 1996, produziu apenas 2.685.641 toneladas. Se no início da história, a configuração regional o Estado da Bahia, se consolidou, expressando a territorialidade absoluta de um grupo, as mudanças ocorridas nos processos sócio-produtivos, deixaram heranças que acabaram constituindo condições para transformar continuamente o caráter e o papel dessas regiões. Cada combinação desses novos espaços passou a ter lógica própria e ação especifica dos agentes econômicos e sociais. Estes agentes se tornam hegemônicos, porém, privilegiando certas áreas no todo do sistema, ― produtivo ― ocasionando assim, a heterogeneidade de áreas ― umas em desenvolvimento e outras estagnadas ― A produtividade espacial ou geográfica, experimentada nessas Regiões da Bahia, em virtude da ordem técnica e organizacional, valorizou o território com novos arranjos espaciais. A partir da década de 1960, com a introdução e intensificação de inovações tecnológicas, no agro brasileiro, ocorreu a reestruturação do espaço agrário baiano. Esse, interligando novas dinâmicas, modificando a paisagem, redefinindo as relações, funções, e monitorando a mobilidade espacial da força de trabalho. Neste sentido, as regiões do Estado passaram a ser reorientadas pelo padrão tecnológico empregado. Sendo a Região Oeste da Bahia, uma das últimas áreas que possuía fronteira a ser “ocupada”, sobretudo, na década de 1980 — acompanhando o movimento geral do pais —, sofreu profundas modificações, consolidando a implantação de grandes projetos de introdução da cultura da soja, beneficiando os empresários do sul do país. ― grandes proprietários e especuladores ―. Estes foram laureados pela política de “modernização” da base produtiva e integração da economia nordestina à nacional. Projeto esse, que levou o governo brasileiro assumir diretamente os grandes capitalistas, com incentivos fiscais e oferta de crédito subsidiado. A Região, além de ser uma grande produtora da cultura da soja — que requereu bases técnicas sofisticadas, eliminando também bastante mão-de-obra ― expandiu a pecuária com prática de manejo aplicado nos pastos e melhoria genética. As transformações ocorridas na Bahia, ocasionadas pela forma como a agricultura vinha se integrando à economia nacional ― com setores produtivos dinamizados pelos grandes projetos agro-industriais ―, favoreceu a ampliação da superfície geográfica através 75 de ocupações dos estabelecimentos. Dados do INCRA (1980) indicaram que os estabelecimentos agropecuários recenseados ocupavam em 1976, 59% da superfície geográfica, passando em 1981, para 78%; em 1987, este percentual sobe para 82%. A análise da tabela 8 revela a gravidade da concentração fundiária na Bahia, Esta evidenciada pelo desequilíbrio quanto ao uso e pose do solo. Os estabelecimentos com classes menos de 10 hectares em 1970, representavam 54,0% do total, mas detinham apenas 76 4,7% da área, 1980, eram 54,7% com 4,1% das terras e em 1995, representando 57,5% destes estabelecimentos e apenas, 4,6% das terras. Já os estabelecimentos com mais de 1.000 ha apenas variavam a representação entre 0,4% a 0, 5,%, no entanto, ocupavam em torno de 19,5% a 24.5% do total da área. Uma verdadeira concentração na mão de poucos, com representatividade de apenas 0,5% dos estabelecimentos. Enquanto a classe menor que 10 hectares, tendeu, sempre a diminuir o tamanho da área e aumentar o número de estabelecimento. Tabela 8 Bahia: Estabelecimentos e grupos de áreas (1970, 1980, 1995) (%) 1970 1980 1995 Estratos da área (ha) Número/Área Número/Área Número/Área 0 a – 10 10 a- 100 100 a – 1.000 1.000 a – 10.000 10.000 e mais 54,0 4,7 37,4 29,0 7,3 43,0 0,4 19,5 0,0 3,7 54,5 4,1 37,7 24,8 7,2 38,0 0,5 22,4 0,0 10,7 57,5 4,6 36,0 52,2 6,0 35,6 0,5 24,5 0,0 10,1 Fonte: IBGE, 1998. Elaboração: Madalena Noronha. Quanto às terras aptas à exploração e não utilizadas, mediante a tabela 9, representavam nos períodos de 1976, (37,9%); 1980 (39,3%) e 1995, (35,8%) da área total. Estudos sobre esta questão comprovam que em três décadas, esta forma de preservação da terra como reserva de valor em detrimento da exploração agricultável continua intocável. Foi identificado ainda que 83% destas áreas em 1976 estavam localizadas em mãos de latifúndios por dimensão e exploração. Tabela 9 Bahia: Área Segundo utilização (1976, 1980, 1995) Períodos Área total (ha) Área explorada Produtivas não utilizadas 1976 28.780.754 17.861.115 10.919.638 1980 28.575.503 17.332.021 11.243.482 1995 28.657.849 18.379.588 10.278.261 Total 86.014.106 53.572.724 32.441.381 Fonte: IBGE, 1998. Elaboração: Madalena Noronha. Analisando a distribuição do pessoal ocupado por classe de atividades em 1980, observa-se que 66,0% da mão-de-obra familiar estava trabalhando na agricultura, 28,0% na pecuária, e, 4,0% na agropecuária. Aproximadamente, as mesmas proporções por classe de atividades se repetem para os empregados, permanentes e temporários. Tabela 10. 77 Com relação aos parceiros, a concentração da mão-de-obra na agricultura é ainda maior 71,9% e, na pecuária, apenas 28,0%. Estes dados revelam que a atividade agrícola, sobretudo, a familiar, é a que mais absorve trabalho neste setor agropecuário. Tabela 10 Bahia - pessoal ocupado na lavoura (1980) Empregados Classe de Atividades Mão-de-obra familiar Permanentes Temporários Parceiros Agricultura 1.366.126 151.502 224.553 8.113 Pecuária 736.586 58.075 115.342 2.498 Agropecuária 74.357 4.266 14.306 678 Total 2.177.069 213.843 354.201 11.290 Fonte: FIBGE - Censo Agropecuário, 1980. Elaboração: Madalena Noronha Estes dados rebateram na capacidade produtiva do Estado, na medida em que, a participação relativa da população economicamente ativa (PEA), sofreu um decréscimo no setor primário entre os períodos de 1970 (65.5%) e em 1980 (48%). O Saldo de uma estrutura que detinha mais de 50% de áreas aproveitáveis dos estabelecimentos em ociosidade. Um grande movimento de ocupação de terras ― traduzido em grilagem, na sua grande maioria, legal ― teve como parâmetro à chamada Lei de Terras na Bahia, que ocorreu de forma mais acirrada a partir da década de 1960, quando as empresas motivadas pelo Estado, expropriavam os produtores, com liminares expedidas pela justiça. Ações “legais” que demandaram atos de violências, comandadas diretamente pela policia militar contra os produtores. Os “pretensos” donos transformavam as escrituras antigas e multiplicando seus hectares. A tabela 11 demonstra a tendência da evolução dos estabelecimentos ocupados por grandes proprietários e grileiros. Cujo movimento, vem se dando de forma acentuada nos períodos analisados (1940, 1970, 1980). Dados mais recentes de 1998, publicados pelo Banco de Dados dos Imóveis do INCRA, em atendimento a Portaria 558/99, dão conta de que existe um total de 381.825 imóveis no Estado da Bahia, ocupando área de 30.550.947, hectares. Porém, 219 imóveis eram suspeitos de grilagem e não atenderam a notificação para o cadastramento. Estes detêm quase 15% da área total, número bastante relevante. Essa constatação histórica, não significava dizer que as terras griladas estivessem sendo cultivadas. A justificativa do Plano 78 Regional de Reforma Agrária denunciou a situação de pauperização e vulnerabilidade da população baiana, excepcionalmente a rural. Estes fatores e suas conseqüências serão analisados ao longo do esboço do capítulo. Tabela 11 Bahia - condição do responsável nos estabelecimentos (1940, 1970, 1980) (em ha) 1940 1970 1980 Categorías Número Área Número Área Número Área Proprietário 189.726 9.138 452.450 21.069 554.833 29.181 Ocupante 2.994 68 63.402 900 66.100 697 Total 192.720 9.206 515.852 21.969 620.933 29.878 Fonte: IBGE, 1980. Elaboração: Madalena Noronha As estatísticas de violência pela posse de terras na Bahia são bastante elevadas, em 1984, 13.096 famílias, foram atingidas por conflitos de terras, 259.709 hectares grilados e 18 assassinatos. Em 2001, comparando com os demais Estados de federação, a Bahia, bateu o recorde em números de conflitos: 13.096. Sendo que a maior ocorrência8 se deu em 1987, com 26 óbitos. A figura 7 identifica os períodos de maiores ocorrência de assassinatos no campo. De 1984 a 1999, o Estado, assume o 2º lugar, para os estados da federação, com 184 assassinatos no campo. Fonte CPT, 2001. Elaboração: Madalena Noronha 8 Os dados levantados reúnem informações dos arquivos da CPT e imprensa local. Figura 7 1984 1987 1990/1999 184 26 18 Bahia - Assassinatos no campo (1984, 1987, 1990, 1999) 79 Resta salientar, que o maior número de conflito por posse da terra se deu na Região Oeste da Bahia — a terra prometida — com 5.104 famílias em conflitos em 1.888.231 de hectares de área litigiosa. Com população de 12.993.01 de habitantes, a Bahia de 1962 até 2000, teve sua população ampliada em mais de 100%. Com densidades muito desiguais entre as regiões do Estado9. Suas peculiaridades se caracterizam por alto nível de urbanização aglomerada ― fenômeno provocado pelo movimento migratório de trabalhadores rurais que buscavam alternativas de sobrevivência nas cidades ― e multiplicação de cidades pequenas, que em sua grande maioria, se constituíram em função da correlação das forças políticas locais. Até 1970, a maioria da população estava concentrada na área rural. Porém, a partir de 1991, esta posição se inverte, há uma perda de quase 10% dessa população, a taxa de urbanização atingia a ordem de 59%. Esse movimento se acentua para o ano de 2000, com a população urbana crescendo na ordem de 2.5% anualmente, e a população rural tendo um decréscimo na ordem de 1,32%. A figura 8 apresenta os dados da população rural e urbana de 1962 a 2000. Figura 8 Bahia - Evolução da população (1962 – 2000) Fonte: Censo IBGE - Censos Demográficos 1960-2000. Elaboração: Maria Madalena Noronha. A cidade é o lócus da regulação do campo. Cumpre ela, o papel de assegurar a concepção imposta pela “nova” divisão do trabalho agrícola. 9 Com destaque para a Região Metropolitana de Salvador que atinge o índice de 926,92 habitantes por quilometro quadrado. Municípios como Lauro de Freitas que tem apenas como área 60.0 km², e população de 119.236, chega ao teto de 18.260. Salvador é uma das metrópoles mais densas do Brasil, com 3245,71. 0 Po pu la çã o 2.000.000 4.000.000 6.000.000 8.000.000 10.000.000 12.000.000 14.000.000 1962 1970 1980 1991 2000 Anos TOTAL URBANA RURAL 80 {....} O campo se torna extremamente diferenciado, pois, pelo fato de os respectivos objetos técnicos terem um conteúdo informacional cada vez mais distinto, dá-se uma divisão social do trabalho ampliada, que leva a uma divisão territorial do trabalho ampliada. Ampliam-se, também, as diferenciações regionais do trabalho. Quanto mais intensa a divisão do trabalho numa área, tanto mais as cidades são diferentes umas das outras quanto ao seu conteúdo. (SANTOS, 2001, p. 209). Os indicadores analisados ao longo deste capitulo, apontaram a contradição inerente à forma como o capitalismo penetrou na agricultura, preservando o latifúndio improdutivo. A Bahia, não fugiu a regra, seu processo de modernização na agricultura, colocou na contramão da história, cerca de 872.735 mil trabalhadores rurais que se agregavam em minifundistas, arrendatários, parceiros, assalariados permanentes e temporários, vivendo precarizados. Os agentes de exploração eram compostos por uma simbiótica tríade: Estado, latifúndios e empresários rurais. O lumpem do agro, não se contabilizava — os perambulantes à procura dos grandes centros, ou grandes pólos —. Quem sabe, talvez, atraído pelas “luzes da cidade grande”. Foram estes os incorporados no PRRA? Desta forma, a Bahia com suas especificidades, tem mais um quadro sincronizado com a realidade brasileira, cuja modernização da agricultura, sempre promoveu a expropriação ― da pequena produção ― e a exploração ― da mão-de-obra ―, da forma mais ínfima possível, segregando grandes contingentes da classe trabalhadora rural e urbana, culminado com a territorialização do capital monopolista. Diante do crescente agravamento dessa situação e do próprio avanço dos movimentos sociais, especialmente o MST e setores progressistas da Igreja — ambos forjando mudanças neste padrão — é que o I Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) apresentava-se como uma medida capaz de solucionar esta situação. Este, já trazia esboçada a determinação da elaboração dos Planos Regionais e os elementos necessários a efetivação da reforma agrária nas Regiões/Estados, com delimitação das áreas específicas a serem desapropriadas e operacionalização em termos técnicos e jurídicos. No item que se segue, a pesquisa destaca alguns aspectos jurídico-administrativos e políticos, requeridos para a implementação do Plano Regional de Reforma Agrária (PRRA), na Bahia. 81 4.1 O PLANO REGIONAL DE REFORMA AGRÁRIA (PRRA): OBJETIVOS E METAS Regulamentado sob Decreto nº. 92.689 de 19 de maio, de 1986. Este além de ter como parâmetro os dispositivos do PNRA, continha os indicadores da perversa estrutura fundiária do Estado da Bahia. Nesse sentido, necessário se fazia promover uma melhor distribuição fundiária, modificando o regime de posse e uso da terra, eliminado progressivamente o latifúndio e sobremaneira, o minifúndio, para garantir o incremento da produção e da produtividade, respeitando os princípios de justiça social e o direito de cidadania do trabalhador rural. O Decreto declarou a área da Bahia como zona prioritária para efeito de execução e administração de reforma agrária. Entre outros o Art. 3º, com base no Art. 161 da Constituição, determinava, que só poderia ser declarada área de interesse social os imóveis que se encontrassem em zonas prioritárias. No Art. 4º ficou instituído a Comissão Agrária do Estado da Bahia, formada por representantes dos trabalhadores rurais — sendo estes em pares de três — com representação de entidades públicas vinculados ao setor da agricultura, sindical1 e de estabelecimento de ensino agrícola. 4.1.1 Os parâmentos do PRRA na Bahia Em 1985, uma equipe técnica formada pelo Instituto de Terras da Bahia (INTER-BA) e Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATE-BA), sob a coordenação da CAR, elaborou um documento que se tornaria a versão provisória do PRRA. Este constou de um diagnóstico sócio-econômico e fundiário do Estado, apontando as medidas necessárias à operacionalidade do Plano. Foram traçados os objetivos, a estratégia de seleção das áreas prioritárias, programa básico e complementar dos assentamentos, dando enfoque à regularização fundiária, o modelo de produção; metas e os recursos necessários. 1 O Decreto nº. 2363/87 determinou a extinção do INCRA; limitação da área desapropriada 75% do imóvel e 25% para proprietário em local de sua escolha, excluindo as melhores áreas a serem desapropriadas; substituição da indenização da terra nua, por pagamento em dinheiro. Diante desse instrumento o movimento sindical se retirou da Comissão. 82 Desta forma, esta pesquisa ira abordar as principais linhas traçadas por esse documento que se consistiu no modelo do PRRA/BA. As áreas, para garantirem o processo de regionalização, foram selecionadas a priori com base na referência nas unidades das Micros Regiões hom*ogêneas (MRH) do IBGE. A indicação destes municípios se deu tanto pelas informações cadastrais do INCRA, com base no levantamento de foto interpretação, quanto, no próprio conhecimento empírico dos técnicos e dos movimentos sociais. Numa segunda etapa, foram escolhidos os municípios prioritários para o primeiro ano de intervenção do PRRA. A caracterização da seleção dessas áreas teve como lógica geográfica, um conjunto de Micros Regiões hom*ogêneas, independentemente do número de município, estes foram agregados essencialmente pela vocação agropecuária, com prioridades para a diversidade de culturas e o efetivo de criação existente. Das doze micros regiões compostas para esse processo, foram pré-selecionados 44 municípios os quais, mediante estudo, tinham potencialidades para responder aos estímulos da política agrária e agrícola. Estes participavam com 57,4% da área total que era 17.240.424 hectares em 1980. O quadro da forma de utilização dessas terras apresentado na figura 9, evidenciava a necessidade premente de uma nova lógica na agricultura, pois a pastagem ocupava 45,3%, das terras, as áreas de matas e florestas bem como as áreas produtivas ociosas superavam as áreas destinadas à lavoura. O programa básico de assentamento dos beneficiários consistia no enquadramento destes, com vistas a definição da estrutura ocupacional do espaço. Imbuído aí, a preocupação de um modelo, que de fato, possibilitasse o equilíbrio das forças produtivas no campo. Em síntese, o Programa além de se propor a distribuição de terras, norteava um conjunto de elementos de apoio à produção tais como: infra-estrutura básica nos assentamentos, incorporação de benefícios — traduzindo-se em pagamentos aos assentados pelas atividades iniciais da estruturação do custeio das atividades agrícolas —. O programa de apoio se centrava em regularização fundiária, priorizando inclusive área em conflitos e as que já vinham sendo assistidas pelo Programa de Apoio ao Pequeno Produtor Rural (PAPP); no Projeto de Desenvolvimento do Sistema Fundiário Nacional (PDSFN) entre outros do governo estadual e federal. 83 Figura 9 Bahia - Utilização das terras (1980) Lavouras; 11,7 Terras não utilizadas; 10,1 Matas e florestas; 24,9 Pastagens; 45,3 Fonte: INCRA. 1980 Elaboração: Madalena Noronha O modelo de assentamento era concebido a partir das diversidades existentes em cada assentamento, porém, combinando os fatores de disponibilidade de terra e aptidões dos produtores, — “visto o novo modo de apropriação” —. Implicando assim, em quatro alternativas, a saber: 1) Gleba individual em área concentrada; 2) Gleba em áreas dispersa; 3) Unidades integradas da produção e 4) Unidades mistas em áreas individuais e coletivas. Esse modelo de produção teria que combinar o consórcio de lavouras e criações de forma vertical, almejando assim, a viabilização da pequena produção para suprir a demanda de mercado regionalizado. A proposta, além de definir as principais explorações por estrato de área nas Regiões de Planejamento, indicava, também, o percentual de participação. A operacionalização desses modelos produtivos incentivava num primeiro momento, a coletividade e solidariedade dos beneficiários cujos, deveriam trabalhar em forma de mutirão, tanto nos lotes para a preparação do plantio, como na implantação de infra-estrutura social do assentamento. A realização de apoio à produção contemplada ações de serviços de geração e difusão de tecnologias, desenvolvidas integralmente no espaço sócio-econômico e agro-ecológico dos assentamentos. A assistência dos órgãos responsáveis pela pesquisa e extensão rural também estava prevista 84 A seleção dos beneficiários compreendia três etapas subseqüentes: 1ª) definição e divulgação dos critérios, onde os candidatos deveriam ter experiência agrícola anterior, não possuir terra e ter capacidade da mão-de-obra familiar; 2ª) encaminhamento da avaliação do imóvel a ser desapropriado pelo governo federal, já devidamente aprovado pela Comissão Agrária com vistas à obtenção da imissão de pose, para efetivamente se constituir num projeto de assentamento; 3ª) pré-qualificação das famílias selecionadas. Após este processo e com base nos requisitos exigidos pelo Plano, identificava-se a potencialidade social e produtiva dos futuros assentados, bem como a definição do modelo de assentamento. O planejamento das ações consistia em quatro etapas 1) Plano Preliminar (PP) para atender as necessidades iniciais dos assentados por um período de seis meses; 2) Plano de Ação Imediata (PAI) que mapeava o primeiro plantio e supervisionava o assentamento; 3) Projeto Técnico Definitivo (PDT), era o Planejamento global do assentamento até a fase considerada emancipação da área e 4) o Plano de Desenvolvimento Sustentável (TDA). Apesar do PRRA ter sido regulamentado em 1986, cumpre destacar que só a partir de março de 1997, quando então toma posse o Governador eleito Waldir Pires, passando este a dar prioridade ao programa de reforma agrária. Admitindo, inclusive, que o problema da reforma agrária residia na falta de determinação política, nos mecanismos operacionais, bem como na falta de recursos humanos. A solução para essa política, não era apenas uma questão social, mas, sobretudo, de planejamento geral do governo. Neste sentido, o governador tão logo assume, cria a Secretaria Extraordinária para Assuntos de Reforma Agrária e Cooperativismo (SERAC) para dar solução ao Plano. Coube à SERAC e a (CAR) a elaboração do Relatório anual. Uma espécie de diagnóstico que registrava as dificuldades encontradas para por em prática a reforma agrária no Estado, bem como a adequação dos órgãos estaduais para a eficiência e eficácia (grifo nosso), estabelecendo novas diretrizes e outras metas. O ponto de partida foi à assinatura do convênio com o Governo do Estado e INCRA, em 09 de abril de 1987. Uma das medidas imediatas foi a transferência da maioria das ações 85 do PRRA para a estrutura estadual. Coube a SERAI2, o papel de delimitar os lotes nas áreas desapropriadas, através da medição do perímetro, implantação da infra-estrutura física e social, apoio às atividades produtivas etc. Ao INCRA, coube ações de caráter jurídico tais como, identificação dos imóveis e desapropriação e imissão de posse. A elaboração do P. P. do assentamento, do PAI e P.D.T, bem como a seleção dos beneficiários, seria uma ação conjunta, INCRA, governo estadual e Comissão Agrária. Sendo a CAR a gestora do Programa de Apoio ao Pequeno Produtor Rural (PAPP), coube a esta a coordenação das ações dos programas desenvolvidos pelo PRRA, tanto na atuação direta nas áreas/projetos, como na coordenação do planejamento dos recursos financeiros, que em grande parte era financiado pelo Banco Mundial. Cabendo também a esta a coordenação das ações dos Programas de Desenvolvimento Rural Integrado (PDRI`s), assinatura de acordos e contratos celebrados com instituições de financiamento nacionais e internacionais. Nesse sentido, houve uma reestruturação dos critérios de seleção das áreas prioritárias, passando então estas a serem norteadas, com base na divisão de Regiões de Planejamento da Secretaria de Planejamento do Estado, que norteava as áreas de intervenção da CAR. Figura 10 Regiões de Intervenção da CAR. Para de fato articular as ações do Plano com os demais Programas que se integraram, foi criada a Gerência Estadual de Reforma Agrária (GERA), responsável pela coordenação do planejamento e execução das ações propostas em nível estadual, assessorando diretamente as Comissões de Execução de Reforma Agrária (CERAs), seguindo as diretrizes do Conselho Regional de Desenvolvimento Rural. Estas deveriam atuar na estrutura das Regiões de Planejamento, desenvolvendo as ações do PAPP, direcionadas prioritariamente para as áreas reformadas, coordenar as ações do processo de assentamento, articular os diversos órgãos envolvidos, prestar assessoramento técnico a apoio administrativo aos Grupos de 2 A SERAC, não tinha dotação orçamentária própria nem tampouco recursos físicos e humanos. Nesse sentido, o programa de reforma agrária não vinha tendo êxito. Por um lado, a extinção do INCRA, desarticulou toda a estrutura técnico-administrativa, inviabilizando o PRRA. O Governo então resolve através do Decreto nº. 1529 de 31.08.1988, incorporar a Secretaria de Reforma Agrária e a de Irrigação à SERAC para superar as limitações. Após a aprovação da Assembléia Legislativa é criada a Secretaria de Reforma Agrária Recursos Hídricos e Irrigação (SERAI) Com a criação desta, órgãos como INTERBA, CERB, CORDEC e CODEAGRI, foram incorporados de forma efetiva no programa. 86 Administração de Projetos (GAP`s) que eram os responsáveis pela administração e gestão das áreas de assentamentos. 87 Outro aspecto importante no processo de implementação do PRRA, foi o Programa de Capacitação que teve como referência, a metodologia operacional do PAPP3. Esta almejava um processo interativo/educativo na fusão do saber popular e fazer técnico, construção de troca de saber que articulasse o conhecimento técnico/científico e o conhecimento camponês, num processo de reflexão e ação conjunta capaz de potencializa os recursos produtivos e sociais ao alcance dos produtores. 4.1.2 As metas e fontes de recursos do PRRA As metas para o Estado da Bahia foram fixadas no Plano Nacional, e almejavam assentar 261.500, famílias utilizando 78.500 km², no qüinqüênio de 1985 a 1989, representado 20% da meta nacional e 40% das metas do Nordeste, assim distribuídos na tabela 12. Tabela 12 Bahia: Projetos de Assentamentos - metas previstas (1985-1989) Período Nº de famílias Área a ser desapropriada (em km²) 1985/1986 28.000 8.300 1987 56.000 16.900 1988 84.000 25.200 1989 93.500 28.100 Total 261.500 78.500 Fonte: MIRAD, 1985, P. 27 Elaboração: Madalena Noronha No primeiro ano de execução do PRRA, em 1986, o governo João Durval, deu prioridade ao programa de Regularização Fundiária, o projeto ficou sobre a responsabilidade exclusiva do INCRA, não havendo, portanto um nível de articulação entre as demais instituições como proposto no plano. Muito antes da aprovação do PRRA, em 1985, teve dois decretos de desapropriações, e uma imissão de posse, implicando 3.861 ha. Em 1986, já sob a vigência do PRRA, foram desapropriados dois imóveis, com área de 150.158 ha. Em síntese, em dois anos de gestão do PRRA almejou o seguinte resultado. Tabela 13. 3 O diagnóstico elaborado pelo PAPP sobre a pequena produção, na Bahia, revelava que esta vinha se desenvolvendo de forma atomizada, desorganizada, com base puramente na atividade de subsistência de baixo retorno econômico, fundamentada em sistemas de produção diversificado, desenvolvido com base no saber empírico, precariamente adaptadas às condições edafoclimáticas locais, à margem dos benefícios sociais mais elementares do Estado, carentes de orientação técnica apropriadas de insumos básicos e crédito rural. 88 Apesar do PRRA, ter tido impulso no governo Valdir Pires, este com dois anos de mandato, entrega o cargo ao seu vice-governador Nilo Coelho. O PRRA nesse contexto deixou de ser prioridade de governo. Fatos como a exoneração do secretario da reforma agrária em 1989, pode ser considerada como um grande refluxo no programa. Tabela 13 Bahia - Síntese do PRRA (1986 - 1987) Área desapropriada População classificada para assentamento Famílias assentadas Projetos de Assentamento (ha) 304.058 7.255 3.008 35 Fonte: Relatório do INCRA/MIRAD, 1987. Elaboração: Madalena Noronha. Posteriormente, em 1990, quando o governador Antônio Carlos Magalhães, assumiu o mandato, o Plano sofreu mais um esfacelamento, com o desmantelamento da estrutura institucional − Sendo este o período de menor número de famílias assentadas, foi instituído apenas 13 Projetos de Assentamentos ―. A CAR, que antes dispunha de condições materiais e recursos humanos para coordenar o PRRA, além de reduzir seu quadro institucional, demitindo os funcionários, ou mesmo colocando-os à disposição de outros órgãos, perdera totalmente esta referência espacial da reforma agrária, e este programa foi se esvaindo no tempo e no espaço. No governo subseqüente de Paulo Souto, (1995 a 1998) os movimentos sociais no campo, foram bastante acirrados no enfrentamento pelas ocupações, provocando um maior número de assentamentos dentre todos os governos, com 149 PAs leglizados. Não obstante, as metas alcançadas do PRRA, ficaram muito aquém do estabelecido, assim como ocorrera com o PNRA. De acordo com os relatórios do INCRA/Superintendência Regional da Bahia (SR05- Sistema/SIPRA, 22/11/2002) de 1996, data de implantação do PRRA, até 2002, foram criados 283 Projetos de Assentamentos do Governo Federal, com 23.733 mil famílias assentadas, perfazendo uma área de 101.025.0225 hectares apenas 12,75% da meta prevista no plano inicial. A tabela 14 apresenta consolidado o número de PAs implantados por cada período de governo entre 1987 a 2002. 89 Tabela 14 Bahia - Projetos de Assentamentos (1987 – 2002) Governos Períodos Nº de PAs Nº de famílias Waldir Pires/Nilo Coêlho Antônio Carlos Magalhães Paulo Souto César Borges 1987/1990 1990/1994 1995/1998 1999/2002 38 13 149 83 - - - - Total 283 23.733 Fonte: Relatório INCRA/SIPRA, 2002. Elaboração: Madalena Noronha. Os recursos do Governo Federal para o PRRA via INCRA, destinavam-se ao pagamento das desapropriações em Títulos da Divida Agrária (TDA) e benfeitorias. As ações relacionadas com os assentamentos se consistiam em Créditos de Alimentação, Fomento, Habitação e infra-estrutura físico-social. O custeio agrícola era financiado pelo crédito PROCERA, este montado com os recursos originários do FINSOCIAL de dotações orçamentárias de União e da amortização dos créditos concedidos pelo BNDS, que era o próprio gestor e administrador do Fundo o e DESANBANCO, o agente financeiro, repassador. O programa teve a função de apoiar a execução dos projetos operacionais de aproveitamento econômico, das áreas de assentamentos. O limite de crédito concedido a cada produtor assentado era de 1.200 BTN, a primeira etapa de apoio financeiro estava limitada apenas 250 OTN por família. Caso as operações fossem contratadas com cooperativas ou associações dos produtores o montante máximo de crédito, seria correspondente ao número de famílias associada multiplicada pelo número máximo de OTN por família. Este programa apesar de não fazer parte de uma política mais abrangente e contínua para os pequenos produtores oferecia melhores condições de pagamento para os assentados, na medida em que estes só deveriam pagar 35% da correção monetária e 3% de juros ao ano. Além de um prazo de carência de 3 a 15 anos, poderia também financiar desde melhorias habitacionais até aquisição de equipamentos para produção. Os Assentados do Projeto Amaralina, em sua grande maioria, exceto os inadimplentes, receberam todas as parcelas do crédito PROCERA. Os recursos do PROTERRA, FINSOCIAL e BIRD, destinavam-se ao Programa Complementar de Regularização Fundiária. Outros incentivos de apoio à produção vieram através do Banco Mundial e dos recursos do PAPP. Alguns assentamentos como o Projeto Amaralina, foram incluídos no Plano Anual Operativo do Programa (POA), que subsidiou os primeiros plantios. Os recursos do Tesouro do Estado eram utilizados geralmente para situações emergenciais, aplicados diretamente nos assentamentos, como foi o caso de compra de cestas básicas e lonas para construção de barracos no início da ocupação do Projeto Amaralina. 90 Um dos grandes entraves para o alcance das metas de um governo além da vontade política, esta na distribuição da dotação orçamentária. Particularmente uma política de reforma agrária não se efetiva apenas com disponibilidade de recursos para infra-estruturar dos assentamentos com equipamentos iniciais, mas, sobretudo, requer outros recursos viabilizadores da produção e da produtividade. Todos os recursos disponibilizados para os beneficiários do PRRA, em Amaralina se destinavam à emergência da produção. Considerando que as políticas de assistência à pequena produção estão fora dos padrões direcionados para as grandes culturas de exportação, estes se circundaram no aspecto da mudança da paisagem e não da mudança estrutural. Mas qual a configuração da estrutura das classes agrárias na Bahia a partir da implantação do PRRA. Nos próximos capítulos essa pesquisa se deterá numa análise mais detalhada desses elementos. Particularmente, esse enfoque, abrangerá o município de Vitória da Conquista, especialmente no Projeto de Assentamento Amaralina sub-espaço de análise empírica da pesquisadora. 91 5 VITÓRIA DA CONQUISTA: O PAPEL NA CONTEXTUALIZAÇÃO SÓCIO- ESPACIAL NA REGIÃO SUDOESTE O Município de Vitória da Conquista − espaço geográfico onde se insere o sub-espaço de estudo Projeto Amaralina ― é integrante da Região Sudoeste da Bahia. Esta Região pertence à grande área do semi-árido baiano. A figura 11 localiza o Município no contexto da Região Sudoeste. O processo de ocupação foi iniciado o final do século XVII pela necessidade de expansão do bandeirantismo formado por paulistas, mineiros e mesmo baianos de Salvador e Recôncavo. A cadeia sucessória de doações de grande porção de terras a famílias influentes da sociedade colonial teve como base o regime de Sesmaria, por recompensas, “troca de favores” e, necessidades da implantação de atividades econômicas, donde os colonizadores foram favorecidos pelo governo para a expansão da atividade pecuária. Assim é que em toda a história desta Região, a pecuária sempre foi um dos principais fatores de povoamento. As fazendas de Guedes de Brito e de seus arrendatários e compradores promoveram a condições fundamentais para que se ocupassem a Região, desenvolvendo uma estrutura produtiva com necessária auto-suficiência (CAR, 2000, p. 46). Além da predominância das atividades econômicas que concentrou grandes latifúndios na região, como o ciclo da mineração ― em busca do ouro nas serras de Jacobina ― que ocupou diversos espaços estratégicos e dizimou as populações indígenas. Foram travados ai, grandes conflitos entre as “expedições colonizadoras” e os índios das tribos mongói, pataxó, imboré e maracá. O ciclo da borracha através da exploração extrativa do látex da maniçoba e da mangabeira ― localizados basicamente em Vitória da Conquista ― atraiu grandes fluxos migratórios para a região, contribuindo para o povoamento desta. Em que pese a importância da região como criadora do rebanho bovino e comercialização de produtos, sua integração na economia regional do estado, ocorreu de forma lenta, tendo como marco dessa intensificação a construção da Rio Bahia (BR – 116) no início dos anos 60, bem como outras rodovias abrindo fronteiras intermunicipais. O tecido industrial se constituía essencialmente por indústrias tradicionais no ramo de produtos de 92 alimentares, boa partes desses estabelecimentos localizavam-se no distrito de Lomborés, em Vitória da Conquista. Criado em 1840, concomitantemente com mais quatro municípios que compõem a região Sudoeste como tais como: Maracás (1853), Poções (1872). Boa Nova (1880) e Jequié (1897). {....} o município surgiu em conseqüência do esforço da administração colonial para estabelecer comunicações entre o litoral e o sertão. Este vem se constituindo como um dos mais importantes setores dinâmico, tanto para a Região como para o Estado da Bahia desde a época colonial, sendo um ponto potencial de intercalação comercial entre o litoral e o sertão. (CAR, 2000, p. 47). A Região experimentou nas décadas de 1970 e 1980, uma nova fase de desenvolvimento, com duas atividades que arregimentaram novos empreendedores, a implantação de dois distritos industrial um em Jequié e outro em Vitória da Conquista e a introdução da cafeicultura, chegando a ser a atividade mais importante. O crescimento contínuo da região no setor de comércio e serviços foi proporcionado exatamente pela dinâmica econômica de Vitória da Conquista, Jequié e Itapetinga. Muito antes da penetração do café na década de 1980, o município de Vitória da Conquista já possuía uma sólida e importante base econômica, estruturada em torno da pecuária e do comércio. Graças à sua posição privilegiada de entroncamento rodoviário, tornando-se centro de distribuição de produtos e serviços para uma região, exercendo, sobre ela uma função polarizadora, contribuindo, sobremaneira, na configuração espacial desta. Com um parque manufatureiro centrando em mais 554 indústrias de transformações; nove agências bancárias; representação de organismos públicos federais e estaduais; dez hospitais com 1.131 leitos e 94 unidades ambulatoriais; 339 estabelecimentos de ensino fundamental, 23 de ensino médio e um Campus bastante estruturado da Universidade Estadual do Sudoeste (UESB). De acordo com a Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia – SEI (2002), o município ocupa o 9º lugar no Índice de Desenvolvimento Econômico (IDE)1 para o 1 Cujo resultante é mensurado pelo conjunto de informações quantitativas de infra-estrutura, qualificação de mão- de-obra e geração de renda do município em todos os setores da atividade econômica. 93 Estado. Quanto ao Índice de Desenvolvimento Social (IDS)2, este se coloca numa situação bastante privilegiada, ocupando o 6º lugar. 2 Mensurado nos pressupostos de atendimento à população, sobre as necessidades básicas, tais como nível de saúde, educação, serviços básicos e renda média dos chefes de famílias. 94 A Região Sudoeste vem tendo um crescimento anual oscilante, refletindo as modificações sócio-econômicas, ocorridas, no Estado como um todo, entre o período de 1970 a 1980, houve um acréscimo na ordem de 1,41%, a.a. Entre 1980 a 1991 cai para 1, 29%, entre 1991 a 1996, esta volta a ter uma taxa de crescimento bem maior na ordem de 1,92%, superior a todos os períodos analisados. Quanto à população urbana esta até 1970, era de 297.536 habitantes, inferior à população rural que era 456.403 habitantes. Com taxa de urbanização de 39,46%. A partir de 1991, esse processo se inverte, a taxa da população rural cai para 402.014 enquanto a urbana sobe para 607.743 a taxa de urbanização então atinge 65,86%. O município de Vitória da Conquista é o mais dinâmico para a região sob o aspecto demográfico. De acordo com a figura 12, sua população em 1996, estava na faixa de 242.155. Situava-se como a terceira maior concentração populacional do Estado. Rural 37.860 36.738 43.170 41.227 Urbana 204.295 188.158 127.454 84.346 Total 242.115 224.896 170.624 125.573 1996 1991 1980 1970 Figura 12 Vitória da Conquista – população rural, urbana e tortal (1970, 1980,1991, 1999) Anos Fonte: CEI, 1994, IBGE - Censos Demográficos, 1996. Elaboração: Madalena Noronha. Em 1970, o município, correspondia 17% da população regional, em 1996, chegou 21,0%. Diferentemente da região o município vem apresentado taxas muito altas, tanto de urbanização, sobretudo, para o período de 1996, com 84,3%, superior a região. Enquanto a densidade demográfica chegava a 64,6%. Dados na tabela 15. Isto se explica por um lado, pelo fato do município de Vitória da Conquista, ser um entreposto comercial absorvendo boa parte de sua população no setor de serviços na cidade. E por outro lado, pelo o histórico da estrutura fundiária do município, sempre concentrada com latifúndios, detentores de estabelecimentos com mais 10.000 hectares, grandes estoques de terras produtivas ociosas. E também pelo movimento de compra das terras através da 95 burguesia agrária, composto pelos “novos donos”. Enquanto os pequenos produtores foram aos poucos cedendo suas terras e perambulando pela cidade. Tabela 15 Taxa de urbanização e densidade da Região Sudoeste e do Município de Vitória da Conquista Região Sudoeste Vitória da Conquista Períodos Densidade Urbanização Densidade Urbanização 1970 17,6 39,5 33,5 67,1 1988 20,1 49,4 45,6 76,2 1996 26,1 23,3 64,6 84,3 Fonte CEI, 1994, IBGE, Censos Demográficos, 1996. Elaboração: Madalena Noronha. 5.1 O CAFÉ E A ESTRUTURA FUNDIÁRIA EM VITÓRIA DA CONQUISTA A estrutura fundiária de Vitória da Conquista com base na pecuária predominou longas décadas com relações mascaradas entre proprietário e trabalhador, estabelecidos em laços de “compadrio”, entorpecendo a visão política do trabalhador, para Ruy Medeiros (1980, p. 44): {....} Não é o trabalho subordinado contratual que existe; o que existe é o trabalho do camponês que aparece como favor deferido a este pelo dono da terra. O monopólio da terra, a disparidade entre os homens disponíveis ao trabalho e a inexistência de um mercado de trabalho faz, com que o fazendeiro seja o dono da vida e impunha seu domínio à legião dos homens do campo. Este quadro foi se modificando lentamente, tendo como indicador, o processo de modernização. Em 1971, quando o governo federal acionou o Plano de Renovação e Revigoramento de Cafezais (PRRC) foi, sobretudo, uma medida de intervenção estatal que visava propiciar os avanços das relações capitalistas no campo, tendo como uma das medidas urgentes a descentralização da produção de café e a sua expansão pelo Nordeste brasileiro. O Instituto Baiano do Café (IBC) apresentou um zoneamento a partir das condições edafoclimáticas de 454.684 hectares aptos à cafeicultura, dentre eles o Planalto de Conquista . 96 possuindo 165.832 hectares zoneados, dos quais 60% estão localizados especificamente no município de Vitória da Conquista. A dinamização da cultura cafeeira na Bahia se deu basicamente em 1972, com grandes incentivos por parte do governo federal, daí começou o plantio em grande escala. Esta medida veio de certa forma, explicitar o desnível inter-regional do trabalho, que vinha se efetivando na medida em que avançava o processo de incorporação do Nordeste ao espaço produtivo nacional. A região do Planalto de Conquista dispunha não só de um potencial agro-climático apto à cafeicultura, como também de uma abundante mão-de-obra disponível para o assalariamento. Antonio Dias Nascimento (1979, p. 61) em seu artigo a Guerra do Café, colheu declarações dos técnicos da Cooperativa Mista de Vitória da Conquista e dos “novos” empresários do café, os quais se reportaram mediante a introdução dessa cultura assim: O café aqui em Vitória da Conquista mudou a nossa fisionomia. Até 1971, vivemos quase que exclusivamente da pecuária extensiva, a nossa mão-de- obra vivia de uma decadente lavoura branca, plantando apenas para subsistir. {...} Os trabalhadores encontraram uma oportunidade de fixação aqui mesmo em nossa região. Os próprios agentes econômicos do local impulsionaram a produção do café no município e se sentiram responsáveis pela criação de novo dinamismo na região com geração de emprego e renda. Na concepção de José de Souza Martins (1983, p.114) “{...} possibilitaram o avanço sobre estas novas áreas daquilo que há de mais característico no mundo capitalista” ― a expropriação e a exploração ―. O café ao se implantar em Vitória da Conquista encontra uma estrutura fundiária definida, terras tituladas e ocupadas. No primeiro momento ocupa as áreas de matas, entre a pecuária e a média produção agrícola. A expansão foi paulatinamente, incorporando mais áreas e a pequena produção de subsistência cedendo a estes, os últimos resquícios de roças que lhe restava, passando a mudar sua condição de pequeno produtor para meeiro e, posteriormente, para assalariado. Essas novas propriedades em formação passaram a ser bastante valorizadas. O preço da terra para o plantio do café subiu vertiginosamente. Em 1971, quando iniciou a lavoura 97 dessa cultura o alqueire de terra custava em média e 5 a 10 mil cruzeiros ― moeda da época ― em 1979, esta chegou entre 100 a 150 mil cruzeiros. Mas os pequenos produtores já estavam fora desse movimento de compra e venda. A Região do Planalto de Conquista assumiu a liderança do plantio de café passando de 46.990 covas no primeiro ano para 10.000.000 em 1974/75, o que equivaleria representar, na época, 61% dos cafezais do Estado. No início dos anos 80, o município colocou a Bahia em 8° lugar da produção nacional, tanto em quantidade produzida, como em produtividade e qualidade. A região manteve essa hegemonia no Estado até 1979/80, seguida pela região da Chapada Diamantina, que teve sua mais alta produção em 1980 com 49.782,02 toneladas. A figura 13 demonstra a produção da Região para os períodos de 1974, 1978 e 1980. Na medida em que a lavoura do café ia se consolidando, provocava mudanças no contexto rural e urbano com impactos significativos nas relações de produção, redefinindo os espaços no município num curto período de tempo. Apesar deste fator intenso de mobilização de trabalhadores tanto do campo como da cidade em função da “nova” cultura, esta não foi capaz de absorver um contingente grande de trabalhadores, mesmo nos momentos de colheita onde era requerida bastante mão-de-obra. Figura 13 Evolução da produção do café no Planalto de Vitória da Conquista (em toneladas) Fonte: IBC/GERCA, 1981. Elaboração: Madalena Noronha. Estes mecanismos dificultavam a organização dos trabalhadores que vinham se fragilizando, tanto pelas perdas de suas terras, como pela super exploração da força de trabalho pelos grandes empresários do café. Antônio Dias (1985, p. 144) reconstituindo a 98 memória dos trabalhadores do café, descreve a fragilidade relatada por estes, na perversa história do café: {....} poucos trabalham firme na mesma propriedade. A maioria se tornou como mercadoria que se oferece a quem paga melhor. {...} As leis trabalhistas do país são totalmente ignoradas. {...} Um pequeno proprietário querendo plantar café, encontra tanta dificuldade, que muitos esmorecem. {...} As roças de mandioca, milho e banana estão diminuindo cada vez mais, encarecendo o produto. Apesar das manobras das lideranças sindicais, a equipe da CEBs1 vinha desenvolvendo trabalho com as famílias catadoras de café, motivando estas a concorrerem às eleições do sindicato, como oposição. Desta forma, foi constituída a Chapa 2. Esta na leitura de Ruy Medeiros (1980 p. 45) “se constituiu na vanguarda dos trabalhadores rurais” demarcando terreno para um acordo de dissídio coletivo que se transformara em uma greve deflagrada em maio de 1979. Assumido pela Comissão Salarial, este movimento levou o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e a FETAG, assumirem a contragosto a primeira greve dos trabalhadores do café, que teve na pauta de negociação melhores salariais, e melhores condições de trabalho dentre outras. Fatores como a repressão policial ― legitimamente defensora dos interesses da classe dominante ― a falta de compromissos dos diretores do sindicato com esta categoria, e própria inexperiência dessa vanguarda e o recuo das CEBs, levaram a greve ― apesar de considerada legal pela justiça trabalhista ― ao fracasso e as conquistas foram às mínimas possíveis. Apesar disso, Ruy Medeiros (1980, p.46) interpreta que: “os trabalhadores entenderam seu movimento como ‘o movimento possível’ dentro de determinadas condições, em determinado momento de sua história, preparatório de outras lutas”. Em 1986, com a implantação do Plano Cruzado, o governo volta a subsidiar o café na medida em que, os preços internacionais estavam bastante atrativos. A ganância dos produtores em tomarem volumosos empréstimos, levou estes a um grande endividamento. A opção dos mesmos foi manter os preços na saca do café em alta ─ com base em anos anteriores ─ sem, contudo, mensurarem que estava havendo retração da demanda 1 A partir de 1968, a Diocese de Conquista, juntamente com alguns leigos reestruturaram a proposta de trabalho que passou a se direcionar numa linha da Teoria da Libertação, contribuindo assim, para organização das Comunidades de Base. 99 internacional e normalização da demanda cafeeira em outras regiões, provocando uma queda vertiginosa dos preços. O endividamento dos produtores e a continuidade da alta dos preços no mercado geraram uma crise profunda na produção de café na região de Vitória da Conquista  muitos deles passaram a substituir os cafezais por pastagens, inclusive justificando que os custos da produção eram mais baixos e dependiam de menor requerimento de mão-de-obra  afetando toda economia do município. Tanto o desaquecimento da oferta de trabalho, o rebaixamento da remuneração e algumas vantagens conseguidas pelos trabalhadores na greve de 1989, foram por água a baixo, a depressão social foi enorme, com grandes contingentes de trabalhadores sem terra e sem trabalho. A redefinição da pauta de exportação de produtos brasileiros levou o café a não ser mais uma atividade produtiva dinâmica, por isso não tinha grandes subsídios, apesar de integrar o mercado de commodities, não vinha respondendo as exigências dessa racionalidade produtiva. Nessa lógica, os cafeicultores perderam expressão no espaço agrícola brasileiro. Até que ponto o projeto Amaralina não foi uma tentativa de reinvestimento em escala regional dessa segmentada “nova” oligarquia? As tendências foram explicitas na defesa por parte da CAR e prefeitura local, tanto na manutenção de parte dessa oligarquia nas terras reformadas, como na motivação do plantio de café, com vastas distribuições de mudas para os assentados. A estrutura fundiária da Região Sudoeste, sempre foi bastante concentrada e desde o início de sua ocupação, em especial, com predominância na pecuária. E apesar de em meados da década de 1970, a cultura do café, ter tido um forte investimento, entretanto, esta atividade (como essa pesquisa já afirmou) não utilizou as grandes áreas de pastagens, não modificou a vocação e nem tampouco, abalou a estrutura das terras ― concentradas extraindo a fração da mais valia social sem participar do processo produtivo ― ociosas não utilizadas. Na tabela 16 temos a seguinte situação, trabalhando com as décadas de 1980, 1985 e 1995,  auge do pico do pós-café  o uso da terra para a pastagem no primeiro período equivalia 75,0%, para o segundo, aumentou para 77,0%, e para o terceiro período tem um acréscimo considerável 79,0%. Enquanto a lavoura em 1980 tinha área utilizada de apenas 8,0%, em 1985, seu aumento foi irrisório para 8,4 %. Em 1995, comparando aos dois períodos, a cultura da lavoura tem aumento significativo 11,0%. Entretanto, as áreas 100 produtivas não utilizadas, considerando se ai também as temporárias em descanso, em 1980, representavam 17,0%, superior às áreas destinadas à lavoura, em 1985, 14,6%. Em 1995, elas quase se equiparam à lavoura 10,0%. As propriedades acima de 500 hactares em 1995 ocupavam 74,6% com atividade pecuária. Tabela 16 Região Sudoeste – utilização das terras por atividades econômicas (1980, 1985, 1995) Períodos Atividades 1980 % 1985 % 1995 % Lavouras 266.964 8,0 303.406 8,4 311.277 11,0 Pastagens 2.036.689 75,0 2.169.389 77,0 2.223.350 79,0 Terra ociosa 584.905 17,0 491.171 14,6 214.434 10,0 Total 3.423.960 100 3.575.042 100 3.199.987 100 Fonte IBGE. Censos Agropecuários, 1970, 1995. Elaboração: Madalena Noronha. De acordo com a tabela 17, percebe-se que o movimento de Vitória da Conquista é idêntico ao da Região. As áreas destinadas à pastagem, sempre foram mais expressivas que as áreas destinadas à lavoura, concomitantemente às terras em descanso e produtivas não utilizadas se encontram num patamar muito superior as terras destinadas à lavoura. Em 1980, as áreas utilizadas com pastagem ocupavam 66,0%, da área total, enquanto para a lavoura era de apenas 17,0 %. Em 1985, considerando-se o período de maior evidência da cultura do café, houve um movimento de redução das áreas para as culturas tanto de pastagem, como as destinadas à lavoura diminuindo, porém, as terras produtivas não utilizadas ampliaram para 23,3%. Tabela 17 Vitória da Conquista – utilização das terras por atividades econômicas (1980, 1985, 1995) Períodos Atividades 1980 % 1985 % 1995 % Lavouras 29.831 7,0 27.037 13,7 22.891 15,3 Pastagens 111.537 66,0 123.550 63,0 101.504 67,3 Terra ociosa 28.764 17,0 46.135 23,3 26.379 17,4 Total 170.122 100 196.722 100 150.774 100 Fonte IBGE. Censos Agropecuários, 1970, 1995. Elaboração: Madalena Noronha. Na década de 1995, há um movimento de redução das terras no município disponíveis as culturas, todas as atividades esse processo, exceto as áreas destinadas à pastagem, período de maior utilização 67,3% da área total. Sendo que as áreas destinadas à lavoura diminuem muito mais, ficando apenas com 15,0%. As terras ociosas para este último período também sofrem redução ficando em 17,4% porem, inferior as áreas de lavouras. 101 Seguindo uma série histórica, na representação dos grupos de áreas no município de Vitória da Conquista demonstradas na tabela 18, identifica-se que a velha dicotomia permanece entre um elevado número de estabelecimentos com pouca porção de terras e uma inexpressiva minoria desses estabelecimentos com uma elevada fatia dessas terras. Em 1980, a classe de 2 ha menor que 5 ha tinha 402 estabelecimentos 12%, com apenas 0,84% das terras. Enquanto a classe 500 ha a 1.000 ha tinha 78 estabelecimentos pouco mais que 2% destes, no entanto, concentrava 22% da área total. Em 1985, a tendência do estrato 2 ha menor que 5 ha teve aumento em número de estabelecimento 978 chegando a ocupar 19,8% destes com área de apenas 1,4%. O grupo de 100 hectares a 200 ha com 261 estabelecimentos equivalendo 5,17%, detinha 14,21% da área. Salienta-se que esta era a classe de médios cafeeiros que plantavam em torno de 50 a 100 mil covas. Em 1996, ocorre outro movimento com redução tanto das áreas, quanto do número de estabelecimentos. Chegando estes a serem afetados em 51% do universo total. O extrato de área 5.000 ha menor que 10.000 ha que existiu apenas na década de 1960, reapareci neste período com 2 estabelecimentos e 4,0% da área. Confirmando assim, a evidência histórica do município de três variantes, a pecuarização, a especulação ― das terras produtivas ― e fragmentação da pequena produção. Dentre os três períodos analisados, registra-se que o Índice de Gini foi extremamente alto, em 1980, este valor era de 0, 733. Porém, em 1985, ─ como já mencionado no auge da cafeicultura ─ este Índice atinge um valor extremado de 0,817, em 1996 há uma pequena queda ficando em 0,777 valor ainda considerado muito alto. Esse modelo de estrutura fundiária e a conjuntura da ascendência de crise da cafeicultura — como já analisados neste capítulo — agudizou o município de Vitória da Conquista em todos os níveis. O poder local em1987, constituíu-se nos antecedentes históricos dos moldes populistas, buscando saída à crise, em conjunto com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vitória da Conquista, para moldurar outro perfil no município. Nesta linha, a prefeitura local — utilizando-se da prerrogativa de “amigo” do governador da Bahia — ultrapassou os movimentos sociais e em defesa dos excluídos da terra, mapeou politicamente a Fazenda Santa Marta AS, como área considerada nos padrões 102 de interesse social do PNRA. Reivindicando a inclusão desta no PRRA, constituindo-se assim, no primeiro Projeto de assentamento da Região Sudoeste o Projeto Amaralina. Tabela 18 Vitória da Conquista - estabelecimentos por grupo de área total (ha) (1980, 1985, 1996) 1980 1985 1996 Grupos de área total (ha) Estabelecimento Área Estabelecimento Área Estabelecimentos Área >1 1 >2 2 > 5 5 > 10 10 > 20 20 > 50 50 > 100 100 > 200 200 > 500 500 > 1.000 1.000 > 2.000 2.000 > 5.000 5.000 > 10.000 48 129 402 481 527 779 425 254 210 78 18 2 - 29 166 1.156 2.853 6.120 21.996 28.468 33.934 62.601 52.352 25.059 4.009 - 535 546 978 705 682 734 308 261 194 73 23 6 - 271 702 2.792 4.421 8.512 20.708 20.914 34.472 57.978 48.191 29.860 14.921 - - 229 212 248 304 283 480 241 209 185 47 18 1 2 115 297 1.283 1.899 3.820 13.693 16.021 27.464 53.061 35.899 24.116 2.800 7.647 Total 3.553 238.743 5.045 243.743 - 2.649 188.115 Fonte: IBGE – IX Recenseamento geral do Brasil – 1980 Censos Agropecuários Série Regional Bahia. Elaboração: Projeto GeografAR. Atualmente, o Município de Vitória da Conquista contempla o maior número de assentamentos em relação ao Estado, doze PAs, dez desapropriados pelo Governo Federal, uma área de reconhecimento e uma de doação, ocupando cerca de 16.998 hectares. Dados na tabela 19. Tabela 19 Vitória da Conquista: Projetos de Assentamentos (1987 – 2001) Projeto/natureza* data desapropriação Nº de famílias Área (ha) Amaralina * Lagoa caldeirão* Mocambo/bonfim * Mutum* Conquista do Rio Pardo * Olho D’ Água* Cedro* Cipó * União/IBC*** Lagoa Nova* Baixão * Etelvino Campos *** 02.01.1987 03.11.1994 09.07.1994 27.11.1996 28.11.1996 27.11.1996 07.07.1997 30.06.1998 18.06.2001 03/10/2001 08.11.1999 27.08.1998 173 142 84 188 71 55 73 73 25 32 48 78 2.722 1.507 1.256 2.862 1.457 623 800 1.443 150 1.015 1.837 42 Total 12 1.038 16.998 * PAs desapropriados ** Área de reconhecimento *** Área doada Fonte: INCRA/CIPRA, 2001 Elaboração: Madalena Noronha. 103 As conseqüências dessa política de ocupação ─ por parte dos agentes do estado e dos agentes locais ─ e seus sobre impactos diretos na estrutura fundiária do município, serão analisadas no capitulo 6 à luz dos desdobramentos no Projeto de Assentamento Amaralina, num resgate sistematizado ― de forma teórico-empírica ― vivenciado pela pesquisadora/assessora técnica da CAR, durante 5 anos, ao qual se remeterá um recorte mais detalhada sobre os contornos político-administrativos da produção e gestão desse espaço ao longo da intervenção destes organismos para conferir-se suas tendências atuais. 104 6 RETROSPECTIVA HISTÓRICA E A SINGULARIDADE DOS AGENTES PRODUTORES DO PROJETO AMARALINA A análise de um assentamento em processo de instalação e de vivência dos sujeitos sociais, nele envolvido impõe situá-los, no contexto sócio-político no qual, estão inseridos. Esse contexto, por sua vez, encontra-se consubstanciados por processos históricos anteriores, principalmente, naqueles relativos à estrutura fundiária, às políticas agrárias e aos modelos de desenvolvimento desenhados por diversos atores ao longo do tempo. O Projeto de Assentamento Amaralina, inicialmente denominada Santa Marta do Nordete S/A, foi adquirido por um grupo de empresários gaúcho, na década de 1950. Entretanto, apesar dos fortes investimentos adquiridos através dos recursos da SUDENE ― para constituição de uma empresa agropecuária ― a mesma não empreendeu as ações necessárias ao cumprimento dos objetivos estabelecidos. Essa inadimplência levou a prefeitura de Vitória da Conquista entrar com ação desapropriatória, em 15 de junho de 1973. A empresa permaneceu em júdice até 1987, quando de sua incorporação ao PRRA, que se constituiu no Projeto Amaralina. Com área de 2.722 hectares, situa-se geograficamente no Município de Vitória da Conquista, a 5 km do centro urbano. Posicionando-se entre a BR 216 e a BA 265, seu acesso é feito em direção a Universidade Estadual do Sudoeste (UESB) e pela BR 116. A particularidade do projeto Amaralina, não vem se dando apenas no campo das suas relações internas pela disputa de um Quantum social. Suas raízes estão plantadas no modelo inicial de produção desse espaço que foi conduzido pela ação planificadora do Estado e outros organismos de forma direta. O projeto fazia parte de um contexto material de reprodução, onde não só o processo imediato da realização do capital tinha que ser administrado e regulado politicamente, para ajuste social dos indivíduos, como também a própria necessidade de legitimação do Estado, como um completo aparato burocrático. Merece destaque nessa pesquisa, os mecanismos do poder local por forças das circunstâncias estruturais e conjunturais, em arregimentar um conjunto de organismos e recursos em diferentes escalas, em prol do objeto de cobiça o Projeto Amaralina. No qual, foi 105 estabelecida uma relação do jogo institucional, funcionando em prol de uma unidade especificamente política na junção de um bloco do poder ali implantado. O projeto Amaralina, não tinha como objetivo amenizar a perversa concentração de terras existente no Município. Este espaço tão atrativo, dada sua posição geográfica ― considerada área “rurbana” por muitos autores ― e seus cenários paisagísticos, cumpriria dois papéis simultâneos: por um lado, a desconcentração da classe média alta do centro da cidade e alocação na fazenda ― a áreas mais adentradas na zona de mata se tornariam atrativos de lazer ― Por outro lado, os poucos trabalhadores rurais que se agregariam ao projeto de reforma agrária, já selecionados previamente, pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Conquista e prefeitura local, deveriam tornar seus lotes num grande celeiro de hortigranjeiro para abastecer o município. Este projeto ficou implícito na intencionalidade posta em todo processo de negociação, que começou desde a mobilização para o deslocamento da equipe CAR/Gerente da Região de Planejamento Serra Geral, CERAS, procuradoria e técnicos do INCRA. Figura 14 paisagem Amaralina. Figura 14 Paisagem Projeto Amaralina (1987) Fonte: Pesquisa de Campo, Madalena Noronha. Em reunião ocorrida no dia 18.09.1987, na prefeitura municipal com o INCRA, CAR, prefeito, Sindicato Rural e a Federação dos Trabalhadores da Agricultura (FETAG), para estabelecer as estratégias de ocupação legal da Fazenda Santa Marta. Foram demonstradas as preocupações desses dirigentes quanto o vazamento das informações, sobretudo, para a 106 CPT/Regional e CUT, dado os perigos destas entidades, que poderiam se antecipar e ocupar a área, ― futuro Projeto Amaralina ― antes do controle destes. Desta forma os “comandantes” não divulgaram a proposta oficial e imbuídos do discurso do sigilo para não “provocação de tumulto”, visto que o imóvel ainda não tinha posse imitida. No entanto, já tinha havido uma simulação de ocupação na área por parte de alguns trabalhadores cadastrados pelo Sindicato e motivados pela própria prefeitura local. A imissão de posse foi dada em Vitória da Conquista, no dia 21 de setembro do mesmo ano, para que a equipe tivesse acesso ao local dentro dos trâmites legais e começasse de fato operacionalizar o grande projeto. Desde a grande greve dos trabalhadores do café, a CPT e outras entidades, comprometidas com o movimento em torno das condições de vida de centenas de trabalhadores rurais, desempregados e sem terras, vinham mapeando algumas áreas com capacidade produtivas, ― porém, ociosas ― com o propósito de forçar o assentamento das famílias nestas áreas. Tão logo estas entidades souberam da presença do INCRA no município para tal fim, providenciou a ocupação imediata da fazenda Amaralina colocando 288 famílias ― estas em sua grande maioria, eram do próprio município e dos arredores próximo à fazenda ou mesmo, estavam na zona urbana em busca de emprego ― alojaram sob pedaços de plásticos, espalhadas por toda a área da fazenda, dividiram geograficamente esse espaço em forma de núcleos. A figura 15 apresenta a divisão espacial do PA Amaralina. Tal foi a surpresa dos projetistas “rurbano”, que não acreditaram na potencialidade de organização dos trabalhadores e destas entidades, em romperem com a manobra pré- estabelecida para exclusão destes. A conseqüência imediata, foi a ocupação da fazenda por aqueles que de fato, se tornariam os assentados do primeiro projeta de reforma agrária na Região Sudoeste. Tanto o dirigente regional da CAR, como a prefeitura local, FETAG e INCRA, por total obscurecimento, se sentiram traídos, inclusive, admitiram as responsabilidades desse fato à técnica da CAR, que compunha a CERA, passando esta a ser indiciada na Polícia Federal, respondendo processo como “insulfradora” de ocupação, de terra para reforma agrária. Puro contra-senso, porque o projeto, mesmo que frustrado, saiu da trama do próprio poder estadual pelo menos naquele momento. 107 Se o aparelho do estado, tentou ser o complexo global das atividades práticas e teóricas, pelo o qual, a classe dominante em Vitória da Conquista, não apenas queria justificar e manter sua direção, mas, sobretudo, conseguir preservar o consenso daqueles que são dominados. A estratégia ao longo do tempo, foi tentar assumir as demandas dos próprios trabalhadores regulando estes, via um planejamento racional, e de resto, através da coesão própria que é a burocracia sobre as práticas dos agentes. Mas esta política, não poderia ser reduzida ao seu próprio poder ou a sua vontade e sim, deveria ser entendido como uma resultante das contradições de classes existentes no próprio Estado, com prioridades e contra prioridades, que estabelece as contradições e reorienta novas formas de intervenções. 108 Assim, é que as modificações ocorridas na conjuntura de 1992, ― com um novo quadro estrutural, agora sob a hegemonia do governador Antonio Carlos Magalhães ― o bloco do poder, redirecionou seus instrumentos para outras ações distintas da reforma agrária, causando ruptura entre os laços dos representantes e representados. E neste sentido, os aparelhos estatais, sofreram deslocamentos de funções, como foi o caso da CAR – gestora e financiadora do PRRA – e outros órgãos que estavam envolvidos no processo. A retirada das instituições resultante dessa política do Estado, que colocou e retirou seu poder em seu próprio proveito, fragmentou e fracionou distintas camadas sociais existentes no PA, o que favoreceu uma crise interna. Mas a própria orfandade reservou uma posteridade histórica para estes assentados, que conheceram e assimilaram outras formas e outros modelos de produção nesse espaço. O próprio Estado criou as potencialidades de reivindicações e a inevitabilidade da ação direta, favorecendo o diálogo de conflitos com interlocutores diretos com o próprio sistema de decisões. 6.1 O ÉTHOS DO ACAMPAMENTO E O PERCURSO BUROCRÁTICO RUMO AO MODELO DO ASSENTAMENTO No inicio da ocupação, tão logo foi dada a imissão de posse, Houve a celebração de uma missa, donde foi fincado um marco na casa sede da fazenda1, como símbolo da libertação dos camponeses do município de Vitória da Conquista e da Região Sudoeste. Nesse sentido, a Igreja Católica, que em outras ocasiões, como na greve dos catadores de café, ficou omissa entre as reivindicações dos trabalhadores e o poder dos proprietários, assessorada pelo estado, assume uma ruptura institucional com a prefeitura local e as demais instituições. As famílias que ocuparam a fazenda — com muitas crianças pequenas — estavam ali, vivendo as condições mais sub-humans, ao relento, sem teto, sem água e sem comida. O que se fazia necessário, a criação de infra-estrutura para estas. De imediato, foi providenciada a 1 A missa foi campal, com a presença dos ocupantes e diversas entidades do movimento social. O sermão foi um ato político, com avaliação de estrutura fundiária concentrada no Brasil e na Região do Sudoeste. 109 compra de lonas e certas básicas, viabilizadas em boa parte, tanto pela CPT como pela CAR, CORDEC e as verbas emergenciais do Tesouro do Estado. A realidade era de acampamento, que a nosso ver, era um território provisório e indefinido, individual e coletivo, com atividades escassas e ocasionais, calcado na “economia de guerra”, solidariedade entrecortada pela prevalência das garantias individuais e dependência absoluta, tanto para a sobrevivência material como simbólica. Poucas coisas parecem mais complexas que o estudo de realidades transitórias. Todavia a importância das situações liminares espaciais e temporais é absolutamente reconhecida, em se tratando de uma passagem que carrega o éthos do tempo progressivo e convive com as transformações preparatórias, rumo ao tempo futuro. É neste meio do caminho, que se afigura o acampamento Amalarina. Hugo Nutine (1989), num estudo sobre ritos e passagens, sublinha três etapas distintas e complementares: os ritos em preliminares (de separação), liminares (margem) e pós-liminares (agregação). O acampamento Amaralina, mesmo com toda sua complexidade pode ser situado nesse estágio de pós-liminaridade. A vida imediata levou estas pessoas, das mais diferentes origens e experiências, a conviverem umas com as outras no mesmo lócus, dessa proximidade espacial surgiram grupos de vizinhanças, nos quais, os membros desenvolveram relações mais constantes, assim foi o caso da sub-espacialização do projeto, em núcleos que foram se formando com base no sentimento empático, certo tipo de sociabilidade mais generosa, foi esta a característica dos primeiros tempos em Amaralina. Apesar da existência do cadastramento feito pelo Sindicato Rural dos Trabalhadores de Conquista, com pessoas em grande maioria, funcionários do poder local e estadual. Deu-se início ao cadastramento dos ocupantes da área, realizado, no período de 27/10 a 03/11. Inicialmente, o INCRA/BA2 cadastrou os antigos empregados do ex-proprietário que já residiam na fazendo há muito tempo. Independentemente de ter origem como trabalhador rural  parâmetro do PNRA/PRRA  a seleção dos beneficiários, foi feita no período de 20 a 2 Os candidatos são cadastrados no Sistema de integração de Reforma Agrária (SIPRA) e classificados de acordo com determinados critérios técnicos ― além da exigência da maioridade e que o candidato não possua antecedentes criminais ― sendo estes: composição do grupo familiar, capacidade de trabalho familiar, experiência associativista e tempo de trabalho em atividades agrícolas. 110 31/03, sob a responsabilidade do INCRA/BA. Para surpresa dos assentados, a lista dos selecionados, contemplava pouquíssimos trabalhadores e muitos funcionários públicos. Em se tratando de um grupo social que não tinha identidade étnica, sentimento de territorialidade, nem ainda formara papeis hierárquico para exercício de poder e autoridade, a priori, suas formas mais visíveis eram de relações de subordinação ao grupo gestor. Entretanto, os trabalhadores passaram a assimilar que ali eram “exigidas novas regras” para sobrevivência. E de imediato, estabeleceram regras de convívio social, através de regulamento, de distribuição de tarefas e da organização da comissão coordenadora, composta por representantes dos núcleos. A conseqüência dessa organização, veio à tona em forma de embate entre os órgãos gestores e um grupo não mais vulnerável, mas buscando o encontro de afirmação do poder ― enquanto necessidade lógica ―, como resultado das dessimetrias que afetam as relações sociais. Os trabalhadores não aceitaram a lista do INCRA, que confluía com a da prefeitura. Em confronto com as instituições estatais, redefiniram os critérios de seleção, estabelecendo princípios no trabalho de origem agrícola, comprometimento com as metas da reforma agrária, ― para acabar com o latifúndio ―, voto de permanência nos lotes e fortalecimento do movimento dos trabalhadores sem terra. Em que pese, nessa época, estes ainda não terem laços políticos com o MST, mas o lema de “ocupar, resistir e decidir” estava no cerne da CPT. Diga-se de passagem, que o núcleo da CPT de Conquista, ao conduzir o processo de ocupação, também permaneceu na Fazenda incorporando-se na coordenação da equipe institucional, mediando todas as tomadas de decisões. No Decreto de Desapropriação da empresa Santa Marta S/A, constavam 3.500 hectares, mas na medição da terra para estabelecer o perímetro, só foram constatados 2.7223 hectares. Como a capacidade do assentamento é dada pela relação do número de famílias e o tamanho do perímetro, visto as potencialidades agricultáveis da área, a diminuição da área, implicou na diminuição do número de famílias. Nesse sentido, das 288 famílias cadastradas apenas 131, foram selecionadas resultando num excedente de 157 famílias. Destas, 60 permaneceram numa área contígua que se encontrava nos limites da fazenda e 97 permaneceram engajadas 3 Na primeira medição feita pela CAR, constavam 3.500 ha. Na demarcação feita pelo INCRA para estabelecimento do perímetro este passou para 2.722 hectares. 111 em todo processo de luta de Amaralina, forçando situações de desapropriação da fazenda IBC. Hoje a grande maioria está assentada nos demais projetos do Município. Em 1987, o projeto tinha um contingente populacional de aproximadamente 1200 pessoas, entre crianças e adultos. A taxa de densidade demográfica era na ordem de 0,48. Atualmente existe uma controvérsia, técnicos e moradores afirmam ter 211 famílias, porém o INCRA só reconhece 173. Em 2002 a população foi estimada em 2.300 pessoas aproximadamente, com um crescimento de 3.3 a.a. e taxa de densidade de 0,85. A perspectiva, segundo os moradores, é aumentar significativamente esta população na medida em que, existem duas tendências concretas: 1) os filhos dos proprietários vêm contraindo matrimônio e aumentando a taxa de natalidade; 2) os lotes vêm sendo parcelizados tanto com genros, noras como os filhos mais velhos e parentes que retornam de um processo migratório. Este rebatimento vem se dando na definição do tamanho da área plantada. A figura 16 demonstra a evolução da população num intervalo de 15 anos. Figura 16 Projeto Amaralina ― evolução da população (1987 e 2002) 1.200 2.300 1987 2002 Fonte: Pesquisa de Campo 2002. Elaboração: Madalena Noronha Na medição do perímetro, foi feito um levantamento dos recursos naturais para mensurar a capacidade e aptidões para o uso racionalizado do solo. Um fato agravante que sem dúvida, contribui na qualidade de vida dessa população, diz respeito ao uso inadequado 112 pela empresa de saneamento do Município do maior potencial hídrico do Projeto o Rio Verruga. Este apesar de banhar o Projeto como um todo, é o receptor dos dejetos da central de decantação da cidade de Vitória da Conquista. Totalmente poluído, não serve ao consumo doméstico, apenas para o uso de animais. No entanto, alguns moradores no início da ocupação por desconhecerem a problemática, fizeram uso da água e foram acometidos por algumas doenças de veiculação hídricas. Os dois afluentes, e o riacho Santa Rita bem como, algumas represas e aguadas, vêm servindo o consumo doméstico para a população, que em determinadas épocas de estiagem, sofre com a escassez de água. A figura 17 mostra o Rio Verruga com os animais fazendo uso da água. Figura 17 Projeto Amaralina - utilização do Rio Verruga (1987) Fonte: Pesquisa de Campo, Madalena Noronha, 1987. O diagnóstico ainda identificou que os relevos do imóvel são planos, suaves ondulados, com variações de 0 a 4%, ocupando 89% do total da área, enquanto o restante é composto apenas de relevo ondulado. Seu tipo climático é seco, sub-úmido e representa a transição entre o clima úmido das regiões litorâneas e serranas e o clima seco do sertão, com precipitação anual de 600 a 1.200 mm, numa temperatura média de 19.6º C. No período chuvoso de novembro a abril chove 570 mm, ou seja, 81% do total pluviométrico, de maio a outubro a precipitação é reduzida a 138 mm, representando 19% do nível pluviométrico. O potencial agroclimático varia de ótimo, para bom e regular, com aptidões climáticas para as culturas da banana, mamona, abacaxi, café, e pastagem. O período chuvoso adequado 113 ao plantio é de março/abril, outubro/novembro. O imóvel está totalmente inserido no polígono da seca. Os principais fatores limitantes identificados nas oito unidades de capacidade de uso do solo mapeado no imóvel são: 1) excesso de água ou encharcamento; 2) afloramento rochoso; 3) drenagem moderada e imperfeita; 4) erosão moderada ou risco de erosão; 5) deficiência de fertilidade; 6) risco de inundação; 7) pouca profundidade dos solos; 8) textura excessivamente arenosa. A identificação para aptidão das culturas do café e da pastagem levou a CAR, investir num tipo de planejamento verticalizando, na produção da cafeicultura e na pastagem. Conferindo assim, a tendência dos grandes produtores desse Município ― como já afirmado no capitulo que analisou a estrutura fundiária de Vitória da Conquista ―. Os financiamentos se destinavam à compra de defensivos, mudanças de viveiros de café e matriz reprodutores de gado holandês. Nesse sentido, o espaço produtivo, se tornou uma mera oportunidade econômica viável em curto prazo, sem nenhuma correlação entre os elementos de sustentabilidade deste, para longo prazo. Porém, em que pese o diagnóstico identificar grande deficiência de fertilidade nessas terras, tecnicamente, não foi previsto nenhuma proposta alternativa de correção do solo e nem tampouco avaliado a necessidade de diversificação de culturas. A definição do parcelamento ocorreu com grandes discussões sobre o tamanho dos módulos e a forma de utilização dos mesmos, ― o que implicava o modelo produtivo ― onde a maiorias dos beneficiários se renderam a lógica do INCRA, optando pelo módulo de 20 hectares por família, com exploração individual e utilização da força de trabalho familiar. As experiências demonstraram que esse tipo de definição prévia no PNRA/PRRA da parcelização dos lotes, nos assentamentos. Este modelo se torna inviável e se constitui assim para: Guiomar Germani (1993, p.630) “{....} Dogma da divisão em lotes familiares. {...} esta organização do espaço atua como um limitador e introdutor da organização e da produção”. (Tradução nossa). Um assentado que defendia a proposta do INCRA, em confronto com outro assentado assim se posicionou: {....} O INCRA apresentou para nos a melhor proposta, porque muitas famílias que estão aqui podem não ter vontade de trabalharem na agricultura 114 e querem ir embora então passam o lote quem quer. Se for coletivo fica difícil resolver este problema. Quando se tem uma proposta de trabalho o próprio INCRA vê um fundamento melhor. (informação verbal, 1987). Muito embora, algumas características aproximassem inicialmente, estes trabalhadores, neste processo, ficou visível certo distanciamento pelos interesses particulares como foi o caso da consciência em torno da reforma agrária, para alguns, se desdobra em outras frentes de lutas coletivas, enquanto para outros, era um meio de se tornarem proprietário. A distribuição espacial das famílias se conformou na forma inicial da ocupação, onde estes se alojaram ― mediante algumas identidades de parentesco, amizade, filiação partidária, sindical entre outros ― em forma de nucleação. Os mesmos nominaram os núcleos, estes eram cinco inicialmente e se denominavam em: Baixa da Fartura, São João, Landin, Goiabeira e Boa Esperança, depois foram incorporados mais dois núcleos o Canaã e Santa Marta. Totalizando sete núcleos individuais e um para reserva ambiental, além de alguns hectares dentro dos lotes para experimento coletivo de viveiros de café, pastagem e para infra- estrutura, estradas e escolas ―. A Baixa da Fartura por ter característica predominante de capineira, foi implando o pasto coletivo ―. A área total de ocupação dos lotes ficou em torno de 2.620 hectares, assim, permanecendo até hoje. A figura 18 apresenta a nucleação do PA com o número de famílias. A sociabilidade inicial na divisão da comida e da dormida, agora já era assimilada, nas relações individualizadas, cada família permanecia em seus lotes. Ainda que, em processo de consolidação, os órgãos gestores mantinham controle tanto sobre a atividade produtiva como no nível de organização destes. O Plano Preliminar (PP) do PA Amaralina previu as primeiras medidas tanto em termos de infra-estrutura social como produtiva. Para sua viabilização, foi celebrado um convênio guarda-chuva entre o INCRA e CAR, de imediato, foi contratado um supervisor de área ― este se destinava a andar de cavalo pelos arredores do projeto, planejando sua residência ―. 115 Em abril de 1988, o Plano de Ação Imediata (PAI), definiu as atribuições destes dois órgãos. Cabendo ao INCRA a fiscalização e manutenção das normas, regulamentação e dotação de recursos inerentes às obras de infra-estrutura. O principal papel da CAR era a coordenação dessas ações e dos órgãos envolvidos tais como, EMATER/BA e CERB bem como, a elaboração do Projeto Executivo, avaliação e acompanhamento do desenvolvimento do PA. A partir daí, foi implantado um modelo de assentamento definido, dentro dos parâmetros do órgão financiador de desenvolvimento para a pequena produção do agro na 116 Bahia ― o Banco Mundial, via Programa de Apoio ao Pequeno Produtor (PAPP). As demandas para produção se incorporaram no Plano Operativo Anual (POA) da CAR. Diferentemente do acampamento este já se tornará fixo e determinado, com atividades produtivas, baseadas na posse da terra e desenvolvimento da agricultura de subsistência. Esta produção, em sua grande maioria, não gerava excedente. 6.1.1 Estrutura produtiva em Amaralina O modelo sócio-produtivo do Projeto Amaralina, não atendeu os reclames previstos inicialmente, pelo poder local, de transformar este num centro de hortigranjeiro para abastecer a população urbana do município de Vitória da Conquista. Como já afirmamos nesta pesquisa, todo o direcionamento conduzido pela CAR, estava dentro dos parâmetros do PAPP, direcionado para certa racionalidade mercadológica. Daí a pauta de produção a ser subsidiada pelo órgão, consistia no plantio de café e a introdução da pastagem natural e plantada. Muito embora, as avaliações técnicas, tivessem priorizado no Projeto Definitivo um sistema misto, intercalado entre a pastagem e a cultura de sequeiro, com modelos de exploração individuais e coletivos ― visto um horizonte temporal de quatro anos, iniciando em janeiro de 1988 ―. Este sistema pouco teve operacionalidade, a única produção de subsistência, que atingiu de fato uma proporção capaz de gerar sobras e ir ao mercado, foi a farinha de mandioca, com700 hectares plantados. No processo de instalação do projeto de assentamento, as famílias dos agricultores, após realização do Plano de Desenvolvimento Sustentável (PDA), passam a ter acesso às linhas de créditos ― custeios e investimentos ―.Os recursos destinados previam a compra de 288.200 mudas de café, o custo da produção entre insumos, tratos culturais e outros equivalia a 10Cz$ 621.000 por um hectare. A mandioca orçava menos da metade em termos de custos sendo o preço por hectare apenas Cz$ 228.000. Na pastagem e na capineira, eram empregados os maiores recursos sendo CZ$ 725.000. O orçamento previu a compra de 131 matrizes reprodutoras de vaca leiteira e búfalo 10 A moeda corrente na época era Cruzeiros. 117 concomitante para as 131 famílias. Contraditoriamente à proposta inicial, quando da divisão dos lotes, em se manter um pasto coletivo, apenas com o propósito de abate para consumo interno. Desta forma, este foi o primeiro passo a tangenciar os beneficiários na perspectiva não de pequenos produtores de culturas de subsistência, mas, de pequenos pecuaristas e cafeicultores. Os créditos para esses investimentos, quando saídos dos recursos do PAPP eram a fundo perdidos. Sendo que os assentados deveriam receber o crédito fomento e a primeira operação de crédito PROCERA, a título de adiantamento, os recursos eram destinados ao financiamento de cultivos agrícolas temporários e aquisição de implementos. A assistência técnica era dada pela EMATER-BA que tinha como proposta assistir os produtores tanto nos lotes individuais como nos coletivos. Não obstante, o órgão não estava suficientemente estruturado para esta ação — apenas com dois técnicos e sem veículos — considerando as inúmeras atividades, esta se tornou deficiente. As diretrizes básicas para a comercialização foram estabelecidas visando a operacionalização através dos grupos de produtores organizados e/ou através da Associação dos Lavradores de Amaralina (ALFA) com representação de cada lote ─ e deveria ser planejada e estruturada a partir de ações definidas conjuntamente entre os técnicos e produtores ―. No entanto, esse processo foi totalmente descumprido pelos parceleiros, que preferiam vender o mínimo de seus excedentes de forma individual. Este mecanismo se constituiu num grande entrave tanto no que diz respeito à organização da produção como a capacidade de ampliação destes. As tecnologias adotadas, inicialmente, eram de baixa produtividade, decorrentes das precárias condições de trabalho e irregularidade da assistência técnica, ─ supra ─ bem como do desconhecimento de tecnologias socialmente apropriadas, por parte dos trabalhadores. Nesse sentido, foram apontadas algumas medidas para superação dessas limitações, dentre elas: o uso, manejo e conservação do solo, introduzindo métodos de erradicação de queimadas. A opção dos técnicos foi pleitear recursos, através do programa de capacitação da CAR, para incrementar cursos no próprio interior do projeto, já que os mesmos não tinham sido contemplados nas propostas mais abrangentes do Programa. Os cursos consistiam em métodos de utilização de matéria orgânica, cultivo em curva de nível nos locais adequados, 118 construção de canais de drenagem, controle de pisoteio, manejo das pastagens, escolha de essências florestais e conservação da vegetação. Além de cursos específicos para as mulheres no trato com ervas medicinais. Não entanto, os próprios modelos implantados e a dinâmica da liberação dos créditos não favoreciam este novo aprendizado. E na prática, este investimento não se materializou. Este modelo gestado pela CAR propiciou a predominância de duas culturas ─ a pastagem e o café ─ com uma diferença, hoje, a pastagem supera a plantação de café na quase totalidade dos núcleos. A cultura do café, segundo os produtores, requer tratos culturais mais onerantes, como pagamento de mão-de-obra dentre outros fatores, os riscos são maiores que no trato com a pastagem. Ao consideramos o comportamento dos produtores de café na década de 1970, quando da exploração dos catadores de café justificando o auto-custo dessa mão de obra, riscos e etc. e da opção pelo investimento na pecuária, podemos entender que o movimento de alguns produtores de Amaralina passa a ser idêntico. O fato, é que a pecuária extensiva levou, inclusive, alguns trabalhadores a alugarem pastos fora da fazenda, pois o rebanho era superior à capacidade de suporte do assentamento. O rebanho bovino existente em 2001 era de aproximadamente 1.400 cabeças predominantemente leiteiras, os poucos animais de corte eram comercializados na sede do município. Conforme a tabela 20 comparando-se a posição de Amaralina, em 1990, onde a área ocupada pelas três culturas era de 1.596 hectares. A pecuária ocupava 37,8% da área total, o plantio de mandioca foi maior nesse ano, 40,7%, enquanto o café ocupava apenas 21,5% hectares. Em 2002, a área disponível à introdução de culturas individuais, aumentou significativamente, em torno de 1.886 hectares e também, se consolida a aptidão dos produtores pela pecuária. A pastagem superou todas as demais culturas ocupando 56,8% dessa área total, enquanto a mandioca baixou para 20,5% e o café com 22,5%. Isto quer dizer que restam 714 hectares para o plantio da agricultura de subsistência tais como o milho, feijão, abóbora, criação de pequenos animais e a moradia no próprio lote. Se considerarmos o número de famílias admitidas pelo INCRA 173, fica uma média de 4,5 ha para cada família 119 harmonizar todas essas atividades. A tabela 20 demonstra as culturas e suas respectivas áreas plantadas. Tabela 20 Projeto Amaralina: culturas e áreas planadas (1999 – 2002) Períodos 1999 2002 Culturas ha % ha % Pastagem Mandioca Café 600 650 346 37,8 40,7 21,5 1.070 390 424 56,8 20,7 22,5 Total 1.596 100 1.884 100 Fonte: Pesquisa de Campo, 2002. Elaboração: Madalena Noronha. Em 2002, existiam sete farinheiras com equipamentos elétricos, gerados com motor a óleo. Todos os equipamentos foram implantados pela CAR a fundo perdido para os produtores. Tanto a produção como a venda era feita de forma individual, apenas os equipamentos eram usados de forma coletiva, cada produtor que utilizava a farinheira, deixava um percentual para manutenção desta, em dinheiro ou mesmo em sacas de farinha. A figura 19 demonstra uma área com plantação de mandioca. A produtividade das culturas produzidas em Amaralina é em média, muito baixa. Um dos fatores que contribui para essa questão foi a falta de liberação de recursos por parte dos governos estadual e federal. A maioria dos assentados recebeu todas as parcelas do PROCERA um montante na ordem R$ 1.260.662,00 sendo que a última parcela, em função da extinção do PROCERA foi paga em crédito PROFNAF, este orçando R$ 410.230,00. Os produtores egressos do PNRA/PRRA não estão incluídos na política mais geral de crédito agrícola do governo, sem a titulação das terras, estes não podem negociar diretamente com os bancos ficando então, a mercê da tutela do INCRA. A falta de recursos para assistência técnica e o armazenamento dos produtos, implica, sem dúvida, na desqualificação da produção vista a competitividade no mercado. O fato dos produtores não estarem organizados para a venda da produção, permite sempre a penetração da figura do atravessador. Muito embora, alguns vinculados ao MST utilizem o galpão de feira da entidade ─ localizado no centro do Município de Conquista ─ para comercializar os produtos, porém, não existe estrutura para armazená-los. 120 O clima é outro fator limitante, as grandes estiagens no município, no dizer do José (Zequinha) um produtor e liderança de Amaralina “o Eu Ninho (El Niño) vem massacrando nós, mudando nossa vida”. (informação verbal, 1987). Na tentativa de amenizar este problema, a CAR havia planejado a implantação de um sistema irrigado, utilizando a água do Rio Verruga, porém, não foi concretizado. Experiências já existem no projeto, por parte de alguns compradores de lotes ― se utilizaram da debilidade organizativa de alguns produtores, implicando esta situação em diversos conflitos na área, com ameaça de morte bem como, retirada do lote de algumas lideranças do PA ― como são capitalizados, já utilizam esse sistema. Figura 19 Plantação de Mandioca no PA Amaralina (2002) Fonte: Pesquisa de Campo: Madalena Noronha, 2002. O modo de organização da produção, no interior do projeto, atualmente é bastante diversificado. Os produtores agregados ao MST se orientam pelo modelo de associativismo e desenvolvimento da Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil (CONCRAB). Esta procura articular as demandas e as potencialidades regionais, do desenvolvimento sócio-econômico, das famílias dos assentados, através do setor de produção e comercialização, estimulando às diferentes formas de cooperação, integração na produção, comercialização, obtenção de crédito e melhoria de infra-estrutura. A Cooperativa Regional do Sudoeste (COPESUD), atualmente sediada em Vitória da Conquista, agrega quase todos os projetos de assentamentos do Município. Funcionando de 121 modo misto, tem como base, os modelos de cooperativas implantados em diversos estados da federação, onde o MST tem controle sobre a área. Estes modelos se diferenciam quanto à perspectiva de aplicabilidade das categorias terra, capital e trabalho. No Assentamento Amaralina, a Cooperativa dos Produtores Agropecuários de Amaralina Ltda (COOPAA), funciona com base no modelo de prestação de serviços, denominada na momenclatura do MST como Cooperativa de Prestação de Serviços (CPS). Com investimento em comercialização, linha de produção e implantação de unidades de processamento para beneficiar a produção. Quanto a terra e o capital, o controle da cooperativa só incide sobre a sobra do lucro e na busca de recursos, as unidades produtivas continuam com as famílias que só se organizam em torno do serviço por ela prestado. Um dos produtores assim assimilou: Agora esta melhor, somos os donos, somos nós que decidimos o que fazer e o que plantar. Antes nós dependíamos da CAR e da prefeitura para dar tudo. Parece até que nós éramos mendigos, esperando um dinheirinho dos créditos, minguado, e ainda tinha que prestar contas de tudo. Não se podia nem comprar uma TV com este dinheiro, porque se não era punido, não recebia o outro crédito. (informação verbal, 2002). Nos demais projetos da Região o controle é da própria cooperativa, o capital social é subdividido em quotas-parte, o restante é parte investimento se tornando em capital de giro e manutenção dos equipamentos. O trabalho tanto ocorre através das unidades familiares como nas unidades centralizadas. A cooperativa organiza todo o trabalho, cada núcleo coloca à disposição a mão-de-obra necessária. Outra forma diferente operada é o assalariamento dessa mão-de-obra, incorporando um associado para cada posto de trabalho, necessário para viabilizar a produção. O plano de produção é centralizado e definido pelos associados através de planejamento, dando prioridade a pauta de produção tanto em Amaralina como nos demais projetos. A figura 20 revela que em 2002, a pecuária extensiva, atingiu níveis altíssimos no interior de cada núcleo no PA Amaralin. A exceção do núcleo Canaã que manteve um equilíbrio, destinando percentuais iguais (35%) para as culturas do café e pastagem e (21%) para a mandioca. O núcleo Goiabeira, apesar de utilizar 44% para a pastagem quase manteve também um equilíbrio nas culturas da mandioca (27%) e do café (28%). Também há exceção 122 para os núcleos de Boa Esperança com (71%) da área destinada à pastagem seguida do São João (62%) e Baixa da Fartura (60%). Fonte: Setor de Cartografia do INCRA, 2003 Elaboração: Madalena Noronha Figura 20 Projeto Amaralina: culturas palntadas no núcleos (2002) Isto nos faz lembrar o relato de uma grande liderança do PA (Noemi) logo no inicio da ocupação quando a fazenda tinha dois estábulos ― muito bem equipados, com algumas cabeças de animais do antigo proprietário ― e os acampados exprimidos em um pedaço de lona, ou mesmo, de baixo das arvores. Ela assim se expressou: “Quem manda aqui neste terreno são as vacas, elas são mais gente do que nós, elas têm casa, comida, dormida e os vaqueiros pra paparicar” (informação verbal, 1987). Abaixo uma figura com área de pastagem e plantio de mandioca. 123 Figura 21 PA Amaralina área de pastagem (2002) Fonte: Pesquisa de Campo: Madalena Noronha, 2002. Figura 22 PA Amaralina: plantação de café (2002) Fonte: Pesquisa de Campo: Madalena Noronha, 2002. 6.1.2 Educação, Saúde, Saneamento e Habitação no PA Amaralina No início da ocupação, a assessoria do projeto em 1987, através de um diagnóstico na área de saúde e educação com os assentados, identificou que mais de 80% desta população era analfabeta, as crianças em idade escolar, estavam fora da sala de aula Os índices de verminoses de doenças epidemiológicas, respiratórias e desnutrição nas crianças e nos idosos, em geral, eram altíssimos. Nesse sentido, foram articulados diversos órgãos no sentido de garantir a implementação tanto de escolas, como de um posto médico no assentamento, 124 compreendendo que essas políticas quando potencializadas tornam-se um instrumento de recomposição física, moral e política do cidadão. Depois de um grande seminário com participação de 20 órgãos ligados à saúde, educação, saneamento, agricultura e movimento social, foi assinado um convênio “guarda- chuva” entre a prefeitura municipal e SURED, para atuação no projeto. No convênio foi acertada uma proposta para treinamento dos assentados, que tinham melhor escolaridade para dar aulas no assentamento. Para tanto, se trabalhou uma proposta metodológica mais voltada à ação popular, garantindo-se a elaboração do material didático pela equipe de alfabetizadores da SURED. Foram implantadas duas salas de aula de ensino fundamental multiseriadas e uma sala para alfabetização de adultos. Atualmente, no PA Amaralina, existem seis escolas com nove salas de aulas, sendo três destas vinculadas ao MST, localizadas nos núcleos da Baixa da Fartura, Canaã e Landin. O acompanhamento pedagógico tem como base a orientação do setor de educação do MST, segundo o método de Paulo Freire, porém, o material didático é convencional. Segundo a professora Dulce “na maioria das vezes esse material não é utilizado, pois se distancia muito da realidade dos assentados” (informação verbal, 2002). As figuras abaixo mostram a unidade escolar da Baixa da Fartura, turmas de Alfa e seriadas. As turmas em funcionamento atendem desde o pré-alfa à 4ª série, com turma de 1ª a 4ª de forma multiseriada, funcionando em dois turnos, com quatro professores, atendendo todas as crianças em idade escolar. As três outras escolas funcionam como escolas isoladas, nos núcleos São João, Goiabeira e Santa Marta, a sistemática de funcionamento é a mesma, a única diferença é que estas não estão vinculadas ao MST e sim a FETAG. Os professores são contratados pelo regime normal através da Secretaria de Educação Municipal (SEC). As escolas estão inseridas no Fundo de Manutenção do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), por isso, partes das famílias estão inscritas em alguns programas do governo federal tais como: bolsa escola vale gás, merenda escolar, material didático, dentre outros. Os projetos existentes no município vinculados ao MST têm como prioridade à educação de crianças e adultos. Em média, 95% dos PAs têm unidades de ensino, atendendo as mesmas diretrizes do assentamento Amaralina. Existe um convênio com a UESB que 125 contempla o ensino fundamental e médio em apenas um ano, os assentados recebem aulas durante uma semana a cada mês e continuam os estudos dirigidos através de módulos. Figuras com Unidade Escolar, arte dos alunos e alunos turma Seriada e Alfa. Figura 23 PA Amaralina: Núcleo Baixa da Fatura Fonte: Pesquisa de Campo: Madalena Noronha, 2002. Figura 24 PA Amaralina: Arte dos alunos Núcleo Baixa da Fartura Fonte: Pesquisa de Campo: Madalena Noronha, 2002. 126 Figura 25 PA Amaralina: alunos da Turma Seriada Núcleo Canaã (2002) Fonte: Pesquisa de Campo Madalena Noronha, 2002 Figura 26 Alunos da Alfa e 1ª serie Núcleo Landin (2002) Fonte: Pesquisa de Campo Madalena Noronha, 2002 Os projetos existentes no Município, vinculados ao MST têm como prioridade, a educação de crianças e adultos. Em média, 95% dos PAs têm unidades de ensino, atendendo as mesmas diretrizes do assentamento Amaralina. Um convênio entre a UESB e o MST contempla o ensino fundamental e médio em apenas um ano, os assentados recebem aulas durante uma semana a cada mês e continuam os estudos dirigidos através de módulos. As figuras 25 e 26 são turmas Seriadas, Alfa e 1ª série. 127 Ainda com base no diagnóstico, se identificou que estes famílias, não tinham nenhum acompanhamento médico. As crianças eram as mais afetadas, o número de mortalidade materna no Projeto, superava os índices do Município de Vitoria da Conquista. Um fato muito grave, para as mulheres era a opção de interrupção da gravidez provocada por ervas e outros instrumentos caseiros, com alto índice de óbitos. Através também de um convênio grada-chuva entre a DIRES e a prefeitura foi montado um posto médico para primeiros socorros e visita domiciliar de um médico clínico, com atendimento uma vez por semana. Esta unidade de primeiros socorros não existe mais, e estes em geral recorrem ao Sistema Único de Saúde (SUS). Em pesquisa comparativa, recentemente, se identificou que a mortalidade materna continua com índices muito altos. Os assentados admitem que o maior déficit existente no assentamento é a baixa qualidade de vida, provocada pelas péssimas condições sanitária, falta de água para o consumo humano e de assistência médica em geral. Apesar de existirem seis poços tubulares instalados no PA Amaralina todos com vazão de 402 m3 estes, em sua grande maioria, não vêm funcionando. Uns porque são salinizados e não há recursos para compra de desalinizadores. Outros, não têm bomba. A água para consumo humano se constitui de fato, num grande problema para os assentados, influenciando diretamente na saúde destes, como já evidenciado nesta pesquisa. A cooperativa do MST, elaborou um projeto de aproveitamento da barragem do Landin ― é um dos únicos lugares onde a água não é salinizada ― para abastecimento do PA Amaralina, estando essa aguardando a liberação dos recursos via um convênio INCRA, CAR através do Projeto PRODUZIR. A sistemática de distribuição da água para as residências, vai ser a mesma da Embasa, com implantação de hidrômetro, sendo que a Cooperativa dos Produtores Agropecuários de Amaralina ltda. (COOPAA) é quem vai gerenciar esse processo. Figura 27 ilustração da barragem inclusive, sendo utilizada pelos moradores para lavagem de sucatas, e utensílios domésticos. 128 Figura 27 PA Amaralina: Barragem do Landin (2002) Fonte: Pesquisa de Campo, Madalena Noronha, 2002. Comparando o padrão habitacional e as condições de habitabilidade com os demais assentamentos existentes do Município, estas são bastante heterogêneas, e se diferenciam de assentamento para assentamento no interior de todos os PA. Em Amaralina, Mocambo, Etelvino Campos e União, os parceleiros fizeram opção pela construção da moradia dentro do próprio lote Segundo Amélia e Vitória, moradoras de Amaralina, analisando a situação da moradia afirmam que: “é bem melhor se morar no lote porque se está mais perto da criação e se trabalha mais, porque tudo fica no quintal e nem a casa é uma caixa do fósforo, quem vier dorme” (informação verbal, 2002). As figuras 28 e 29 demonstram dois padrões de residências no PA Amaralina ─ embora ambas dentro dos lotes ― existem casas com ótimos padrões e outras carecendo de toda infra-estrutura habitacional e sanitária. A maioria não tem água canalizada, banheiro interno e nem fossa. Pela escassez de água potável, estes ficam na dependência de poços e cacimbas tanto para o consumo humano, como para as atividades domésticas. Os assentados de outros Projetos como Lagoa Caldeirão e Cipó, fizeram opção pela estrutura de agrovilas ― isto é, as residências ficam fora dos lotes ―. Mas este fato, não modifica a situação de desnível nas próprias agrovilas, algumas têm água canalizada, fossa séptica ― fator que permite a estes, melhor qualidade de vida, ― enquanto outros são totalmente precários. O que os torna vulneráveis em qualidade de vida. As figuras 30 e 31 apresentam a situação nas agrovilas com e sem infra-estrutura. 129 Figura 28 PA Amaralina: Residência com infra-estrutura (2002 Fonte: Pesquisa de Campo, Madalena Noronha, 2002. Figura 29 PA Amaralina: residência sem infra-estrutura (2002) Fonte: Pesquisa de Campo, Madalena Noronha, 2002. Figura 30 Agrovila com infra-estrutura no PA Lagoa Caldeirão (2002) Fonte: Pesquisa de Campo, Madalena Noronha, 2002. 130 Figura 31 Agrovila sem infra-estrutura no PA Cipó (2002) Fonte: Pesquisa de Campo, Madalena Noronha, 2002. O lixo no PA Amaralina é incinerado ou enterrado no próprio quintal ―, aliás, a coleta e destinação do lixo, é um dos grandes problemas para a saúde destes assentados. Em que pese morarem na zona rural, não obstante, o lixo gerado, não é só orgânico, constatou-se na pesquisa, muitos plásticos e vidro amontoados nos arredores das residências, o que significa um consumo bastante urbano. Sem condições reais para o descarte, pois não existe coleta por parte da prefeitura, este lixo vai se acumulando, causando danos à saúde e ao próprio solo, no processo de incineração. Quando perguntado aos morados o que fazem do lixo orgânico ― sobras de alimentos, folhagens etc.― estes responderam que não aproveitam na adubação da terra, ou seja, enterram. Como já frisado nesta pesquisa, a grande maioria destes tomou cursos sobre agricultura orgânica. Mas a direção orientada, desde a época da intervenção da CAR foi ao sentido de utilização da agricultura química. 6.2 OS ELEMENTOS DA ORGANIZAÇÃO E GESTÃO ESPACIAL NO PA AMARALINA Ao definirmos o Projeto de Assentamento Amaralina como área de estudo especifica, tendo como objetivo principal, a análise da produção e gesta desse espaço visto o modelo implantado pela CAR, significou entender que a estrutura de uma produção espacial não é somente um adensamento de objetos e nem meros reflexos imediatos da sociedade, é 131 simultaneamente um processo impactante sobre o futuro do mesmo, o que vai ser denominado por Milton Santos (1996), um processo de inércia dinâmica. Significa também, entender que a crescente acumulação das formas espaciais, modeladas pelos agentes do capitalismo contemporâneo ― tende sempre em escala global e local ― ao produzirem a totalidade do espaço, este se converte, no lugar da reprodução das relações sociais de produção, maximizando a acumulação do capital, tanto através da reprodução simples como, da ampliada. Nesse sentido, coube ao aparelho de Estado ―composto pela uma “tríade tutelar” CAR, Prefeitura local e INCRA ― como produtor do processo dessas relações no projeto Amaralina, constituírem um comitê executivo, gerenciador deste PA, sendo esta tríade a própria força da coesão interna. Porém, quando se trata de compreender as determinações da natureza de classe do aparelho de Estado, sua configuração, seus níveis decisórios e as funções que os diversos centros do poder cumprem, sejam como produtores de decisões, sejam como organizadores políticos dos interesses das classes e frações dominantes, ela é amplamente ambígua. O aparelho do Estado lembra Nicos Poulantzas (1977), não se esgota no poder do Estado. O Estado apresenta uma ossatura material própria, que não pode de maneira alguma ser reduzida simplesmente à dominação política. Sendo assim, a função de mediação que este aparelho desempenhou, através de suas atividades administrativas, burocráticas e rotineiras na produção desse espaço, adquiriu uma importância decisiva no tocante a forma e estrutura, capaz de permitir um processo de combinações entre os agentes de produção e, mais originalmente, com as relações de poder desses no quadro de cada unidade de produção, tendo como uma das conseqüências as diferentes frações no interior do PA. Em que pese às avaliações feitas por um corpo teórico da CAR, refletindo os efeitos econômicos, negativos do PRRA, elaborando análises reducionistas que se centravam apenas na escassez de recursos creditícios, ausência de planejamento e falta de conhecimento teórico da equipe técnica que operacionalizava a política ― distributiva1 ― do PNRA e PRRA. Entretanto, este corpo técnico, numa combinação desastrosa, se limitava a operacionalizar o 1 Destinada a retomada do crescimento econômico e garantir a segurança alimentar da população. Os exemplos históricos demonstram que a garantia da segurança alimentar, só vem sendo conquistada com o apoio da agricultura familiar. 132 modelo instrumental e metodológico do órgão financiador o PAPP, que entre outras medidas, afirmava que o papel da reforma agrária, não era de restaurar a produção agropecuária brasileira, mas, necessita de uma política macroeconômica para manter o bom desempenho e destinava-se, tanto aos latifúndios como a uma expressiva quantidade de produtores, integrados e outros que consigam acompanhar o processo modernizante. O fato é que, a discussão fundamental sobre o modelo pré-estabelecido e o papel da pequena produção na agricultura brasileira, ― no processo de desenvolvimento do capitalismo ― bem como, o sentido atual da reforma agrária e da realidade do assentamento, não foram encarados, prática por esta equipe técnica nem nas reflexões teóricas, nem tampouco na sistematização. Além desses aspectos, o modelo jurídico do PRRA, sempre se constituiu num grande entrave à sua perspectiva de ampliação, este foi um projeto implantado a mercê da capacidade produtiva e de garantia da sustentabilidade, em longo prazo. O que se percebe nesta fase do projeto formal, quando se define a organização do espaço, parece que a preocupação é resumida em caber o máximo de parcelas, isto é de famílias assentadas, em cada projeto. Não há nenhuma preocupação visível com relação à tendência de crescimento destes projetos. Nem tampouco à dinâmica interna gerada por esta organização e sua vinculação com seu exterior. Todavia o mais grave é que a organização do espaço se define a priori em função do modelo de exploração agrícola, sem haver uma adequação entre eles. (GERNANI, 1993, p. 618). (Tradução nossa). Um fato que não pode deixar de ser observando com relação às mudanças ocorridas por estes trabalhadores se refere ao conceito de propriedade, ou seja, esta luta não se reduzia apenas ao enfrentamento do latifúndio contra a concentração da terra, mas foi fundamentalmente, uma luta por um novo sistema de organização social e econômica da produção agrícola. Os níveis de reivindicações, não se restringiam a pulverização antieconômica da terra, elas apareceram de forma multifamiliar e incorporadas de alternativas viáveis ao não fracionamento da propriedade. Portanto, a terra estava dotada de uma ambigüidade fundante que vem de suas peculiaridades, como instrumento de produção e das peculiaridades do trabalho que a torna produtiva. A implantação do PRRA em Vitória da Conquista e a efetiva ação no Projeto Amaralina por parte dessas instituições, de uma maneira, ou de outra, implicou em mudanças de caráter estrutural, no tocante ao modo de produção desse espaço, planejado a priori, para 133 torná-los pequenos produtores viáveis economicamente, mesmo com demandas imediatas e como já afirmadas nessa pesquisa, em caráter assistencialista com políticas puramente compensatórias. Esse processo experimental em nome de uma unidade política dos explorados no campo é o que José de Souza Martins (1981), vai chamar de exclusão integrativa. Por longo tempo a dimensão institucional do Estado, articulou essa convergência, assumindo o poder real, injetando recursos, e tentando assim, manter as rédeas da situação. Estes produtores no cotidiano foram obrigados a formatar múltiplos arranjos dentro dessa lógica do Estado. A Situação real hoje, de alguns produtores é a capitalização negativa, ou uma descapitalização em relação à sua situação inicial. Por exemplo, experimentaram certo declínio na situação patrimonial ― sem se considerar a terra ― Ou seja, venderam bens ― especialmente gado e implementos agrícolas e os próprios equipamentos de uma das casas de farinha mecanizada ― para compensar fases ruins no assentamento. A principal fonte de capitalização era o crédito PROCERA, e o financiamento do PAPP. Segundo avaliação de um técnico que acompanha o projeto ao longo de sua implantação, a maioria, não obteve ganhos para investir na própria unidade produtiva, poucos adquirirem bens, ― excetuando-se imóveis ― como, por exemplo, na compra de gado, mas obtém baixa capitalização. Parcela muito pequena, em torno de 20% destes produtores tiveram aumento do patrimônio, verificando-se ai uma diferenciação na capacidade de reprodução econômica no interior do próprio projeto. Em termos de ativos reais das famílias, algumas têm tido um bom indicador no desempenho da produção familiar ― exclui-se os ativos financeiros ― outras, recrutam assalariados. Mas o ativo patrimonial incorporado em equipamentos, benfeitorias, e máquinas ― meios de produção ― não é alto. O que significa dizer, que não vem acontecendo um processo de investimento e acumulação na própria agricultura. Situação motivada pelo Estado, ― como já afirmada nessa pesquisa ― que desde o inicio da ocupação, direcionava os créditos para investimentos em capineiras e matrizes de búfalos, em detrimento da compra de equipamentos e melhoria de tecnologias. Sendo dessa forma, quase inviável garantir a reprodução ampliada na agricultura. 134 Sem entrarmos no mérito da discussão que versa sobre a transferência da titulação da terra por parte do INCRA aos produtores. Ao analisarmos a real condição de capitalização destes, podemos inferir que esta se tornaria mais significativa se incluíssemos a própria transferência da terra como patrimônio. Como nenhum deles recebeu os títulos, ficam incorporadas ao seu próprio patrimônio familiar as benfeitorias realizadas pelo INCRA/CAR e MST, sobretudo, de outras instituições governamentais existentes no assentamento. A renda média mensal, gerada pela maioria dos produtores, além de ser sazonal é muito baixa, no máximo dois salários mínimos por família. Desta forma, o tipo de investimento empreendido ao longo dessas intervenções, aliado o direcionamento da política do governo federal para a agricultura, por um lado, vem direcionando, através, de diversos mecanismos uma tendência a proletarização rural e por outro lado, em menor escala, o programa de reforma agrária pelos motivos já mencionados, não vem revelando eficácia na promoção do desenvolvimento rural do município. A existência de mecanismos de integração no mercado é bastante deficiente, além desses produtos não serem de boa qualidade, também não há centralização da comercialização e tampouco, esses estabelecem relações com toda cadeia produtiva. O que revela que o PA não vem contribuindo para o aumento da produção alimentar, na Região como pretendido. Um aspecto relevante, diz respeito ao grau de autonomia política de parcelas desses produtores, quanto suas potencialidades no processo mobilizatório ― via hierarquia do MST ―, como fruto do confronto da dinâmica das relações de poder interno, adquirida, pela forma de gestão do Movimento. Apesar de menos da metade do universo de 211 famílias, aproximadamente só 60 destas, estarem organicamente vinculadas ao MST. No entanto, estes empreendem uma rede de movimento, formados por pequenos grupos e indivíduos que compartilham de uma identidade coletiva e de uma cultura do Movimento, com mensagens simbólicas e lutas que desafiam os padrões dominantes, configurando novas especialidades na estrutura agrária do Município A própria estrutura subjacente à política agrária e agrícola do país, define as funções que ambos os estratos de produtores devem assumir, uns associados e consolidados com o sistema vigente e outros dissociados em atritos. 135 A representatividade destes assentados é materializada sempre em associações, sindicatos ou cooperativas. A conquista do espaço social é a própria gênese de classe, concebido como um conjunto de relações de forças objetivas que se impõem. A hierarquia interna, para os produtores vinculados ao MST define as posições ocupadas pelas lideranças nos assentamentos, nas diferentes escalas e demandas tais como: construção de princípios, organização da produção, controle sobre os recursos, organização e enfrentamento na busca de novas ocupações de terras. Esta posição ocupada pelas lideranças por um lado, faz surgir um lócus de concorrência no interior do espaço social e por outro, permite que estas adquiram e acumulem formas de capital diferenciadora em níveis culturais e de status. Este é um campo em que se tecem as relações de poder, para se estruturar a partir de uma distribuição desigual, “de um ‘capital social’, este Quantum social que define a posição que o agente ocupa é também a possibilidade de ganho num campo determinado” (BOURDIEU, 1996, p.130). O que também ficou claro, é que os produtores agem e decidem em situações estruturantes no interior dos PA, visto os seus interesses particulares ― estejam estes vinculados ao MST ou mesmo a outros grupos ― como foi o caso da venda de uma casa de farinha e a venda de lotes, onde a associação não foi consultada para opinar sobre estas decisões desses grupos. Essa nova cultura política, diz respeito aos valores que os indivíduos e grupos desenvolvem em relação ao seu projeto e a área pública. De uma forma geral, está presente no comportamento dos indivíduos e grupos sociais, como ação política e expressa as representações incorporadas pelos indivíduos ao longo da trajetória de suas experiências individuais e coletivas. Todo o processo que o MST vem promovendo em torno de ocupações de terras, desde o surgimento de Amaralina, que segundo Vitória uma produtora que reside no PA expressou assim, o seu sentimento: “ela é a mãe de todos os Projetos da Região, aqui começo tudo, ela é o inicio da construção” (informação verbal, 2002). Este vem desenhando elementos dentro de uma nova configuração territorial, estruturando instrumentos de comunicação e uma efetiva territorialidade, em média assentou 1.038, famílias, ocupando espaços materiais e simbólicos. A figura 32 localiza geograficamente os Projetos de Assentamentos existentes no Município de Vitória da Conquista. 136 Mas em que pese à importância dessas lutas do MST na mobilização para ocupação de terras, entretanto, a estrutura fundiária da Região Sudoeste continua praticamente inalterada considerando-se a porção de terras ociosas existentes ―como já analisada no capitulo 5 ― e as que foram desapropriadas para fins de reforma agrária, 16.998 hectares representando apenas 0,5% do universo destas terras. As intenções dos órgãos governamentais, quando instruíram um projeto modelado no viés da reprodução econômica, sobretudo, com base na exploração individual e controle político, donde sua retirada implicou na perda da uma tutela e ingerência na pauta de produção, ― fato refletido por um produtor que reside no PA quando da entrevista, afirmou “que agora eles são independentes, não tem mais quem controle”. (informação verbal, 2002). Não obstante, a essa reflexão, todos os frutos foram semeados em médio e longo prazo haja vista, a tendência do modelo produtivo destes assentados direcionando suas pautas de produções para a pecuária cultivando a monocultura e individualizando suas ações. As análises dos dados apresentados na tabela 19 conferem a forte tendência da maioria destes produtores a investirem na pecuária, tal qual os grandes proprietários, o que nos alude duas hipóteses. A primeira é de que o lote já não é mais o local de moradia para muitos e sim uma propriedade agrícola. Sendo assim, os princípios da reforma agrária norteados no processo de seleção, sobretudo, o de permanecer no lote e criar condições sócio-espacial, de uma cultura organizativa do movimento, para consolidar uma comunidade de assentados e de pequenos produtores, está totalmente descaracterizada; a segunda é que há uma inversão de valores, com relação à agricultura organizada, com base na subsistência familiar, na medida em que, a família passa a morar no centro urbano da cidade de Conquista já não faz parte das atividades do trabalho cotidiano em seu lote, e a produção deste, passa a estabelecer relações de assalariamento. No capitulo 7, estaremos fazendo considerações gerais acerca do movimento de “modernização”, da penetração do capitalismo no campo brasileiro e seus antagonismos análogos, para entender que o PNRA e PRRA, não se distanciaram de um modelo apregoado ― historicamente na agricultura ― de expropriação e fragilização da pequena produção. Compreendendo que a visão sobre a pose e uso da terra dos produtores do Projeto Amaralina 137 fazem parte da dinâmica geral dos mecanismos de reprodução desigual do modo capitalista de produção Figura 32 Projetos de Assentamentos em Vitória da Conquista (2002) 138 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este estudo nos orientou para duas escalas de análises, com delimitações espaciais e temporais distintas, mas análogas às relações estruturais. Uma diz respeito a pesquisa documental, onde se delineou os modelos sócio-estruturais, implementados ao longo da formação territorial brasileira. Analisando-se, sobretudo, as características fundamentais da estrutura agrária sob o desenvolvimento das relações capitalistas no campo. Fatores estes, que historicamente, foram estruturantes á implantação de um projeto de reforma agrária no Brasil, cujo, foi assumido pelo Estado em 1985, através de PNRA. A outra se refere ao estudo de uma situação especifica ― vivenciada in lócus pela pesquisadora ― no Projeto de Assentamento Amarlina, quando da implantação e operacionalização do Plano Regional de Reforma Agrária (PRRA), que foi alvo de intervenção de maneira planificada inicialmente pela CAR, INCRA, prefeitura local e, posteriormente pelo MST, ações estas, norteadoras de um modelo de produção e gestão desse espaço. O estudo se pautou no contexto das ações empreendidas no PA ― desde a sua ocupação de 1987 até o ano 2002 ―. Estes elementos agregados, de formas contextualizadas com nas propostas do PNRA e da estrutura fundiária do Município de Vitória da Conquista, nos permitiu conferir através da pesquisa as conseqüências desses modelos propostos, tanto no que concerne a capacidade de reprodução econômica destes trabalhadores, quanto seu papel enquanto sujeito social ativo. O modelo de desenvolvimento do modo capitalista de produção na agricultura brasileira desde o sistema de Sesmarias, ao se estruturar sempre determinado pelo antagonismo de duas grandes classes sociais no agro: os grandes possuidores de terras e os despossuídos, constituiu profundas desigualdades na distribuição territorial, demarcando ritmos diferenciados ― contraditórios e combinados ― na produção do espaço agrário. O Censo Agropecuário de1920, apontou os desníveis acentuados entre os estratos de classe menor que cinco como os grandes detentores de terras, em sua grande maioria, ociosas. O Município de Vitória da Conquista, historicamente, assumiu importante papel na economia do Estado, como produtora de café e pecuarista, se assemelhando à estrutura 139 fundiária da Bahia. Com elevado números de estabelecimentos e pouca porção de terras, se enquadra uma inexpressiva maioria dos produtores. Enquanto poucos estabelecimentos concentram grande porção de terras, estas destinadas à pecuária e a manutenção das terras produtivas em descanso. Ficando evidente a tendência do Município para três variantes, a pecuarização, a especulação e a fragmentação da pequena produção. A modernização na agricultura brasileira, baseado na forte articulação entre a indústria e a agricultura, vem se realizando sob a dependência do processo produtivo agrícola com utilização de máquinas, implementos e insumos industriais, permitindo a aplicação desses capitais no campo. Isso se verificou, não só através de investimentos em terra ― fenômeno particularmente significativo na última década ―, mas também pelo crescente controle da produção, do beneficiamento e da comercialização dos produtos agropecuários, pelo capital industrial, fazendo com que a agricultura passasse a ser o elemento de circuito de reprodução desse capital. Como fruto concreto de um período de alta intervenção do estado na agricultura e nas políticas sociais, assistiu-se o processo de ocupação territorial, via projeto de expansão na fronteira Amazônica e Mato-Grossense, com grandes distribuições por parte do Estado, das terras indígena, para os grandes grupos do capital nacional e internacional. O INCRA distribuiu 21 títulos definitivos, com módulos acima de 100 hectares para estes segmentos. Diante de todos os investimentos na grande agricultura, ocorreu a expansão dos produtos agrícolas para a exportação ― café, cana-de-açúcar, soja, laranja. ― e da grande pecuária, quase sempre em detrimento dos produtos alimentícios, que deveriam se destinar ao consumo interno. A pesquisa também nos permitiu afirmar, que o desenvolvimento do capitalismo na agricultura brasileira, aponta as faces estruturais no campo, abrindo assim, possibilidades para a recriação das unidades familiares e do trabalho assalariado, com predomínio absoluto da contratação temporária, nos estabelecimentos agrícolas acima de 1.000 hectares. O processo de expropriação da terra atua dentro da lógica contraditória, se por um lado, os posseiros expropriados buscam mecanismos das retomadas suas terras e garantem na posse da mesma, o espaço como meio de produção fundamental. Por outro lado, na década de 140 1990, 60% dos pequenos agricultores, estava em processo de proletarizaçao, como conseqüência foi alterada o caráter das relações de produção, ampliando-se o regime de assalariados, e de trabalhadores autônomos, mas estes perderam sua autonomia e convertera- se em semi-assalariados. O Estado, a despeito da manutenção da classe dominante, empreendeu historicamente grandes mecanismos de ação direta, fosse através dos instrumentos de caráter repressivo ― como nos casos do enfrentamento secular, através das miliças estaduais, contra os movimentos sociais ― ou mesmo através dos instrumentos jurídicos como a Lei de Terras de 1850  que instituiu a forma de propriedade da terra medida pelo mercado ― ; dos atos constitucionais a exemplo da Constituição de 1946, que transformou as indenizações por desapropriações para os latifúndios em pagamento prévio e justo em dinheiro ― promovendo um verdadeiro acúmulo de riqueza para estes ― ; como também no Estatuto da Terra, de 1964, ― instrumento manipulador, dos trabalhadores do campo ― e mais recentemente, em 1985, o Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA). Esses aparatos institucionais, estruturados historicamente no Brasil exigiam medidas de reparação na estrutura fundiária. Fomentado pela grande articulação de setores da sociedade civil e pelo próprio Estado, através do governo Sarney, foi implanto o primeiro Plano Nacional de Reforma. Em que pese o exercício da pactuação do governo com alguns setores do movimento sindical e da classe média, para viabilizar o Plano. Não obstante, este pacto não se fazia necessário, pois o mesmo não passou de um projeto produtivista e compensatório, sendo apenas, um instrumento auspicioso que tentou melhorar os moldes de consolidação das relações capitalistas no campo, sem efetivamente modificar a estrutura agrária concentrada. O que resultou no cumprimento de apenas 6% de suas metas. No conflituoso jogo das forças estruturadas no PA Amaralina, destaca-se a atuação do CAR, INCRA e da prefeitura local, como agentes desse processo na produção e gestão desse espaço. Pois é, na intervenção governamental sobre o uso e ocupação de territórios, como gestor e impulsionador de mudanças que o poder sobre o espaço se manifesta de forma mais abrangente. A CAR, enquanto órgão gestor do PRRA em Amaralina, apesar de se fazer presente nesse espaço, em curto tempo, mas, o suficiente para deixar as forças sociais que estavam fora 141 dela, em relações conflituosas. Sendo ela a própria representação do estado, articulou a diversidade das relações e as temporalidades vividas por estes segmentos, subsumindo as determinações de seus tempos e do seus ritmos. A sobrevivência dos trabalhadores passou a se constituír como elementos de subalternidade, ocasionando a multiplicidade do sujeito e a pluralidade de situações enfrentadas de forma particular, por cada um deles. Tanto os indicadores averiguados In lócus, quanto os pesquisados através de entrevistas no PA Amaralina ― com os trabalhadores e técnicos ―, nos permitiram constatar os esforços da “tríade” tutelar ― CAR, INCRA e Prefeitura local, ― para definirem um projeto que se consolidasse no Município de Vitória da Conquista, como um grande centro abastecedor de produtos agrícolas, modernizando relações de produção, através de forte aplicação de recursos, para compra de equipamentos agrícolas. Não foi cumprido enquanto meta, porque em sua essência, não poderia fugir a lógica combinada e desigual das relações capitalistas do campo brasileiro, que direciona suas políticas de forma atomizadas e no máximo o que permite para a pequena produção e a diferenciação e o fracionamento interno, promovendo trabalhadores capitalizados e trabalhadores fragilizados. Sendo esta a situação real do Projeto Amaralina. Mas, se antes era o braço impositivo do Estado, que pretendia torná-los viáveis economicamente ―, ou seja, pequenos capitalistas ―, a qualquer custo, haja visto o planejamento verticalizado pela CAR onde os trabalhadores foram orientados a ocuparem, em 1978, 57% de suas terras, para a atividade da pecuária. Hoje a pesquisa nos revela uma forma de direção impositiva também, nas relações comandadas pelo MST ─ modelador de assentamentos rurais ―, cujo propósito discursivo é obtenção da coesão social do grupo e controle por parte dos trabalhadores dos meios de produção, bem como suprimento do mercado, através de diversas culturas. Mas no município de Vitoria da Conquista, a experiência vem se dando em outra dimensão. O modelo produtivo existente é com base no assalariamento e na perda do controle dos meios de produção, através das cooperativas de produções. Os fatos vêm sinalizando ser esta estrutura reprodução da CAR, na medida em que, há também um controle político no assentamento e um direcionamento à pecuária extensiva, com parcela destes ocupando em 2002, 71% destas áreas com esta cultura. Essas contradições das relações capitalistas ― combinado e desigual ― estão também reveladas em outros aspectos na produção no projeto Amaralina. Se considerarmos 142 os dois elementos motrizes, de viabilização da pequena produção como a força de trabalho familiar e a terra de trabalho, podemos configurar duas situações diferentes na mesma fração desse espaço. Uma se dar na contratação de trabalhadores assalariados ― mesmo que inicialmente temporários e depois permanentes ― por parte de alguns produtores em média 20% destes. Fato este, que os coloca no processo de pequenos capitalistas, na sua forma mais concreta de reprodução para o capital e neste caso, a terra se torna um instrumento de exploração do trabalho alheio. A segunda é composta pela grande maioria destes produtores, grande parte dos produtos não gera excedente e se destina ao consumo individual, é a unidade familiar não capitalizada por isso, o capital não se reproduz em escala ampliada. Os assentados do Projeto Amaralina, em média 80%%, tem renda negativa sendo, inclusive, menor que a média nacional dos assentados. Do ponto de vista geral, o ganho econômico destes, está aquém do planejado no modelo implantado. Fatores como, supressão de créditos específicos para estes segmentos e a inexistência de mecanismos de integração no mercado, aliada a debilidade técnica, são na verdade, os principais elementos norteadores do índice de capitalização negativa no projeto Amaralina. Na formação do território dos assentados no PA Amaralina, o processo de produção do espaço organizado por eles e outros agentes, através da construção de formas espaciais, resultaram na valorização desse espaço, ocorrendo vantagens para uns e desvantagens para outros. Mas para Milton Santos (1978, p.145) {....} O espaço organizado pelo homem é como as demais estruturas sociais, uma estrutura subordinada e subordinante”. (grifo nosso) .É como as outras instâncias, o espaço embora submetido à lei da totalidade, dispõe de certa autonomia”. Desse modo, novas identidades se constituíram, fundando um comportamento de legitimidade ou, de deslegitimidade frente à rugosidade, provocando nos sujeitos subordinados numa vivência de ruptura. Por fim, convém ressaltar que os movimentos sociais devem ser entendidos, pois como um processo de luta e de gestão da identidade coletiva, dos grupos sociais específicos, em permanente montagem de construção. E, em certas condições, é possível que os “desejos latentes” possam ser arregimentados e que os atores possam lutar coletivamente em função de seus interesses materiais e simbólicos. E nesse sentido, a questão fundiária e a demanda agrária no Brasil, são sínteses de um problema social e político, o que legitima a luta dos 143 trabalhadores não apenas por terra, mas, por um projeto amplo de mudanças estruturais. A dinâmica dos movimentos sociais, principalmente do MST, através dos ciclos de ocupações são os principais catalizadores de mudanças sociais e como tal, devem ser parte das lutas nacionais pela equidade entre as classes sociais excluídas. As colocações sobre as expectativas e resistência da maioria dos assentados do PA Amaralina, no inicio da ocupação, eram de sonhos e desejos, o que os mobilizou, para grandes conquistas desde a pose de terra, ao engajamento nas lutas sociais. Hoje, em que pese à fragmentação de seus lotes e a diferenciação sócio-econômica — por vezes muito grande — essas famílias vêm lutando, antes de tudo, por um projeto de vida digna e sustentável. E é justamente esse projeto, esse horizonte e perspectiva de um futuro melhor que os tornam historicamente, sujeitos de suas ações. Penso que construir um viés metodológico conclusivo, como verdade absoluta, onde abranja questões tão complexas, como os moldes de desenvolvimento do capitalismo na agricultura brasileira e o próprio caráter desta nas relações sociais, é sem dúvida, uma insensatez apressada de julgamento, de uma realidade em movimento. Mesmo na busca de um longo alcance teórico e empírico, que requerem inferências cientificas de grande solidez, se não construída por métodos e procedimentos explicativos, corre-se o risco de simplesmente justificar fatos ou fenômenos ocorridos de forma atemporal, e a priorística, se tornando uma teoria indeterminada. E nesse sentido, a perspectiva teórico-metodológica dessa pesquisa, buscou a análise dos fenômenos ocorridos no tempo e no espaço, contextualizando o papel sócio-econômico e cultural dos sujeitos históricos. 144 REFERÊNCIAS ANDRADE, Manoel Correia de. A questão do território no Brasil. São Paulo: Hucitec, 1995. ______. A terra e o homem no nordeste. São Paulo: Lech, 1980. ______. Estado, capital e industrialização do Nordeste. Rio de Janneiro: Zahar, 1981. BAHIA. Plano Regional de Reforma Agrária – PRRA. Salvador. MIRAD, 1986. BASTOS, Elide Rugai. As ligas camponesas. Petrópolis, RJ: Vozes, 1984. BECKER, Berta K; CHISTOFOLETTI, Antônio; DAVODOVICH, Fany, R.; GEIGER, Pedro P. (Org.). Geografia e meio ambiente no Brasil. São Paulo: Hucite, 1995. BOGO, Ademar. Lições da luta pela terra. Salvador: Memorial das Letras, 1999. BOURDIEU, Pierre. Razões práticas. Tradução Mariza Corrêia. São Paulo: Papirus,1995. CENTRO DE ESTATÍSTICA E INFORMAÇÕES. Informações básicas dos municípios baianos. 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APÊNDICE A – Delineamento Metodológico do Projeto de Pesquisa 148 APÊNDICE A ― Delineamento Metodológico do Projeto de Pesquisa 1 CLASSIFICAÇÃO DAS VARIÁVEIS SEGUNDO SUA NATUREZA E RELAÇÕES Estado ( Re)configuração Territorial e Valorização do espaço Processo de Produção Trabalhador Espaço Geográfico Movimentos Sociais no campo 2 DELIMITAÇÃO OPERACIONAL DAS VARIÁVEIS Estado Dimensão Política/Institucional Papel do Estado e das instituições Diretrizes governamentais e institucionais Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), Plano Regional de Reforma Agrária (PRRA) Produção Dimensão Social e Econômica Reprodução ampliada do capital Extração da renda da terra Circulação do capital Reprodução da força de trabalho Valor da produção e tecnologias utilizadas Movimento social e classes sociais Dimensão Sócio/Política Nível de organização social Correlação de forças interna e externa Principais hierarquias das lideranças sociais Identidade e exclusão Territorialidade 149 Capital simbólico Trabalho/capital Dimensão Sócio-Produtiva Relações de trabalho Escala da produção Valor da produção Créditos Venda e valor da força de trabalho Categorias do espaço geográfico Lugar Território Região Paisagem Lugar Categoria do espaço geográfico Tempo Espaço Dimensão Sócio/Política e ambiental PNRA PRRA MST CPT Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Conquista Igreja Associação dos Trabalhadores de Amaralina (ALFA) Condições da evolução recente, das forças do mercado, dirigida ou planificada Papel do poder público Valor do solo e nível de especulação imobiliária Relação campo-cidade Impactos ambientais e consciência ambiental 150 Distribuição dos objetos materiais e simbólicos no espaço do PA Amaralina Poços tubulares Represas Riachos Rios Barragens Estradas vicinais BRs e BAs Casas de farinha Escolas Casas comerciais Área de lazer Posto médico Estábulo Capineira 3 PLANO DE AMOSTRAGEM As unidades que comporão à amostra foram intencionalmente escolhidas pela pesquisadora, partindo do principio de que a amostra represente a estratificação do universo da população da área objeto da pesquisa. 4 TÉCNICAS E INSTRUMENTOS DE COLETA DA PESQUISA TÉCNICAS INSTRUMENTOS FONTES/INFORMANTES Pesquisa bibliográfica Pesquisa documental Jornais, bibliotecas, arquivos públicos, Instituições. Livros, revistas, arquivos, 151 Teses, Dissertações. Entrevistas Pergunta abertas: Instituições públicas e privadas, ONGs, etc. Observação indireta Observação direta Entrevista Pesquis-Ação com lideranças e técnicos. 5 PROCEDIMENTOS PARA ANÁLISE DE DADOS Após a obtenção dos dados, foram adotadas as técnicas de expurgos, codificação, tabulação, análise e interpretação do conteúdo, donde se fez a opção por abordagem quantitativa para análises estatística e qualitativa para associação dos dados recolhidos. Foram utilizados os recursos cartográficos, fotografias, além do relatório consolidado das diversas fases da pesquisa. APÊNDICE B - Roteiro de Entrevista do Projeto Amaralina 152 APÊNDICE B - Roteiro de Entrevista do Projeto Amaralina 1 PODERIA FORNECER SEUS DADOS PESSOAIS ENFATIZANDO A COMPOSIÇÃO DA SUA FAMÍLIA? 1.1. Nome do assentamento: 1.2 Tamanho (assentamento, lote, área coletiva ou individual?) 1.3 Nome do entrevistado: 1.3 Local e data de nascimento (idade opcional): 1.4 Que cidade ou estado se originou? 1.5 Quanto tempo tem no assentamento/ acampamento? 1.6 Composiçao familiar (quantidade de filhos, ou componentes da família)? 1.7 determinar a hierarquia e a posição do entrevistado na família (pai, mãe, filhos e outros): 1.8 verificar situação civil do entrevistado (casado, solteiro, viúvo, desquitado, companheiros): 1.9 quantos membros da família moram efetivamente no assentamento/acampamento? 1.10 de que forma vivem, ou de que vivem os que moram fora do assentamento? 2 COMO FOI SUA TRAJETÓRIA DE VIDA, DESDE SEU NASCIMENTO, E DE SUA FAMÍLIA (ATÉ ANTES DE SER ASSENTADO), DESTACANDO OS LUGARES QUE MORARAM E A SITUAÇAO DO TRABALHO: 2.1 Origem familiar (do campo ou da cidade, expropriado do campo)? 2.2 Lugares onde moraram com quem moraram como viveram, e por quanto tempo? 2.3 Lugares que trabalharam, qual tipo de trabalho exerceram, e por quanto tempo? 3 QUAL ERA A CONDIÇÃO/SITUAÇÃO DE VIDA DA FAMÍLIA QUE ANTECEDEU A INSERÇÃO (ENTRADA) NO MOVIMENTO, DESTACANDO A QUESTÃO DA MORADIA, DOS BENS QUE POSSUÍA NA CASA, DO TRABALHO E DA ESCOLARIDADE? 153 3.1 onde estavam morando antes da entrada no assentamento (localização)? 3.2 quantas pessoas moravam neste local? 3.3 situação de moradia (alugada, própria, cedida, casa de familiares) 3.4 número de cômodos 3.5 paredes (alvenaria, com reboque, sem reboque, pintada, lona) 3.6 cobertura (laje de concreto, telhado de telhas, de barro, de palha) 3.7 energia elétrica (rede geral, “gato”sem medidor, não possui) 3.8 saneamento básico: 3.9 água encanada (ou água provém de poço, cisterna, nascente, rio) 3.10 instalação sanitária (banheiro, fossa) 3.11 destino do lixo (coletado, queimado, enterrado, jogado em outro local) 4 O QUE POSSUÍAM CASA, UTENSÍLIOS, ELETRODOMÉSTICOS, ELETRÔNICOS, ETC.) 4.1 casa para morar 4.2.utensílios domésticos: fogão, geladeira, televisão, antena de televisão, rádio ferro de passar roupa, ventilador, liquidificador, chuveiro interno, filtro de água, sofá, cama para todos da família, mesa e estante e computador com impressora e internet, Identifique outros) 5 ONDE TRABALHAVAM, O QUE FAZIAM 5.1 Empregado? 5.2 que tipo de emprego/trabalho? 5.3 onde? (estabelecimento e localização) 5.4 desde quando? 5. 5 carteira assinada (desde quando) 5.6 Trabalho autônomo. Qual? Qnde? Desde quando? 5.7 Bico Qual? Onde? desde quando? 5.8 Aposentadoria? 154 5.9 Pensionista? 5.10 Outro tipo de renda: ajuda de parentes, esposa, filhos? 6 ESCOLARIDADE ANTERIORAO ASSENTAMENTO 6.1 quantos membros da família estavam estudando e em que série? 6.2 localização das escolas onde estudavam: como era o deslocamento para escola? 6.3 quantos sabiam ler e escrever? 6.4 escola pública municipal ou estadual? 6.5 turno que estudavam: matutino, vespertino, noturno? 6.6 quantos membros da família não freqüentavam escola? 6.7 porque não freqüentavam a escola? 7 COMO SE DEU A SUA INSERÇÃO (ENTRADA) NO MOVIMENTO? E QUAIS AS PRINCIPAIS MOTIVAÇÕES PARA SUA ENTRADA NO MOVIMENTO E PARA LUTAR PELA POSSE DA TERRA? 7.1 O que pensava do movimento antes de ter contato com o MST? 7.2 De que forma entrou em contato com o MST, ou como teve conhecimento do movimento? Através de amigos, parentes ou vizinhos? 7.3 Com quem foram os primeiros contatos com o MST, e como foram estes primeiros contatos? 7.4 Quando passou a integrar o movimento: data ou situação do contexto? 7.5 Por que resolveu trocar a vida que tinha pela vida no Movimento? 7.6 Quais foram as principais motivações para inserir (entrar) no movimento? 7.7 Como foi a sua decisão de ocupar a terra? 7.8 Veio com a família toda ou veio só? 7.9 Como foi e quando foi a ocupação? 7.10 Como foram os primeiros dias depois da ocupação? 7.11 Como foi ficar na barraca com a família? 7.12 Como foi que ocorreu o despejo? 155 7.13 Que significou conquistar a terra, passar de acampamento para assentamento, o que mudou? (diferença de vida) 7.14 O que significou passar da barraca para a casa, o que mudou? 7.15 Se pudessem voltar atrás no tempo faria tudo de novo, entraria no movimento, ocuparia a terra, ou se arrependeu? (o que faria diferente?) 7.16 Como ficaram as relações com as pessoas do antes do movimento (amigos, parentes)? 7.17 Hoje em dia quem são seus companheiros e amigos? 8 QUAL É A CONDIÇÃO/SITUAÇÃO DE VIDA DA FAMÍLIA HOJE NO ASSENTAMENTO, DESTACANDO A QUESTÃO DA MORADIA, BENS QUE POSSUI, NA CASA, O TRABALHO E A ESCOLARIDADE E SANEAMENTO BÁSICO 8.1 situação da moradia É boa, ruim, péssima? 8.2 quantas pessoas moram na sua casa ou lote? 8.3 números de cômodos: 8.4 as paredes são de alvenaria, com/sem reboque, pintada, lona? 8.5 a cobertura é de laje, concreto, telhado de telhas, de barro, de palha? 8.6 como foram construídas as casas no assentamento (mutirão, projeto, etc)? 8.7 energia elétrica rede geral, gato, não possui 8.8 saneamento básico o que acha da necessidade para uma boa qualidade de vida? 8.9 tem água encanada ou a água provém de poço, cisterna, nascente, rio? 8.10 instalação sanitária: banheiro interno, fossa séptica? 8.11como é feito o destino do lixo: coletado, queimado, enterrado, jogado em outro local? 8.12 mora no lote, ou fora dele? 8.13 quais os utensílios domésticos que possui: fogão, chuveiro, filtro de água, sofá, cama para todos da família, mesa e estante, geladeira, ferro de passar roupa, ventilador, liquidificador, televisão, antena de televisão, rádio, exemplifique outros. 8.14 coletivamente o que possui animais, sem*ntes, trator, carro? 156 9 ATUALMENTE COMO E DO QUE VIVEM 9.1 Trabalham no assentamento com a família? 9.2 plantação/criação individual e coletivo? 9.3 o que produz é para consumo próprio e o excedente como é vendido? 9.4 como é feita a divisão do trabalho no distribuição do trabalho no assentamento? 9.5 quantos dias trabalha na sua própria roça (horas por dia) 9.6 quantos dias trabalha no coletivo? (horas por dia) 9.6 como e qual é o trabalho coletivo? 9.7 quantos dias em outros trabalhos? (horas por dia) 9.8 trabalha fora do assentamento? 9.9 que tipo de trabalho? 9.10 onde: estabelecimento e localização? 9.11 desde quando? 9.12 carteira assinada, desde quando? 9.12 trabalho autônomo 9.13 qual? 9.14 onde? 9.15 desde quando? Bico? Qual? Onde? Desde quando? 9.16 Aposentadoria? 9.17 Pensionista? 9.18 Outro tipo de renda:ajuda de parentes, esposa(o), filho? 10 ESCOLARIDADE HOJE 10.1 quantos membros da família estudam? 10.2 série que estudam e por há tempo estão estudando no assentamento? 10.3 turno em que estudam (matutino, vespertino, noturno)? 10.4 localização da escola (no assentamento), ou como é o deslocamento para escola? 10.5 escola pública municipal ou estadual? 10.6 quantos sabem ler e escrever hoje na família? 157 10.7 quantos membros da família não freqüentam escola? 10.8 por que não freqüentam? 11 LAZER 11.1 qual o lazer dos adultos e das crianças no assentamento e fora do mesmo? 12 DE QUE FORMA TEM SIDO A MILITÂNCIA NO MOVIMENTO? 12.1 exerce ou já exerceu alguma função de direção no movimento ou no assentamento? 12.2 qual? 12.3 período? 12 4 hoje em dia que tipo de trabalho contribuiu para o movimento? 12.5 desde que entrou no movimento participou de algum curso, encontro, evento, caminhada? 13 QUAIS SÃO SUAS PERSPECTIVAS PARA O FUTURO? E QUAIS AS PERSPECTIVAS QUE VÊ PARA O ASSENTAMENTO? 13.1 quais são suas perspectivas para o futuro, quais são os seus sonhos? 13.2 quais são as perspectivas para o futuro do assentamento? 13.3 gostaria de acrescentar, ou de mencionar alguma outra coisa que acha importante falar?

10. [PDF] ZENO SOARES CROCETTI - Repositório Institucional da UFSC

  • Fizemos uso da metodologia da formação sócio-espacial proposta por. Milton Santos e trabalhada por Armen Mamigonian, em seu aspecto local e regional. Fizemos ...

11. Políticas públicas e comunidades quilombolas: o modo de vida ...

  • Em primeiro lugar agradeço à Comunidade Quilombola Sapatu, sem ela essa pesquisa não poderia ser realizada e não teria sentido. Em especial agradeço à toda ...

  • Políticas públicas e comunidades quilombolas: o modo de vida quilombola na comunidade Sapatu

12. [PDF] universidade federal de juiz de fora - Repositório Institucional - UFJF

  • 3 O termo “desenvolvimento desigual e combinado” foi um debate colocado por L. ... rentabilidade de seu negócio, fazendo-se eles próprios seus fornecedores da.

13. https://repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/30108/3...

  • ... valor que tem com a comercialização do leite” (servidor público J e servidor público F, 2016). Para agregar valor ao leite produzido pelos associados a ...

  • Universidade Federal de Minas Gerais Instituto de Geociências Departamento de Geografia Felipe Pimentel Palha CAMPO E RURAL IDÍLICOS COMO FALÁCIA: minério-dependência, incompletude urbana e injustiça ambiental-hídrica em Brumadinho (MG) Belo Horizonte 2019 Felipe Pimentel Palha CAMPO E RURAL IDÍLICOS COMO FALÁCIA: minério-dependência, incompletude urbana e injustiça ambiental-hídrica em Brumadinho (MG) Tese apresentada ao do Programa de Pós Graduação em Geografia do Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Geografia. Área de concentração Organização do Espaço. Orientador: Prof. Dr. Klemens Augustinus Laschefski. Belo Horizonte 2019 Tese intitulada Campo e rural idílicos como falácia: minério-dependência, incompletude urbana e injustiça ambiental-hídrica em Brumadinho (MG), de autoria do doutorando Felipe Pimentel Palha, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Geociências da UFMG como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Geografia. Área de Concentração: Organização do Espaço. Aprovada pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores: _______________________________________________________________ Prof. Dr. Klemens Augustinus Laschefski – IGC/UFMG Orientador _______________________________________________________________ Profª Drª Doralice Barros Pereira – IGC/UFMG _______________________________________________________________ Prof. Dr. Eliano de Souza Martins Freitas – COLTEC/UFMG _______________________________________________________________ Prof. Dr. Carlos Walter Porto-Gonçalves - UFF _______________________________________________________________ Prof. Dr. Vicente Paulo dos Santos Pinto - UFJF Belo Horizonte, 16 de maio de 2019 Dedico esse trabalho à minha família. Dedico, também, à todos os atingidos pelo rompimento da barragem 1, da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, de propriedade da empresa Vale S.A. AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar devo agradecer enormemente à minha esposa por me encorajar todas às vezes que ameacei algum fraquejo. Nossos dois filhos, Davi e Ian, nos animaram durante esses anos da pesquisa com os seus lindos e contagiantes sorrisos, não me deixando esmorecer em nenhum momento. Como de praxe, sempre muito respeitosos e amorosos comigo devo agradecer, apesar de não acreditar que algum dia conseguirei compensar de maneira equivalente tudo o que fazem por mim e pelos meus filhos, à minha mãe e ao Paulo. Gostaria, também, de lembrar a importância dos professores e servidores do CEFET-MG que me apoiaram durante esses anos, principalmente aos meus colegas do Departamento de Geografia e História em Belo Horizonte. Ao Professor Klemens Augustinus Laschefski todo o meu apreço. Pois me recebeu de braços abertos e com enorme paciência me ensinando o ofício de pesquisador. Devo lembrar, também, o estimulante convívio que travei com os seguintes Professores da UFMG: Doralice Barros Pereira, Rogata Soares Del Gaudio, Eliano de Souza Martins Freitas, Heloísa Soares de Moura Costa e Sérgio Manuel Merêncio Martins. Não poderia deixar de agradecer a todos com os quais eu me deparei durante a realização dos trabalhos de campo no município de Brumadinho. Enlutado, guardo todos em minhas memórias. “Raramente uma terra em que se trabalha é uma paisagem” (Raymond Williams) RESUMO Desde meados da década de 1990 os diversos governos que assumiram o país aprofundaram a inserção brasileira à economia mundial de maneira subordinada contribuindo para o crescente quadro de desindustrialização e reprimarização das exportações. O consenso em torno desse modelo econômico, nas mais diversas escalas, decorreu da aplicação do neoextrativismo, haja vista, o Estado ter recorrido durante esse período a diversas estratégias que legitimaram a opção de se reposicionar como fornecedor de commodities dentro da Divisão Internacional do Trabalho. Foi aprofundada, desde então, a exploração dos trabalhadores e da natureza em um contexto altamente financeirizado. A legitimação de atividades tão devastadoras como a mineração tem maior êxito em municípios como o de Brumadinho em decorrência de um quadro de pobreza em termos de renda monetária e baixa diversidade de atividades econômicas que é agravado pelos parcos incentivos às atividades de agropecuária associados à desvalorização do campo, do rural e de seus moradores representados como sinônimos do atraso. O município de Brumadinho está situado na região do Quadrilátero Ferrífero e faz parte da Região Metropolitana de Belo Horizonte compondo, com o município de Nova Lima e outros, o vetor sul de expansão da RMBH que é caracterizado por um processo de produção do espaço altamente segregador. Construí o meu objeto de pesquisa diante dessa dinâmica de produção do espaço aparentemente paradoxal entre o urbano da metrópole belo-horizontina e o rural da minério-dependência traçando como objetivo principal a compreensão dos impactos, das transformações, dos conflitos e das adaptações nas relações estabelecidas entre o campo, a cidade, o rural e o urbano, decorrentes da constituição, ainda inacabada, da sociedade urbana. Um dos aspectos marcantes da produção do espaço no vetor sul da RMBH, com implicações sobre o município de Brumadinho, trata-se da representação do campo e do rural que o compõe de maneira idílica. A análise crítica, na forma de revisão bibliográfica confrontada com o campo em Brumadinho, das propostas em torno do “novo rural” indicaram total descolamento desse arcabouço teórico com a realidade contribuindo para afirmar que permanece válido, no caso da formação espacial brasileira, a interpretação de que a elite agrário-mercantil-exportadora, metamorfoseada em um leque de diversas posições, detém posição hegemônica. A representação do campo e do rural idílicos, bem como a sua materialização, tem a farta disponibilidade de água como um de seus elementos centrais. Entretanto, a produção do campo e do rural idílicos não ocorre sem conflitos e a disputa pela água parece ocupar um lugar central com fortes traços de injustiça ambiental-hídrica. Conflito que se tornou ainda mais grave em decorrência da captação de água subterrânea da Serra da Moeda pela empresa Coca Cola FEMSA instalada no distrito industrial de Itabirito. Enfim, a produção do campo e do rural idílicos, no contexto da minério-dependência, apesar de propor solucionar o problema da condição de subalternidade dos moradores do campo, dissimula várias finalidades reais e pode contribuir para agravar a injustiça ambiental. PALAVRAS-CHAVE: Brumadinho. Minério-dependência. Sociedade urbana. Injustiça ambiental-hídrica. ABSTRACT Brasil has opted, during the first years of the 21st century, for the reprimarization of its economy. The consensus on this economic model, on its several scales, proceeded from the application of the neoextractivism, given the State’s appeal during this period, to several strategies that legitimated the option of repositioning itself as a commodities supplier within the International Division of Labor. Since then, the manpower and the environmental exploitation in a highly financial context had deepened. The legitimization of activities as devastating as mining has prevailed in municipalities such as Brumadinho as a result of a poverty scenario in terms of income and low diversity of economic activities, which is aggravated by the sparse incentives on the agricultural activities, associated with the devaluation of the countryside, the rural and its inhabitants, represented as synonyms of delay. Brumadinho’s municipality is located on the Iron Quadrilateral region and it’s part of Belo Horizonte’s Metropolitan Region composing, with Nova Lima’s municipality and others, the south vector of the Belo Horizonte Metropolitan Region’s expansion, which is characterized by a highly segregating process of space production. The research object was built before this apparently paradoxical space production dynamics between the urban of Belo Horizonte’s metropolis, and the rural of ore-dependency, tracing as the main goal, the comprehension of the impacts, of the transformation, of the conflicts, and of the adaptation in the relations stablished among the countryside, city, rural and urban, resulting from the constitution still unfinished of the urban society. One of the remarkable aspects of the space production on the south vector of Belo Horizonte’s Metropolitan Region, with implications on the Brumadinho’s municipality, is related to the representation of the countryside and the rural that composes it in an idyllic way. The critical analysis of the proposals around the “new rural”, presented as a bibliographic review confronted with the countryside in Brumadinho, indicated a total detachment of this theoretical framework with reality. It contributes to affirm that remains valid the interpretation that the agrarian-mercantile-exporter elite, metamorphosed into a range of several positions, holds a hegemonic position, in the case of Brazilian spatial formation. The representation of the idyllic countryside and rural, as well as its materialization, has the abundant availability of water as one of its central elements. However, idyllic countryside and rural production does not occur without conflict, and the water dispute seems to occupy a central place with strong traces of environmental-water injustice. Conflict that has become even more serious as a result of the groundwater collection of Serra da Moeda by the Coca Cola FEMSA company installed in the industrial district of Itabirito. Finally, the idyllic countryside and rural production in the context of ore-dependency, despite proposing to solve the problem of subordinate conditions of countryside residents, dissimulates several real purposes, and may contribute to aggravate the environmental injustice. KEY WORDS: Brumadinho. Ore-dependency. Urban society. Environmental and water injustice. RESÚMEN Brasil optó, durante los primeros años del siglo XXI, por el retraso de la su economía. El consenso en torno a ese modelo económico, en las más diversas escalas, se debió a la aplicación del neoextrativismo, en vista de el Estado haber recurrido durante ese período a diversas estrategias que han legitimado la opción de reposicionarse como prestador de commodities dentro de la División Internacional del Trabajo. Se ha profundizado, desde entonces, la exploración de los trabajadores y de la naturaleza en un contexto bastante financializado. La legitimación de actividades tan devastadoras como la minería tiene mayor éxito en municipios como Brumadinho en consecuencia de un cuadro de pobreza en términos de renta monetaria y baja diversidad de actividades económicas que se agrava por los escasos incentivos a las actividades de agropecuaria asociados a la devaluación del campo, del rural y de sus habitantes representados como sinónimos del atraso. El municipio de Brumadinho está situado en la región del Quadrilátero Ferrífero y forma parte de la Región Metropolitana de Belo Horizonte, componiendo, con el municipio de Nova Lima y otros, el vector sur de expansión de la RMBH que se caracteriza por un proceso de producción del espacio bastante segregado. Construí mi objeto de investigación ante esta dinámica de producción del espacio aparentemente paradójico entre el urbano de la metrópoli belo-horizontina y el rural de la mineral dependencia trazando como meta principal la comprensión de los impactos, de las transformaciones, de los conflictos y de las adaptaciones en las relaciones establecidas entre el campo, la ciudad, el rural y el urbano, resultantes de la constitución, aún inacabada, de la sociedad urbana. Uno de los aspectos marcantes de la producción del espacio en el vector sur de la RMBH, con implicaciones sobre el municipio de Brumadinho, se trata de la representación del campo y del rural que lo compone de manera idílica. El análisis crítico, en la forma de revisión bibliográfica confrontada con el campo en Brumadinho, de las propuestas en torno al "nuevo rural", han indicado total desapego de ese marco teórico con la realidad contribuyendo para afirmar que permanece válido, en el caso de la formación espacial brasileña, la interpretación de que la elite agrario-mercantil-exportadora, metamorfoseada en un abanico de diversas posiciones, tiene posición hegemónica. La representación del campo y del rural idílicos, así como su materialización, tiene la abundante disponibilidad de agua como uno de sus elementos centrales. Sin embargo, la producción del campo y del rural idílicos no ocurre sin conflictos y la disputa por el agua parece ocupar un lugar central con fuertes rasgos de injusticia ambiental-hídrica. Conflicto que se ha vuelto aún más grave debido a la captación de agua subterránea de la Sierra de la Moneda por la empresa Coca Cola FEMSA instalada en el distrito industrial de Itabirito. Por último, la producción del campo y del rural idílicos, en el contexto de la mineral dependencia, a pesar de proponer solucionar el problema de la condición de subalternidad de los moradores del campo, disimula varias finalidades reales y puede contribuir para agravar la injusticia ambiental. PALABRAS-CLAVE: Brumadinho. Mineral-dependencia. Sociedad urbana. Injusticia ambiental-hídrica LISTA DE TABELAS E QUADROS Tabela 1 - Lista de substâncias que compõem a arrecadação da CFEM no município de Brumadinho com seus respectivos valores para o ano de 2017 .......................... 61 Tabela 2 – Ranking dos municípios que mais arrecadaram a CFEM em 2013 ......... 62 Tabela 3 – Ranking dos municípios que mais arrecadaram a CFEM em 2012 ......... 62 Tabela 4 – Ranking dos municípios que mais arrecadaram a CFEM em 2011 ......... 63 Tabela 5 – Valores da razão de sexo da população rural em Brumadinho no período de 1970-2010. ........................................................................................................... 88 Tabela 6 – Valores da razão de sexo da população rural, com idade até 30 anos, em Brumadinho no período de 1970-2010. ..................................................................... 90 Tabela 7 – Valores de casas e lotes em condomínios de Brumadinho no ano de 2017 ................................................................................................................................ 118 Tabela 8 – Demanda de água da fábrica da Coca Cola FEMSA instalada no distrito industrial de Itabirito durante o período de 2015 à 2040. ........................................ 239 Quadro 1 – Produtores de cachaça artesanal de Brumadinho ................................ 124 Quadro 2 – 10 Pontos listados por Veiga (2004) a fim de resumir o que ele nomeou por consenso básico, de meados dos anos de 1990, sobre a Ruralidade Avançada. ................................................................................................................................ 154 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 - Comparação entre o antes e o depois do rompimento da barragem 1 da mina Córrego do Feijão de propriedade da Vale S.A. ............................................... 20 Figura 2 - Imagem de satélite que detalha a extensão inicial da lama de rejeitos proveniente do rompimento da barragem 1 da mina Córrego do Feijão de propriedade da Vale S.A. ............................................................................................................... 21 Figura 3 - Figura do mapa do município de Brumadinho .......................................... 30 Figura 4 - Figura do mapa que mostra a compartimentação geomorfológica do município de Brumadinho (MG) associada à divisão político administrativa determinada pela administração local ....................................................................... 31 Figura 5 – Figura que representa o mapa dos vetores de expansão da RMBH ........ 50 Figura 6- Transformações espaciais ao sul da RMBH. ............................................. 53 Figura 7 - Imagem do Google Earth que situa, através do polígono em vermelho, a “vila” de casas do Assentamento Pastorinhas e parte utilizada para cultivos e criações. Ademais, é possível perceber, à noroeste do Assentamento, a presença de áreas mineradas................................................................................................................ 102 Figura 8 – Imagem do Google Earth com desenho do polígono em linha vermelha que demarca, aproximadamente, a área do Assentamento Pastorinhas na qual pode-se observar a proporção entre área ocupada e área de mata preservada. ................. 105 Figura 9 – Slide produzido por Zander Navarro que sintetiza as ideias em torno do que propõe como "novo rural" ........................................................................................ 149 Figura 10 - Eixo espaço temporal do processo de urbanização total. ..................... 160 Figura 11 - Imagem de satélite do Google Earth que mostra parte do condomínio Retiro do Chalé com as duas referências anteriores: Alameda das Braúnas e Avenida da Cachoeira. ............................................................................................................... 218 Figura 12 – Figura que mostra a localização de Suzana, Campinho e Carneiros, junto aos limites dos municípios circunvizinhos. .............................................................. 222 Figura 13 - Infraestrutura de recebimento, armazenamento e distribuição da água para os moradores de Campinho. Ao fundo se vê a face oeste da Serra da Moeda onde se encontra a nascente que abastece essa rede de água. .......................................... 223 Figura 14 - Infra estrutura de recebimento, armazenamento e distribuição da água para os moradores de Carneiros. Ao fundo se vê a face oeste da Serra da Moeda onde se encontram as diversas nascentes que abastecem grande parte da ................... 223 Gráfico 1 - Gráfico de variação no índice preços das commodities ........................... 69 Gráfico 2 - Gráfico da produção mineral brasileira para o período de 1994 à 2018 .. 70 Gráfico 3 - Arrecadação semestral da CFEM durante o período compreendido entre os anos de 2008 e 2013 (valor nominal em R$ milhões). ......................................... 71 Gráfico 4 - Arrecadação semestral da CFEM durante o período compreendido entre o 2º semestre de 2013 ao 1º semestre de 2018 (valor nominal em R$ milhões) ......... 71 Gráfico 5- População residente na área urbana do município de Brumadinho no período de 1970-2010. .............................................................................................. 87 Gráfico 6– População residente na área rural do município de Brumadinho no período de 1970-2010. ........................................................................................................... 87 Gráfico 7- População residente na zona rural de Brumadinho por sexo no período de 1970-2010. ................................................................................................................ 87 Gráfico 8- População residente na área rural de Brumadinho, por sexo e até os 30 anos de idade no período de 1970-2010. .................................................................. 89 Gráfico 9 - Série histórica de precipitação anual registrada na estação meteorológica Lagoa Grande (2012-2016) ..................................................................................... 235 Fotografia 1 – Vista de área de mineração a partir do terreno do Assentamento Pastorinhas ............................................................................................................. 103 Fotografia 2 – Vista de parte da área destinada à produção no Assentamento Pastorinhas ............................................................................................................. 103 Fotografia 3 – Estrada de terra que perpassa a mata preservada no Assentamento Pastorinhas. ............................................................................................................ 104 Fotografia 4 - Placa da Cooperativa Terra Produtiva. .............................................. 106 Fotografia 5 – Placa indicativa de condomínio em Casa Branca, Brumadinho. ...... 116 Fotografia 6 - Placa indicativa de condomínio em Casa Branca, Brumadinho ........ 116 Fotografia 7 - Placa indicativa de condomínio em Piedade do Paraopeba, Brumadinho ................................................................................................................................ 117 Fotografia 8 – Destaque da placa da Cervejaria da família Piacenza ..................... 127 Fotografia 9 – Detalhe da estante de dentro do estabelecimento com os produtos em exposição. ............................................................................................................... 128 Fotografia 10 - Vista da horta, em 2018, implementada pela mineradora Vale S.A. em Córrego do Feijão como contrapartida pelos impactos que as suas atividades geram. ................................................................................................................................ 204 Fotografia 11 - Estrada para Córrego do Feijão. O trânsito de caminhões é intenso e a qualidade da via está bastante comprometida. .................................................... 206 Fotografia 12 - Estrada para Córrego do Feijão. O trânsito de caminhões é intenso e a qualidade da via está bastante comprometida. .................................................... 207 Fotografia 13 -Parte do loteamento do Retiro do Chalé no início dos anos de 1980. A referência para localização no loteamento é a Avenida Cachoeira que está no canto inferior direito da foto. .............................................................................................. 216 Fotografia 14 - Parte do loteamento do Retiro do Chalé no início dos anos de 1980. A referência para localização no loteamento é a Alameda das Braúnas localizada mais ao centro da foto. .................................................................................................... 217 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ANA Agência Nacional das Águas ANM Agencia Nacional de Mineração APA-Sul RMBH Área de Proteção Ambiental Sul da RMBH ALMG Assembléia Legislativa de Minas Gerais ACAS Associação de Captação de Águas da Serra ARCA Associação de Reintegração da Criança e do Adolescente AMOCOS Associação dos Moradores da Comunidade de Suzana e Região APROBAC Associação dos moradores do bairro Águas Claras ASPRUB Associação dos Produtores Rurais de Brumadinho AMPAQ Associação Mineira dos Produtores de Cachaça de Qualidade APO Autorização Provisória de Operação CEASA Central de Abastecimento de Minas Gerais CPT Comissão Pastoral da Terra COPASA-MG Companhia de Saneamento de Minas Gerais CFEM Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais CONTAG Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura DAP-PRONAF Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar DNPM Departamento Nacional de Produção Mineral EFCB Estrada de Ferro Central do Brasil EMATER – MG Empresa de Assistécnica e Extensão Rural de Minas Gerais EIA Estudos de Impacto Ambiental FETAEMG Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação IBRAM Instituto Brasileiro de Mineração ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços. IEM Indústria Extrativa Mineral IPTU Imposto Predial Territorial Urbano IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IGC/UFMG Instituto de Geociência da Universidade Federal de Minas Gerais IEF – MG Instituto Estadual de Florestas do Estado de Minas Gerais IGAM Instituto Mineiro de Gestão das Águas MAPA Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário MMA Ministério do Meio Ambiente MPMG Ministério Público de Minas Gerais MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra OAB Ordem dos Advogados do Brasil ONG Organização Não Governamental OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico PDDI RMBH Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Belo Horizonte PIB Produto Interno Bruto PAA Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar PRONATEC Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego Campo PNAE Programa Nacional de Alimentação Escolar PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar RGP Redes globais de produção RMBH Região Metropolitiana de Belo Horizonte RCA Relatório de Controle Ambiental RIMA Relatório de Impacto Ambiental SEDA Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário SEDE Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico SEMAD-MG Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável SEAD Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário da Casa Civil SAAE-Itabirito Serviço Autônomo de Abastecimento de Água e Esgoto de Itabirito SENAC-MG Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial SENAR Serviço Nacional de Aprendizagem Rural SISEMA Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos SEGRH Sistema Estadual de Recursos Hídricos SISNAMA Sistema Nacional de Meio Ambiente SUPRAM Superintendencia Regional de Meio Ambiente TAC Termo de Ajustamento de Conduta UC Unidades de Conservação WSB Water Services do Brasil SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 19 1. BRUMADINHO: FORMAÇÃO ESPACIAL E CONTEXTO METROPOLITANO . 42 1.1. Representações da natureza e do rural no vetor sul da RMBH ......................... 54 1.2. Contexto regional de dependência das atividades de mineração ...................... 60 1.3. APA-Sul: entre o campo e a cidade .................................................................... 78 1.4. Vetor sul da RMBH como expressão contemporânea da unificação entre o campo e a cidade sob o mando dos dominantes. ................................................................. 83 2. CARACTERIZAÇÃO DAS ATIVIDADES ECONÔMICAS E DA POPULAÇÃO DO CAMPO NO MUNICÍPIO DE BRUMADINHO: .......................................................... 85 2.1. Brumadinho como receptor de produtores rurais expulsos pelo avanço da cidade .................................................................................................................................. 85 2.2. Perfil dos produtores rurais de Brumadinho – juventude rural em questão ........ 86 2.3. O papel da Associação dos Produtores Rurais de Brumadinho (ASPRUB) para o fortalecimento da agropecuária de caráter familiar ................................................... 94 2.4. Luta pela reforma agrária em Brumadinho: Assentamento Pastorinhas ............ 99 2.5. As comunidades quilombolas de Brumadinho e a condição de sem-terra. ...... 109 2.6. Estratégia camponesa em Brumadinho: abandono parcial das atividades de agropecuária ........................................................................................................... 112 2.7. Autonomia e liberdade camponesa mesmo que restrita ................................... 114 2.8. Nos condomínios de Brumadinho o trabalho é mais tranquilo? ....................... 115 2.9. Através da agricultura a família pode garantir alimento barato, saudável e fresco todo os dias! ............................................................................................................ 121 2.10. Tradição e inovação do campo de Brumadinho: produção de cachaças e cervejas artesanais. ................................................................................................ 122 2.11. Equinocultura de Brumadinho: entre grandes haras e pequenos currais ....... 129 2.12. Turismo pode figurar como alternativa econômica para os residentes do campo em Brumadinho? ..................................................................................................... 132 2.12.1. A presença do Inhotim e os limites do turismo como atividade econômica em Brumadinho. ............................................................................................................ 133 2.12.2. Inhotim: fraco indutor turístico em Brumadinho, porém franco indutor urbano no contexto regional. ............................................................................................... 135 2.13. Segundas residências em Brumadinho: extensão do modo de vida urbano industrial. ................................................................................................................. 137 3. RELAÇÕES CAMPO, CIDADE, RURAL E URBANO DIANTE DA PROBLEMÁTICA URBANA E ANÁLISE CRÍTICA DAS PROPOSTAS EM TORNO DO “NOVO RURAL”. ............................................................................................. 139 3.1. Pode-se falar em “novo rural”? ......................................................................... 145 3.2.1. A era urbana pode ser reconhecida como uma superação, por completo, da era industrial? ................................................................................................................ 159 3.2.2. Zona (ou fase) crítica – contradições, incertezas, cegueira... ....................... 162 3.2.3. Oposições: campo – cidade e segregação – integração ............................... 164 3.2.4. Tecido urbano ................................................................................................ 166 3.2.5. Desruralização e incompletude urbana: características fundamentais do campo cego ........................................................................................................................ 169 3.3. Elaboração de um rural idílico .......................................................................... 173 3.3.1. Ideologias e representação do campo e do rural .......................................... 177 3.3.2. Elementos para elaboração das representações sociais do campo e do rural idílicos em Brumadinho: depoimentos de turistas, que visitaram o município em 2016, colhidos através do site TripAdvisor ........................................................................ 184 3.3.2.1. Depoimentos de turistas sobre o Parque Estadual do Rola Moça em 2016: mirando um trio de relações – urbanização, rural e natureza. ................................ 187 3.3.2.2. Depoimentos de turistas sobre Piedade do Paraopeba em 2016: vende- se/aluga-se (finais de semana, temporadas ou para morar) espaço bucólico, rústico e interiorano ............................................................................................................... 188 3.4. Especificidades das relações campo-cidade/rural-urbano na formação socioespacial brasileira. .......................................................................................... 191 3.4.1. Constituição da aliança campo-cidade dos dominantes no âmbito da Formação Socioespacial brasileira ........................................................................................... 193 3.5 Ajustando os termos: modos de vida citadino e rural diante da incompletude urbana ................................................................................................................................ 200 4. INJUSTIÇA AMBIENTAL-HÍDRICA COMO PARTE CONSTITUTIVA DO PROCESSO DE MONOCULTURIZAÇÃO DO ESPAÇO ........................................ 202 4.1. Conflito ambiental: Coca Cola FEMSA e comunidades ao sul do município de Brumadinho ............................................................................................................. 220 4.2. Privação do acesso à água em um contexto de falta de alternativas de emprego e renda .................................................................................................................... 241 CONCLUSÃO ......................................................................................................... 250 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 259 19 INTRODUÇÃO Essa pesquisa de doutorado foi desenvolvida ao longo dos anos 2015 e 2019 no município de Brumadinho, localizado na Região Metropolitiana de Belo Horizonte (RMBH). Contudo, no último dia em que eu me encontrava ocupado com os trabalhos de redação da tese, no início da tarde do dia 25 de janeiro de 2019, uma das barragens de rejeitos da mina Córrego do Feijão, localizada no povoado Córrego do Feijão, no município de Brumadinho, nas cercanias da Serra Três Irmãos, se rompeu. Um misto de angústia, medo e enorme tristeza tomou conta de mim desde as primeiras notícias. Apesar de não ter morado no município criei diversos laços afetivos com o povo brumadinhense e com aquele espaço. Apesar das dificuldades inerentes aos trabalhos de pesquisa, que tem o campo e as pessoas que o animam como interesse de investigação, sempre me senti muitíssimo bem recebido por todos e muito feliz por estar em diversos lugares de Brumadinho realizando a minha pesquisa de doutorado. E, por isso, devo registrar que, como pesquisador imerso nas contradições do mundo, não pretendo apresentar uma postura neutra diante daquilo, que desde o planejamento dessa pesquisa, passou a fazer parte de mim. O trágico evento crítico – na medida que o desastre causado pela Vale S.A. se estende, pelo espaço e pelo tempo, antes e depois do rompimento da barragem 1 da mina Córrego do Feijão – foi apontado, desde os primeiros minutos, como sendo a repetição de outro, ocorrido no dia 5 de novembro de 2015, na comunidade de Bento Rodrigues, município de Mariana, quando, também, uma estrutura de contenção de rejeitos (barragem de Fundão) provenientes da exploração mineral se rompeu matando 19 pessoas, causando um aborto e deixando um rastro de destruição pela bacia do Rio Doce atingindo o litoral do Espírito Santo. Esses dois desastres (que também podem ser qualificados por crimes ambientais e trabalhistas) ocorreram em áreas mineradas dentro do Quadrilátero Ferrífero sob responsabilidade da Vale S.A. Em Mariana a empresa proprietária da barragem de Fundão é a Samarco Mineração S.A. que, por sua vez, trata-se de uma joint venture estabelecida entre a Vale S.A. e a empresa BHP Billiton. Já a mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, é propriedade, apenas, da Vale S.A. Até o dia 21 de maio de 2019 o rompimento da barragem 1, da mina Córrego 20 do Feijão, de propriedade da Vale S.A. havia matado 241 pessoas e deixado 29 desaparecidos. Dois fatores concorrem para o elevado número de atingidos pelo “mar de lama”: a barragem encontrava-se em uma posição acima de onde foi instalado o refeitório e a estrutura de salas e escritórios (área administrativa). Obviamente, essa área concentrava um grande número de trabalhadores e, pelo trágico evento crítico ter ocorrido no início da tarde, muitos trabalhadores encontravam-se nessa área. Figura 1 - Comparação entre o antes e o depois do rompimento da barragem 1 da mina Córrego do Feijão de propriedade da Vale S.A. 21 Figura 2 - Imagem de satélite que detalha a extensão inicial da lama de rejeitos proveniente do rompimento da barragem 1 da mina Córrego do Feijão de propriedade da Vale S.A. 22 Ademais, o “mar de lama”, proveniente do complexo de barragens da mina Córrego do Feijão, percorrendo, principalmente, através do ribeirão Ferro-Carvão, atingiu uma área com diversas residências e que também desenvolvia a olericultura de folhosas antes de chegar no leito do rio Paraopeba. A ocorrência de 2 eventos críticos com tal magnitude destruidora não está descolada da opção que os diversos governantes que ocuparam a presidência do Brasil fizeram desde o estabelecimento do Plano Real (PORTO-GONÇALVES et. al., 2019b). A opção pela reprimarização econômica, com a intensificação da exploração dos recursos minerais, principalmente o minério de ferro, pode e deve ser apontada como responsável por esses desastres. A opção feita pelos governantes do país em reposicionar o Brasil na divisão internacional do trabalho como fornecedor de matérias primas tem sido interpretada como sendo a fase do neoextrativismo (GUDYNAS, 2009). Como apontei no primeiro capítulo, em consonância como Santos (2013) e Milanez; Santos (2013), em detrimento da diversificação das atividades econômicas no país, foi incentivada a produção de commodities agrícolas e minerais. A noção do neoextrativismo deve ser encarada como uma etapa da reprodução expandida do modo de produção capitalista. Contudo, a noção de neoextrativismo ressalta o conceito de acumulação por espoliação como processo contínuo, e talvez permanente, da acumulação primitiva do capital no modo de produção capitalista conforme apontou Harvey (2014). O rompimento dessas duas barragens, conforme apontou PoEMAS (2015) para o rompimento da barragem de Fundão em Mariana, estão fortemente associados à opção tomada pelos governantes do país durante a primeira década dos anos 2000 que aprofundou a exploração dos trabalhadores e da natureza em um contexto de financeirização (MILANEZ, 2017). Apesar de diversos impactos negativos sobre a população e a natureza onde ocorre a mineração é possível identificar que diversas localidades tornam-se dependentes dessa atividade, haja vista essa atividade contar com diversos processos de legitimação social. O trágico evento crítico ocorrido em 25 de janeiro de 2019 apenas confirma o lado nefasto da minério-dependência que os municípios que se situam na região intitulada como Quadrilátero Ferrífero forçosamente suportam. Convergem para tornar uma localidade dependente das atividades de mineração, como procurei discutir nessa pesquisa, a pobreza em termos de renda monetária da população local, a baixa 23 diversificação em atividades econômicas, os parcos incentivos à agropecuária associados à uma forte desvalorização do campo e do rural em termos produtivos. O município de Brumadinho, devastado pelo rompimento da barragem de rejeitos da mineração realizada em Córrego do Feijão pela Vale S.A., está situado na região metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) e apresenta grande extensão territorial, permitindo acessá-lo por duas vias: ao sul pela BR-040 e a oeste pela BR- 381. Faz divisa com 13 municípios, dentre eles, Belo Horizonte e Nova Lima e situa- se ao norte da região do Quadrilátero Ferrífero. Conquanto, observa-se sua importância, junto com outros municípios, como Mário Campos, Sarzedo e Ibirité, para a produção de alimentos que abastecem a RMBH. Além disso, a zona delimitada como rural nesse município é fortemente valorizada por agentes imobiliários para construção de condomínios residenciais horizontais destinados às classes média e alta, principalmente em sua porção leste, a qual se tem acesso pela BR-040. Há, ainda, no município o Instituto Inhotim, aberto em 2006 para visitação do público. Conquanto, as oportunidades de emprego e renda no município giram em torno das empresas de mineração, dos condomínios residenciais, da prefeitura local, do Inhotim, das atividades de agropecuária e do comércio local. Portanto, construí o meu objeto de pesquisa levando em consideração a condição de dependência social e econômica do município de Brumadinho diante das atividades de mineração, ao mesmo tempo em que se situa no âmbito da Região Metropolitana da capital do estado de Minas Gerais. Envidei esforços, a partir da construção desse objeto de pesquisa, para compreender como se dá a dinâmica de produção do espaço diante dessa condição, aparentemente, paradoxal: entre o urbano da metrópole belo-horizontina e o rural da minério-dependência. Ademais, procurei investigar os impactos, as transformações, os conflitos e as adaptações nas relações estabelecidas entre o campo e a cidade, o rural e o urbano, decorrentes da constituição da sociedade urbana (LEFEBVRE, 2004) que podem conformar um complexo quadro de injustiça ambiental-hídrica. Segundo Porto-Gonçalves (2017, p.23, minha ênfase) Sete de cada dez habitantes urbanos do mundo estão na Ásia, África e na América Latina em cidades que nada têm das cidades-luz que nos foram prometidas pela ideologia urbanocêntrica que tão bem caracteriza o pensamento eurocêntrico, ideologia essa ainda mais forte depois do Iluminismo. Entretanto, consideremos que embora 24 tenhamos um intenso processo de expropriação nesse período, hoje temos mais camponeses e outros habitantes não-urbanos que em qualquer outra época histórica. Se em 1960 tínhamos aproximadamente 3 bilhões de habitantes no planeta e, destes, 1,8 bilhões eram rurais e 1,2 bilhões era urbanos, hoje temos aproximadamente 7 bilhões de habitantes, sendo que 3.4 bilhões são rurais e 3,6 bilhões são urbanos. Não nos iludamos, pois, se a população urbana se multiplicou por três nesses últimos 50/60 anos, a população rural passou de 1,8 bilhões para 3,4 bilhões, um aumento também espetacular de 77.8% no período. [...] E toda essa enorme demanda de matéria e energia se faz em nome do abastecimento urbano, mas não considera que em 2016, segundo a ONU, havia mais população vivendo fora das cidades (camponeses, indígenas, quilombolas, pescadores, populações coletoras/extrativistas) do que a população total do planeta em 1960! Portanto, diante da configuração de um mundo cada vez ocupado por uma população que reside, majoritariamente, em cidades, é crescente a pressão sobre o espaço com vistas a suprir a demanda desse enorme contigente populacional que se concentra em apenas 3% a 4% da superfície terrestre (Advisory Committee for Environmental Research and Education, 2018). Entretanto, essa crescente demanda por matérias e energia para abastecer as cidades extrapolam os seus limites transbordando sobre outros territórios (não-urbanos) como pode ser observado através das profundas alterações metabólicas (PORTO-GONÇALVES, 2017) decorrentes da retirada de minérios, do estabelecimento das monoculturas do agronegócio, da busca por água em lugares cada vez mais distantes para abastecer as cidades, assim como a produção de espaços de lazer e consumo para a população citadina que evidenciam um rico e complexo processo de monoculturização do espaço (LASCHEFSKI, 2006, 2008 e LASCHEFSKI; ZHOURI, 2019). Algumas questões são pertinentes: A dicotomia campo – cidade permanece válida? Essa relação foi reconfigurada e o campo deixou de ser o espaço destinado à produção de alimentos e passou a ser o espaço de lazer e de conservação da natureza para atender aos desejos citadinos? Ou, trata-se da hom*ogeneização do espaço metropolitano que por consequência eliminaria o campo transformando toda a sua extensão em uma cidade? Se o modo de produção capitalista (e as relações sociais que o conformam) produz espaços-tempos que atendem as suas necessidades, o campo não estaria se constituindo em conformidade com a reestruturação pela qual esse modo de produção estaria passando em decorrência da “crise ecológica”? 25 Conjectura-se que no contexto atual do modo de produção capitalista, as relações estabelecidas entre a cidade e o campo se transformaram em decorrência da ampliação da sociedade urbana. Pode-se interpretar que essas transformações levaram o campo, anteriormente identificado com a produção agropecuária destinada ao abastecimento das cidades próximas, a se configurar como um espaço de lazer dos citadinos. Essa transformação é importante, pois supõe-se que esse é um exemplo de como a luta de classes é conduzida sob a hegemonia de uma parcela da sociedade, já que há fortes indícios de que ela não tem contribuído para a melhoria da qualidade de vida dos rurícolas, pois serve aos interesses do capital imobiliário, do setor de serviços e do consumo das classes média e alta da cidade. Concebe-se, portanto, um espaço destinado ao lazer, ao repouso, aos esportes, à reenergização dos citadinos. Ao menos, é assim que se identificam as relações frontais do campo em Brumadinho. Todavia, cabe verificar os aspectos que lhes são subterrâneos. Grande parte das estratégias atuais dos negócios que se ligam à mineração, aos empreendimentos imobiliários residenciais e ao turismo tem se baseado no casamento entre economia e ecologia que, de alguma forma, esverdeou o empresariado (ZHOURI; LASCHEFSKI, 2010, p. 14). A ideologia do desenvolvimento sustentável (DEL GAUDIO; FREITAS, 2015) não indicou mudanças profundas, pois se encaixa “[...] numa racionalidade produtiva que visa à abertura de novos mercados” (ZHOURI; LASCHEFSKI, 2010, p. 14) como as tecnologias ambientalmente corretas aplicadas nos mais amplos segmentos e a crescente valorização, principalmente por parte dos citadinos, da natureza destinada ao lazer e contemplação representada como rara. Além do mais, a valorização da natureza, do campo e do rural é acompanhada pela valorização das tradições culturais da população rural, mesmo que idealizadas. Muitas vezes não se contesta a representação idílica do campo e do rural. As transformações pelas quais o campo e o rural tem passado indicam a mudança de espaços produtivos para paisagens de consumo na qual os recursos naturais tornam- se valorizados pela sua manutenção em seus lugares como amenidades, encarados sob o seu potencial estético e recreacional. Inclui-se nesse debate questões inerentes às desigualdades de acesso ao bônus do desenvolvimento, pois as populações de agricultores familiares descapitalizados, assentados da reforma agrária e quilombolas em Brumadinho permanecem, em ambos os espaços, subalternizados. 26 Diversos estudos já foram realizados sobre a região e o município de Brumadinho, principalmente por pesquisadores vinculados ao Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais (IGC/UFMG). Por exemplo, de 2002 à 2006 a pesquisadora Heloisa Soares de Moura Costa coordenou o projeto com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) intitulado por “A expansão metropolitana de Belo Horizonte: dinâmica e especificidades no eixo-sul” que, dentre outras questões, analisou a região sul da RMBH em sua articulação com o contexto metropolitano, objetivando compreender as relações estabelecidas entre capital imobiliário, produção do espaço e da natureza em meio a um contexto de intensa exploração mineral. Um dos resultados desse projeto foi o livro “Novas Periferias Metropolitanas - A expansão metropolitana de Belo Horizonte: dinâmica e especificidades no Eixo Sul” lançado em 2006 (COSTA, 2006). Além do livro, a dissertação de mestrado de Eliano de Souza Martins Freitas (2004), derivou, em parte, desse projeto. Nela esse geógrafo procurou compreender como se deu o processo de institucionalização da Área de Proteção Ambiental Sul da RMBH (APA-Sul RMBH) ressaltando o papel desempenhado, principalmente, pelos moradores dos condomínios residenciais horizontais que se mobilizaram em defesa da criação da APA. Ele ainda identificou que as empresas de mineração passaram a agir no setor imobiliário, sendo, inclusive, esse um dos fatores que propiciou o estabelecimento dessa unidade de conservação. Ana Carolina Pinheiro Euclydes (2012) defendeu a sua dissertação de mestrado pelo Programa de Pós Graduação em Geografia no ano de 2012 com o título “Proteção da Natureza e Produção da Natureza: política, ideologias e diversidade na criação unidades de conservação na periferia sul da metrópole belo-horizontina” na qual desenvolveu uma pesquisa em torno do papel das unidades de conservação no processo de produção do espaço daquela região verificando que elas se constituem em um intrincado campo de disputas para o qual dirigem-se as empresas de mineração, moradores e empreendedores dos condomínios residenciais horizontais, empreendedores das atividades turísticas, dentre outros. No mesmo ano do trabalho de Euclydes (2012), Faria (2012) defendeu sua tese de doutorado, na qual procurou compreender a capacidade do turismo para o desenvolvimento regional. Essa pesquisa foi desenvolvida em Brumadinho, município com forte tradição nas atividades de mineração, mas que mesmo assim passou a 27 sediar o Instituto Inhotim, considerado uma instituição cultural de extrema relevância mundial. Através de uma pesquisa de mestrado, desenvolvida no âmbito do Programa de Pós Graduação em Direito da Escola Superior Dom Hélder Câmara, Alessandro de Miranda (2013) analisou os conflitos socioambientais derivados da atuação de uma empresa de mineração no município Brumadinho, contudo focando na região próxima ao condomínio residencial Retiro do Chalé. Mais recentemente, Laura Amaral Faria (2016) defendeu sua dissertação de mestrado pelo Programa de Pós Graduação em Geografia da UFMG, na qual analisou criticamente o papel do Instituto Inhotim no processo de produção do espaço em Brumadinho e seus fortes vínculos metropolitanos. Além do mais, ressaltou o fetichismo da natureza como contribuição para a legitimação da continuidade da reprodução do modo de produção capitalista. Esses trabalhos são de suma importância para a compreensão da produção do espaço da RMBH, entretanto nenhum deles se debruçou sobre as relações estabelecidas entre o campo e a cidade, o rural e o urbano como pretendi realizar nessa pesquisa. O campo de Brumadinho não se “modernizou” aos moldes do agronegócio, mas apresenta agricultores familiares, quilombolas e assentados da reforma agrária que pretendem manter suas atividades de agricultura e pecuária. Porém, suportam a mineração, convivem com os condomínios residenciais e com o turismo, que procuram expandir seus locais de atuação sob um discurso de alternativa econômica local, capaz de gerar renda e empregos para essa população, suscitando que essa população não deve insistir na atividade de agropecuária e sim aproveitar as oportunidades de emprego geradas por esses empreendimentos. As empresas de mineração e os impactos negativos que elas causam e a captura das paisagens, consideradas belas como um cenário para contemplação e descanso, pelos empreendedores imobiliários e do turismo são alguns dos conflitos presentes na área delimitada como rural pelo município de Brumadinho. A partir do objetivo mais amplo e geral tracei como objetivos específicos:  Compreender e situar a organização do espaço municipal de Brumadinho diante do processo mais amplo da Formação Espacial Brasileira;  Analisar a produção do espaço do município de Brumadinho no âmbito do Vetor Sul de expansão da Região Metropolitana de Belo Horizonte procurando 28 evidenciar as dinâmicas estabelecidas pela atividade de mineração ao mesmo tempo que esse espaço é convocado para cumprir funções ligadas à conservação da natureza, especialmente acerca dos recursos hídricos, diante dos processos de metropolização;  Produzir dados primários sobre as relações campo, cidade, rural e urbano no contexto espacial aparentemente paradoxal de relações entre a minério- dependência e a metrópole belo-horizontina procurando evidenciar as estratégias de resistências das famílias que residem no campo do município de Brumadinho;  Revisar criticamente as propostas em torno do “novo rural” alicerçado pela reflexão lefebvriana sobre a constituição, ainda incompleta, da sociedade urbana;  Analisar a perversidade da representação e produção do rural e do campo idílicos evidenciando seus aspectos falaciosos;  Analisar os conflitos em torno do acesso e apropriação das águas no campo de Brumadinho com vistas a ressaltar as estratégias de apropriação privada desenvolvidas pela Coca Cola FEMSA que tornam, ainda mais complexo, o intrincado quadro de injustiça ambiental-hídrica diante das relações aparentemente paradoxais estabelecidas entre o rural da minério-depêndencia e a metrópole belo-horizontina. Diante dos objetivos desse trabalho executei uma pesquisa qualitativa de caráter exploratório acerca dos processos que se ligam à produção do espaço e representações do campo de Brumadinho. Durante a minha pesquisa de mestrado (pelo Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense, no período de 2011-2013) visitei, nos dias 27 e 28 de outubro de 2011, o Inhotim como uma das atividades propostas por uma das disciplinas que cursei. Naquela época, a minha preocupação de pesquisa era com a produção leiteira da Zona da Mata Mineira e, por isso, muito me chamou a atenção a presença de um museu no município de Brumadinho, principalmente pelo fato de ter observado nos terrenos às margens das vias que davam acesso ao município, partindo-se da rodovia BR-040, alguns rebanhos bovinos e diversas áreas de plantio. O texto de Faria (2011) foi seminal para embasar o campo, permitindo se pensar na metropolização como um processo que, dentre outras questões, refere-se à proliferação do tecido urbano sobre 29 o campo. A aparente contradição entre os usos da terra nesse município associado à presença de um equipamento de turismo, arte e lazer do porte de Inhotim não poderia passar desapercebida. Contudo, no decorrer dos anos seguintes não me ocupei das questões que se ligam à Brumadinho. Entretanto, após me mudar de Juiz de Fora (MG) para Belo Horizonte, em 2014, e entrar no Programa de Pós Graduação em Geografia da UFMG (em 2015) as inquietações acerca da ruralidade na metrópole passaram a ocupar o meu cotidiano de estudos e pesquisas, principalmente pela constante referência à porção leste de Brumadinho, fundamentalmente sobre a localidade de Casa Branca1, como um lugar de descanso e lazer para diversos moradores da cidade com os quais eu conversava, ao mesmo tempo em que identificava que esse município apresentava intensa exploração de recursos minerais. De fato, essas inquietações começaram a tomar a forma de um projeto de pesquisa durante a disciplina de Ecologia Política cursada no primeiro semestre de 2015, no Programa de Pós Graduação em Geografia da UFMG, consolidando-se em um trabalho de campo realizado no Assentamento Pastorinhas situado próximo ao povoado do Tejuco. 1 Como pode ser observado através da figura 3 que representa o mapa do município de Brumadinho. Nele é possível, por exemplo, identificar a organização do espaço (espaços rurais e urbanos) determinada pela administração local. Enquanto que através da figura 4 é possível identificar a compartimentação geomorfológica do município de Brumadinho. 30 Figura 3 - Figura do mapa do município de Brumadinho Fonte: Instituto de Geociências Aplicadas do estado de Minas Gerais 31 Figura 4 - Figura do mapa que mostra a compartimentação geomorfológica do município de Brumadinho (MG) associada à divisão político administrativa determinada pela administração local Fonte: Plano Diretor do município de Brumadinho (2006). 32 Ainda no primeiro semestre de 2015 foram estabelecidos os primeiros contatos com o campo de pesquisa através de observações (LAKATOS; MARCONI, 2003). Ao longo dos trabalhos de campo foram recolhidos diversos materiais de publicidade sobre restaurantes, hospedagens, condomínios e loteamentos, produtos locais, empreendimentos cooperativistas ou de economia solidária, aluguéis de sítios, chácaras e granjas, jornais locais, guias e passeios propostos por empresas do ramo de turismo que serviram para identificar os principais discursos produzidos sobre o município, principalmente no que se refere às relações estabelecidas entre campo, cidade, rural e urbano no contexto metropolitano. Os discursos produzidos associam o campo e o rural como lócus privilegiado da natureza no contexto metropolitano ao mesmo tempo que o representa como espaços elitizados e, por isso, segregados (LASCHEFSKI; COSTA, 2008). Um desses discursos que procuravam estabelecer uma relação entre o campo, o rural e a natureza pasteurizados e, portanto, asseptados ao gosto do cliente (PEREIRA; DEL GAUDIO, 2014) afirmava ter o “lugar perfeito para quem procura a tranquilidade em meio à natureza”. Era, segundo uma de suas propagandas, o “refúgio do agito do dia-a-dia”. Tal discurso foi construído para atrair consumidores para os serviços que a Nova Estância Pousada Inn oferecia. Obviamente, essa hospedagem não evidenciava em suas propagandas o risco que suportou pelo tempo em que esteve aberta, pois ela foi totalmente destruída, no dia 25 de janeiro de 2019, pela lama de rejeitos proveniente da barragem 1 da mina Córrego do Feijão de propriedade da Vale S.A. pois, estava localizada no caminho que o “mar de lama” percorreu. Portanto, além do restaurante e das dependências do setor administrativo da mina Córrego do Feijão da Vale S.A. estarem localizados no caminho da lama de rejeitos, estavam também residências, áreas de agricultura e, também, uma pousada. Tal fato, demonstra o tamanho do descaso da empresa e das autoridades que permitiram tal descalabro. Diante dessas observações in loco e das entrevistas realizadas foi possível confirmar a forte presença dos interesses urbanos sobre o campo do município. Principalmente por força do capital imobiliário destinado às segundas residências e casas de luxo, bem como do capital turístico. Em decorrência de tal constatação, no segundo semestre de 2016, foram iniciadas as entrevistas semiestruturadas com 13 informantes chaves a fim de aprofundar a compreensão sobre aquilo que havia sido observado nas etapas anteriores. Pode-se definir o informante chave como uma pessoa com grande conhecimento sobre determinados temas associados à sua 33 vivência cotidiana. Ou seja, como na primeira entrevista realizada com um funcionário do escritório local da EMATER-MG, escolhido por se tratar de um profissional que ocupa um cargo público, com a função de prestar assistência técnica aos produtores rurais do município. Ademais, ele apresenta amplo conhecimento sobre a realidade da agropecuária em Brumadinho, assim como sobre os aspectos que se vinculam à produção do campo neste município. Portanto, foi a partir do diálogo estabelecido com cada entrevistado que se obteve indicações de outras pessoas capazes de melhor abordar determinadas questões. Contudo, deve-se ressaltar que a sugestão de nomes decorreu da relação estabelecida entre pesquisador e aqueles que foram entrevistados, visto que a pesquisa é uma construção coletiva da qual eles são parte fundamental. Portanto, não se trata simplesmente de obtenção ou de coleta de informações e dados, mas sim da sua produção diante da interação pesquisador- sujeitos entrevistados. O informante chave é, portanto, um sujeito ativo que produz um relato sobre a realidade ao interagir com o pesquisador (JACCOUD; MAYER, 2014). Antes da realização de cada entrevista semiestruturada foi elaborado um conjunto de questões que serviram apenas como um roteiro, permitindo com que o entrevistado pudesse indicar outros caminhos, que não haviam sido pensados previamente. Portanto, foram elaborados roteiros específicos para cada uma das 13 entrevistas semiestruturadas realizadas durante o ano de 2015 e 2016. Também realizei entrevistas e conversas com outros sujeitos ao longo de todo o período da pesquisa quando incursionei pelo campo de Brumadinho guiado por diversos objetivos traçados previamente para dar prosseguimento à pesquisa. Contudo, muitos desses encontros também ocorreram de forma ocasional e se mostraram riquíssimos. Entretanto, posso estabelecer dois momentos em relação às pesquisas e entrevistas em campo. Num primeiro momento, compreendido entre o primeiro semestre de 2015 e o segundo semestre de 2016, me deparei com a “típica roça mineira”, pois, em nenhuma oportunidade as pessoas se sentiram intimidadas e sempre abriram as portas de suas casas para me receber e conversar. Geralmente, essas conversas eram acompanhadas por uma fartura incrível de alimentos. Entretanto, a partir do segundo semestre de 2016 até o final da pesquisa passei a encontrar diversas portas fechadas, inclusive aquelas que foram abertas no período 34 anterior. A meu ver, essa situação decorreu da conclusão do processo de impeachment imposto à Presidenta Dilma Roussef no dia 31 de agosto de 2016 e a consequente escalada dos discursos de ódio que passaram a tomar conta da mídia e da sociedade brasileira configurando um ambiente de medo. Esse segundo cenário foi agravado pela vitória de um grupo político local para assumir a administração municipal, que teve como candidato a prefeito eleito o senhor Avimar de Melo Barcelos que responde a diversos processos na justiça, além de ser acusado de ter soltado animais na área ocupada em 2001 que veio a formar o Assentamento Rural Pastorinhas, no Tejuco, com vistas a intimidar as famílias sem-terra. Desde o primeiro semestre de 2017, após diversos contatos telefônicos, pessoais e por e-mail solicitando maiores informações e autorizações para realizar diversos trabalhos com os funcionários das secretarias de educação e de saúde do município de Brumadinho recebi negativas ou, sequer, fui respondido adequadamente impactando significativamente o andamento da pesquisa e a produção dos dados. Havia planejado trabalhar junto dos agentes comunitários de saúde do município com o intuito de investigar a região do bairro Jangada, estendendo-se pelas localidades das cercanias da serra Três Irmãos, passando por Córrego do Feijão chagando até o Tejuco, por exemplo. Mas, fui impedido de realizar entrevistas e acompanhar de perto os trabalhos desenvolvidos nas escolas e pelos agentes comunitários de saúde em decorrência dos prazos a cumprir na pesquisa e as enormes dificuldades para obter as autorizações que me permitiriam produzir as informações. Aos entrevistados em minha pesquisa procurei entregar um documento elaborado em conjunto com o orientador atestando que se tratava de uma pesquisa acadêmica e que as suas identidades seriam preservadas. Além do mais, eles foram orientados, caso surgissem dúvidas, a entrar em contato com o pesquisador ou o seu orientador através de e-mail ou telefone presentes no referido documento. Com o objetivo de tornar o registro das informações mais completo optou-se pela utilização do gravador. Contudo, esse recurso só foi utilizado após o consentimento do entrevistado. Posteriormente, procedeu-se à transcrição dos áudios permitindo categorizar e analisar as informações de forma mais sistemática. Além disso, o uso do gravador pode tornar a conversa mais fluída, pois permite com que o pesquisador permaneça atento ao que o entrevistado fala, não se preocupando em registrar, por escrito, as informações. 35 Durante o primeiro semestre de 2016, simultaneamente aos trabalhos de campo e a realização das entrevistas semiestruturadas, procurei analisar os comentários de membros da comunidade virtual de viagens TripAdvisor sobre dois atrativos turísticos do município de Brumadinho que se destacaram durante a fase da pesquisa exploratória iniciada no primeio semestre de 2015. Nesse trabalho de análise procurei identificar os elementos mobilizados pelos usuários da comunidade virtual de viagens TripAdvisor para descreverem o Parque Estadual do Rola Moça e Piedade do Paraopeba. Concomitante às observações de campo e as entrevistas, procurei analisar o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Belo Horizonte – PDDI RMBH e o Plano Diretor de Brumadinho, com vistas a identificar informações que pudessem subsidiar a minha pesquisa e pude elaborar a primeira versão da tese que foi apresentada para a banca de qualificação no dia 26 de setembro de 2017. Havia conseguido, naquela oportunidade, construir o objeto de pesquisa e apontar as principais questões que seriam desenroladas nos próximos semestres. Tratava-se de compreender os conflitos socioambientais decorrentes das relações campo, cidade, rural e urbano. Relações estas que se desenvolvem num contexto de dependência social e econômica frente às atividades de mineração, ao mesmo tempo, inserido no âmbito dos processos de metropolização do espaço. Apesar de eu ter me debruçado, como pesquisador, sobre o município de Brumadinho, procurei estabelecer a minha investigação com o intuito de não produzir uma monografia exaustiva acerca do município de Brumadinho. Partindo, incialmente, de pesquisas de campo com o intuito de realizar entrevistas e observações que me permitiram construir dados primários sobre as relações entre o campo, a cidade, o rural e o urbano no contexto da minério-dependência e da metrópole de Belo Horizonte, trabalhei, metodologicamente, através do empirismo tão caro à perspectiva da geografia tradicional. Contudo, por não se tratar de uma pesquisa que visava estabelecer uma leitura do real-aparente e nem realizar uma monografia sobre o local, procurei realizar a minha investigação reconhecendo que estamos imersos em um período de enormes incertezas, no qual ideologias e representações produzidas pelas classes sociais que detêm a hegemonia são falaciosas e tem o papel de cegar impedindo de se olhar diretamente o desconhecido e apreendê-lo (LEFEBVRE, 2004). Em decorrência do poder das ideologias, não basta iluminar o que se encontra na 36 penumbra. De tal maneira, estruturei essa tese, além dessa introdução e da conclusão, em quatro capítulos. No primeiro capítulo procurei apresentar a relação entre a formação espacial brasileira e a do município de Brumadinho. Recorri a um estudo historiográfico realizado por Jardim; Jardim (1982) com vistas a apreender o rico processo histórico de formação desse município que conta com ocupação, por parte dos colonizadores portugueses em decorrência de incursões violentas como a organizada por Fernão Dias Paes, datada do final do século XVII. Trata-se, conforme apontei apoiando-me em Moreira (2014), de ocupação datada da primeira fase da formação espacial brasileira que se valeu, no caso da região onde se situa Brumadinho, de incursões através do vale do rio Paraopeba em busca de metais preciosos, aprisionamento e assassinato de indígenas. Essa primeira fase da formação espacial brasileira foi a responsável por estabelecer as relações entre a cidade e o campo de maneira unificada sob o mando dos dominantes que impediu ao longo de toda a história brasileira a transformação por parte dos dominados e que tornou, segundo Moreira (2014), a marca de nossa formação espacial. A ocupação inicial motivada pela busca dos metais preciosos marca o município, que ao longo do tempo foi ocupado por empresas mineradoras em busca do minério de ferro. Procurei, ainda no primeiro capítulo, analisar o papel que Brumadinho desempenha no contexto da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), chamando a atenção para as dinâmicas das relações estabelecidas entre o campo e a cidade, entre o rural e o urbano, sem deixar de lado a sua inserção na região do Quadrilátero Ferrífero. Diversos estudos apontam para recortes regionais na metrópole de Belo Horizonte, mas, principalmente, os de Mendonça; Diniz (2015) e Costa (2006), são fundamentais para compreendê-los. Brumadinho se encontra em um desses recortes regionais (o vetor sul) que apresenta características singulares de enorme significância para a produção do espaço vinculadas às representações de natureza e ruralidade ainda preservadas diante da expansão urbana da metrópole. Portanto, empreendedores imobiliários e do turismo tendem a opor essa região ao caos urbano a fim de tornarem esse espaço uma mercadoria de desejo dos citadinos, seja para edificarem suas segundas residências, para se mudarem em definitivo para os condomínios residenciais ou para consumirem serviços de turismo de final de 37 semana. Contudo, essa representação positiva do vetor sul, associada em parte à ruralidade e à natureza em contraposição ao caos e a poluição urbana, depara-se com o uso do solo potencialmente destruidor em decorrência das atividades de mineração (desde o dia 25 de janeiro de 2019 não mais potencial, pois cumpriu a “promessa”). As atividades de mineração para o município de Brumadinho têm uma importância que não decorre apenas do seu caráter histórico, ou seja, pela sua presença já bastante antiga. Mas, sim, pelo efeito nefasto, não só em decorrência do trágico evento decorrente do rompimento da barragem 1 da mina de propriedade da Vale S.A. no povoado Córrego do Feijão, da minério-dependência. Em conformidade com Euclydes (2013) procurei demonstrar ainda no capítulo 1, que mesmo diante dos inúmeros impactos negativos e conflitos decorrentes das atividades de mineração os administradores locais procuram manter ou ampliar essas atividades sob a justificativa da arrecadação de impostos que sustentariam esses municípios. Ademais, procurei ressaltar que a minério-dependência não deve ser compreendida apenas no contexto regional ou local, pois encontra-se associada à reprimarização da economia nacional. Conquanto, o reposicionamento do país na divisão internacional do trabalho como fornecedor de commodities tem sido interpretada através do conceito de neoextrativismo (GUDYNAS, 2009) que não deve ser visto de maneira descolada da acumulação por espoliação (HARVEY, 2014). Portanto, diante de um contexto espacial que reúne atividades de mineração, grande número de condomínios residenciais, atividades de turismo e de agropecuária determinados grupos se mobilizaram com vistas a implementar algum tipo de ordenamento espacial através da criação da Área de Proteção Ambiental Sul da RMBH. Essa unidade de conservação foi estabelecida com o objetivo precípuo de proteger a região de onde provém a água que abastece parte da população da cidade de Belo Horizonte. Ademais, serve, também, para materializar a representação de natureza sustentada por um discurso hegemônico (LASCHEFSKI; COSTA, 2008) que motivou uma parcela da sociedade a imobilizar capital nessas terras. No capítulo 2 procurei realizar uma descrição baseada, fundamentalmente, em dados primários, produzidos através das entrevistas com informantes-chave com o objetivo de suscitar questões relacionadas às atividades econômicas e sobre a população do município de Brumadinho. Tal tarefa contribuiu para a construção do próprio objeto de pesquisa. De tal maneira, foi possível identificar a importância das 38 atividades de agropecuária para a população desse município sob diversas perspectivas. Contudo, a mais relevante é aquela que aponta para essa atividade como sólido mourão de sustentação das famílias. Pois, apesar da oferta de empregos nas empresas mineradoras, nos condomínios residenciais, pelas atividades de turismo e na cidade de Belo Horizonte a agropecuária foi apontada como um recurso em situações de desemprego. Sejam os desempregados aqueles que sustentavam a família ou não, quando deixam de ser assalariados, recorrem, de diversas maneiras, à agropecuária. Ademais, esse capítulo também procura demonstrar a importância de se relativizar os dados secundários e afirmar a importância de percorrer e conversar com os do lugar para se propor ações de desenvolvimento rural como o fortalecimento das políticas em torno dos mercados institucionais, da reforma agrária, da agroecologia, da soberania alimentar, da juventude rural, da assistência técnica, de igualdade de gênero e das comunidades e povos tradicionais com vistas a ampliar a cidadania e a autonomia. A presença, cada vez mais marcante, de atividades não agrícolas e de trabalhadores da cidade na zona rural delimitada pelo município de Brumadinho se mostra como um instigante caso para a análise das relações estabelecidas entre o campo e a cidade, entre o rural e o urbano, apoiadas sobre a representação do campo como idílico. Diante disso, o terceiro capítulo apresenta uma revisão de literatura com o objetivo de estabelecer o quadro teórico através do qual a pesquisa se desenvolveu. Nele se discute a pertinência do “novo rural” (VEIGA, ,2004, 2007; GRAZIANO, 1997; GRAZIANO; NAVARRO, 2015; FAVARETO, 2006, 2007; ABRAMOVAY, 2003) diante da constituição da sociedade urbana no transcurso da explosão-implosão da cidade (LEFEBVRE, 2004). A interpretação da obra do filósofo francês Henri Lefebvre não é tarefa fácil e encontra grande número de questões abertas, mas é bastante atual ao que se refere à produção do espaço e por isso foi mobilizada. Para a análise crítica sobre as propostas do “novo rural” foi de fundamental importância os trabalhos de campo e as entrevistas desenvolvidos em Brumadinho (colado, portanto, ao concreto da vida). O confronto entre as incursões de campo e a literatura que afirma a obsolescência do paradigma agrário não encontrou concordância. Caso operasse com esse arcabouço teórico deveria ter que mudar a realidade para que ela coubesse na teoria. Procurei evidenciar que é central nas propostas em torno do “novo rural” a 39 concepção de campo e rural que detêm 3 dimensões (ambiental, econômica e cultural) que são analisadas de forma destacada. Teria, portanto, sob a perspectiva do “novo rural”, preponderância a dimensão ambiental valorizada em termos mercantis sob o paradigma da adequação ambiental ou modernização ecológica (ZHOURI; LASCHEFSKI, 2010) no contexto das relações estabelecidas entre a cidade, o campo, o rural e o urbano da RMBH. As propostas em torno do “novo rural”, em parte, decorrem da crítica que os autores vinculados à essa corrente procuram realizar acerca dos estudos sobre produção do espaço que tomam por base a longa produção intelectual realizada por Henri Lefebvre, principalmente aquelas que se referem à constituição, ainda incompleta, da sociedade urbana (LEFEBVRE, 1967, 1991, 2001, 2004, 2008). Obviamente, não tive a intenção de esgotar a análise das obras de Henri Lefebvre, haja vista esse intelectual ter produzido mais de 50 livros ao longo de quase um século de produção intelectual ativa. Entretanto, procurei ressaltar os diversos aspectos da implosão-explosão da cidade e suas relações com a transformação das relações que são estabelecidas entre o campo, a cidade, o rural e o urbano na busca por expor a problemática urbana tanto como uma possibilidade teórica e como um conjunto de questões que, dialeticamente, se impõem sobre a realidade, ao mesmo tempo que dela emergem e a ela retornam, transformando-a (LEFEBVRE, 2004). Na sequência, tratei da representação do rural como idílico procurando estabelecer os seus principais caracteres que podem torna-la hegemônica argumentando que seus elementos principais são a não integração aos circuitos capitalistas mais modernos e o estabelecimento do campo e do rural como contrapeso e complemento à cidade e ao urbano-industrial (FIGUEIREDO, 2001, 2003, 2008, 2012, 2018). Inclusive, essa representação se apoia em ideologias que tendem a torna-la um potente instrumento para a manutenção da hegemonia de uma ou mais classes sobre os trabalhadores assalariados ou não, do campo e da cidade. As especificidades das relações entre campo, cidade, rural e urbano da formação espacial brasileira, em relação ao plano geral desenhado por Henri Lefebvre, foi trabalhada ao final do capítulo 3 com vistas a aprofundar o alcance da ideia de incompletude da sociedade urbana e a crítica às propostas em torno do “novo rural”. Para tanto, me vali do arcabouço teórico desenvolvido pelos geógrafos Ruy Moreira (2005, 2014) e Carlos Walter Porto-Gonçalves (2006, 2008, 2016) para poder 40 desenvolver a ideia de que permanece no Brasil, assim como no conjunto dos países da América Latina, a hegemonia da elite agrário-mercantil-exportadora, mesmo que metamorfoseada em um leque de posições diversas que ocupa, tanto no campo, quanto na cidade. Essa classe vem construindo ao longo do processo de formação espacial brasileiro uma aliança contraditória entre o campo e a cidade dos dominantes que tem emperrado a marcha da cidadania. A contradição deriva da visão advinda com a moderno-colonialidade, da qual essa elite se mantém fortemente vinculada, na qual se constituiu a oposição entre a Cidade-Razão e o Campo-Natureza (PORTO- GONÇALVES, 2016) e que reafirma a importância de se compreender a fundo a incompletude da sociedade urbana (LEFEBVRE, 2004). No quarto capítulo, enveredei-me pelo conflito em torno do acesso e apropriação das águas no município de Brumadinho sem descola-lo do contexto das relações cidade, campo, rural e urbano e da minério-dependência. Por isso, convergem como causadores dos conflitos em torno das águas as empresas mineradoras e a instalação de loteamentos e condomínios residenciais. Durante os trabalhos de campo foi possível constatar, através dos depoimentos das pessoas com as quais eu pude conversar, o fato da água estar “minguando” e como isso tem se tornado um limitador para a continuidade das atividades de agropecuária. São diversos os impactos, mas eles se concentram nas alterações de qualidade e de acesso às águas com traços de injustiça ambiental-hídrica, haja vista, os mais pobres, em termos de renda monetária, deterem menor capacidade para lidarem com os impactos negativos que tais alterações provocam. Nas localidades e povoados das cercanias da Serra dos Três Irmãos2, dentre as quais estão Casa Branca, Jangada, Tejuco e Córrego do Feijão, onde ficava a barragem 1 de rejeitos da mineradora Vale S.A., a contaminação das águas que chegava às casas era reclamação constante. Além do mais, o desabastecimento também é fato recorrente nessa região em decorrência da atuação das empresas mineradoras. Os agricultores e pecuaristas situados em regiões com a atuação das mineradoras ou em áreas com forte presença de loteamentos e condomínios residenciais indicaram alterações nas dinâmicas das águas através da constatação empírica de que nascentes secaram, mudaram de lugar em decorrências das 2 Conforme pode ser visualizado através da figura número 3, presente nessa introdução, que retrata o município de Brumadinho. 41 surgências passarem a ocorrer em locais mais baixos dos que os anteriores e não mais terem força “para tocar moinho”. Ademais, o dito camponês – água não se nega à ninguém – desidrata-se à medida em que não mais se vê na frente de todas as casas, no campo de Brumadinho, bicas d’água. Portanto, os moradores do campo em Brumadinho suportam as enormes dificuldades em acessar as águas ao mesmo tempo que convivem com o fato de que essas mesmas águas são de fundamental importância para o abastecimento da RMBH. Em específico, o conflito em torno da apropriação das águas subterrâneas em Brumadinho tem se tornado tão grave e na mesma medida do potencial democrático que elas detêm para o abastecimento populacional. Esses conflitos ganham contornos mais críticos na porção sudeste do município de Brumadinho, encosta oeste da Serra da Moeda, principalmente no povoado de Suzana, Campinho e Chácara em decorrência da apropriação das águas subterrâneas pela fábrica da Coca Cola FEMSA instalada e operando, desde 2015, no distrito industrial do município de Itabirito localizado na face leste da Serra da Moeda. A análise desse conflito permitiu levantar um conjunto de questões que se referem a importância da disponibilidade e qualidade das águas no processo de produção do campo e do rural idílicos e indicam a configuração de um complexo quadro de injustiça ambiental-hídrica. São colocadas em pauta relações espaciais de dominação e exploração que podem determinar o des-envolvimento (PORTO- GONÇALVES, 2006) de cada um desses povoados de Brumadinho com o seu território sob a incompletude do urbano. 42 1. BRUMADINHO: FORMAÇÃO E CONTEXTO METROPOLITANO Segundo Jardim; Jardim (1982, p. 12) pode-se dividir a formação de Brumadinho, município da Região Metropolitana de Belo Horizonte - RMBH3, em duas grandes fases. A primeira, data do final do século XVII e início do século XVIII, quando ocorreu a exploração do vale do Rio Paraopeba, incentivada pela Coroa Portuguesa, através das “Entradas e Bandeiras”, com vistas a encontrar metais, aprisionar e reduzir indígenas. Datam desse período a formação dos núcleos populacionais, que compõem o território do município de Brumadinho: São José do Paraopeba, Piedade do Paraopeba, Aranha e Brumado do Paraopeba (atualmente Conceição do Itaguá). Segundo Martinez (2011, p. 421) “O Vale do Paraopeba/MG, margeado por uma miríade de rios e riachos, contornado por montanhas e serras que outrora forneceram ouro para a Coroa Portuguesa”, não deve ser caracterizado, historicamente, apenas pela pujança em ouro, pois Plantações de milho, feijão, mandioca (considerada o “pão cotidiano”) e outros alimentos cresceram nas terras férteis das fazendas e sítios. Da mesma maneira, a criação de animais, o comércio, a circulação e a troca de mercadorias foram a tônica das vilas e cidades no Oitocentos mineiro (MARTINEZ, 2011, p. 421). A formação desses núcleos populacionais foi motivada pela necessidade que as tropas das expedições de exploração tinham para pouso e abastecimento. “Assim, São José do Paraopeba, Piedade do Paraopeba e Brumado do Paraopeba, fazem parte da primeira fase da história da ocupação do território de Minas Gerais” (JARDIM; 3 “A Região Metropolitana de Belo Horizonte foi instituída pela Lei Complementar n. 14, de 08 de junho de 1973, com 14 municípios, a saber: Belo Horizonte, Betim, Caeté, Contagem, Ibirité, Lagoa Santa, Nova Lima, Pedro Leopoldo, Raposos, Ribeirão Das Neves, Rio Acima, Sabará, Santa Luzia e Vespasiano. Como consequência do processo de expansão horizontal – inclusão de novos municípios – e do processo de emancipação de alguns antigos distritos, atualmente a RMBH é constituída por 34 municípios: Baldim, Belo Horizonte, Betim, Brumadinho, Caeté, Capim Branco, Confins, Contagem, Esmeraldas, Florestal, Ibirité, Igarapé, Itaguara, Itatiaiuçu, Jaboticatubas, Nova União, Juatuba, Lagoa Santa, Mário Campos, Mateus Leme, Matozinhos, Nova Lima, Pedro Leopoldo, Raposos, Ribeirão das Neves, Rio Acima, Rio Manso, Sabará, Santa Luzia, São Joaquim de Bicas, São José da Lapa, Sarzedo, Taquaraçu de Minas e Vespasiano” (MENDONÇA; ANDRADE; DINIZ, 2015, p.17). 43 JARDIM, 1982, p. 24). Segundo (Moreira, 2014) essa forma de ocupação compôs a primeira fase da formação espacial brasileira (vetores fundacionais) e reúne 3 vetores territoriais: o bandeirantismo, a catequese jesuítica e a expansão do gado. O traçado de suas trilhas são os grandes riscos de linha da tela em cujos interstícios o pincel discreto dos ciclos econômicos vai montar com grandes manchas de tinta as paisagens que aos poucos modelam o arranjo básico do espaço geográfico da sociedade brasileira. Os rios e planaltos são os grandes planos de assentamento. Os rios são as grandes vias de onde os ciclos econômicos chegam ao planalto, avançando por sobre vales e interflúvios como uma mancha de óleo (Moreira, 2014, p. 14) Uma dessas incursões, que pontuaram a base logística da sociedade em formação no período colonial (Moreira, 2014), foi a planejada pelo bandeirante paulista Fernão Dias Paes, recomendada diretamente pelo rei de Portugal no século XVII, com vistas a descobrir minas de ouro, prata e esmeraldas que acabou por estabelecer os primeiros povoados mineiros, dentre os quais está Piedade do Paraopeba, aos pés da Serra da Moeda, no vale do Rio Paraopeba (ANDRADE, 2014). Segundo Mota; Braick (1997, p. 239,240, minha ênfase) Os núcleos de povoamento e ocupação da região das minas foram estabelecidos a partir da constituição de arraiais (termo que em Portugal quer dizer ajuntamento para festa religiosa) em torno de capelas, onde igualmente se fixou o comércio. Em geral ocupavam o fundo dos vales, perto dos rios e das respectivas jazidas de ouro ou pedras preciosas. O que explica a existência da Igreja Matriz de Nossa Senhora de Piedade no final do século XVII. Está aí, nesse processo fundamentado em incursões violentas em busca de metais e escravização e assassinato de indígenas, um dos pilares do estabelecimento de relações cidade e campo unificados sob o mando dos dominantes que vai marcar a formação espacial brasileira. Fundamental, inclusive, para que as bandeiras pudessem executar as suas funções. Para isso, pode-se recorrer à composição da tropa que compôs a bandeira de Fernão Dias Paes: “No grosso da tropa, iriam 1241 homens, sendo apenas 40 brancos” (JARDIM; JARDIM, 1982, p. 18). 44 Caixa de texto 1 – Poema Romance I, ou Da revelação do ouro, escrito por Cecília Meireles: “Nos sertões americanos, anda um povo desgrenhado: gritam pássaros em fuga sobre fugitivos riachos; desenrolam-se os novelos das cobras, sarapintados; espreitam, de olhos luzentes, os satíricos macacos. Súbito, brilha um chão de ouro: corre-se - é luz sobre um charco. A zoeira dos insetos cresce, nos vales fechados, com o perfume das resinas e desse mel delicado que se acumula nas flores em grãos de veludo e orvalho. (Por onde é que andas, ribeiro, descoberto por acaso?) Grossos pés firmam-se em pedras: sob os chapéus desabados, O olhar galopa no abismo, vai revolvendo o planalto; descobre os índios desnudos, que se escondem, timoratos; calcula ventos e chuvas; mede os montes, de alto a baixo; em rios a muitas léguas vai desmontando o cascalho; em cada mancha de terra, desagrega barro e quartzo. Lá vão pelo tempo a dentro esses homens desgrenhados: duro vestido de couro enfrenta espinhos e galhos; em sua cara curtida não pousa vespa ou moscardo; comem larvas, passarinhos, palmitos e papagaios; sua fome verdadeira é de rios muito largos, com franjas de prata e de ouro, de esmeraldas e topázios. (Que é feito de ti, montanha, que a face escondes no espaço?) E é por isso que investigam toda a brenha, palmo a palmo; é por isso que se entreolham com duras pupilas de aço; que uns aos outros se destroçam com seus facões e machados: companheiros e parentes são rivais e amigos falsos. (Que é feito de ti, caminho, em teu segredo enrolado?) Por isso, descem as aves de distantes céus intactos sobre corpos sem socorro, pela sombra apunhalados; por isso, nascem capelas no mudo espanto dos matos, onde rudes homens duros depositam seus pecados. Por isso, o vento que gira assombra as onças e os veados: que seu sopro, antigamente, era perfume tão grato, e, agora, é cheiro de morte, de feridos e enforcados... (Que é feito de ti, remoto Verbo Divino Encarnado?) Selvas, montanhas e rios estão transidos de pasmo. É que avançam, terra a dentro, os homens alucinados. Levam guampas, levam cuias, levam flechas, levam arcos; atolam-se em lama negra, escorregam por penhascos, morrem de audácia e miséria, nesse temerário assalto, ambiciosos e avarentos, abomináveis e bravos, para fortuitas riquezas estendendo inquietos braços, - os olhos já sem clareza, - os lábios secos e amargos. (Que é feito de vós, ó sombras que o tempo leva de rastos?) E, atrás deles, filhos, netos, seguindo os antepassados, vêm deixar a sua vida, caindo nos mesmos laços, perdidos na mesma sede, teimosos, desesperados, por minas de prata e de ouro curtindo destino ingrato, emaranhando seus nomes para a glória e o desbarato, quando, dos perigos de hoje, outros nascerem, mais altos. Que a sede de ouro é sem cura, e, por ela subjugados, os homens matam-se e morrem, ficam mortos, mas não fartos. (Ai, Ouro Preto, Ouro Preto, e assim foste revelado!)” (MEIRELES, 2008, p.44-48, minha ênfase). 45 Contudo, esses núcleos, passaram, também, a cumprir a função de fornecedores de alimentos e animais para a região mineradora que veio a se formar na região do Quadrilátero Ferrífero em decorrência de uma das regras da expedição armada de Fernão Dia Paes que era a “necessária existência de roças plantadas” (JARDIM; JARDIM, 1982, p. 25) para manter a tropa que compunha a expedição. Conforme Carrara (2007, p. 32) “A agricultura teria sido a solução para a implantação e crescimento da empresa e da sociedade mineradoras e para a crise com a decadência”. E, segundo as historiadoras Schwarcz; Starling (2015, p. 113) Naquele momento, a apropriação do terreno e a conquista da região importavam para a metrópole tanto ou mais do que topar com um tesouro, e foi esse o feito de Fernão Dias: sua bandeira seguiu a estratégia militar de criar roças de mantimentos que sustentassem as tropas nos seus movimentos pelo interior, a qual foi decisiva tanto para a disputa com os índios quanto para a posterior ocupação do território. No final do século XVII são, enfim, descobertas as minas de ouro que motivaram as entradas e bandeiras sob recomendação do império português e que impulsionaram a imigração para próximo dos rios das Velhas, Paraopeba e das Mortes. “Assim entrou na história, impetuosamente, a região de Minas Gerais: a maior quantidade de ouro até então descoberta no mundo foi extraída no menor espaço de tempo” (GALEANO, 2015 [1978], p. 78).Tanto as entradas e bandeiras não ocorreram sem conflitos, pois escravizaram e assassinaram populações indígenas com as quais se deparava ao longo das incursões, como houve conflitos após a descoberta de enormes quantidades de ouro entre emboabas e paulistas, na primeira década do século XVIII. Inclusive, a Guerra dos Emboabas (1707-1709) foi aventada como motivadora de uma construção imponente na Serra da Calçada, parte da Serra da Moeda, em Brumadinho, conhecida até hoje como Forte de Brumadinho, mas que serviu, como casa de fundição de moedas falsas com vistas a burlar a cobrança de tributos sobre a extração mineral (JARDIM; JARDIM, 1982 e ANDRADE, 2014). Mesmo após o declínio da exploração aurífera nas décadas finais do século XVIII a produção agropecuária na Serra da Moeda, que fora intensificada durante o auge da mineração de ouro, diversificou-se, apoiada, principalmente, nos caminhos abertos até as minas. Apesar da ocupação populacional da região poder ser datada desde o século XVII, somente na década de 1930 Brumadinho foi elevado à categoria de município. 46 Inclusive, a sede do município não guarda relação com a ocupação mais antiga e sim com a edificação da estação de trem de Brumadinho, que passou a compor a Estrada de Ferro Central do Brasil, datada das primeiras décadas do século XX que antecedeu a sua elevação a município. Segundo o geógrafo francês Pierre Deffontaines (1944 [1938], p. 147) “As estradas de ferro, de fato, fizeram triunfar as suas cidades e são a causa de uma numerosa geração urbana”. São as cidades-estações ferroviárias. Portanto, de acordo com Jardim; Jardim (1982), a segunda fase na história da formação desse município decorre da construção do ramal do Paraopeba e da inauguração da estação de trem em 1917, em torno da qual passou a se organizar a cidade sendo responsável pela atração de trabalhadores, que passaram a morar nesse local. Segundo Gazzinelli-Oliveira; Castriota (2015, p. 2-3) Em 1910, foi construído o Ramal do Paraopeba da EFCB pela necessidade de uma linha de trem que passasse pelas várias cidades da região mineradora do Vale do Paraopeba e voltasse a reencontrar com a linha do centro em Belo Horizonte. Sua construção faz parte dessa fase áurea da malha ferroviária no Brasil em Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. [...] fazia parte a estação ferroviária de Brumadinho. A construção dessa estrada trouxe muitos trabalhadores, inclusive estrangeiros, que se instalaram ao longo da linha, dando origem às primeiras habitações em 1914 e posteriormente a povoados. Sendo assim, um dos momentos importantes para a ocupação de Brumadinho foi a construção da Estrada de Ferro e da estação, que entrou em funcionamento em 1917. Além da estação localizada onde atualmente está o centro da cidade foram construídas, também, estações para paradas do trem na extensão do município. Além de ter incentivado a ocupação dessa porção do município, a construção do ramal do Paraopeba motivou empresas mineradoras a comprar terras nas serras dos Três Irmãos, Rola Moça e Moeda (ANDRADE, 2014, p. 21) onde ocorreram as primeiras ocupações ainda no século XVII. Para Jardim; Jardim (1982, p. 46) “[...] foram, sem dúvida, os grandes depósitos de minérios de ferro existentes no Vale do Paraopeba que determinaram a construção do ramal da Central do Brasil”. Próximo à Brumado do Paraopeba foram reunidos materiais e trabalhadores pela empresa que estava a cargo da construção da estação de trem servindo como atrativo para trabalhadores de outras regiões, inclusive estrangeiros. Surgiram em torno dessa “cabeça de trecho” armazém, farmácia, açougue, agência dos Correios, cartório e escola (JARDIM; JARDIM, 1982). O povoamento ao redor da estação de 47 Brumadinho, com o estabelecimento de um comércio crescente, sofreu enorme impacto após a inauguração, na década de 1950, da rodovia Fernão Dias, pois [...] ao desviar o tráfego da ligação Belo Horizonte-São Paulo para fora do Município, fez ‘morrer’ o trecho da antiga rodovia. [...] Para o comércio municipal foi um rude golpe, dificilmente superado até hoje. Um movimentado comércio interestadual, aproveitando o entroncamento das vias férrea e rodoviária, deixou de ser feito (JARDIM; JARDIM, 1982, p. 59) Contemporaneamente, é importante observar o contexto metropolitano, associado à cidade de Belo Horizonte, no qual o município de Brumadinho está inserido. Os estudos sobre o campo e o rural em espaços metropolitanos são pertinentes haja vista a função que o campo pode desempenhar como fornecedor de alimentos (principalmente hortifrutigranjeiros), reserva fundiária, espaços de lazer e de preservação ambiental. Segundo Ferreira et al. (2013, p. 12) “[...] atualmente experimentamos um processo de metropolização do espaço; ou seja, trata-se da transcendência das características metropolitanas a todo o espaço”. Diferentes autores (LENCIONI, 2013, FERREIRA, 2015 por exemplo) reiteram que o processo de metropolização não deve ser entendido como circunscrito aos limites das Regiões Metropolitanas definidas legalmente. Inclusive, as Regiões Metropolitanas são apenas áreas circunscritas pelo Estado para fins de planejamento e gestão do espaço e não refletem, por completo, a riqueza do processo socioespacial de metropolização. O principal atributo do processo socioespacial de metropolização é a capacidade de polarizar lugares, em diferentes escalas, no que se refere aos aspectos econômicos, sociais e políticos (DINIZ; ANDRADE, 2015, p. 121). Entretanto, esse processo pode afirmar hierarquias socioespaciais já postas, tornando mais poderosas determinadas centralidades. Ademais, não são todos os lugares da metrópole que se metamorfoseiam e/ou se beneficiam diante do processo, já que ele é, em si mesmo, desigual e contraditório (BARBOSA, 2015). Apesar da aparência de uma aglomeração contínua a metropolização é produzida através de ações bastante seletivas que podem, inclusive, ampliar as desigualdades sociais. E o espaço de Brumadinho passou a ser requisitado para suportar esse processo de metropolização, principalmente no que tange ao fornecimento de água para a capital de Minas Gerais, através, por exemplo, da barragem do Rio Manso. A barragem que compõe o sistema Rio Manso de abastecimento, bem como ele próprio, são geridos pela Companhia de 48 Saneamento de Minas Gerais (COPASA-MG) e tem como função principal fornecer água para a cidade de Belo Horizonte. A barragem encontra-se na porção oeste do município de Brumadinho sendo responsável por represar o Rio Manso que inundou, desde a conclusão da obra, 1080 hectares. Segundo Costa (apud ANDRADE; MENDONÇA; DINIZ, 2015, p.16) Belo Horizonte nasceu “duplamente periférica”, ou seja, o seu desenvolvimento e o consequente processo de metropolização foi marcado pelas características de incompletude da urbanização brasileira que se situa na periferia do sistema capitalista agravando, de tal forma, as desigualdades presentes na produção do espaço metropolitano. O processo de metropolização de Belo Horizonte esteve bastante apoiado no planejamento estatal. Mendonça; Diniz (2015, p. 34) afirmam que o início do processo de metropolização de Belo Horizonte pode ser datado nos anos de 1940 “[...] a partir da implantação, pelo Governo de Minas Gerais, da Cidade Industrial Juventino Dias, inaugurada em 1946, em Contagem”. De acordo com Laschefski (2006, p. 313), até os anos de 1970 o planejamento estatal focou suas ações a fim de concretizar Belo Horizonte como um polo urbano industrial baseado no complexo mínero-metal- mecânico o que acabou suscitando enormes expectativas de desenvolvimento econômico que contribuíram para gerar, igualmente, enormes fluxos migratórios na direção de Belo Horizonte e municípios vizinhos. Nos anos de 1970 o complexo mínero-metal-mecânico ganhou importância econômica, sedimentado pelo setor automobilístico, enquanto que a cidade de Belo Horizonte foi se desindustrializando, afirmando-se como centro de serviços (TONUCCI FILHO et al., 2015, p. 60). Já nas décadas de 1980 e 1990 o modelo de substituição de importações, que sustentou o processo de desenvolvimento econômico, centrado, principalmente nas metrópoles, entrou em crise, iniciando os processos que se vinculam à reestruturação produtiva (TONUCCI FILHO ET AL., 2015, p. 62). Contudo, as consequências negativas do rápido processo de urbanização e industrialização de Belo Horizonte passaram a se impor na produção do espaço metropolitano através da contínua segregação socioespacial (LASCHEFSKI, 2006, p. 314) devido ao aumento do desemprego e redução dos salários das classes média e pobre. A partir dos anos 2000 o crescimento econômico é retomado, porém mantido 49 sobre a base do complexo mínero-metal-mecânico. É, também, a partir dos anos 2000 que o Brasil intensificou a sua participação no contexto econômico global, todavia sem romper com a posição subalterna que ocupou historicamente. A opção escolhida, para a maior participação no cenário econômico global, foi a da intensificação da exploração e exportação de commodities com fortes rebatimentos em Minas Gerais e RMBH em decorrência do setor de mineração. As atividades de mineração na RMBH são desenvolvidas em sua porção mais ao sul, que se encontra no Quadrilátero Ferrífero, região do estado de Minas Gerais mais abundante em minérios e que foi a maior jazida de ferro até a descoberta da Província Mineral do Carajás na década de 1970. De acordo com Santos (2015, p. 147) o Quadrilátero Ferrífero “[…] vem sendo desde a descoberta de suas reservas, a primeira região concentradora de investimentos da indústria extrativa mineral no Brasil, em particular aqueles relacionados à exploração de ferro”. Contudo, no caso de Brumadinho, mas não só, “[...] infelizmente, a atividade mineratória absorve pouca mão de obra, em comparação com outros ramos econômicos, havendo pequenos efeitos diretos e indiretos na vida econômica do Município sede da exploração” (JARDIM; JARDIM, 1982, p.96). Essa porção da RMBH apresenta características que lhes são singulares. Conquanto, a RMBH pode ser regionalizada através de vetores de expansão (Diniz; Mendonça, 2015, p. 33). Brumadinho insere-se no vetor sul, como pode ser observado na figura 1, que apresenta um mapa da Região Metropolitana de Belo Horizonte e seus vetores de expansão da RMBH. Além de Brumadinho, compõem o vetor sul, os municípios de Nova Lima, Raposos e Rio Acima. 50 Fonte: Mendonça; Diniz (2015, p. 36). Figura 5 – Figura que representa o mapa dos vetores de expansão da RMBH 51 A rodovia BR-040, que liga Brasília à cidade do Rio de Janeiro, é o principal eixo de ligação do vetor sul da RMBH. Todavia, a grande extensão territorial do município de Brumadinho, permite acessá-lo através do principal eixo rodoviário do vetor oeste da RMBH: a BR-381. A rodovia federal BR-381 (Fernão Dias) permite a ligação terrestre entre a capital de Minas Gerais e a capital do estado de São Paulo. Saindo da cidade de Belo Horizonte, através da Fernão Dias, é possível acessar o município de Brumadinho utilizando a rodovia MG-040, que passa pelo município de Mário Campos. Pela BR- 040 há, pelo menos, 3 opções de acesso: 1) através da estrada que liga a BR-040 ao Parque Estadual do Rola Moça, passando por dentro do bairro Jardim Canadá, pertencente ao município de Nova Lima, se chega à localidade de Casa Branca; 2) através do acesso que permite chegar ao distrito de Piedade do Paraopeba, e 3) pela via que dá acesso à rampa de vôo livre, localizada no “topo do mundo”, na encosta da Serra da Moeda, e que permite chegar à localidade de Palhano. Todas essas vias de acesso são asfaltadas. O vetor de expansão sul da metrópole de Belo Horizonte se consolidou nos anos de 1990 marcado pela instalação de loteamentos fechados e empreendimentos imobiliários complexos com foco no município de Nova Lima, seguido da expansão para os outros municípios que o compõem (MENDONÇA; DINIZ, 2015, p. 37, 38) como Brumadinho. Segundo Pires (2003) as empresas mineradoras e o poder público envidaram esforços para diversificar as atividades econômicas nessa região, privilegiando as atividades imobiliária e de turismo. Tendo em vista o esgotamento de algumas minas as empresas mineradoras venderam alguns de seus terrenos a incorporadores imobiliários. Esses empreendimentos imobiliários surgiram com vistas a atender aos interesses dos moradores de Belo Horizonte, de alta renda, desejosos em ter segundas residências destinadas aos lazeres de final de semana ou outros momentos em que se encontrem fora do trabalho, como feriados e férias. Houve, também, uma migração cidade-campo por parte dessas famílias de classe média e alta de Belo Horizonte para o Vetor Sul da RMBH. Mais especificamente de mudança de domicílio sem rompimento com seus vínculos citadinos como, por exemplo, local de trabalho, escola e domicílio eleitoral que, portanto, pouco alteram o “metabolismo territorial do modo de vida urbano” (LASCHEFSKI, 2006; LASCHEFSKI, 2008; LASCHEFSKI, 52 ZHOURI, 2019). Ademais, a década de 1990 ficou marcada pelo reconhecimento do esgotamento da cidade de Belo Horizonte dentro de seus limites político- administrativos (PIRES, 2003). Contudo, a expansão para outros municípios, em busca de áreas vazias com atributos ambientais, já se delineava em meados do século XX, como pode-se ver pelo condomínio Retiro das Pedras localizado em Brumadinho, na Serra da Moeda, inaugurado no final da década de 1950. No folder de lançamento desse condomínio encontram-se as seguintes frases em destaque: “as portas da cidade, todo o conforto e sedução da vida campestre”; “ar puro e seco de montanha, que tonifica e faz bem”; “paisagem de infinito encantamento”; “serviços de urbanização inteiramente realizados”; “água pura, cristalina, farta e já instalada”. Essa busca por “espaços vazios com atributos ambientais” compõe, portanto, uma parte do mosaico de paisagens uniformes destinadas à sustentar o metabolismo territorial dos modos de vida da sociedade urbano-industrial (LASCHEFSKI, 2006) não como um fenômeno novo, mas cada vez mais forte. Poderia, inclusive, vislumbrar-se que essas famílias, motivadas pelo “morar perto da natureza” seriam capazes de transformar o espaço onde esses loteamentos estão instalados através da demanda em torno dos alimentos saudáveis produzidos por formas de agricultura como a agroecologia ou agricultura orgânica4. Entretanto, o que se pode perceber é que as famílias moradoras do entorno dos condomínios tem optado por permanecerem empregadas nos condomínios residenciais e as demandas dos moradores dos condomínios tem pouca reverberação sobre o local tendo em vista a permanência dos modos de vida da sociedade urbano- industrial associado à cidade de Belo Horizonte, apesar da existência de grupos que procuram mobilizar agricultores locais para que possam comercializar a sua produção em feiras ou na forma de comercialização direta com consumidores dos condomínios residenciais. A seguir, apresenta-se um quadro síntese acerca das transformações espaciais da região ao sul da metrópole belo-horizontina elaborado a partir de Freitas (2006, p. 168, 169) 4 Como postulou o Professor Sérgio Schneider no VIII Encontro da Rede de Estudos Rurais realizado na UFSC em agosto de 2018. 53 Figura 6- Transformações espaciais ao sul da RMBH. Fonte: Elaboração própria a partir de Freitas (2006, p. 168, 169) Costa (2006, p. 16) definiu o vetor de expansão sul da RMBH como [...] uma periferia sui generis, em processo de ocupação acelerada, na qual coexistem fragmentos de vários tipos de urbanização: empreendimentos imobiliários na forma de loteamentos fechados, unidades de conservação de âmbito metropolitano, áreas de adensamento não controlado, pequenos núcleos urbanos tradicionais, que resistem ou transformam-se mais lentamente, enormes áreas ocupadas por cavas de mineração e, mais recentemente, empreendimentos mistos de residências, áreas comerciais e de serviços, entremeados com áreas naturais protegidas legalmente, em várias tipologias de conservação. Apesar da enorme força do capital imobiliário e dos serviços avançados na produção do espaço no vetor sul Costa (2006, p.16) ressalta a importância de se observar os diferentes significados que a urbanização assume no vetor sul, bem como as resistências e contradições do processo de metropolização, que o torna hierarquizado e fragmentado. Contudo, deve-se levar em consideração que a partir 1° momento - período colonial até 1970 •Extração mineral e imensa degradação ambiental. •Concentração fundiária extremada. •Baixo adensamento habitacional. •Loteamentos para classe média de BH (lazer e descanso) •Loteamentos populares 2° momento - 1970 até 1990 • Os loteamentos populares são intensificados. •Os loteamentos destinados às classes médias se mantem. São representados como capazes de proporcionar a fuga da metrópole de maneira mais enfática. 3° momento - a partir de 1990 •Progressiva conversão de segundas residências em definitivas. •Produção dos "enclaves fortificados". 54 dos anos de 1990 um elevado número de pessoas pertencentes às camadas mais pobres da sociedade passou a migrar para os municípios do vetor sul da RMBH. Essas pessoas buscaram se instalar próximas às áreas dos condomínios residenciais a fim de trabalharem na construção civil e nos serviços domésticos (MENDONÇA; PERPÉTUO, 2006, p. 26). Deve-se somar à produção do espaço no vetor sul da RMBH a participação dos capitais do setor minerário que passaram a investir no ramo imobiliário através de loteamentos fechados (COSTA, 2006, p.101). De acordo com Laschefski (2006, p. 315) “[...] essas mineradoras descobriram um filão: o mercado imobiliário em áreas de grande beleza cênica, negócio lucrativo, que superou as expectativas econômicas da própria atividade de mineração”. Conforme Mendonça; Perpétuo (2006, p. 21), o vetor sul de expansão metropolitana de Belo Horizonte corresponde à forma como a produção do espaço urbano da zona sul de Belo Horizonte tem sido realizada, ou seja, “[...] os grupos de alta renda vão se expandindo em um continuum urbano, na direção oposta do crescimento periférico de baixa renda” (MENDONÇA; PERPÉTUO, 2006, p. 34). Pires (2003) nos ajuda a compreender que a demanda por loteamentos como esses e a produção do vetor sul como espaço das elites foi produzida através de discursos que vinculavam a cidade ao caos (violência e poluição, por exemplo) ao mesmo tempo que ressaltavam a compra de terras como um ótimo investimento. 1.1. Representações da natureza e do rural no vetor sul da RMBH O vetor sul de expansão da metrópole de Belo Horizonte vem sendo representado, principalmente pelos empreendedores do setor imobiliário e do ramo do turismo, como o lugar da natureza preservada e de um rural em vias de desaparecer, além de se associar a expansão da população de alta renda da capital do estado de Minas Gerais. De acordo com Andrade; Mendonça; Diniz (2015, p. 24) “Conspiram favoravelmente para essa valorização imobiliária os atributos ambientais e paisagísticos da região”. Ou, como se observou, sobre as representações acerca de uma natureza preservada e de rara beleza. 55 Como procurei demonstrar no tópico anterior, desde os anos de 1950 discursos vem sendo produzidos a fim de representar a cidade como caótica (em seus diversos aspectos) em oposição aos espaços periféricos situados ao sul da cidade de Belo Horizonte representados como reservas de valor, de natureza e tradições culturais. Esses discursos tornaram-se mais fortes a partir dos anos de 1990 em decorrência, principalmente, do reconhecimento do esgotamento das áreas urbanas dentro dos limites do município de Belo Horizonte e a atuação das empresas mineradoras em negócios imobiliários. Deve-se, portanto, considerar que a produção dessas representações e discursos, que procuram vincular o vetor sul da RMBH como espaço elitizado com atributos ambientais e rurais, assenta-se sobre o processo contínuo e conflituoso da interpelação-constituição dos sujeitos (PECHEUX, 1995). Segundo Fairclough (2010, p. 228, minha ênfase) Os discursos incluem representações de como as coisas são e tem sido, bem como imaginários, entendidos como representações de como as coisas seriam, deveriam ou poderiam ser. [...] Estes imaginários podem ser encenados como (redes de) práticas reais: atividades, sujeitos, relações sociais etc. imaginados podem ‘se tornar’ (atividades, sujeitos, relações sociais, etc.) reais. Esta encenação inclui a materialização de discursos. [...] Discursos como imaginários também podem vir a ser inculcados como novos modos de ser, novas identidades. [...] No jargão corrente, inculcar significa fazer com que as pessoas assumam discursos, posicionando-se dentro deles, agindo, pensando, falando e se vendo nos termos dos novos discursos. É nesse sentido que a produção de discursos contribui, dialeticamente, para a construção de sujeitos que agem na produção do espaço, mobilizados por e mobilizando visões de mundo, o que torna compreensível dizer que o discurso apresenta materialidade. O vetor sul da RMBH conta com várias unidades de conservação. Destaca-se a Área de Proteção Ambiental Sul – APA-sul por ser a mais abrangente, contudo existem outras categorias de unidades de conservação na região. Todavia, o vetor sul é uma região com usos da terra em conflito decorrente da presença de atividades de mineração, instalação de loteamentos fechados e abundante presença de recursos hídricos. Entretanto, nesse contexto, de aparente conflito de usos da terra, alguns interesses passaram a convergir, amenizando-os. As mineradoras e o capital imobiliário passaram a se apropriar dos mecanismos de preservação ambiental “[...] 56 transformando-os em mercadoria e agregando valor à terra e ao produto” (COSTA, 2006, p. 120). Camargos (2004) afirma que as empresas de mineração identificaram que a valorização imobiliária/fundiária da região seria considerável e perceberam que após o descomissionamento das minas uma “segunda safra” de rendimentos poderia ser obtida com “[...] a implantação de loteamentos de alto luxo, o que era absorvido positivamente no processo de licenciamento ambiental dessas atividades” (CAMARGOS, 2004, p. 140). De acordo com Faria (2016, p. 25) as contradições da produção do espaço no vetor sul da RMBH se tornam evidentes através da identificação dos usos e funções que as unidades de conservação apresentam nessa região, pois, ao mesmo tempo em que resguardam determinadas qualidades ambientais, contribuindo para o controle da produção do espaço, ao interferirem em leis e regulações urbanísticas, elevam ou asseguram rendas fundiárias que vem segregando e monopolizando o uso e o acesso aos recursos naturais e ao espaço. Diante do conflituoso espectro de usos da terra dessa região Euclydes (2012) propôs a utilização do conceito de produção do espaço de reserva com o objetivo de jogar luz sobre o papel desempenhado pelas unidades de conservação do vetor sul da RMBH. Segundo a geógrafa as Unidades de Conservação (UC’s) tendem “[...] a favorecer a continuidade das dinâmicas elitistas e segregadoras da região” (EUCLYDES, 2012, p. 197) e por isso elas se constituem em um intrincado campo de disputas para o qual convergem os mais diferentes atores, como empresas mineradoras, moradores dos loteamentos fechados e ambientalistas, por exemplo. Para Faria (2016, p. 25-26) a (re)produção do espaço no Eixo Sul de Belo Horizonte explicita, portanto, algumas tendências ou táticas contemporâneas de reprodução do capital que articulam a capitalização de rendas fundiárias e a produção de novas mercadorias associadas aos discursos e representações acerca da natureza, nos quais comparece uma natureza romantizada e ao mesmo tempo racionalizada, que, contraditoriamente, tanto renuncia aos efeitos da urbanização quanto contribui para reforçá-los. Nos anos de 1990, moradores dos loteamentos fechados do vetor sul da RMBH, mobilizados em torno das questões ambientais, atualizaram o discurso do movimento ecológico presente em Belo Horizonte nos anos de 1970 que ressaltava a 57 “[...] importância iconográfica dos contornos das montanhas ao sul da capital – salvem nossas montanhas, era o lema do protesto belo-horizontino” (CAMARGOS, 2004, p. 137) com vistas a conseguirem implementar a Área de Proteção Ambiental – Sul (APA- Sul). Contudo, Camargos (2004, p. 137-138) afirma que, simultaneamente a essa mobilização dos moradores dos loteamentos fechados, os “povoados” da região passaram a ser representados como portadores de valor natural, exótico e tradicional. Ainda segundo Camargos (2004, p. 137), os antigos e novos moradores das classes mais pobres desconheciam qualquer iniciativa de implementação de uma unidade de conservação no local onde vivem. Todavia, “pode-se dizer que de sujeitos (excluídos ou auto-excluídos) esses moradores passavam a ser visualizados como ‘objeto de proteção’. Os habitantes também estavam sendo ‘naturalizados’” (CAMARGOS, 2004, p. 138). Os aspectos culturais das populações rurais da região, associados ao espaço produzido por elas ao longo do tempo, passaram a ser valorizados com o objetivo de serem comercializados como produtos para os turistas citadinos. Contudo, em grande parte dos casos o que se vê é a “museificação” das populações rurais, representadas como portadoras de modos de vida em vias de extinção. Conforme o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da RMBH (PDDI- RMBH) os espaços rurais da metrópole tendem a ser ocupados apenas por [...] segundas residências de fim-de-semana de moradores da capital, e novas residências de migrantes recém-chegados e advindos de BH (como aposentados), dentre outras formas de urbanização extensiva e expulsão da ruralidade para áreas mais distantes (UFMG, 2011, p. 249). Essa é a mesma tendência de transformação dos espaços rurais da RMBH identificada por Camargos (2004), quando já se imputava, nos anos de 1990, aos habitantes rurais do vetor sul da RMBH o peso de serem os últimos portadores de uma ruralidade em vias de extinção. Ainda segundo Camargos (2004, p. 138) o conjunto de “objetos a serem protegidos” incluem “[...] as cachoeiras, ‘o verde’, a arquitetura, o artesanato, a culinária do entorno das vilas e condomínios e, porque não, o ‘modo de ser’ dos primeiros habitantes”. Numa clara estratégia discursiva que pretende estabelecer alianças e integrar as populações tradicionais, moradores antigos e os mais pobres “[...] mediante concessões ou meios ideológicos para ganhar seu consentimento” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 122) 58 Segundo Arrais (2013, p. 45, 46) as segundas residências são produtos da urbanização que apresenta fatores que lhes são próprios: a) adensamento das redes de fluxos que colaboram para maior integração nas regiões metropolitanas; b) maior oferta fundiária decorrente de mudanças no uso do solo e de ações do mercado imobiliário com vistas a comercializar áreas mais distantes dos centros; c) aumento da renda familiar com drenagem do excedente para o mercado imobiliário das segundas residências, e d) representações negativas da cidade que amplificam a violência e a poluição urbanas. Sob a análise do PDDI-RMBH, os espaços rurais da RMBH estão em vias de desaparecer e, por isso, urge valorizá-los e protegê-los. Dentre as proposições do PDDI-RMBH, feitas com esse intuito, destacam-se as que se vinculam aos aspectos culturais das populações rurais. O Projeto de Fortalecimento da Ruralidade e dos Modos de Vida Tradicionais previsto pela Política Metropolitana Integrada de Gestão da Paisagem e Valorização da Diversidade Cultural “[...] foi concebido a partir da necessidade de reconhecer e fortalecer os modos de vida tradicionais e os aspectos da ruralidade ainda presentes na região metropolitana” (UFMG, 2011, p. 817, minha ênfase). Na Política Metropolitana Integrada de Gestão da Paisagem e Valorização da Diversidade Cultural há o Projeto de Apoio às Expressões da Ruralidade na RMBH. As ações elencadas por esse projeto, para incentivar e amparar as comunidades que vivem no campo, giram em torno do associativismo, de aspectos ligados a produção e comercialização, e também do turismo de base comunitária (UFMG, 2011, p. 895-896) e partem de uma concepção de que daqui há algum tempo essa ruralidade, caso não seja conservada, irá desaparecer. Contudo, trata-se de uma ruralidade específica que o PDDI da RMBH (UFMG, 2014, p. 257, 258, minha ênfase) definiu da seguinte maneira: A existência de áreas de forte ruralidade, representados pela presença de atividades econômicas de natureza rural como a agricultura e a pecuária de base familiar, assim como de manifestações culturais ligadas a este universo social, é um aspecto importante da realidade metropolitana na RMBH. Os dados sobre hortifrutigranjeiros – apenas um segmento do conjunto a ser melhor compreendido – produzidos e comercializados na região mostram que o setor é impulsionado pela presença do mercado de consumo denso da RMBH, ao mesmo tempo que se beneficia da proximidade e da existência de infraestrutura adequada no espaço metropolitano. De outra perspectiva, a marca cultural da ruralidade mineira, manifesta nas festas típicas, fazendas históricas, e paisagens 59 correlatas, conformam na região um potencial para o chamado turismo no meio rural e natural. Ambas as formas de abordar o tema – a persistência e importância da produção agropecuária propriamente dita e as novas formas de produção de serviços associada ao meio rural – demonstram a importância de valorização dos espaços de ruralidade metropolitana. Ademais, vale destacar que o setor possui possibilidades de manutenção de áreas mais ou menos naturais e conservação da biodiversidade, com ganhos para algumas de suas atividades, que não estão disponíveis em espaços urbanizados no sentido mais estrito. Em chave institucional, são os seguintes aspectos a levar em conta na categoria da ruralidade: i) regulação do solo frente a expansão urbana em suas formas diversas, ii) articulação do tratamento institucional à questão em suas frentes diversas – geração de trabalho e renda; segurança alimentar; prestação de serviços ambientais; turismo e desenvolvimento sustentável, iii) regulação e incentivo à agricultura urbana. Como proposto, uma das diretrizes, apontada pelo PDDI da RMBH para conservar as áreas de ruralidade na metrópole, é a regulação do solo frente à urbanização como expresso no trecho supracitado. Contudo, é preciso indagar o seguinte: conter a urbanização, como proposta pelo PDDI-RMBH seria conter a expansão da cidade? Apenas a consideração de algumas áreas como rurais pelas leis de uso e ocupação do solo e pelos Planos Diretores dos municípios da RMBH impedirão a ocupação por parte dos citadinos, fundamentalmente das classes média e alta, que nesses espaços constroem suas residências (definitivas ou para fins de lazer) como extensão da vida das cidades? Enfim, qual é o impacto que se pretende minimizar com uma medida como essa? Outro ponto a ser destacado nessa compreensão de ruralidade se refere ao descolamento entre atividades de agropecuária e consolidação da autonomia das famílias rurais, pois como procurei evidenciar através das minhas ênfases no trecho supracitado são apresentadas 3 dimensões da ruralidade (produtiva, cultural e ambiental). E, nesse documento, essas 3 dimensões não se encontram, necessariamente, imbricadas. Pois, os aspectos culturais referentes à ruralidade mineira podem ser consumidos através do serviços e produtos turísticos, mesmo que eles se apresentem sem a sua dimensão produtiva. Já a dimensão produtiva pode ser incentivada para atender a demanda citadina sem, portanto, que a dimensão cultural – da ruralidade mineira – lhe dê significado. Já as áreas rurais dos municípios da RMBH podem cumprir funções de conservação ambiental por estarem ainda intocadas ou muito pouco alteradas seja pelas atividades de agropecuária ou o turismo, por exemplo. Trata-se, portanto, de uma concepção de ruralidade bastante 60 afinada com a forma de produção do espaço do vetor sul da RMBH, pois as suas dimensões podem continuar a ser destacadas umas das outras, beneficiando, de tal forma, as atividades de turismo, o capital imobiliário e a mineração sem, contudo, fortalecer a autonomia dos modos de vida tradicionais e rurais. O vetor sul da RMBH pode ser caracterizado, portanto, pela forte presença de empreendimentos imobiliários nos quais reside a população de alta renda de Belo Horizonte que migrou para os municípios que compõem esse vetor em decorrência de seus “atrativos naturais” interpretados como de “rara beleza” ou de “beleza cênica”. Diante disso, foram implantados loteamentos fechados e empreendimentos imobiliários complexos (como o Alphaville Lagoa dos Ingleses5 e o Vale dos Cristais6 - Anglo Gold South América e Odebrecht), além de sítios de recreio e segundas residências. Mas é fundamental ressaltar que é nesse vetor de expansão metropolitana que se concentram as atividades de mineração mais próximas à capital, pois é a porção norte do Quadrilátero Ferrífero. 1.2. Contexto regional de dependência das atividades de mineração Por estar localizado no Quadrilátero Ferrífero, uma das mais expressivas províncias minerais do mundo (principalmente com relação ao minério de ferro), Brumadinho apresenta a mineração como uma das atividades econômicas mais importantes para a sua economia. A tabela 1 a seguir mostra os dados referentes a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) para o município de Brumadinho no ano de 2017 que conta com seis substâncias que permitem a arrecadação desse royalty. 5 A implementação foi aprovada em 1999 (LASCHEFSKI, 2006). 6 Lançado em junho de 2004 (TEIXEIRA DE ANDRADE, 2005). 61 Tabela 1 - Lista de substâncias que compõem a arrecadação da CFEM no município de Brumadinho com seus respectivos valores para o ano de 2017 BRUMADINHO 2017 CFEM Arrecadador (Substância) Qtde Títulos Valor Operação Recolhimento CFEM % Recolhimento CFEM 1 MINÉRIO DE FERRO 9 1.017.667.331,28 19.503.691,97 1,91% 2 FERRO 12 801.772.253,33 14.565.861,49 1,81% 3 HEMATITA 1 27.793.822,98 496.838,51 1,78% 4 ÁGUA MINERAL 1 12.045.453,16 101.320,63 0,84% 5 GRANITO 1 1.576.330,82 31.596,99 2,00% 6 AREIA 4 875.792,91 17.513,95 1,99% Total 1.861.730.984,48 34.716.823,54 1,86% Fonte: Elaboração própria com dados obtidos através do site da Diretoria de Procedimentos Arrecadatórios da Agência Nacional da Mineração (https://sistemas.dnpm.gov.br/arrecadacao/extra/Relatorios/cfem/maiores_arrecadadores.as px). Dados obtidos no site do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), na seção da Diretoria de Procedimentos Arrecadatórios (DIPAR)7 permitiram identificar Brumadinho como um dos 15 maiores municípios arrecadadores da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) desde o ano de 2004. Chegou-se a essa conclusão através da listagem, em ordem crescente, dos valores obtidos pelas operações em qualquer forma de atividade minerária, não sendo exclusiva para o minério de ferro, por parte dos municípios. Nessa listagem foi possível observar que dentre os 15 maiores arrecadadores da CFEM no período de 2004 a 2018 a maioria está em Minas Gerais. As 3 tabelas a seguir trazem a lista dos 15 maiores arrecadadores da CFEM no período compreendido entre os anos de 2011-2013. 7 O Sistema do Departamento Nacional de Pesquisas Minerais pode ser acessado através do seguinte endereço: https://sistemas.dnpm.gov.br/arrecadacao/extra/Relatorios/cfem/maiores_arrecadadores.aspx Acesso em: 20 jun. 2017). 62 Tabela 2 – Ranking dos municípios que mais arrecadaram a CFEM em 2013 Município arrecadador Valor da operação em Reais em 2013 1 PARAUAPEBAS - PA 28.277.489.515,76 2 NOVA LIMA - MG 9.213.222.990,71 3 ITABIRA - MG 8.110.350.775,44 4 MARIANA - MG 6.693.394.021,66 5 SÃO GONÇALO DO RIO ABAIXO – MG 6.037.704.286,82 6 ITABIRITO - MG 4.535.144.516,55 7 BRUMADINHO - MG 3.705.476.307,81 8 CONGONHAS - MG 3.667.015.102,17 9 OURO PRETO - MG 1.888.380.353,63 10 CANAÃ DOS CARAJÁS - PA 1.850.653.907,22 11 PARACATU - MG 1.721.440.952,72 12 ALTO HORIZONTE - GO 1.224.426.987,33 13 ITATIAIUÇU - MG 1.116.442.697,27 14 SABARÁ - MG 1.094.125.959,79 15 BARÃO DE COCAIS - MG 1.082.977.152,22 Fonte: DIPAR/DNPM. Elaboração própria (2017) Tabela 3 – Ranking dos municípios que mais arrecadaram a CFEM em 2012 Município arrecadador Valor da operação em Reais em 2012 1 PARAUAPEBAS - PA 21.494.709.204,96 2 NOVA LIMA - MG 8.808.816.203,59 3 ITABIRA - MG 6.426.223.391,66 4 MARIANA - MG 5.843.316.035,32 5 SÃO GONÇALO DO RIO ABAIXO – MG 5.577.882.647,40 6 ITABIRITO - MG 3.685.906.071,85 7 BRUMADINHO - MG 3.575.810.760,09 8 CONGONHAS - MG 3.403.902.813,23 9 CANAÃ DOS CARAJÁS - PA 1.850.249.381,75 10 OURO PRETO - MG 1.833.713.012,62 11 PARACATU - MG 1.641.204.833,20 12 ALTO HORIZONTE - GO 1.569.658.088,21 13 ITATIAIUÇU - MG 1.446.825.562,30 14 PEDRA BRANCA DO AMAPARI - AP 1.150.981.530,61 15 SABARÁ - MG 972.100.479,07 Fonte: DIPAR/DNPM. Elaboração própria (2017) 63 Tabela 4 – Ranking dos municípios que mais arrecadaram a CFEM em 2011 Município arrecadador Valor da operação em Reais em 2011 1 PARAUAPEBAS - PA 19.921.877.643,68 2 NOVA LIMA - MG 6.483.026.541,63 3 ITABIRA - MG 6.368.518.398,64 4 MARIANA - MG 5.280.478.967,43 5 SÃO GONÇALO DO RIO ABAIXO – MG 4.950.738.119,53 6 ITABIRITO - MG 3.249.822.244,81 7 CONGONHAS - MG 3.085.394.721,50 8 BRUMADINHO - MG 3.050.558.399,29 9 ITATIAIUÇU - MG 1.662.035.789,44 10 CANAÃ DOS CARAJÁS - PA 1.657.828.072,81 11 ALTO HORIZONTE - GO 1.405.007.718,23 12 PARACATU - MG 1.268.822.964,39 13 OURO PRETO - MG 1.163.721.136,40 14 BARÃO DE COCAIS - MG 1.108.694.470,89 15 CORUMBÁ - MS 1.017.065.590,72 Fonte: DIPAR/DNPM. Elaboração própria (2017) Nesses anos (2011, 2012 e 2013) o valor da operação em Brumadinho girou em torno de R$ 3 bilhões, sendo os mais altos obtidos pelo município durante o período 2004-2018, coincidindo com os maiores valores durante o mesmo período8 para as operações realizadas através dos municípios que lideram o ranking como Paraupebas (PA), Nova Lima (MG) e Itabira (MG). Segundo Euclydes (2013), mesmo diante da existência de inúmeros conflitos decorrentes dos diversos usos do solo no Quadrilátero Ferrífero – ou seja, minerário, moradia e lazer, produção agropecuária ou turismo – os administradores públicos municipais, ao longo do tempo, tem optado pela manutenção e/ou ampliação das atividades minerárias em seus territórios, já que recolhem impostos como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) “município minerador” e a CFEM. Ainda de acordo com Euclydes (2013, p. 1087) “Considerando as alíquotas referentes ao ferro, o vulto da produção realizada no Quadrilátero Ferrífero e os preços internacionais do produto, pode-se conceber as grandezas dos valores da CFEM que os municípios ali situados recebem”. As empresas mineradoras que atuam no quadrilátero ferrífero tem grande poder de convencimento, pois se valem do 8 Segundo Gudynas (2009, p. 218) “Los altos precios de los commodities en los mercados internacionales y la demanda persistente, genera un contexto global demasiado tentador” 64 argumento do desenvolvimento econômico e da geração de postos de trabalho e, ainda, “[...] tem a seu favor a CFEM, que pode multiplicar a arrecadação municipal, o que tende a angariar a simpatia dos governos locais” (EUCLYDES, 2013, p. 1090). Através de diversas conversas realizadas durante os trabalhos de campo dessa pesquisa foi possível perceber que muitos moradores procuram não criticar a atividade de mineração realizada no município alegando que essa atividade é responsável por gerar emprego e renda. Na localidade do Córrego do Feijão, apesar da água que chega às casas, nos períodos de baixa pluviosidade, apresentar alterações no cheiro e na cor, além de ter causado dores na região abdominal de quem as bebeu, da poeira vermelha que fica em suspensão e suja as casas e as roupas recém-lavadas que se encontram nos varais, muitas pessoas, com as quais conversei, ainda procuram poupar as empresas mineradoras dos danos que causam na localidade afirmando que elas são importantes para a geração de empregos. Reproduzo aqui um pouco de um diálogo, emblemático, que tive com um morador do Tejuco em Brumadinho enquanto eu estava tirando fotos de uma área de mineração. Assim fui interpelado pelo morador local: “o que você está fazendo? Você é de ONG? Órgão Público? Por que sempre tem alguém tirando foto aí? E aí fala que a mineração degrada, etc.?” Com tantas perguntas e a forma incisiva de sua interpelação fui ao seu encontro. Ele disse que a atividade de mineração é sustentável e não pode ser imputada a ela a responsabilidade sobre danos ambientais. Quando o indaguei sobre a contaminação das águas que chegam às casas dos moradores do Tejuco, assim como em outras localidades de Brumadinho, ele asseverou: “Tem que conhecer melhor!” Numa clara alusão a existência de hierarquias de conhecimentos, com vistas a depreciar o conhecimento daqueles que sofrem com os danos causados pelo empreendedor. Mas continuou afirmando que “a água avermelhada, barrenta, etc. ocorre sem querer, às vezes, mas isso é mínimo”. Apesar de assumir que há impactos negativos minimizou os seus efeitos desqualificando os que foram afetados. Esse morador, jovem adulto, com aproximadamente 25-30 anos, é funcionário de nível técnico da Vale, ex-morador de Belo Horizonte, onde estudou e após ter sido empregado pela empresa se mudou para Brumadinho. A empresa mineradora pagava, naquele ano (2018), 85% de seu curso de graduação em uma faculdade privada em Belo Horizonte. Portanto, os mais vulneráveis, os mais pobres, os que detêm menores chances de estudar, por exemplo, devem suportar os riscos e a carga provenientes da forma 65 como as atividades de mineração são conduzidas, pois é isso que lhes proporcionam o desenvolvimento. Ademais, as comunidades locais aceitam os sacrifícios dos impactos em troca de compensações, inclusive aquelas que não se destinam a elas e sim aos “interesses nacionais” (GUDYNAS, 2009) Coelho (2012) analisou os municípios do Quadrilátero Ferrífero e concluiu, também, que inúmeras localidades são dependentes socioeconomicamente da atividade de mineração. Ele destacou que “[…] a população se vê envolta numa ‘minério-dependência’ que têm implicações além de econômicas, também, sociais e culturais” (COELHO, 2012, p. 140). Contudo a CFEM e outros tributos não são suficientes para tornar as atividades de mineração capazes de contribuir, de fato, com o desenvolvimento dos municípios do Quadrilátero Ferrífero. Ainda mais se levar em consideração que o Brasil é um dos países mais liberais do mundo em Taxação Mineral (SANTOS, 2013, p.79). Ademais, Santos (2013) demonstrou que as atividades de mineração, voltadas para a exportação, apresentam menor carga tributária se comparadas com as que se destinam ao abastecimento do mercado interno. Em síntese, o nível de tributação mineral efetiva, comparativamente reduzido no plano internacional, e, principalmente, a desoneração fiscal expressiva concedida ao sub-setor mínero-exportador, refletem a opção política por um determinado modelo econômico. O referido modelo apoia-se, assim, na capacidade deste setor de gerar as divisas necessárias à geração de superávits comerciais necessários ao equilíbrio da Balança de Pagamentos nacional (SANTOS, 2013, p. 80). De acordo com Santos (2013), Milanez; Santos (2013) e Porto-Gonçalves et. al. (2019a, 2019b) os governantes brasileiros, a partir de meados da década de 1990, optaram por reposicionar o país na Divisão Internacional do Trabalho ao ocupar, novamente, uma posição de fornecedor de matérias-primas no mercado mundial, ampliando os incentivos às atividades econômicas ligadas à produção de commodities, principalmente, agrícolas e minerais, “em detrimento de uma economia diversificada, complexa e funcionalmente integrada, centrada no dinamismo do setor secundário” (SANTOS, 2013, p.82). Portanto, a reprimarização da economia nacional é o aspecto basilar para se compreender a situação de dependência econômica do país e que tem a “[...] atividade extrativa mineral como o seu principal mecanismo” 66 (SANTOS, 2013, p.83). No contexto de reprimarização da economia nacional em detrimento de sua diversificação, Santos (2013, p. 86) afirma que “[...] a atividade extrativa mineral tende a simplificar e tornar dependentes as economias territoriais associadas as suas redes de produção” e, por isso, devem ser ampliadas as discussões sobre a forma como se dá a exploração mineral no país, incluindo a necessidade de repensar fundos sociais e a captura e transferência de rendas minerais aos atingidos pela mineração. A reprimarização da economia identificada através do constante aumento do extrativismo mineral na composição do Produto Interno Bruto (PIB) e para a balança comercial brasileira desde o ano 2000, apesar de não ser uma tese consensual, indica mudanças na economia brasileira que tendem a valorizar mais o setor primário em detrimento dos outros setores. Essas transformações na economia brasileira direcionadas à valorização do setor primário podem ser iluminadas através do conceito de neoextrativismo. Essa noção não deve ser considerada capaz de tudo explicar e não é portadora de novidades. Mas apenas salientar o comportamento econômico, o papel das commodities e o papel desempenhado pelos governos chamados de progressistas na América do Sul ao longo, principalmente, da primeira década dos anos 2000. De maneira alguma, essa noção de extrativismo deve ser confundida com a desenrolada pelos povos originais detentores de outras mentalidades territoriais, pois é claro que está a se tratar de uma extração destrutiva decorrente do ímpeto do modo de produção capitalista que pressiona a natureza. Essa noção também não substitui todo o arcabouço teórico gestado em decorrência do conceito de acumulação primitiva de Karl Marx como desenvolvido, especialmente, por Rosa Luxemburgo e, mais recentemente, por David Harvey (PORTO-GONÇALVES; SANTIAGO, 2017, p.184). Conforme Harvey (2014, p. 121) a permanência da acumulação primitiva, nomeada por ele como acumulação por espoliação, é, de fato, um processo contínuo do modo de produção capitalista e se refere a um amplo conjunto de processos, dentre eles a privatização de recursos antes partilhados, como a água, e inseridos na lógica capitalista de acumulação, gerando, inclusive, efeitos nefastos sobre as mais diversas formas alternativas de produção e consumo. A acumulação por espoliação guarda fortes relações com a existência de excedentes de capital que, por isso mesmo, não foram investidos para gerar lucro. Ainda segundo Harvey (2014, p. 124) 67 o que a acumulação por espoliação faz é liberar um conjunto de ativos (incluindo força de trabalho) a custo muito baixo (e, em alguns casos, zero). O capital sobreacumulado pode apossar-se desses ativos e dar- lhes imediatamente um uso lucrativo. E, talvez por essas características, a noção de extrativismo apenas ressalta, e não substitui, o conceito de acumulação por espoliação ao mesmo tempo em que o marca espaço-temporalmente, haja vista ser utilizado para o contexto recente (início dos anos de 2000) dos países da América do Sul não devendo ser encarada como uma etapa descolada da reprodução expandida do modo de produção capitalista. Para Gudynas (2009), o extrativismo, como modelo de desenvolvimento econômico, faz parte da história econômica e política dos países latino-americanos. E, mesmo diante dos impactos negativos que causou, e ainda causa, foi “reeditado” no Brasil a partir dos anos de 2003. O modelo de desenvolvimento extrativista, que se baseou, praticamente, na exploração mineral e petrolífera, também foi o responsável por aprofundar um modelo de agricultura que se encontra sob o molde dos latifúndios do agronegócio. No contexto do continente sul americano não foram poucos os países que, a partir dos anos 2000, se empenharam em desenvolver uma “reedição” do extrativismo como se viu na Colômbia, Chile, Paraguai, Peru, Argentina, Bolívia, Equador, Uruguai e Venezuela com suas especificidades no que se refere “[...] em sua estrutura econômica, o papel do Estado, os usos dos superávits e suas legitimações políticas” (GUDYNAS, 2016, p. 27, minha tradução)9. Inclusive sob governos considerados como progressistas, como o desenvolvido pelo Partido dos Trabalhadores, no Brasil, durante o período de 2003-2016, não se realizou a crítica sobre o extrativismo, muito menos sobre o estilo de desenvolvimento assumido pelo país, mas sim reforçou-o. O neo-extrativismo pode ser definido como um Estilo de desenvolvimento baseado na apropriação da natureza, que alimenta uma estrutura produtiva escassamente diversificada e muito dependente da inserção internacional como fornecedores de matérias primas e, mesmo que o Estado apresente um papel mais ativo, e logre uma maior legitimação por meio da redistribuição de alguns dos excedentes gerados por esse extrativismo, de todo o modo, os impactos sociais e ambientais negativos se repetem (GUDYNAS, 9 No original: “[...] en su estructuración económica, el papel del Estado, los usos excedentes, y sus legitimaciones políticas” (GUDYNAS, 2016, p. 27). 68 2009, p. 188, minha tradução)10 Segundo Milanez; Santos (2013, p. 126) o consenso diante do modelo neoextrativista está alicerçado em argumentos que procuram afirmar que a exploração dos recursos naturais, em países como o Brasil, não deve ser barrada, já que atende o “interesse nacional” e, com isso, os “inconvenientes pontuais” causados por sua exploração devem ser superados. Outro argumento bastante utilizado se fundamenta na ideia de que determinados países, como o Brasil, teriam sido beneficiados, em uma suposta competição global, por disporem em seus territórios riquezas naturais em abundância e, por isso, não poderiam deixar de explorá-las, senão estariam incorrendo em desperdício, perdendo oportunidades de crescimento econômico, como pode ser visto através do gráfico 2 utilizado por Milanez (2017). Ademais, pode- se afirmar, conforme Svampa, tratar-se de uma visão “eldoradista” (SVAMPA, 2015) sobre a América Latina que contribuiu fortemente para o estabelecimento de um “consenso das commodities” (SVAMPA, 2012) em nosso continente. Conforme Milanez (2017, p.2) a reprimarização da economia do Brasil, sob o que passou a ser denominado amplamente por neoextrativismo, permitiu identificar a participação do país no “[...] ‘superciclo das commodities’, caracterizado, no caso do minério de ferro, por um comportamento de boom (2003 – 2011) e de pós-boom (iniciado em 2012) dos preços (WANDERLEY, 2017)”. O minério de ferro protagonizou durante esse período de boom dos preços papel primordial na pauta das exportações brasileiras. No período de 2003-2011 foram observados valores extremamente elevados resultantes da demanda elevada por minerais por parte dos países asiáticos e a produção de uma bolha especulativa criada, fundamentalmente, a partir de contratos de mercado futuro. O argumento que Milanez (2017, p.3) desenvolve é o de que o mercado financeiro é capaz de influenciar significativamente a produção de commodities. Por um lado, operadores do mercado financeiro garantem liquidez para produtores de commodities que procuram cobertura para riscos na comercialização de seus produtos. Isso ocorre uma vez que, por 10 No original: “[...] estilo de desarrollo basado en la apropiación de la Naturaleza, que alimenta un entramado productivo escasamente diversificado y muy dependiente de una inserción internacional como proveedores de materias primas, y que si bien el Estado juega un papel más activo, y logra una mayor legitimación por medio de la redistribución de algunos de los excedentes generados por ese extractivismo, de todos modos se repiten los impactos sociales y ambientales negativos (GUDYNAS, 2009, p. 188). 69 meio do mercado futuro, produtores de commodities podem acertar condições de vendas que ainda não ocorreram e vender a terceiros esses contratos futuros. Por outro lado, [...] operadores do mercado financeiro podem obter liquidez no mercado de commodities quando dela necessitam, pois podem optar por executar suas opções de compra, ao invés de continuar postergando sua compra ou venda. O mercado financeiro pode ser responsabilizado pela elevação dos preços das commodities contudo, associado ao mercado físico, que cresceu igualmente conforme foi possível observar através dos depoimentos produzidos em trabalhos de campo, realizados em Brumadinho desde 2015, que atestam que até 2012 as empresas mineradoras ofertavam grande número de empregos no município. Inclusive, fazendo com que muitos agricultores deixassem as atividades de agropecuária para se ocupar nessas empresas. Em entrevista com um funcionário da prefeitura de Brumadinho no ano de 2015, ao tratar sobre o que ele intitulou como “crise da mineração em Brumadinho”, que causou grande desemprego, principalmente, para a população rural, é possível observar a marca do boom da mineração: “[...] tem dois anos! Dois anos (2013) que deu um baque. A Vale e a MMX. Fechou a Ferrous, Vale diminuiu uns 40% o número de funcionários” (Funcionário da Prefeitura de Brumadinho A., 2015). Figura que mostra o gráfico de variação no índice preços das commodities Gráfico 1 - Gráfico de variação no índice preços das commodities Fonte: Milanez (2017, p. 11). 70 Trata-se, principalmente, do boom (2003-2011) do superciclo das commodities como citado acima. E, portanto, a crise de 2008 não foi capaz de quebra-lo, já que “[...] no início de 2009, embora a economia global ainda estivesse em recessão, os preços das commodities voltaram a subir” (MILANEZ, 2017, p. 4) haja vista uma valorização do minério de ferro de 280% para o período (MILANEZ, 2017, p. 13). “A ampliação da financeirização tende a influenciar também o comportamento das empresas mineradoras. [...] essas corporações tendem a se adaptar a tal situação de forma a aumentar sua capacidade de capturar valor dentro desse contexto” (MILANEZ, 2017, p. 15) e dessa maneira, cada vez mais, descolam da realidade local onde mineram. Ou seja, ao mesmo tempo em que a financeirização impacta no comportamento físico das empresas mineradoras, elas tendem a ampliar suas ações em total desconexão com o local, apostando no mercado global altamente financeirizado com forte presença de contratos de mercado futuro gerando mais conflitos socioambientais. Trata-se, conforme ensina Porto-Gonçalves (2006), de ampliar o des-envolvimento. E de acordo com Wanderley (2017, p. 2) países como o Brasil, situados na periferia econômica global, não alteraram a forma de inserção no mercado mundial e “[...] se colocaram de maneira subordinada no papel de economias primários-exportadora nas redes globais de produção (RGPs) de commodities minerais”. E a CFEM detem papel importante nessa conjuntura, pois a elevação na sua arrecadação a partir de 2001 até 2013, com queda em 2009, foi um importante elemento para sustentar o modelo político-econômico neoextrativista (WANDERLEY, 2017). Gráfico 2 - Gráfico da produção mineral brasileira para o período de 1994 à 2018 Fonte: IBRAM. Relatório anual de atividades julho/2017 a junho/2018. 71 Pois, como se vê na figura acima, que apresenta os valores em bilhões de dólares para a Produção Mineral Brasileira (PMB), após o pico do boom em 2011, foram registradas quedas sucessivas. No entanto, em 2017 registrou-se um crescimento e para 2018 projeta-se, também, crescimento nos valores da PMB. Gráfico 3 - Arrecadação semestral da CFEM durante o período compreendido entre os anos de 2008 e 2013 (valor nominal em R$ milhões). Fonte: DNPM. Informe mineral 2º/2013 Gráfico 4 - Arrecadação semestral da CFEM durante o período compreendido entre o 2º semestre de 2013 ao 1º semestre de 2018 (valor nominal em R$ milhões) Fonte: ANM. Informe mineral 1º/2018. 72 E em 201811, os dados referentes a arrecadação da CFEM, apontavam um valor muito próximo ao do ano de 2013 (valor mais alto da arrecadação durante o período). Em 2013 o valor total foi de R$ 2.376.174.750,78 enquanto que em outubro de 2018 (portanto, dados em aberto) o valor era de R$ 2.136.370.329,02. Valores elevados como os de 2018 apontam para uma reativação do superciclo? Na conjuntura política brasileira após o impeachment da Presidenta Dilma Roussef, no ano de 2016, o que se viu foi o crescimento da arrecadação da CFEM, que no ano de 2017 apresentou valor (R$ 1.837.048.217,16) ligeiramente maior do que em 2012 (R$ 1.834.958.234,73) sendo possível imputar esse fato com base no estabelecimento da Lei 13.540/2017 que alterou as alíquotas da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM)? Algo que deverá ser respondido por pesquisas posteriores tendo em vista o processo ainda em curso apontar um fenômeno que não pode ser descartado que se refere à recuperação dos preços das commodities minerais. E mais, se os valores da CFEM estão mais altos, mesmo que não esteja sendo vivenciado um novo boom das commodities é fundamental se debruçar futuramente sobre essa situação para observar a enorme renda que não foi capturada no período de 2003-2011, tendo em vista, principalmente, o protagonismo desempenhado pelo minério de ferro nas operações minerais e na arrecadação da CFEM. Esse modelo de desenvolvimento econômico nacional, aplicado pelos países da América do Sul, esteve fortemente alicerçado nos altos preços das commodities apresentado ao longo dos últimos anos (GUDYNAS, 2009; MILANEZ; SANTOS, 2013). Todavia, o mercado de commodities é extremamente volátil, tendo em conta o elevado grau de instabilidade dos preços dos produtos primários (MILANEZ; SANTOS, 2013, p. 131). Doravante, o que ocorrerá, apenas mostrará o que está posto desde o início, ou seja, a enorme volatilidade de uma economia dependente da exploração de recursos naturais, como se construiu nos países da América Latina, através do extrativismo, seja ele em sua versão tradicional ou em sua versão progressista recente, ampliará as tensões econômicas e socioambientais já existentes. Mobilizando diversas estratégias a atividade de mineração consegue fazer com 11 Dados do DNPM (https://sistemas.dnpm.gov.br/arrecadacao/extra/Relatorios/arrecadacao_cfem.aspx - acesso em 10 de outubro de 2018). 73 que regiões dependam delas inteiramente. No dia 5 de novembro de 2015, a empresa Samarco Mineração S/A (Vale S/A/BHP Billiton Brasil Ltda.) foi responsável por um dos maiores desastres ambientais e sociais ocorridos no Brasil e do mundo. Corroborando com Zhouri et al. (2016, p. 50, itálico no original) “[…] desastres são acontecimentos coletivos trágicos nos quais há perdas e danos súbitos e involuntários que desorganizam, de forma multidimensional e severa, as rotinas de vida (por vezes, o modo de vida) de uma dada coletividade”. Neste caso, a empresa mineradora Samarco (Vale/BHP Billiton) é a responsável pelo rompimento da barragem de rejeitos de Fundão, no município de Mariana (MG), que matou 19 pessoas (trabalhadores da empresa, trabalhadores contratados por empresas terceirizadas e moradores), provocou um aborto e deixou um rastro de destruição decorrente do mar de lama tóxica que percorreu o leito do Rio Doce, inclusive atingindo o litoral do estado de Espírito Santo, afetando milhares de pessoas. Como esclarecido por Zhouri et al. (2016, p. 52, itálico no original) é mister “[...] considerar o evento crítico deflagrado pelo rompimento da barragem do Fundão como um desastre tecnológico” e não desastre natural, pois a abordagem do desastre como natural culpabiliza apenas agentes não sociais, apesar da área de risco ter sido produzida pela forma de agir do megaempreendedor com o aval do Estado (ZHOURI et al., 2016). Além do mais, a temporalidade do evento caracterizado como natural pode levar à cessação das reparações e compensações socioambientais de forma prematura no que tange aos reais impactos socioambientais causados deslegitimando as demandas por direitos de reparação sendo “[...] fundamental considerar que os desastres são processos prolongados no tempo social da experiência vivida dos afetados” (ZHOURI et al., 2016, p. 54, itálicos no original). Considerando, portanto, o desastre como tecnológico ressalta-se a intenção humana, o erro e a negligência culpabilizando, de fato, a empresa Samarco (Vale/BHP Billinton) com a anuência do Estado. A própria Samarco (Vale/BHP Billinton) declara em seu site (https://www.samarco.com/rompimento-da-barragem-de-fundao/ acesso em 18/10/2018, minha ênfase) que [...] a barragem de Fundão mantinha um volume de rejeitos de aproximadamente 55 milhões de metros cúbicos, dentro do limite permitido e licenciado pelo órgão ambiental competente – Superintendência Regional de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Supram) –, de até 111 milhões de metros cúbicos. 74 Portanto, além do empreendimento estar devidamente licenciado, conforme a legislação pertinente, a empresa foi reconhecida diversas vezes como responsável socioambientalmente e segura (ROJAS; PEREIRA, 2017, p. 3) explicitando a ineficácia dos métodos aplicados com vistas a prever os diversos impactos e a incapacidade de fiscalização das operações de um empreendimento. Contudo, é importante lembrar – como discuti sobre a noção de extrativismo – que as primeiras décadas do ano 2000 foram marcadas pelo boom dos preços das commodities fazendo com que a atividade de mineração no Brasil, principalmente de minério de ferro, fosse intensificada com vistas a obter grandes lucros contando com o forte apoio do Estado, mesmo quando gerido por partidos e governantes considerados como progressistas. Por isso mesmo, PoEMAS (2015, p. 5, minha ênfase) afirmou que O rompimento da barragem do Fundão marca, no Brasil, o fim do megaciclo das commodities que ocorreu durante a primeira década dos anos 2000. Entretanto, dados indicam que existe uma relação estrutural entre eventos de rompimento de barragens de rejeitos e os ciclos econômicos da mineração. [...] Essa relação estaria associada à aceleração dos processos de licenciamento ambiental e à pressão sobre os órgãos licenciadores na fase de preços elevados, bem como à intensificação da produção e pressão por redução de custos no período de redução dos preços. A partir desse desastre pode-se compreender a perversidade e crueldade da “minério-dependência”, pois mesmo sendo um dos maiores desastres da história do Brasil, com repercussões sociais, ambientais e econômicas irreversíveis, e de longo alcance espacial, parte da população do município de Mariana (MG) e representantes do poder público se mobilizaram em defesa do retorno das atividades de mineração. As manchetes a seguir procuram ilustrar as mobilizações ocorridas em torno do caso: 1) Notícia de 18 de novembro de 2015: “Protesto em apoio à Samarco é feito em frente à Prefeitura de Mariana - Com faixas e cartazes, manifestantes eram, na sua maioria, funcionários. Segundo o grupo, mobilização foi feita pelas redes sociais.” (PROTESTO..., 2015). 2) Notícia de 21 de novembro de 2015: “Moradores pedem que Samarco fique em Mariana mesmo após desastre. Passeata foi organizada pela Associação Comercial e pela OAB na cidade. Barragem se rompeu no dia 5; 8 corpos identificados e 11 são procurados” (MORADORES..., 2015) 3) Notícia de 5 de junho de 2016: “Prefeito de Mariana fala em procurar outra 75 mineradora, caso Samarco encerre atividades” (RIBEIRO, 2016) A defesa da mineradora Samarco não decorre de ingenuidade por parte da população e dos prefeitos, pois se insere em um contexto de dependência econômica que conta com diversos processos de legitimação social da atividade no âmbito de localidades geralmente pobres. Trata-se de um movimento dialético entre a pobreza e a mineração no âmbito da ideologia do desenvolvimento que as tornam, ao mesmo tempo, cada vez mais fortes De um lado, a pobreza facilita a instalação das atividades extrativas e a aceitação de seus impactos; enquanto, de outro, as operações da IEM [Indústria Extrativa Mineral] dificultam a instalação de outras atividades econômicas, contribuindo para a redução da diversidade da estrutura econômica, sendo a dependência da atividade criada e reforçada por investimentos públicos e privados. Em particular, a estrutura econômica de Mariana sustenta e reforça a minério- dependência e perpetua uma situação agravada de fragilidade ambiental e social (ZONTA; TROCATE, 2016, p.27). Inclusive a ampla circulação dessas notícias contrasta com as enormes dificuldades encontradas pelos afetados para buscar a justiça ambiental servindo, ademais, para ampliar o sofrimento ao passarem por discriminações e preconceitos sob a alegação, de parte da população de Mariana, de que essas pessoas “[...] seriam as responsáveis pelo fechamento da mineração e pela perda dos doze mil empregos diretos e indiretos” (ZUCARELLI, 2016, p. 321). Através de uma consulta ao site do Facebook (https://www.facebook.com/pg/ficasamarco/about/?ref=page_internal acesso no dia 19/10/2018) foi possível identificar a existência de uma página (“FicaSamarco”) dedicada à manifestações de pessoas interessadas em pedir para que a empresa Samarco (Vale/BHP Billiton) permaneça explorando os recursos minerais no município de Mariana sob a seguinte justificativa: “Como cidadãos de Mariana, sabemos que a cidade precisa da mineração pra sobreviver. Queremos que Samarco fique, para que nossas famílias tenham como viver.” No dia 19 de outubro de 2017, por exemplo, essa mesma página do site Facebook publicou o seguinte texto: Campanha Mariana pede socorro! 2 anos da tragédia e fala-se de tudo, menos do desemprego e do caos social que estamos vivendo. Vamos chamar atenção das pessoas e da mídia sobre o desemprego, peço que coloque essa capa no perfil do seu Facebook até o dia 05 76 de novembro de 2017. Quando completa 2 anos e sabemos que mídia vai falar de Rio Doce, de atingidos, de Ongs e não vai lembrar da outra tragédia em consequência da paralisação da Samarco; o desemprego. Vamos mostrar que a tragédia foi muito além do Rio Doce. Grupo Justiça Sim. Desemprego Não. Outra página do site Facebook, intitulada “Justiça sim, Desemprego Não”, apresenta o seguinte texto para qualificá-la: “O grupo quer e busca oportunidade empregatícia e o retorno do progresso da cidade de Mariana e região que vivem da mineração...” As ênfases são minhas a fim de ressaltar as principais ideias e argumentos que os grupos favoráveis à retomada das atividades da Samarco (Vale/BHP Billiton) se valem. Os apelos desse grupo de pessoas, que se reuniram através dessas comunidades virtuais localizadas no site do Facebook, procuram evidenciar um outro desastre. Que, segundo eles, se instalou, não necessariamente, em decorrência do evento crítico, mas sim por parte das ações com vistas a punir a empresa mineradora, bem como aquelas que visam compensar e reparar os danos causados por ela aos milhares de afetados. Valem-se de termos semelhantes aos utilizados no discurso produzido pelos atingidos como caos social e tragédia com forte apelo à ideia de vida e morte, contudo procurando inverter a possível associação das palavras mineração- morte para mineração-vida. Ou seja, para essas pessoas, o fim da mineração tem como significado a morte econômica. De acordo com Acselrad; Bezerra (2010, p. 204) tal comportamento pode estar associado à uma chantagem de deslocalização dos investimentos. Inclusive, a paralisação ou redução das atividades da empresa mineradora, segundo outras manifestações presentes nessas páginas do site Facebook, indicam casos de suicídio não pelo sofrimento e pelo medo de um novo desastre, mas sim em decorrência da ameaça do desemprego. O apoio de parte da população de Mariana, assim como de outras localidades, a empreendimentos potencialmente desastrosos como esse pode ser enquadrado como um caso no qual a política é substituída pela submissão e as “alternativas infernais” impõem-se como norma, regra de juízo que produz a medida comum das coisas, mecanismo de disciplinamento e controle (Foucault, 1976), que faz com que os indivíduos se vejam aprisionados nos imperativos da competitividade, nos requisitos de serem capazes de atrair sobre si e suas localidades os investimentos 77 disponíveis no mercado (ACSELRAD; BEZERRA, 2010, p. 180, minha ênfase). O risco para essa população que “abraça” a Samarco (Vale/ BHP Billiton) está associado a uma promessa de emprego, que por sua natureza profética pode não se configurar em fato real, e a ideia de que sem ela nada haverá para que possam obter alguma renda. Como num feitiço, consentem mobilizados pela expectativa de evitar perdas que consideram maiores do que um desastre das proporções, com que ainda se vê, diante do rompimento da barragem de Fundão de propriedade da empresa mineradora Samarco (Vale/BHP Billiton). Conquanto, há de afirmar, juntamente com Zucarelli (2018, p.178) “[...] os atingidos vivenciam, compulsoriamente, o desastre em seu cotidiano”. Ademais deve-se ter em conta que a noção de extrativismo não deve ser utilizada, apenas, para condenar os governos que não romperam com o extrativismo e, pelo contrário, reforçaram-no, caracterizando-os, erroneamente, como únicos responsáveis pelo modelo extrativista continuado em seus países, haja vista a longa história dessa forma de desenvolvimento. Isso, porque, esse conceito e a crítica, acertada, aos governos que deram continuidade e aprofundaram o modelo extrativista, podem ser capturados pelo espectro da direita política com vistas, inclusive, a denegrir todo o conjunto da esquerda (sejam os movimentos sociais ou partidos políticos, por exemplo). Mas, as críticas a esses governos intitulados por progressistas, que não romperam e não debateram profundamente a continuidade e o aprofundamento desse estilo de desenvolvimento, devem ser ressaltadas como faz Lander (2017, p. 90, minha ênfase, itálico no original)12 Que medidas concretas devem ser tomadas no presente, em questões fundamentais como energia, produção de alimentos, modelo de transporte ou urbanização, para dar passos na direção de outro padrão produtivo (e um modelo de sociedade) não extrativista, não rentista? Como criar condições favoráveis para dinâmicas de 12 No original: “¿Qué medidas concretas habría que tomar en el presente, en asuntos tan medulares como el energético, la producción de alimentos, el modelo de transporte o la urbanización, para dar pasos en la dirección de otro patrón productivo (y un modelo de sociedade) no extractivista, no rentista? ¿Cómo crear condiciones favorables para dinámicas de experimentación social sin las cuales no hay transformación democrática posible? Al no haber iniciado esta transición, los llamados gobiernos progresistas pasarán a la historia como los responsables de haber acelerado los procesos de destrucción del planeta y de haber contribuido a frustrar las esperanzas de otro mundo posible.” ” 78 experimentação social sem as quais não há transformação democrática possível? Por não terem iniciado essa transição, os chamados governos progressistas ficarão na história como responsáveis por acelerar os processos de destruição do planeta e por terem contribuído para frustrar as esperanças de outro mundo possível. Essa situação de dependência diante das atividades de mineração, por parte dos municípios do Quadrilátero Ferrífero, pode contribuir para a valorização dos espaços rurais através das atividades vinculadas ao turismo. Pois, os espaços rurais não impactados diretamente pelas atividades de mineração apresentam características paisagísticas que podem ser valorizadas para se desenvolver o turismo rural e ecológico, ou o seu consumo por parte de citadinos através das segundas residências, sítios de recreio e condomínios residenciais, por exemplo. Mas, até que ponto, em um contexto de dependência econômica das atividades de mineração, a valorização dos espaços rurais de Brumadinho seria capaz de criar melhores condições sociais, econômicas, culturais e ambientais para a população rural? 1.3. APA-Sul: entre o campo e a cidade Diversos espaços do Vetor Sul da RMBH estão demarcados como algum tipo de unidade de conservação. Contudo, gostaria de destacar a Área de Proteção Ambiental Sul (APA-Sul RMBH) instituída pelo Decreto Estadual número 35.624, de 8 de junho de 1994. Ela incide sobre a região situada nos municípios de Belo Horizonte, Brumadinho, Caeté, Ibirité, Itabirito, Nova Lima, Raposos, Rio Acima e Santa Bárbara. Em 2001, através da Lei estadual n.º 13.960, de 26 de julho de 2001 foram incluídas regiões pertencentes aos municípios de Barão de Cocais, Catas Altas, Mário Campos e Sarzedo. O principal objetivo do estabelecimento da APA-Sul RMBH, segundo o artigo 2° do decreto estadual (minha ênfase) que a estabeleceu, é [...] proteger e conservar os sistemas naturais essenciais à biodiversidade, especialmente os recursos hídricos necessários ao abastecimento da população da Região Metropolitana de Belo Horizonte e áreas adjacentes, com vista à melhoria de qualidade de vida da população local, à proteção dos ecossistemas e ao 79 desenvolvimento sustentado. Conforme analisaram Freitas (2004) e Camargos (2004), a mobilização dos moradores dos loteamentos fechados situados no vetor sul da RMBH, com fortes vínculos urbanos e compondo a classe média e alta da sociedade foi o fator fundamental para a institucionalização da APA-Sul RMBH. Os moradores desses loteamentos residenciais passaram a se preocupar, principalmente, com os danos ambientais decorrentes das atividades desenvolvidas pelas empresas de mineração e pelos empreendedores imobiliários, “[...] acostumados a pôr e dispor sobre a produção do espaço” (FREITAS, 2006, p. 171). Entretanto, deve-se ressaltar, em consonância com Laschefski (2006, p. 335), [...] que a exportação dos impactos negativos para fora de seus limites físicos e o aprofundamento da segregação social aumentam a insustentabilidade desse conceito de moradia, ao contrário do que a aparência organizada dos condomínios pretende sugerir. E em nossa pesquisa foi possível perceber que em Brumadinho, principalmente na face oeste da Serra da Moeda, inserida na lógica de produção do espaço do vetor sul da RMBH, mesmo os loteamentos residenciais que não contam com infraestrutura destinada a impedir a circulação de não proprietários em sua área, apresentam elevado grau de insustentabilidade apesar da principal motivação de seus moradores em se estabelecer nesses lugares tenha sido um combinado de segurança e natureza. Ademais, esses moradores se mobilizaram para fazer valer a representação de natureza que os motivou a morar no vetor sul em diferentes períodos da ocupação desse espaço desde os anos de 1950. As pessoas que se mudaram para os enclaves situados na região sul da RMBH tentam reduzir os desgastes da vida moderna valorizando a contemplação da natureza como uma estratégia para se obter maior qualidade de vida. Se isolam, com o objetivo de fugirem da violência e da poluição que “[...] discursivamente confinou-se nos centros e periferias distantes” (FREITAS, 2006, p. 170). Segundo Laschefski (2006, p. 315) [...] pode-se observar, nas últimas décadas, uma crescente migração urbano-rural, sobretudo de famílias das classes média e alta, que procuram sossego e segurança em áreas distantes das zonas urbanizadas. No caso de Belo Horizonte, o alvo de tais grupos tem sido uma região ao sul da capital, o denominado Eixo Sul, cujo acesso 80 se dá pela BR-040. Em outro trabalho Laschefski (2008,p. 6) afirma que, de maneira geral, essas famílias procuraram sossego e segurança devido à “insustentabilidade do urbano”. Ao estudar a sustentabilidade geográfica dos condomínios no Vetor Sul da RMBH ele identificou 2 grupos de moradores de loteamentos residenciais que nomeou por: “antigos” e “mais novos”. Portanto, segundo Laschefski (2008) os “antigos” compraram terrenos enquanto moravam na cidade para estabelecerem suas segundas- residências e, com o passar dos anos, mudaram-se definitivamente. Outros moradores antigos passaram tempo considerável no campo, seja por terem nascido e crescido nesses espaços ou por terem familiares no campo, os quais visitavam periodicamente, guardando, portanto, fortes vínculos com esses lugares e, por isso, em determinada época de suas vidas mudaram-se para espaços que guardassem alguma semelhança com o campo. Contudo, pode-se afirmar que, em grande medida, as motivações dos moradores antigos tem a ver com a oposição campo-cidade na qual o campo ocupa lugar de destaque. Já os “mais novos” tiveram como principais motivações a busca pela segurança e por algum diferencial social com vistas a ampliar o prestígio ou maior inserção em uma determinada fração da sociedade. Camargos (2004, p. 136) destaca que no processo de criação da APA Sul RMBH, diferentes representações da natureza, às vezes contraditórias e conflituosas, foram mobilizadas a fim de fazer com que os interesses de determinados grupos se tornassem universais. Foram mobilizadas representações sobre a estagnação econômica que a instituição de uma APA traria para a região em decorrência de sua riqueza mineral, principalmente em ferro. Tal representação foi conduzida pelas prefeituras dos municípios que se localizam na área da APA e, também, pelas empresas mineradoras. Mas a relação entre as representações e seus mobilizadores não foi estática. A título de exemplo: as mesmas mineradoras que representaram a conservação da natureza como obstáculo às suas atividades econômicas perceberam que poderiam encampar o discurso e a representação da natureza sob proteção, através da implementação da APA-Sul RMBH, ao preverem as áreas de menor ocorrência mineral ou antecipando-se ao descomissionamento de suas minas e, com isso, tornando-se empresas enquadradas no hall das ambientalmente responsáveis, além de, obterem, o que se convencionou chamar por “segunda safra” através de empreendimentos imobiliários das áreas não destinadas à mineração, decorrentes do 81 descomissionamento ou da baixa ocorrência de minérios. Para estabelecimento da APA Sul moradores dos condomínios residenciais, ONGs, empresas mineradoras, prefeituras e outras instâncias do Estado se mobilizaram em sua defesa. Contudo, os trabalhadores mais pobres, os habitantes rurais e os moradores dos diversos povoados da região não participaram e até desconheciam o movimento de constituição da APA Sul (CAMARGOS, 2004, p. 137). Porém, essas pessoas já eram afetadas por transformações decorrentes desse processo, pois passaram a ser representadas como portadores de uma ruralidade que deveria ser preservada creditando aos mesmos uma íntima relação com a natureza, a simplicidade do viver, a guarda das tradições do campo, dentre outras características que lhes foram imputadas a fim de construírem uma representação de ruralidade que pudesse ser convertida em produto cultural para ser comercializado. Inclusive, não precedeu a criação da APA-Sul RMBH a conscientização ambiental de populações rurais, algo considerado usual nos processos de criação de unidades de conservação. Pois, como já foi afirmado, ela resultou da pressão de moradores dos loteamentos residenciais mobilizados em torno da luta pela preservação dos elementos que foram utilizados para construir a representação de natureza que lhes atraíram quando decidiram se mudar para região. Laschefski; Costa (2008), através dos conceitos “campo”, “doxa” e “habitus” (BOURDIEU, 1975 apud Laschefski; Costa, 2008), os autores identificaram que o estímulo ao turismo ecológico e ao turismo rural, como estratégia para o desenvolvimento local, foi feito pelos agentes [tanto a ortodoxia quanto a heterodoxia (BOURDIEU, 1975 apud Laschefski; Costa, 2008)] que disputavam o poder e a hierarquia do campo da produção do espaço da APA-Sul RMBH, sem levar em consideração os interesses e desejos dos moradores mais antigos (do campo e da cidade) que, portanto, figuram como excluídos do jogo. Ou seja, [...] o campo delimita uma arena conflitiva, na qual os agentes disputam o poder e o seu posicionamento na hierarquia do mesmo, embora todos compartilhem certos pressupostos comuns, que ordenam o seu funcionamento. Os agentes do polo dominante, através de suas práticas ortodoxas, pretendem conservar intacto o seu capital social acumulado, enquanto os dominados tendem, através das suas práticas heterodoxas e estratégias de subversão, desacreditar os detentores reais de um capital legitimo, porém, sem que se contestem os princípios que regem a estruturação do campo (Laschefski; Costa, 2008, p. 312). 82 Além do mais, as representações elaboradas no contexto de implementação da APA-Sul RMBH incidiram sobre o campo dessa região pretendendo torna-lo produto para ser consumido através do turismo rural ou ecológico. Como alternativas ao desenvolvimento local esses mesmos agentes, da heterodoxia e da ortodoxia (BOURDIEU, 1975 apud Laschefski; Costa, 2008), propõem alternativas para a geração de emprego e renda das populações rurais de Brumadinho com a oferta de empregos nas empresas mineradoras e nos loteamentos residenciais. Contudo, os empregos que serão gerados pelas atividades ligadas ao turismo rural e ecológico, associados aos empregos que poderão ser gerados nos loteamentos residenciais e nas empresas mineradoras, contribuem para amenizar conflitos e ampliar o consenso, pois tendem a afastar um grande número de pessoas das atividades de agropecuária e que poderiam, portanto, identificar com maior facilidade os impactos negativos sobre a natureza (por exemplo, sobre os recursos hídricos, como diminuição do volume das águas ou a perda de suas qualidades). Além disto, a produção de um campo destinado às atividades turísticas não ressaltará os conflitos ambientais nem os impactos decorrentes da instalação dos loteamentos fechados e das empresas mineradoras, pois se destina ao descanso e ao lazer. É possível afirmar, seguindo Laschefski; Costa (2008), que no âmbito da APA Sul RMBH foi produzido um discurso hegemônico que sustenta que o fator primordial da região é a sua beleza natural – obviamente, idealizada, romantizada e produzida intencionalmente – e que os impactos sobre ela devem ser impedidos. Por exemplo, a ocupação não planejada e fora dos padrões estéticos dos empreendimentos residenciais destinados às classes média e alta, são vistos como ameaças ao espaço exclusivo da elite da RMBH, pois, assim como as empresas mineradoras, poderão gerar impactos que desvalorizará suas propriedades. E em uma paisagem elitizada, produzida intencionalmente, a solução de problemas ambientais segue a lógica da injustiça ambiental sendo privilégio dos segmentos sociais de maior renda. 83 1.4. Vetor sul da RMBH como expressão contemporânea da unificação entre o campo e a cidade sob o mando dos dominantes. É possível verificar, através do que foi apresentado até agora, que Brumadinho faz parte de um contexto socioespacial bastante contraditório. O campo deste município é marcado pelas atividades de mineração, todavia, atrai um grande número de moradores das cidades, principalmente de Belo Horizonte, que anseiam construir suas segundas residências, chácaras ou sítios de lazer. Inclusive, diversos citadinos se mudaram definitivamente para um dos diversos loteamentos residenciais estabelecidos na área delimitada como rural pelo município de Brumadinho que contam, ou não, com infraestrutura diversa estabelecida para impedir a livre circulação de pessoas, em grande parte, com terrenos de aproximadamente 1000 m² e com parte do empreendimento ocupado por algum tipo de reserva vegetacional. Conquanto, a proximidade da cidade de Belo Horizonte – representada como caótica, poluída, violenta, dentre outros atributos extremamente negativos – e a presença das atividades de mineração, com seu elevado grau de degradação ambiental, é utilizada para associar o campo e o rural em Brumadinho à natureza, apesar desse espaço ter sido transformado pelas atividades de agricultura e pecuária desenvolvidas por muitas gerações. Lembrando que a história desse município é marcada pela agropecuária, já que desempenha a função de produtor de alimentos, desde o século XVII, quando expedições de bandeirantes chegaram à região. Destaquei, também, o fato do município de Brumadinho encontrar-se associado ao contexto metropolitano produzido a partir da capital do estado de Minas Gerais e a sua inserção subordinada nesse contexto. A análise da produção do espaço do Vetor Sul da metrópole belo-horizontina, representado e produzido como espaço elitizado, permitiu identificar a extensão que o metabolismo territorial do modo de vida urbano pode atingir e sua relação com a monoculturização do espaço (LASCHEFSKI, 2006, 2008). Ademais, a presença de unidades de conservação contribui para a produção de um discurso que visa representar esse campo como lugar de preservação/conservação da natureza. Destarte, é possível afirmar que a representação do campo de Brumadinho como ambiente natural e, até certo ponto, considerado como ambiente intocado pelas atividades econômicas, se apoia em 84 representações negativas da cidade e na intensa degradação causada pelas empresas mineradoras. Diante desse quadro pôde-se identificar que a valorização do campo associado à natureza é valiosa para os interesses dos empreendedores ligados às atividades de turismo e de negócios imobiliários colocados como capazes de gerar postos de trabalho e renda para a população local situada no âmbito da minério-dependência. Contudo, questões ligadas à produção agropecuária acabam ficando em segundo plano, apesar de haver uma mobilização recente, pelo menos desde 2014, de diversas pessoas do município como, por exemplo, técnicos em agropecuária, biólogos, empresários do turismo e do setor imobiliário, assentados da reforma agrária, agricultores familiares e quilombolas que procuram estabelecer grupos de agricultores e consumidores de alimentos orgânicos e agroecológicos. Inclusive, a EMATER-MG escritório local tem procurado incentivar e orientar algumas dessas iniciativas. Entretanto, em meados do ano de 2018 a mobilização de agricultores ainda era baixíssima conforme pude verificar através dos trabalhos de campo. A CFEM e outros impostos arrecadados pelos municípios que são minerados contribuem para a consolidação do quadro da minério-dependência. Entretanto, é necessário ressaltar que o Brasil pode ser enquadrado como um dos países mais liberais em relação à taxação mineral, principalmente quando destinada à exportação. Elabora-se um discurso, bastante poderoso, que se vale das ideias em torno do desenvolvimento, da geração de empregos e da arrecadação tributária. Esses discursos tem a capacidade de introjetar nos atingidos a ideia de que é necessário suportar a carga decorrente da operação das empresas mineradoras. Legitimam socialmente a atividade em localidades pobres em termos de renda monetária. Minimizam e desqualificam as experiências dos atingidos. Enfim, o que o desenvolvimento traz? A carga, sobre os mais vulneráveis, de atividades tão danosas como a mineração. Neoextrativismo, consenso das commodities, acumulação por espoliação, chantagem de deslocalização e alternativas infernais iluminam conceitualmente esse contexto histórico, que contou com a presença de governos intitulados como progressistas, no qual se observou a ampliação da extração destrutiva de bens naturais. 85 2. CARACTERIZAÇÃO DAS ATIVIDADES ECONÔMICAS E DA POPULAÇÃO DO CAMPO NO MUNICÍPIO DE BRUMADINHO: Nesse capítulo procurei realizar uma descrição, baseada, fundamentalmente, em dados primários, produzidos em campo através de conversas com informantes apontados como chave para a suscitar questões referentes às atividades econômicas e sobre a população do campo no município de Brumadinho. 2.1. Brumadinho como receptor de produtores rurais expulsos pelo avanço da cidade Segundo EMATER-MG (2015) a produção agropecuária municipal se destaca pela citricultura (tangerina ponkan, mexerica carioca, laranja, limão), pela olericultura caixaria (chuchu, abóbora, pimentão, pepino, mandioca, berinjela), pela olericultura (folhosas) e pela pecuária de leite e de corte. A produção de folhosas do município, juntamente com a de Ibirité, Mário Campos, Sarzedo e São Joaquim de Bicas abastece, principalmente, os municípios de Contagem, Betim e Belo Horizonte. Apesar da importância da produção agrícola desses municípios para o abastecimento na RMBH foi possível identificar que está ocorrendo uma migração de agricultores desses municípios em direção à Brumadinho, pois o valor da terra e da mão de obra aumentaram devido a expansão das cidades na RMBH, acarretando dificuldades para manterem, ou ampliarem, a produção. Essa migração de produtores rurais é uma questão importante, pois poderá elevar os preços dos alimentos consumidos, por exemplo, em Belo Horizonte, já que os custos com transporte tendem a aumentar devido ao aumento da distância, como expresso na fala de um entrevistado (assentada da reforma agrária V, 2016): “Acaba com a área rural aqui e eu vou ter que ir para Bonfim e cada vez mais longe do mercado, encarecendo cada vez mais a minha produção”. 86 2.2. Perfil dos produtores rurais de Brumadinho – juventude rural em questão Segundo os funcionários da Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do escritório local da EMATER-MG, é possível afirmar que grande parte dos produtores rurais de Brumadinho é composta por agricultores familiares. Entretanto, essa classificação está baseada em dois critérios que são utilizados para conceder a Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF). São eles: a) trabalho realizado principalmente pelos membros da família e b) parcela significativa da renda proveniente das atividades de agropecuária. Contudo, há, também, produtores não familiares, situados principalmente na citricultura e na pecuária, que utilizam majoritariamente mão de obra contratada. Eles se subdividem em dois tipos nos quais: 1) a maior parte da sua renda provém de outra(s) atividade(s) que desenvolvem, não ligadas à agropecuária e inclusive podendo se localizar na cidade e 2) a maior parte da sua renda provém das atividades de agropecuária, conquanto empregam mão de obra externa em detrimento do trabalho familiar. E há, também, os assentados da reforma agrária e os membros de comunidades quilombolas. Ademais, essa classificação incide sobre aquelas pessoas que se envolvem, de alguma maneira, com as atividades de agropecuária. Todavia, já deve estar claro, que a população residente no campo de qualquer município brasileiro não deve ser vista apenas sob esse viés. Há famílias que residem no campo e toda a sua renda provém das atividades que desenvolvem na cidade. Além desses, há aposentados, pensionistas e beneficiários de algum tipo de programa governamental que não exercem, nem no campo ou na cidade, nenhum tipo de atividade destinada à obtenção de remuneração ou alimentos. E por residirem em espaços rurais, conforme determinado pela legislação do município, são contabilizados como parte da população rural. Segundo dados do IBGE, é possível perceber que a população urbana residente no município de Brumadinho apresentou crescimento ao longo do período compreendido entre os anos de 1970 e 2010. Com relação à população rural residente no município, no período compreendido entre 1970 e 2010, o que se vê é a sua diminuição, seguindo, de tal forma, o quadro demográfico brasileiro no qual houve a diminuição dessa população e, em contraposição, o aumento da população urbana. 87 Gráfico 5- População residente na área urbana do município de Brumadinho no período de 1970-2010. Fonte: IBGE - Censo Demográfico. Elaboração própria a partir dos dados dos Censos Demográficos do IBGE. Gráfico 6– População residente na área rural do município de Brumadinho no período de 1970-2010. Fonte: IBGE - Censo Demográfico. Elaboração própria a partir dos dados dos Censos Demográficos do IBGE. O gráfico a seguir nos mostra que a diminuição da população rural de Brumadinho se deu em ambos os sexos. Gráfico 7- População residente na zona rural de Brumadinho por sexo no período de 1970- 88 2010. Fonte: IBGE - Censo Demográfico. Elaboração própria a partir dos dados dos Censos Demográficos do IBGE. Porém, ao observar a razão de sexo ao longo do período de 1970 e 2010, pode- se afirmar que a população rural de Brumadinho se encontra em processo de “masculinização”. Os valores relativos à razão entre o número de homens e o número de mulheres na população rural do município de Brumadinho estão listados na tabela a seguir: Tabela 5 – Valores da razão de sexo da população rural em Brumadinho no período de 1970-2010. ANO VALOR DA RAZÃO 1970 104,2 1980 105 1991 106,5 2000 109,3 2010 111,9 Fonte: IBGE - Censo Demográfico. Elaboração própria a partir dos dados dos Censos Demográficos do IBGE. Segundo Costa, Matos, Valle (2015, p. 289), “a Razão de Sexo quando oscila entre os valores 95 e 105 revela existência de equilíbrio no número de homens e 89 mulheres em uma dada população”. Levando-se em consideração a razão de sexo, como fizeram Costa, Matos, Valle (2015), pode-se afirmar que a “masculinização” da população rural de Brumadinho ocorreu em 1991, quando apresentou valor acima de 105, tornando-se mais alta em 2010 ao atingir o valor de 111,8. Através do gráfico a seguir é possível perceber que a população residente na área rural de Brumadinho, com idade até 30 anos, reduziu consideravelmente ao longo do período de 1970 e 2010. Especula-se que essa diminuição tenha ocorrido pela busca de oportunidades de estudo e trabalho em outros municípios, principalmente nas áreas urbanas economicamente mais pujantes, como a cidade de Belo Horizonte. E, talvez, seja essa parcela da população rural de Brumadinho que tenha sido a grande responsável pela forte diminuição da população total. Gráfico 8- População residente na área rural de Brumadinho, por sexo e até os 30 anos de idade no período de 1970-2010. Fonte: IBGE - Censo Demográfico. Elaboração própria a partir dos dados dos Censos Demográficos do IBGE. Ao se observar a razão de sexo na população rural residente em Brumadinho com idade até 30 anos verificam-se os seguintes valores: 90 Tabela 6 – Valores da razão de sexo da população rural, com idade até 30 anos, em Brumadinho no período de 1970-2010. ANO VALOR DA RAZÃO 1970 102,4 1980 101,5 1991 101,5 2000 105,7 2010 94,8 Fonte: IBGE - Censo Demográfico. Elaboração própria a partir dos dados dos Censos Demográficos do IBGE. Portanto, tais valores indicam que o processo de “masculinização” da população do campo de Brumadinho com idade de até 30 anos não vem ocorrendo, pois apenas no ano 2000 a razão entre sexos atingiu o valor de 105,7. Valor que no âmbito desse trabalho – em consonância com o trabalho de Costa, Matos, Valle (2015) – é considerado como indicativo desse fenômeno demográfico. Porém, deve-se ressaltar o valor encontrado para a razão entre o número de homens e o número de mulheres da população rural de Brumadinho no ano de 2010: 94,8. Esse valor expressa o fenômeno inverso à “masculinização” da população, ou seja, identifica que há um número maior de jovens mulheres no campo. Portanto, através dos dados demográficos do IBGE é possível afirmar que:  a população rural de Brumadinho declinou desde os anos de 1970, seguindo a dinâmica demográfica do êxodo rural;  ao longo do período de 1970-2010 foi possível identificar, a partir de 1990, a “masculinização” da população rural;  mas, ao mesmo tempo, ao se recortar uma parcela dessa mesma população, composta por pessoas com até 30 anos de idade, verificou-se que o número de mulheres jovens é maior do que o de homens com até 30 anos de idade. Contudo, o Engenheiro Agrônomo da EMATER-MG local, responsável pela extensão e assistência técnica dos produtores rurais de Brumadinho, afirma que “[...] muitos jovens estão dando continuidade” (agrônomo EMATER-MG M, 2016) às atividades de agropecuária desenvolvida pelos seus pais. Ele não está se referindo à 91 toda a população rural do município, que envolve, obviamente, pessoas que não se dedicam às atividades de agricultura e pecuária, mas aos produtores rurais, com os quais ele tem contato devido ao trabalho que desenvolve através da extensão rural. Essa percepção, de que “muitos jovens estão dando continuidade” às atividades de agropecuária, é fundamental para relativizar os dados estatísticos que mostram o declínio da população rural local. Não se trata de desconsiderar o êxodo rural, mas sim encará-lo como um problema que apresenta condições de ser resolvido, evitando- se as suas graves consequências, principalmente, para aqueles que migram para as cidades. Além de ser fundamental para refutar a proposta de erosão do paradigma agrário, como querem decretar alguns estudiosos – por exemplo, Favareto (2006, 2007) –, serve para reafirmar a importância de políticas agrícolas e de reforma agrária em seu sentido mais amplo que engloba educação, saúde, melhoria da rede de fluxos, questões socioambientais, dentre outras. O exemplo dos familiares mais próximos é fundamental para amparar a decisão dos jovens com relação ao futuro, pois quando a situação dos pais e avós na “roça” é penosa os filhos tendem a rejeitar a ideia de trabalhar com a agropecuária e optam por migrar para a cidade, mesmo que seja para trabalhos precários e moradias igualmente precárias. Segundo um dos entrevistados (morador da localidade Jangada R, 2018), que escolheu ficar no campo do município de Brumadinho após ter morado em outras cidades de municípios da RMBH quando trabalhou em empresas de mineração, foi a transformação da roça em rural que lhe permitiu fazer essa escolha. Ainda segundo esse entrevistado, a roça deve ser entendida como um espaço no qual estão ausentes a telefonia, a internet, o rádio, a televisão e que o deslocamento até áreas comerciais e estabelecimentos educacionais, por exemplo, sejam difíceis de serem realizados tornando tais lugares isolados ou afastados. A roça transformada em rural seria, portanto, o lugar onde os fluxos materiais e imateriais poderiam ser realizados de maneira eficiente. Obviamente que a transformação do campo, diante das relações que estabelece com a cidade, não se resume à dinâmica dos fluxos. Contudo, é relevante a observação realizada por esse entrevistado, haja vista ele ter compreendido que se trata de uma transformação do campo e do rural sem a sua substituição pela cidade e pelo urbano o que pode ser confrontado com Martins (2014, n.p.) através das duas passagens a seguir: 92 Num mundo rural cada vez mais rural, sem ser necessariamente cada vez mais urbano, o que a valorização ideológica do moderno e urbano define como atraso e como passado precisa ser revisto à luz do que é próprio das ciências sociais. O mundo rural pode ser cada vez mais moderno sendo ao mesmo tempo cada vez mais tradicional, isto é, reconstituindo e atualizando sua diferença como fonte de identidade e instrumento de afirmação e sobrevivência. Essa é a dialética do processo social. Atento a essa possível transformação da roça em rural, um dos entrevistados pretende transformar a propriedade da família para desenvolver atividades ligadas ao lazer e ao turismo tornando-a, segundo ele, mais atrativa aos filhos. Ele pretende montar “[...] um alambiquezinho, penso em montar aqui os doces que eu mexo com eles e montar aqui uma área de convivência. […] uma coisa bonitinha, para receber as pessoas” (agricultor familiar P, 2016). Ele acredita que esse tipo de rural – pluriativo sob uma perspectiva Chayanovista (SCHNEIDER, 2003) – pode ser a realidade do campo daqui para frente. Inclusive, afirma ser esse o caminho para outros produtores rurais conseguirem fazer com que os filhos permaneçam no campo. Ou seja, conjugando atividades de agropecuária e serviços – associados ao lazer e turismo, por exemplo, afirmando que “Cada fazenda, na minha cabeça, pode, cada propriedade, pode ter 3, 4 chalés para receber” (agricultor familiar P, 2016). De fato, a exploração das atividades ligadas ao turismo pode ser uma alternativa de obtenção de renda adicional em casos como esse, no qual as pessoas que executarão a atividade serão os próprios agricultores, não se transformando em mão de obra para empreendedores desse ramo. Conquanto, não se trata de abandonar a propriedade da família para assalariar-se. Contudo, é o mesmo cuidado que se deve ter com a conversão completa da agropecuária para o mercado, a fim de evitar problemas como o endividamento associado à baixa ou nenhuma capacidade de produção para autoconsumo. A compreensão do atual contexto espacial, no qual as fronteiras entre campo e cidade não são mais tão rígidas como eram na era industrial, é também fator fundamental para que os jovens possam permanecer no campo. Para um dos entrevistados (agricultor familiar P, 2016) é necessário que os jovens do campo conheçam tudo o que se refere à cidade. Para valorizar o campo não é necessário negar a cidade. Eles podem se manter interessados com relação aquilo que é da cidade, porém sem desvalorizar o que é do campo. Até porque, as fronteiras entre o 93 campo e a cidade não são intransponíveis. A realidade espacial contemporânea é a de uma conexão mais forte entre campo e cidade, de um maior imbricamento entre estas realidades espaciais. Mas a atenuação da fronteira não carrega consigo apenas benesses podendo, inclusive, acarretar a distribuição dos problemas urbanos, desdobrando-se em uma condição de injustiça ambiental. Segundo Zhouri; Laschefski (2010), em situações de injustiça ambiental, grande parte do ônus do desenvolvimento incide sobre a parcela da população mais pobre. Contudo, essa visão de que os jovens terão condições de escolher sobre a sua permanência ou não no campo não foi compartilhada por todos os entrevistados. Um dos motivos elencado por um deles, para que muitos jovens rurais não permaneçam trabalhando no campo durante a vida adulta, é o fato de que na sociedade brasileira, o rural, a agricultura familiar não é valorizada. Então a concepção que se tem é que você tem que ir embora para a cidade se você quer ter sucesso, se você quer ser bem-sucedido você tem que ir embora. Se você produzir, se você for agricultor, se você plantar, ou que seja criar o gado, você não é exitoso. A ideia que se tem é que você tem que ir embora. E o que a gente vem observando é que lá a população urbana está sofrendo a cada dia com isso, porque a escassez de alimento, uma vez que 70% do que come é da agricultura familiar e se ela está acabando a sociedade urbana vai pagar preços caros ou vai deixar de ter alguns produtos (assentada da reforma agrária V, 2016). Portanto, trata-se da desvalorização do campo, de seus habitantes e do trabalho da agropecuária. Entretanto, essa valorização, como está exposto na fala do entrevistado, não depende apenas dos exemplos familiares. A associação negativa que se faz do trabalho na agropecuária com fracasso pessoal é, minimamente, contraditória pois Você tem uma sociedade que exclui. Ela necessita desse campo, mas ao mesmo tempo ela vira as costas para esse campo como se ele não existisse. Ao mesmo tempo que você está muito próximo, ao mesmo tempo há um distanciamento: porque você come, mas não sabe de onde vem. Você acha que aquilo brotou lá na gôndola e pronto (assentada da reforma agrária V, 2016). Trata-se de uma situação mais complexa que envolve a forma negativa como o campo, o rural e as atividades de agropecuária foram, e ainda são, de um modo geral, representados pela sociedade e transformá-la não deve ser responsabilidade 94 somente da família. 2.3. O papel da Associação dos Produtores Rurais de Brumadinho (ASPRUB) para o fortalecimento da agropecuária de caráter familiar A Associação dos Produtores Rurais de Brumadinho (ASPRUB), com registro de criação datando de 2001, era, até o início do ano de 2017 a mais relevante associação de agricultores e pecuaristas presente no município de Brumadinho. Todavia, no dia 18 de fevereiro de 2017, foi fundada a Cooperativa do Produtores Assentados da Região Metropolitana de Belo Horizonte – Terra Produtiva, que passou a desempenhar um importante papel na organização da produção e comercialização dos agricultores na RMBH, fundamentalmente, os assentados da reforma agrária. Dela fazem parte agricultores do Assentamento Pastorinhas, localizado em Brumadinho. Contudo, ainda não há registro de outros agricultores do município que tenham se associado a essa cooperativa. Os principais produtos comercializados pela ASPRUB são: leite, bebida láctea, feijão, laranja, tangerina ponkan, mel, além de hortaliças e legumes. A maior parte dos associados é composta por agricultores familiares. De acordo com o presidente da APSRUB “é tudo pequeno. 2 hectares, 4 hectares, 5 hectares. Quem precisa sobreviver está nesse patamar” (agricultor familiar P, 2016). Porém há também agricultores e pecuaristas que não são considerados como familiares. “Até a maioria deles mora em Belo Horizonte. São produtores do município, mas sobrevivem mesmo em Belo Horizonte” (servidor público J e servidor público F, 2016). Obviamente, utilizam, predominantemente, a mão de obra contratada na região para executar as tarefas. A atuação dos citadinos no campo não se dá somente pelo interesse de exploração das atividades de turismo e lazer no campo. Os citadinos também se interessam pelas atividades de agropecuária no campo como fonte de renda complementar. Em alguns casos observa-se que a renda serve para pagar os gastos com a manutenção da propriedade destinada, fundamentalmente, para o lazer e, em outros casos, ela é rentável a ponto de cobrir os gastos com a propriedade e gerar renda adicional para os seus proprietários. Na maior parte dos casos não se trata de práticas agrícolas e de pecuária consideradas como inovadoras e altamente 95 tecnificadas. De acordo com funcionários da prefeitura, os agricultores que não são considerados como familiares fazem parte “[...] da ASPRUB por conta da agregação de valor que tem com a comercialização do leite” (servidor público J e servidor público F, 2016). Para agregar valor ao leite produzido pelos associados a ASPRUB mantém um contrato com um laticínio em Betim que capta a produção leiteira ao longo de todo o ano sem grandes variações de preço, levando em consideração que o leite sofre grandes oscilações em decorrência do período das águas e da seca. Além da compra, o laticínio também beneficia o leite, transformando-o em bebida láctea que é comercializada pela associação através do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e do Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA). A lei 11.947/2009 determina que 30% dos recursos repassados pelo Governo Federal para estados e municípios, através do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para o PNAE deve ser utilizado para adquirir alimentos produzidos por agricultores familiares. A comercialização se dá através de chamada pública, o que dispensa a necessidade de processo licitatório. Já o PAA, instituído pelo Art. 19 da Lei nº 10.696/2003, no âmbito do Programa Fome Zero, tem por objetivo adquirir alimentos, também provenientes da agricultura familiar, para atender pessoas em situação de insegurança alimentar que sejam assistidas por entidades socioassistenciais, além de equipamentos públicos de alimentação e nutrição, como restaurantes populares. Para participar desses programas não é necessário que o agricultor familiar faça parte de alguma associação, podendo, portanto, comercializar individualmente. Porém a lei expressa que os assentamentos rurais, as comunidades quilombolas e indígenas tem prioridade sobre os demais. Entretanto, é fundamental que estes agricultores apresentem a Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (DAP-PRONAF) ativa para que possam participar desses, bem como de outros programas oferecidos pelo Governo Federal como: crédito via Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), seguro da produção, aposentadoria rural, Minha Casa Minha Vida Rural, Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego Campo (PRONATEC), dentre outros. Esses e outros programas do Governo Federal são geridos pela Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (antigo Ministério do Desenvolvimento Agrário que em 2016, foi fundido com o Ministério do 96 Desenvolvimento Social e Combate à Fome e por fim se tornou, apenas, a Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário da Casa Civil – SEAD). Além do PNAE e do PAA a ASPRUB já cogitou comercializar os seus produtos com as empresas mineradoras que contam com restaurantes para os seus funcionários, mas não conseguiram concretizar essa relação, pois o preço oferecido pelas mineradoras para comprar os alimentos foi considerado baixo pelos associados. Apesar da ASPRUB desempenhar um papel bastante importante para agropecuária do município ela enfrenta dificuldades. Uma delas é a fraca participação dos associados na gestão e administração da associação. De acordo com funcionários da Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Brumadinho (servidor público A, 2016) A ASPRUB, a associação de produtores, é até triste de falar, mas o pessoal não vem aqui nem para receber o dinheiro. Pagamento do leite, que é marcado dia tal, o pessoal não reúne. Não reúne nem para receber o dinheiro. Isso aí é associação? Isso é associar? Da mexerica só quando tem interesse extremo deles que eles vem. As dificuldades apontadas pelos funcionários da Prefeitura de Brumadinho para desenvolver trabalhos que possam contribuir com a ASPRUB são tão grandes que eles costumam falar que não realizam uma atividade de assistência técnica, mas sim de “insistência técnica”. Todavia, deve-se levar em consideração que as associações cumprem o papel de inserirem os agricultores familiares no mercado. Contudo, muitos deles não estão adaptados à forma de trabalho requerida por essas entidades, apesar de seus membros desempenharem, ativamente, diversas atividades de caráter comunitário como mutirões de serviços agropecuários e de manutenção das propriedades, envolvimento na organização de festas locais, entre outros exemplos. Ademais, o Estado e entidades privadas poderão envidar esforços para qualificarem esses sujeitos, em um processo de longo prazo, alterando esse quadro. Contudo, isso não ocorrerá sem contradições e embates devido à diversidade dos sujeitos que estarão envolvidos, assim como de seus interesses. No final de 2016 pode-se observar que os associados da ASPRUB estavam apreensivos com relação a eminente transformação da associação em cooperativa. De acordo com funcionários da Prefeitura a Empresa Brasileira de Extensão Rural do estado de Minas Gerais (EMATER-MG) estaria divulgando que o cooperativismo é a 97 melhor forma dos agricultores familiares se organizarem para tratar dos assuntos ligados a produção e comercialização fazendo-os crer que a forma de associação apresenta muitos impedimentos para a comercialização de produtos. O acesso a outros mercados, não só o institucional através do PNAE e PAA, é um dos argumentos utilizados para que a ASPRUB se transforme em cooperativa, o que permitiria que os alimentos produzidos fossem comercializados com as empresas mineradoras, com os condomínios e com Inhotim. O incentivo dado pela EMATER-MG ao cooperativismo conta, por exemplo, com apoio do Governo de Minas Gerais, através da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico (SEDE) e da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário (SEDA), porém em Brumadinho, os produtores associados à ASPRUB não estão convencidos que a mudança de associação para cooperativa lhe trará tantos benefícios frente aos riscos que apresenta tal mudança. Esse receio é explicado por dois funcionários (servidor público J e servidor público F, 2016) da Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Brumadinho, ao dizerem que “a gente vem de história que já teve uma cooperativa no município que quebrou. [...] era cooperativa da grande BH. Era da Itambé. Quebrou! [...] ficou todo mundo largado, não tinha como vender”. O presidente da ASPRUB (agricultor familiar P, 2016) disse que “a cooperativa nossa aqui deixou uma imagem de corrupção e roubo”. Através da fala de um funcionário do escritório local da EMATER-MG percebe- se a enorme importância que as ações governamentais como PRONAF, PNAE e PAA podem desempenhar para o fortalecimento dos agricultores familiares: E o PRONAF, além do financiamento, que o pessoal foca mais, financiamento de plantio, ou de compra de trator, de equipamento com carência e juros. Eles possibilitam outras coisas, por exemplo, aqui a gente tem o PNAE que o produtor, agricultor familiar, ele entrega para a Secretaria de Educação e a secretaria entrega para as escolas e ele recebe por isso, uma taxa, ele tem uma cota todo ano. E também tem o PAA que é gerido pela Prefeitura, aqui na Secretaria. Esse programa é similar ao da Escola, da Alimentação Escolar, o produtor entrega e depois entrega para as instituições, como: São Vicente de Paula, APAE. Esses dois aqui é R$20.000 por produtor no PNAE e R$6.000 – 9.000 no PAA. E tem agricultor que entrega em dois. Então, além dele vender para a CEASA, no PNAE foi mudando, ele pode vender R$20.000 para Brumadinho, R$20.000 para Ibirité, R$20.000 para outros municípios, então teve essa mudança aí. Então o produtor vende para a CEASA, vende para os supermercados, vende para o PNAE, para o PAA, e também na feira da agricultura familiar, que é um programa nosso também. Que a gente até inaugurou esse ano 98 (agrônomo EMATER-MG M, 2016). O mercado institucional é, portanto, um dos canais, dentre outros, que os agricultores familiares dispõem para se manterem ativos. Entretanto, propostas de desenvolvimento rural baseadas em mecanismos que tornam os agricultores familiares, assentados da reforma agrária, dentre outros, dependentes de uma empresa ou subordinados ao mercado, obrigando-os a dedicarem muito tempo para produzir o que será comercializado, podem gerar consequências bastante graves como o endividamento das famílias resultando, em alguns casos, na venda da propriedade a fim de saldar as dívidas. Em determinadas situações os agricultores familiares que se dedicam a produzir para o mercado podem ser exitosos e conseguirem pagar os insumos e as dívidas decorrentes dos empréstimos que eventualmente realizaram, ao mesmo tempo em que conseguem produzir ou obter a renda necessária para sustentar a família. A venda direta ao consumidor também é aventada como um importante caminho para os agricultores de Brumadinho e que poderá ser concretizada no município, pois em 2016 foi inaugurado o barracão do produtor. O barracão do produtor destina-se ao atendimento das necessidades dos produtores rurais de uma localidade, principalmente ao que se refere a estratégias de comercialização. A inauguração desse espaço em Brumadinho é fruto, de pelo menos, 20 anos de negociações. As divergências políticas entre governo do estado, gestores da CEASA- MG e políticos locais levaram à essa enorme demora. Os associados da ASPRUB pretendem usar o barracão do produtor como uma central de vendas direta. Esse que é o primeiro projeto que eu tenho na minha cabeça e vou lutar por ele. Porque eu acho que. Tudo que nós produzimos nessa região de agricultura é direcionado para o CEASA. Aqui todos os dias, se você ficar ali na praça do Aranha, na parte da tarde, desce de 4 a 6 caminhões para o CEASA (agricultor familiar P, 2016). Porém, o estabelecimento de um barracão do produtor não significa o fim da comercialização com a CEASA-MG, mas, talvez, a sua intensificação, pois a existência de um ponto de comercialização tende a facilitar os negócios. Caberá aos agricultores que utilizarão o barracão se organizarem para conseguirem melhores resultados nas negociações que estabelecerão com os compradores de sua 99 produção. 2.4. Luta pela reforma agrária em Brumadinho: Assentamento Pastorinhas O Assentamento Pastorinhas, situado no município de Brumadinho, é um dos assentamentos localizados na RMBH. Os outros são: Dois de Julho (entre Betim e Esmeraldas); Serra Negra (Betim), Dom Orione (Betim), Ho Chi Minh (Nova União), e Santa Cruz (Betim). O Assentamento Pastorinhas é fruto da ocupação de uma propriedade rural improdutiva realizada no dia 25 de junho de 2001. A ocupação se deu por necessidade dos trabalhadores sem terra. Segundo Silva (2008, p.3) pode-se falar de uma identidade sem terra, que [...] vai, no entanto, passar a progressivamente abrigar setores para além do tradicional camponês deserdado da terra (posseiro, assalariado rural, meeiro, bóia-fria, agregado, etc.). Uma parte cada vez maior de moradores das periferias urbanas, trabalhadores urbanos de condição precária, vão enxergar no acesso à terra rural uma possibilidade de resgatar alguma autonomia e a perspectiva de vida digna, além do pertencimento a um grupo e a uma vida comunitária e rural. Inicialmente os trabalhadores estavam organizados em torno do sindicato de trabalhadores rurais, apoiados, portanto, pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais (FETAEMG) filiada à Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG). De entrada, compuseram a ocupação 120 famílias que acabaram se dispersando ao longo do processo de acampamento e obtenção do direito de permanecer na terra sendo, atualmente, apenas 20 famílias. Os trabalhadores que realizaram a ocupação vieram de municípios como Sarzedo, Ibirité e Mário Campos, por exemplo. Apesar da identidade sem terra não estar vinculada exclusivamente com o camponês deserdado, como afirma Silva (2008), os trabalhadores que ocuparam a área que se transformou no assentamento Pastorinhas são, majoritariamente, agricultores. E, de acordo com uma das lideranças do Assentamento Pastorinhas (assentada da reforma agrária V, 2016), 100 [...] deixando a paixão de militante, e olhando pelo lado de organizador, de convívio é muito mais fácil você ter, e para o grande sucesso do assentamento, o perfil rural deve ser respeitado. Porque senão você vai fazer ocupação de solo e vai trazer pessoas para dentro com práticas que não condizem com o perfil do agricultor e aí rapidinho ele vende, passa para terceiros, vira um problema enorme. Então grande sucesso do assentamento foi ter mais de 90% de agricultores. Grande parte dos trabalhadores sem terra que compõem o assentamento Pastorinhas eram agricultores do cinturão verde da RMBH composto, por exemplo, pelos municípios de Ibirité, Sarzedo e Mário Campos. Para uma das lideranças do assentamento “é uma tradição ser produtor rural. Meu pai era meeiro”(assentado da reforma agrária M, 2016). Corroborando, portanto, com a investigação iniciada por Silva (2008, p. 14) que constatou que “[...] as famílias desse assentamento eram quase todas horticultoras em Bom Jardim (município de Mário Campos) que plantavam a meia suas hortas, pois não tinham terra”. Ademais, as mobilizações em torno da Reforma Agrária que atingem os trabalhadores do campo e da cidade, inclusive permitindo que trabalhadores pobres das periferias que exercem atividades extremamente precárias e de baixa remuneração procurem o acesso à terra para desempenharem atividades de agropecuária que lhes garanta maior qualidade e dignidade de vida, reitera a necessidade de se pensar o campo em seu sentido produtivo. Nesse sentido caminha a reflexão de Alentejano (2003, p. 42) ao propor que sejam produzidos assentamentos [...] onde se desenvolvam inúmeras atividades geradoras de renda e trabalho, aproveitando-se as potencialidades do território e da trajetória social dos assentados [...] oferecendo-lhes infraestrutura adequada, apoio à produção agrícola e não agrícola e condições para o livre exercício de sua cidadania. Os sem terra que ocuparam a área em Brumadinho eram agricultores que estavam, no campo ou na cidade, mas sem acesso digno à terra para trabalharem e por isso se mobilizaram. Conquanto, não se dá por resolvidas as questões agrárias por meio da decretação da erosão de seu paradigma. Apesar de terem ocupado a área mobilizados em torno da FETAEMG-CONTAG romperam logo após a ocupação. De acordo com um dos assentados (assentada da reforma agrária V, 2016) a justificativa para o rompimento adveio, da interpretação de 101 parte dos envolvidos na ocupação, de que eles estavam servindo como massa de manobra, para atender interesses partidários em algumas ocasiões, e não compondo a base de um movimento que, de fato, contribuiria para a melhoria da qualidade de vida de seus membros. Uma das lideranças do assentamento informou que a grande preocupação foi a de tornar, o mais rápido possível, a área ocupada em produtiva. Com essa preocupação, participavam pouco de reuniões ou outros momentos de formação política oferecidos pela FETAEMG-CONTAG, já que deviam parar as suas atividades agrícolas. Essa visão crítica acerca dos movimentos sociais do campo defendida por alguns membros da ocupação, que deu origem ao Assentamento Pastorinhas, fez com que ficassem mal vistos por um determinado tempo, pois [...] a gente foi chamado de capitalista. Porque a gente sempre falou que tem que produzir, tem que trabalhar, tem que vender e você tem que ter qualidade de vida. Aí você vai ocupar a terra para ficar de baixo da lona o resto da vida? Então aqui como o pessoal foi construindo moradias dignas, tendo acesso a carros, ao PRONAF (assentada da reforma agrária V, 2016). Contudo, essa dualidade, mobilização política e produção agropecuária não é uma regra. A área ocupada pelo assentamento Pastorinhas tem 152 hectares, sendo que apenas 10% dela é utilizada para as atividades de agropecuária, pois o restante é ocupado por mata preservada pelo antigo proprietário e que não foi retirada após a ocupação pelos trabalhadores sem terra13. De acordo com uma importante liderança do assentamento (assentada da reforma agrária V, 2016) eles [...] tem 140 hectares de mata. É a única. Se você pegar aqui em volta das mineradoras e pegar uma imagem no google a gente está em uma ilha14. Então qual é o meu medo? Eles descobrirem algum minério aqui dentro. Ou então usar isso aqui. Porque eles tem que ter umas áreas de preservação. 13 Como pode ser observado através da Figura 8 na página 100. 14 Conforme pode ser visto através da Figura 7 na página a seguir. 102 Figura 7 - Imagem do Google Earth que situa, através do polígono em vermelho, a “vila” de casas do Assentamento Pastorinhas e parte utilizada para cultivos e criações. Ademais, é possível perceber, à noroeste do Assentamento, a presença de áreas mineradas. Fonte: Google Earth (acesso em 21 fev. 2019) 103 Fotografia 1 – Vista de área de mineração a partir do terreno do Assentamento Pastorinhas Fonte: Acervo pessoal (2016). Fotografia 2 – Vista de parte da área destinada à produção no Assentamento Pastorinhas Fonte: Acervo pessoal (2016) 104 Os assentados já tentaram, de diferentes maneiras, reduzir o valor que devem pagar sobre o título do imóvel rural que lhes foi transferido via política de reforma agrária em decorrência do fato de não utilizarem, de forma produtiva, a maior parte do assentamento que está ocupada por um fragmento remanescente de mata atlântica. Um dos assentados (assentado da reforma agrária M, 2016) fez a seguinte observação acerca dessa situação: “nós temos estoque de carbono, mas não recebemos nada por isso. Inhotim recebe por estoque de carbono apesar de ter expulsado moradores de uma comunidade”. Outro assentado (assentada da reforma agrária V, 2016) asseverou da seguinte forma: nós aqui no assentamento temos 140 hectares de remanescente de mata atlântica e tem 10 anos que a gente tenta pelo bolsa verde. O Inhotim recebe R$1.000.000 e não sei quanto de ICM… dessa coisa do Bolsa Verde. Eu fui até eles para que ensinassem. Mas eles não falam nada! Não ajudam, nem nada! Portanto, se levar em consideração a utilização de apenas 10% da área que ocuparam, os assentados do Pastorinhas preservam uma área bem maior de reserva legal do que a determinada pela legislação ambiental. Fotografia 3 – Estrada de terra que perpassa a mata preservada no Assentamento Pastorinhas. Fonte: Acervo pessoal (2016). 105 Figura 8 – Imagem do Google Earth com desenho do polígono em linha vermelha que demarca, aproximadamente, a área do Assentamento Pastorinhas na qual pode-se observar a proporção entre área ocupada e área de mata preservada. Fonte: Google Earth (acesso em 21 fev. 2019). 106 O Assentamento Pastorinhas, juntamente com outros assentamentos da RMBH, a saber: Dois de Julho (entre Betim e Esmeraldas), Dom Orione (Betim), Ho Chi Minh (Nova União), e Santa Cruz (Betim), reunidos em Betim, fundaram, no dia 18 de fevereiro de 2017, a Cooperativa dos Produtores Assentados da Região Metropolitana de Belo Horizonte – Terra Produtiva que tem como principais objetivos:  Reafirmar o papel fundamental que os assentados desempenham para a segurança alimentar, buscando, assim, ressignificar as representações depreciativas acerca do rural, bem como dos assentados da reforma agrária;  Permitir com que os assentados tenham condições mais robustas de acesso ao mercado de alimentos, que é consideravelmente ocupado por atravessadores e pela empresa Centrais de Abastecimento de Minas Gerais S/A – CeasaMinas;  Contribuir para a materialização das condições que permitirão à juventude rural refletir sobre a sucessão rural, desobrigando-os a migrar para as cidades;  Criar reais condições para que os assentados possam contribuir para a preservação ambiental que tanto lhes é requisitada. Fotografia 4 - Placa da Cooperativa Terra Produtiva. Fonte: Acervo pessoal (2017) 107 O evento de fundação da Cooperativa Terra Produtiva foi realizado na Associação de Reintegração da Criança e do Adolescente (ARCA) situada em Betim e serviu para que os assentados da RMBH pudessem interagir e dialogar sobre as suas expectativas acerca dos trabalhos da Cooperativa, bem como para cumprir algumas exigências legais com o intuito de registrá-la e colocá-la em funcionamento. As principais lideranças dos assentamentos tiveram a companhia de representantes da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (EMATER-MG), da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário (SEDA-MG); do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST); da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais (FETAEMG- CONTAG), e das Prefeituras de Betim e Nova União. De acordo com uma das lideranças do Assentamento Pastorinhas, escolhida como a primeira presidenta da Cooperativa Terra Produtiva, a sua fundação é mais uma ação que “temos que organizar, se não seremos engolidos pela metrópole” (assentada da reforma agrária V, 2017). Essa liderança percebe que se os assentados não se organizarem, assim como os demais agricultores, há a possiblidade, nada remota, do campo na RMBH “virar só reserva ambiental. Vai tudo virar turismo”. Além dos assentados há a previsão de que façam parte dessa Cooperativa os membros de comunidades quilombolas e os povos indígenas da RMBH que se interessarem. A constituição da Cooperativa Terra Produtiva se insere em um contexto no qual, de acordo uma liderança do Assentamento Pastorinhas (assentada da reforma agrária V, 2017), os movimentos sociais organizados “não estão dando conta de gerar renda e assistir esse povo que está aqui na metropolitana”. A fundação dessa Cooperativa, no entanto, não está descolada de outras questões igualmente importantes, e vai se estruturando em torno de alguns pilares ou frentes de luta: a) juventude rural; b) luta do rural frente a forte urbanização; c) organização da produção (via cooperativa, por exemplo). Essa mobilização está ocorrendo com o intuito de fortalecer politicamente a população rural. Não há o interesse de torná-los membros de um movimento social, já formatado, e com isso enquadrá-los, mas de permitir com que os assentados ampliem sua autonomia e possam protagonizar suas histórias. O assentamento Pastorinhas se destaca na RMBH por ter sido “o assentamento pioneiro, quando o governo lançou o projeto, nós fomos o primeiro assentamento do estado a vender para o PAA” (assentada da reforma agrária V, 2017). Pela enorme 108 experiência acumulada e pela grande capacidade demonstrada em trabalhar com o mercado institucional uma das assentadas do Pastorinhas foi convidada a conduzir os projetos ligados ao PAA no município de Brumadinho. Ao longo do período 2015-2016 essa assentada passou, então, a orientar a Prefeitura na condução do PAA e do PNAE. Com relação ao PNAE o Assentamento Pastorinhas é uma grande referência. Eles já participaram do PNAE de Sarzedo, Brumadinho, São Joaquim de Bicas, Lagoa Santa, Santa Luzia e já atenderam diversas escolas estaduais de Belo Horizonte. E essa grande capacidade do assentamento, em comercializar via mercados institucionais fez com que outros produtores rurais, que disputam o mesmo mercado, cogitassem uma investigação sobre as suas atividades. Essa ação, de acordo com essa mesma assentada, indica que muitas pessoas ainda “[...] acham que a gente não tem capacidade. Talvez pela visão que eles tem que você tem que ser só mendigo. Quando eles pegam: o assentamento ganhou aqui, ganhou ali, esse povo não tem produção!” (assentada da reforma agrária V, 2017). Os assentados do Pastorinhas acreditam que a partir do ano de 2017 poderão passar por grandes dificuldades para acessar o mercado institucional em decorrência do cenário político que passam a enfrentar, já que o prefeito eleito em Brumadinho é apontado por eles como um adversário, pois a área que ocupam é vizinha a do político e já foi alvo de disputas. Eles o acusam de ter soltado animais sobre a área destinada ao plantio agrícola. Também estão bastante preocupados com o cenário político nacional estabelecido após o impeachment imposto à Presidenta Dilma Roussef que culminou, dentre outras ações, com a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e que poderá gerar retrocessos nas políticas agrárias, como o PNAE. Esses possíveis retrocessos, bem como outros, os preocupam tendo em vista a forma como o mercado de alimentos na RMBH está estruturado, haja vista, o grande domínio exercido pela CEASA-MG. Por exemplo, a alimentação escolar “compra 30% apenas do agricultor familiar, o restante ela compra do distribuidor do CEASA, que compra produto nosso, que vai lá no CEASA e volta para cá” (assentada da reforma agrária V, 2017). Os assentados do Pastorinhas já tentaram comercializar uma parte da produção com o Inhotim, porém não conseguiram. Em uma das tentativas, eles enviaram uma lista com os produtos e seus respectivos preços – abaixo do preço de mercado, deve- 109 se ressaltar – junto de uma cesta de alimentos para amostra, mas não chegaram a nenhum acordo. Um fato que chama bastante a atenção, pela perversidade, foi a tentativa de um chef, de um dos restaurantes do Inhotim, ao tentar arregimentar os agricultores do assentamento: teve um chef de um restaurante lá, parece que é holandês, que esteve aqui. Queria que a gente produzisse – olha que eu falei: ninguém planta uma sem*nte para esse cara – alguns alimentos exóticos e ele não voltou até hoje. E se a gente tivesse investido? Quem é que ia pagar a conta? Quem é que ia ficar com o nosso prejuízo? E aí um dia que ele me pediu a tabela de preços ele achou caro. E a gente com preço não de venda direta não. Colocou preço tudo abaixo. Ele achou caro. Quer dizer: quer explorar mesmo! Quer levar o agricultor a exaustão de exploração! (assentada da reforma agrária V, 2016) Devido a dificuldades de comercialização como essa o mercado institucional torna-se de fundamental importância para agricultores familiares e assentados da reforma agrária e deve, portanto, ser fortalecido. 2.5. As comunidades quilombolas de Brumadinho e a condição de sem-terra. Há, no município de Brumadinho, seis comunidades quilombolas. Sendo que 4 foram reconhecidas pela Fundação Cultural Palmares, apesar de não terem a titulação das terras. As comunidades quilombolas reconhecidas são: Sapé, Marinhos, Ribeirão e Rodrigues. Próximo a elas, estão as comunidades quilombolas, não reconhecidas, de Lagoa e Massangano. Um dos grandes problemas identificados durante os trabalhos de campo foi o fato de que essas comunidades quilombolas, reconhecidas ou não pela Fundação Cultural Palmares, ainda não dispunham de terras para o desenvolvimento de suas atividades produtivas e não se encontravam mobilizadas para encampar uma luta de acesso à terra como lhes é garantido pela legislação conforme o Artigo 68 da Constituição Federal do Brasil de 1988, o Decreto número 4887 de 20 de novembro de 2003, a Instrução Normativa número 57 de 20 de outubro de 2009, a Convenção número 169 da Organização Internacional do Trabalho e o Decreto número 5051 de 110 19 de abril de 2004. De acordo com um funcionário do escritório local da EMATER- MG as comunidades quilombolas de Brumadinho dispõem apenas de [...] fundo de quintal. [...] Marinhos, Sapé, eles produzem mais fundo de quintal, praticamente. A secretaria doa sem*ntes de hortaliças, sem*ntes de feijão. Nesse ponto que a gente dá prioridade. Para a doação, mas só que as terras deles são pequenas. E às vezes eles arrendam com os próprios produtores vizinhos. Então eles arrendam. Daí utilizam a patrulha mecanizada da secretaria. Então eles fazem o plantio de feijão, fazem o plantio de milho, depois dividem, meio a meio (agrônomo EMATER-MG M, 2016). Foi identificado que devido ao fato de alguns quilombolas produzirem em terrenos cedidos por fazendeiros da região (meeiros, parceiros, dentre outras formas) tem medo de enfrentar a luta pela regularização de seus territórios, perderem e ficarem, a partir de então, sem acesso às parcelas de terra que esses fazendeiros cedem. Portanto, a condição de produtor rural sem terra aprisiona o quilombola, pois com medo de perder a terra que cultiva na forma da parceria, também não luta para ter o acesso definitivo a terra que lhes pertence por direito. Um outro fator que colabora para a permanência dessa situação é a forte relação que essas comunidades mantem com o Inhotim, já que esse instituto emprega uma parte considerável de seus moradores e com isso, garantem renda para permanecerem em suas comunidades. Contudo, as comunidades quilombolas de Brumadinho, já foram alvo de muitas ações, das mais diversas entidades (ONG’s, Universidades, Empresas, etc), que entrevistaram os seus membros, realizaram os mais variados tipos de diagnósticos, pesquisas e projetos, mas não contribuíram, de fato, para mudanças significativas na realidade econômica e social de seus componentes. Porém, na relação com o Inhotim, uma parte considerável dos membros dessas comunidades quilombolas tornaram-se empregados do Instituto. De acordo com um quilombola da comunidade do Sapé e trabalhador do Inhotim [...] antes de ter o Inhotim, os jovens, os meninos da faixa etária, da minha idade, todo o mundo saía em busca de emprego em São Paulo [...] começou então todos os jovens a saírem da comunidade, pois era a única fonte de emprego, a não ser as fazendas e o sítio que tem lá, porque não tinha essa oportunidade de emprego. E acabava que as tradições, os costumes da comunidade começaram meio a que despencar porque os jovens indo. Porque assim: é avô passando para pai, é pai passando para filho. Então com o Inhotim abriu uma oportunidade muito grande. Porque isso mudou um pouco. Hoje, por 111 exemplo, tem um ônibus, só da comunidade e da região lá das comunidades quilombolas que é Marinhos, Rodrigues, Sapé, tem outras que não são mas são da zona rural que é Aranha e Coronel Eurico (quilombola empregado do INHOTIM E, 2016). Se um dos fatores que poderiam impactar a continuidade das tradições culturais das comunidades quilombolas é a migração para outras cidades vê-se que os empregos gerados pelo Inhotim podem contribuir para minimizá-lo. Esse caso demonstra o quão importante seria o reconhecimento do direito à terra e a sua regularização para que as tradições culturais quilombolas pudessem ser mantidas. Entretanto, como eles não tem terra para trabalhar e não lutam para acessá-la, conseguem se sustentar e manter as suas tradições em decorrência da realização de trabalhos assalariados na cidade ou no campo apresentando pouca relação com as atividades de agropecuária. Há, aproximadamente, 45 moradores da comunidade quilombola do Sapé empregados no Inhotim ocupando cargos de jardineiros, faxineiros, tratoristas, recepcionistas e mecânicos. Mas há, também, moradores do Sapé que trabalham na oficina de cerâmica do Inhotim – Oti. A contratação de diversos moradores do Sapé para trabalharem na fabricação de cerâmicas associa-se a tradição do trabalho com o barro que já desenvolviam: você chegou a entrar na Igreja? Tem vários vasos de barro. […] casas de sapé, então as paredes feitas de barro. Então por exemplo a casa da minha irmã mesmo era feita de barro com bambu quando ela casou. O chão lá de casa passava era barro, barro branco. Que a gente buscava, ajudava as mães a buscar nas matas o barro branquinho e passava no chão. Então, tem muito a ver com essa história. Os jarros da igreja, os jarros que põe na mesa nas festividades, tudo era (quilombola empregado do INHOTIM E, 2016). Em 2016 o escritório local da EMATER-MG iniciou a retomada de um trabalho na comunidade quilombola de Marinhos, que havia sido iniciado em 2013, com a instalação de uma padaria comunitária. De acordo com o agrônomo da EMATER-MG em Brumadinho Essa padaria chegou através do Programa Minas Sem Fome, se eu não me engano foi em 2013. Devido às condições sanitárias, da vigilância sanitária, o local onde foi escolhido para instalar a padaria lá em Marinhos não preencheu os requisitos. Então os equipamentos ficaram parados um bom tempo. Então a gente esteve lá no ano 112 passado e verificamos que os equipamentos estavam parados e falamos: temos que dar um jeito de colocar os equipamentos para funcionar. Então a gente, junto com a Secretaria de Agricultura, e EMATER-MG, fizemos uma capacitação com uma coordenadora nossa da EMATER-MG, que veio aqui e fez uma prática com elas, deu um curso para elas, de panificar, para resgatar o conhecimento e depois a gente começou a fazer outras ações. Abriu a possibilidade delas comercializarem os produtos na feirinha da agricultura familiar em Brumadinho, mas só que devido ao problema que elas não tem um forno ainda bom, assim para produção maior, elas desanimaram. Mas agora a gente com essa parceria lá no Kairós, lá tem uma área mais adequada, e tem um forno de maior capacidade, elas estão fazendo alguma produção (agrônomo EMATER-MG M, 2016). A partir de 2016, portanto, a Incubadora Kairós da ONG Instituto Kairós passou a assistir esse projeto. 2.6. Estratégia camponesa em Brumadinho: abandono parcial das atividades de agropecuária Em Brumadinho, a realidade não é apenas de emigração e envelhecimento populacional, pois, foi possível identificar que há casos de trabalhadores que deixaram as atividades na cidade ou em outros ramos, como a mineração, e voltaram a trabalhar na agropecuária. Um dos entrevistados, funcionário da Prefeitura de Brumadinho disse que você vê muito produtor. Você vê pessoas que trabalhavam na mineração. Era produtor, foi trabalhar na mineração e agora voltou a produzir de novo. A mudança de cenário do minério. O pessoal saiu do minério e aí uma opção que eles tiveram principalmente o pessoal daqui foi voltar para agricultura. Tem muitos produtores que estão na produção porque saiu do minério (servidor público municipal J, 2016). O que esse fato demonstra é que a agropecuária é uma fonte importante para o desenvolvimento local diante de outras atividades econômicas que podem apresentar um elevado grau de volatilidade como a mineração. Segundo outro entrevistado, também funcionário da prefeitura local, nos últimos anos a agropecuária vem se tornando uma importante alternativa de emprego e renda para a população 113 local, tendo, inclusive pessoas que retornam para a atividade depois de trabalharem na mineração. Essa constatação foi feita pelo funcionário da prefeitura ao verificar o aumento dos pedidos de assistência técnica: “como eu dou assistência técnica é visível que a demanda de serviço da secretaria aumentou em 30, 40% por causa disso. Todo mundo quer virar para a produção de mexerica, o feijão, no ano passado deu bem, milho, pecuária, então isso é visível!” (servidor público A, 2016). Foi possível, também, verificar o movimento de retorno às atividades de agropecuária no campo de Brumadinho através dos pedidos de uso do maquinário da patrulha mecanizada: Tem os comparativos igual de máquina agrícola. Teria que pegar os do ano passado, o desse ano e ver o quanto que aumentou e o por que aumentou. A maioria de pedidos novos aqui é de gente que trabalhava em outra empresa, às vezes quebrou, ou fechou, ou foi demitido, e resolveu mexer na roça. Arrendar, plantar horta, alguma coisa assim (servidor público A, 2016). Esse mesmo funcionário da prefeitura é taxativo ao afirmar que Inclusive a área de horta aumentou muito! É uma cultura mais fácil de mexer e, o pessoal, muita gente que trabalhava na Vale resolveu mexer com horta [...] O pessoal está plantando mesmo, justamente, porque não tem uma outra atividade e aí ele pega o terreno que já era dele e que está parado e quer plantar 1000, 2000, 3000, porque a mexerica não deixa de ser uma renda, ainda mais que esse ano a mexerica deu preço, então o pessoal vê aquela vantagem toda de plantar mexerica (servidor público A, 2016). Ademais, Brumadinho é, desde 2013, o maior fornecedor de tangerina para o CEASA MG da Grande Belo Horizonte, respondendo por 25-33% do produto ao longo do período 2013-2016. Isso correspondeu, a uma produção de, mais ou menos, 5 mil toneladas de tangerina por ano encaminhada para a Ceasa MG da Grande Belo Horizonte. Além dos empregos oferecidos pelas empresas de mineração, os condomínios residenciais atraem fortemente a população rural, fazendo com que abandonem as atividades ligadas a agropecuária para se dedicarem exclusivamente a essas ocupações. O assalariamento da população rural em Brumadinho decorre, principalmente, da oferta de empregos pelas mineradoras e pelos condomínios. Foi possível observar que há produtores rurais que conjugam o trabalho nas empresas 114 mineradoras ou nos condomínios residenciais com as atividades de agropecuária. 2.7. Autonomia e liberdade camponesa mesmo que restrita Um produtor rural acha que conseguirá fazer com que os filhos se interessem pela propriedade e não procurem emprego, por exemplo, nas empresas mineradoras ou nos condomínios residenciais, pois, assim diz ele: eu não queria que eles fossem trabalhar de empregado para os outros e largassem isso aqui. Porque aqui eles não precisam de muito dinheiro para viver e vão ter uma qualidade de vida melhor do que ter um emprego de R$1500 na cidade e não ter liberdade nenhuma (agricultor familiar P, 2016). Esse raciocínio deve ser sublinhado, pois determina algo fundante da lógica camponesa: a autonomia. eu gosto do rural. Eu gosto do tipo de vida que eu levo. Eu não tenho emprego, eu sou uma pessoa livre. Eu estou aqui e estou tranquilo. As coisas estão equilibradas. Mas eu queria que eles ganhassem isso que eu tenho para eles não dependerem dos outros (agricultor familiar P, 2016). Ele ressalta que o melhor aspecto do trabalho no campo com a agropecuária é a liberdade. Esse depoimento, muito se aproxima da ideia do equilíbrio entre satisfação familiar e fadiga decorrente da autoexploração do trabalho na unidade de produção familiar proposto por Chayanov (CHAYANOV[1924], 2014). Em casos como o exposto pelo depoimento acima vê-se que [...] o cálculo aritmético objetivo do lucro líquido mais elevado possível, numa dada situação do mercado, não faz com que tal iniciativa econômica seja ou não aceitável. Isto será determinado pelo confronto econômico interno de avaliações subjetivas. Entra-se, todavia, em consideração com as condições objetivas particulares de unidade econômica. (Chayanov [1924], p. 108) Para Ploeg (2016, p. 76) “[...] é possível definir a condição camponesa como 115 uma luta por autonomia e melhores rendas dentro de um contexto que imponha dependência e privação”. Aqueles que se mantem no campo e não se tornaram assalariados procuram, portanto, manter um certo aspecto de liberdade e autonomia que está presente na forma como se organiza o trabalho camponês. Mas, a autonomia e liberdade camponesa não está descolada do contexto sócio espacial da RMBH e, por isso, se manter na atividade, grande parte das vezes, pode ser considerado um sinal de resistência, já que em Brumadinho tanto a mineração quanto os condomínios residenciais são vistos como lugares de trabalho promissores. Uma assentada da reforma agrária, tem percebido que o rural aqui vem sofrendo uma descaracterização por esse processo imobiliário de luxo [...] A Região Metropolitana aqui, a cidade em si, a expansão urbana é um dos fatores mais agravantes que eu vejo hoje, que coloca em ameaça o rural de sustentabilidade econômica e ambiental. Porque as propriedades estão sendo engolidas pelos bairros ou condomínios. Você dorme em um dia e no outro amanhece condomínio do seu lado já! (assentada da reforma agrária V, 2016). E a ocupação do campo em Brumadinho por propriedades de citadinos interessados em estabelecer sítios de lazer, ou fixarem residência, em decorrência da permanência do modo de vida citadino, descolado da base física de onde se instalam, podem se tornar geradores de impactos que podem afetar negativamente os moradores do campo que detêm modos de vida associados à base física na qual se inserem. 2.8. Nos condomínios de Brumadinho o trabalho é mais tranquilo? O município de Brumadinho tem se auto intitulado como vocacionado para instalação de condomínios residenciais horizontais. Ademais, esse título consta do Volume 1, Diagnóstico e Diretrizes para a Estrutura Urbana e do Território Municipal, do Plano Diretor do Município de Brumadinho, onde se lê na página 37: Uma das características do município é a sua vocação para os condomínios horizontais. Nele se instalaram vários condomínios, 116 como o Retiro das Pedras (que é o mais antigo de Minas, datando de 1972), o Retiro do Chalé, a Aldeia da Cachoeira das Pedras e as Quintas de Casa Branca (BRUMADINHO, 2006). Porém, o que definiria a vocação de um município para condomínios horizontais? Além do mais, essa característica tem sido ressaltada como importante para o desenvolvimento do turismo no município. Fotografia 5 – Placa indicativa de condomínio em Casa Branca, Brumadinho. Fonte: Acervo pessoal (2016) Fotografia 6 - Placa indicativa de condomínio em Casa Branca, Brumadinho Fonte: Acervo pessoal (2016) 117 Fotografia 7 - Placa indicativa de condomínio em Piedade do Paraopeba, Brumadinho Fonte: Acervo pessoal (2016) Constatou-se que em Brumadinho há 16 condomínios residenciais. São eles: Retiro das Pedras, Jardins, Mãe Terra, Eco Casa Branca, Estância da Cachoeira, Reserva de Piedade, Água Claras, Retiro do Chalé, Aldeia da Cachoeira das Pedras, Quintas de Casa Branca, Recanto do Vale I e II, Ville Casa Branca, Gran Royalle, Quintas do Brumado, Recanto da Serra e Parque das Águas I e II. A tabela a seguir contém alguns dos maiores e menores valores encontrados ao se acessar o endereço eletrônico de uma das imobiliárias que atuam na região. 118 Tabela 7 – Valores de casas e lotes em condomínios de Brumadinho no ano de 2017 CONDOMÍNIOS CASAS LOTES Retiro do Chalé R$680.000,00 R$4.200.000,00 R$318.000,00 R$600.000,00 Jardins R$580.000,00 R$850.000,00 R$120.000,00 R$150.000,00 Mãe Terra R$450.000,00 R$660.000,00 R$95.000,00 ---- Águas Claras R$590.000,00 R$1.200.000,00 ---- ---- Recanto da Serra R$550.000,00 R$750.000,00 R$125.000,00 R$180.000,00 Quintas do Brumado ---- R$150.000,00 Gran Royalle ---- ---- R$160.000,00 R$180.000,00 Fonte: site: Acesso em: 22 mar. 2017. Elaboração própria. Além desses dados sobre o valor de casas e terrenos em condomínios de Brumadinho um dos funcionários da Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Brumadinho afirmou que “Qualquer terra aí é R$100.000 o hectare aqui. Enquanto que em outros lugares é R$15.000-R$20.000” (servidor público A, 2016). Ainda de acordo com esse entrevistado as mais próximas de Brumadinho (se refere à sede municipal) não acha por menos de R$100.000 (o hectare) [...] próximo dos condomínios ainda é mais caro. Em torno de R$100.000 o hectare ou mais. Próximo de mineradora, próximo dos condomínios, vai puxando mais para o interior, descendo mais para o Rio Manso, para o Bonfim aí consegue diminuir um pouco. Mais próximo de Belo Horizonte, ele vem de lá para cá o preço. Ele vem decrescendo de lá para cá. R$100.000 R$150.000 o hectare. Qualquer chácarazinha, se for comprar chácara de 1.000 metros lá no Aranha, ou para cima lá, é R$100.000, R$120.000. De uns R$80.000 para cima (servidor público A, 2016). Esses dados são importantes para corroborar com o fato de que o campo vem se transformando em decorrência de um processo imobiliário de luxo. 119 Os impactos sobre o campo estão associados ao aumento do preço da terra, aumento do preço da mão de obra, impactos sobre os recursos hídricos, assalariamento, dentre outros. A oferta de empregos nos condomínios residenciais de Brumadinho tem contribuído, por exemplo, para aumentar o valor da mão de obra local. Um jovem agricultor familiar asseverou que as pessoas de sua geração, com as quais ele convive, não continuaram estudando após a conclusão do ensino médio, pois logo arrumaram emprego nos condomínios do município, principalmente o Retiro do Chalé. E isso acabou, de acordo com ele, elevando o valor da mão de obra, pois, em suas palavras: o Chalé deu muito emprego, o Retiro, o condomínio deu muito emprego, começou a ganhar… eu falo que para nós aqui, para fora do condomínio ficou ruim demais, porque você não consegue um trabalhador de menos de R$100 o dia (agricultor familiar R, 2016). Constata-se, portanto, que a oferta de empregos nos condomínios residenciais levam trabalhadores rurais do município a deixarem de trabalhar para os produtores rurais que tinham condições de pagar por funcionários em sua propriedade, ou deixarem as atividades de agropecuária que desenvolviam. Os empregos disponíveis nos condomínios residenciais são, majoritariamente, aqueles associados com a conservação e limpeza, nas funções de jardineiros, faxineiros, porteiros e diaristas. Funções de baixa remuneração, mas que podem contar com dias e horários pré- determinados de trabalho, descanso semanal remunerado, férias, 13° salário, plano de saúde, cesta básica, dentre outros benefícios sociais e direitos trabalhistas. Mas esses empregos não são voláteis? Ou seja, em momentos de dificuldades financeiras por parte dos proprietários de casas nesses condomínios eles terão menos serviços, podendo, inclusive ficarem desempregados? Mas, de acordo com o mesmo jovem produtor rural de Brumadinho, citado anteriormente, a partir, do ano de 2015, tornou-se possível contratar trabalhadores que aceitem receber menos, em decorrência, do momento de crise econômica pelo qual o país vem passando. Porém, ele acredita que logo que essa crise passar o valor da mão de obra subirá novamente. Outro produtor, com mais de 30 anos de experiência na produção de cachaça artesanal, afirma que não se acha mais, com facilidade, trabalhadores para as funções na roça: “Uns tempos atrás, assim, todo mundo ficava doido procurando serviço. Hoje está sendo ao contrário” (agricultor familiar E, 2016). Para ele, esse fato se justifica 120 Porque o pessoal, porque dependendo, assim, é um serviço mais fácil. Vai lá, limpar um jardim. Trabalha pouco. Acaba ganhando muito. Então o serviço aqui de roça tem que trabalhar bastante, tem que fazer alguma coisinha, trabalhar um pouquinho para ter como a gente sustentar, ter como pagar, então está todo mundo preferindo assim um emprego mesmo nesses condomínios (agricultor familiar E, 2016). Ele diz que os empregos nos condomínios são mais procurados e valorizados pela população, pois o trabalho no campo é mais penoso e remunera menos do que o realizado por eles nesses espaços. O fato é que no campo o trabalhador não apresenta uma renda mensal determinada com a qual possa contar e parte considerável do seu sustento advém da roça que cultiva e dos animais que cria. Mas há também uma ideologia bastante forte que representa o urbano como sinônimo de progresso e de desenvolvimento. Mesmo sem se mudarem, os trabalhadores que se envolviam com a agropecuária e agora exercem as suas atividades dentro desses enclaves residenciais passam a se ver como parte da cidade e com isso acreditam ter alçado um patamar mais elevado de qualidade de vida. Ademais, o fato é que essa ideologia do desenvolvimento pelo urbano não se trata de um aspecto ilusório, mas sim sedutor. Sedução que decorre da participação do trabalhador rural em uma espécie de “circuito urbano”, que ele não tinha acesso quando era produtor rural, e que engloba o ônibus, a moto ou o carro para deslocar-se, diariamente, de casa para o trabalho, o celular, e outros bens materiais que ele passa a ter a fim de se “igualar” a outras pessoas que o possuem e, também, por necessidade para o trabalho. Também a sedução do urbano pode decorrer do fato de seu trabalho ser desempenhado na casa de uma pessoa que apresenta valores urbanos e com isso ele passa a compartilhar alguns dos seus hábitos diários. Apesar desse entrevistado (agricultor familiar E, 2016), com grande experiência na produção de cachaças, ter dito que o emprego nos condomínios ser melhor do que o da agropecuária, ao ser perguntado sobre qual decisão tomaria caso recebesse uma proposta de trabalho em um dos condomínios do município não titubeou e respondeu: “Não! Até o momento eu prefiro aqui”. Durante a entrevista, já estava claro que essa seria a resposta. Então, ela apenas confirma o fato de que, mesmo considerando a roça muito penosa, pouco rentável e o trabalho no condomínio mais tranquilo e mais rentável, a questão financeira não determina essa decisão, prevalecendo o equilíbrio que pode ser estabelecido entre a satisfação pessoal e familiar e a fadiga decorrente 121 da autoexploração do trabalho. Ademais, trata-se do lugar onde a sua família sempre morou e, portanto, é recheado de lembranças que não podem ser monetarizadas. 2.9. Através da agricultura a família pode garantir alimento barato, saudável e fresco todo os dias! De fato, em grande parte das entrevistas e conversas realizadas em campo, verificou-se que diversas pessoas passaram a se empregar nos condomínios residenciais do município, tendo como principais motivações a natureza dos serviços realizados, já que são considerados mais leves, capazes de garantir a esses trabalhadores um salário mensal e outros direitos trabalhistas, caso tenham a carteira de trabalho assinada pelos seus patrões. Porém, pouco se falou sobre a perda de autonomia com relação a produção de sua alimentação. Contudo, de acordo com uma assentada da reforma agrária de Brumadinho, deve-se somar ao certo grau de autonomia e liberdade camponesa outros fatores que colaboram para a permanência de alguns trabalhadores em suas atividades de agropecuária: segurança e soberania alimentar, qualidade de vida, qualidade do sono e saúde. Quem é agricultor familiar de verdade tem uma diversidade de alimentos na propriedade que é enorme. Então ele tem segurança alimentar e ele tem soberania alimentar. Que são duas coisas fundamentais que a sociedade, eu acho que daqui há uns 10 anos, ela vai ver que isso é mais importante do que ter um salário e trabalhar na sombra. É ter segurança e soberania alimentar. E a qualidade de vida que, infelizmente, no sistema capitalista ela não é mensurada. A qualidade do sono. Você trabalha, mas não tem horário. Você está almoçando e o cara chegou e quer que limpe a piscina, quer que corte a grama, você não para. Na sua casa você tem o seu horário, o pouco que você acorde mais cedo ou estenda, mas você tem o seu, quem faz o horário é você! E nesse sistema a qualidade de vida não é medida. E a ilusão pelo ter, pelo dinheiro, porque você vive numa sociedade que vale o que você tem e não o que você é. Então você vai estar nessa busca constante de mais e mais. E aí fazer com que, se você pegar um agricultor familiar e pegar esse que vende a mão de obra ele adoece mais fácil, ele tem mais hipertensão, ele tem mais doenças crônicas, do que quem trabalha lá no dia a dia. Aí, qual é a solução? É a valorização do trabalho rural! (assentada da reforma agrária V, 2016). 122 Esse depoimento está calcado sobre o conceito de soberania alimentar, visto que sua construção se dá pela práxis camponesa. A soberania alimentar está para além da ideia estrita de fornecimento e abastecimento de alimentos. Sua dimensão é mais ampla e engloba noções de autogestão, liberdade e autonomia camponesa baseando-se em, pelo menos, “[...] cinco dimensões, a saber: alimentar, energética, genética, hídrica e territorial; as quais tanto são interdependentes quanto supõem uma materialidade objetiva para além do solo, considerando-se a terra como território” (PAULINO, 2015, p. 179). Outra fala dessa mesma assentada da reforma agrária de Brumadinho é bastante didática para se compreender um pouco mais acerca do que Chayanov ([1924], 2014) teorizou, vejamos: Um cara que sai de manhã ele tem que pegar serviço 7h lá no condomínio e ele vai ganhar R$820,00, que é o salário mínimo ele tem que comprar o feijão, café, o açúcar, a carne, a verdura, ele vai ter que comprar isso tudo. Se ele estiver produzindo lá ele não coloca, ele não consegue dimensionar que ele tem a carne, que ele vai ter ovos, que ele vai ter o frango, ele vai ter o porquinho, se ele tiver uma cabra ou uma vaca ele vai ter o leite. Ele tem as frutas. E aí ele não consegue monetarizar o que ele tem. Porque se ele conseguir fazer, conseguir mensurar isso, ele ganha mais que os R$820,00. Sem contar com a qualidade do alimento que ele vai estar consumindo, porque ele vai consumir um alimento muito mais limpo e sem contar o que ele desembolsa. Ele não consegue fazer a lógica do que ele tem para o que ele desembolsa com os R$820,00. Então é uma ilusão! (assentada da reforma agrária V, 2016). Deve-se atentar para o fato de que as atividades de agropecuária citadas estão intimamente ligadas às necessidades alimentares da família e, portanto, quanto maior for a produção, menor será a necessidade da família de recorrer ao mercado. 2.10. Tradição e inovação do campo de Brumadinho: produção de cachaças e cervejas artesanais. Uma importante atividade agrícola do município de Brumadinho é a produção de cachaças artesanais. O município já foi considerado um dos maiores produtores 123 de cachaça artesanal do Estado de Minas Gerais. No Diário Oficial do Município de Brumadinho, ano 2, edição 255, do dia 25 de agosto de 2014, página 1, foi publicado que o município é “nacionalmente conhecido pela qualidade das aguardentes, Brumadinho está entre os maiores produtores de cachaça artesanal com o selo da Associação Mineira dos Produtores de Cachaça de Qualidade (Ampaq)”. Já o site “Descubra Minas” do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC-MG), que tem como objetivo reunir informações sobre, por exemplo, história e turismo dos municípios mineiros, também afirma que Brumadinho apresenta significativa produção de cachaça artesanal, além de ser recordista em cachaças certificadas pela AMPAQ (INFORMAÇÕES..., 2017). O que de fato se identificou foi que os produtores rurais de Brumadinho, há gerações, produzem cachaça artesanal, tanto para consumo dos familiares, quanto para a venda. Um dos produtores de cachaça artesanal de Brumadinho nos contou que “[...] deve ter uns 30 anos que a gente mexe. Agora igual no meu caso aqui eu faço pouquinha, mas é o ano todo também. Não tem safra não. É o ano todo. Então eu faço pouco mas é o ano todo” (agricultor familiar E, 2016). O movimento para compra de cachaça desse produtor, como se constatou em campo, é bastante intenso, pois em um intervalo de 1 hora, pelo menos 3 grupos de pessoas, majoritariamente homens, compraram, cada grupo, mais de 2 litros. A tabela a seguir foi produzida a partir de dados fornecidos pela Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Brumadinho. Ela lista os produtores de cachaça do município com vistas a dar um pequeno panorama sobre o setor. 124 Quadro 1 – Produtores de cachaça artesanal de Brumadinho CACHAÇA TIPO REGISTRO Cachaças: Água da Bica, Rainha do Milênio, Sonhadora e Velha União. Empresário Ativo Envasador Sim Brumado Velho Empresário Inativo Sim Cachaça Abrideira e Saideira Empresário Ativo Sim Segredo do Patriarca e Dômina Suave Empresário Ativo Envasador Sim Cachaça Puro Sabor de Minas Empresário Ativo Envasador Sim Engenherinha Coelho Empresário Inativo Sim Cachaça Estiva Empresário Ativo Envasador Sim Boa Vitória Empresário Inativo Sim Cachaça do Ataíde Produtor Rural Inativo Não Cachaça Alegria da Vida Produtor Rural Ativo Não Cachaça Zélia e Graziela Produtor Rural Inativo Não Cachaça do Edivaldo Produtor Rural Ativo Não Alambique do Sr Jair Produtor Rural Inativo Não Cachaça do Máximo Aparecido Produtor Rural Inativo Não Cachaça do Vicente Messias Produtor Rural Ativo Não Cachaça do Vicente Mateus Produtor Rural Ativo Não Fonte: Entrevista semiestruturada com funcionário da Prefeitura de Brumadinho em 2016. Elaboração própria. 125 A tipologia utilizada nesse quadro de produtores de cachaça artesanal foi feita pelo funcionário da Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Brumadinho que forneceu os dados referentes à produção de cachaça no município. As pessoas nomeadas por ele como “Produtor Rural” são aquelas que produzem cachaça com mão de obra, majoritariamente, familiar. Obtêm a maior parte dos rendimentos e dos alimentos que se destinam ao sustento da família, da atividade de agropecuária que eles mesmos realizam. Enquanto que o outro grupo, nomeado como “Empresários”, não depende economicamente das atividades de agropecuária que desenvolve, sendo, a produção de cachaça, eventualmente, uma delas. Portanto, os “Empresários” dispõem de outra fonte de renda, considerada a principal, obtida em outras atividades que não as de agropecuária. Um desses “Empresários” gerencia uma loja que comercializa automóveis na cidade de Belo Horizonte, outro é bancário aposentado e há, também, um grande industrial do setor de vestuário, por exemplo. O que fez com que Brumadinho aparecesse como um dos municípios com grande produção de cachaça foi o enorme volume fabricado pelo alambique de propriedade de um grande empresário do ramo de vestuário. No caso em tela verifica-se, através da tabela, que os “Produtores Rurais” de cachaça artesanal não dispõem de registro no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), enquanto que os “Empresários” dispõem. Isso, permite dizer que a legalização da atividade onera o produtor e por isso apenas os “Empresários” tiveram condições de realiza-la. Enquanto que os “Produtores Rurais” se mantem produzindo cachaças, sem o registro de seu alambique no MAPA, com vistas a garantir o sustento familiar. A explicação dada pelos produtores de cachaça artesanal para não se registrarem, foi, de fato, o custo dessa operação. Um dos produtores de cachaça artesanal entrevistado disse que a carga de impostos é bastante elevada podendo chegar a 54% do valor da bebida (empresário de bebidas R, 2016). Porém, a grande reclamação desses produtores é a de que os impostos são elevados e não são diferenciados quanto à condição do produtor. Ou seja, produtores de cachaça menos capitalizados pagam os mesmos valores que produtores mais capitalizados gerando, obviamente, uma concorrência bastante desleal. O Engenheiro Agrônomo da EMATER-MG em Brumadinho, informou que “[...] a gente vai tentar fazer o diagnóstico, perguntar e a queixa do pessoal que fechou é o seguinte: quando está clandestino funciona, quando legaliza começa a ter muita fiscalização e o imposto 126 muito caro, da cachaça” (engenheiro agrônomo EMATER-MG, 2016). Os produtores de cachaça artesanal já contaram com a possibilidade de se enquadrarem no “Simples Nacional”, que é um regime tributário simplificado para atender às micro e pequenas empresas. Foram excluídos desse tipo de tributação no ano de 2000, mas, já conseguiram reverter essa situação e em 2018 estarão, novamente, incluídos no “Simples Nacional”. Apesar do município ser considerado grande produtor de cachaça artesanal e a atividade ser bastante difundida pela zona rural, sendo possível identificar um ou outro produtor em diversas localidades do município, a atividade vem declinando em decorrência das dificuldades enfrentadas pelos produtores que procuraram se registrar. Os custos de produção, principalmente os relacionados aos impostos, se tornaram mais elevados e a comercialização da produção não foi suficiente para cobri- los. Portanto, a concorrência enfrentada pelos produtores de cachaça artesanal desenha-se sobre esse quadro. Uma das políticas desenvolvida pela administração municipal que contribui para a manutenção da produção de cachaças no município e, também, para a sua valorização é a realização, anual, geralmente no mês de agosto, do Festival da Cachaça. Trata-se de um evento organizado pela Prefeitura, através da Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, para promover e incentivar a produção de cachaça artesanal local. Nesse evento, os produtores de cachaça artesanal do município são convidados a ocupar as barracas cedidas pela prefeitura expondo e vendendo o seu produto. A prefeitura cede, além das barracas, garrafas com lacre e rótulo para que os produtores possam comercializar a produção de forma mais padronizada. A produção de cachaças artesanais em Brumadinho vem chamando a atenção de turistas e empreendedores desse ramo de atividade econômica. Há, inclusive, agências de turismo que realizam passeios pelos alambiques da região de Brumadinho, Moeda e Belo Vale. Um dos produtores de cachaça artesanal entrevistado informou que já recebeu proposta de donos de meios de hospedagem do município para abrir seu alambique para visitação. De acordo com ele tem demanda. A gente, inclusive aqui, tem 3 pousadas, tudo pequeninha, mas os donos dessas pousadas sempre reclamam com a gente: quando é que vocês vão receber o pessoal? O pessoal chega aqui. Tem os produtos lá e eles bebem e querem ir lá (empresário de 127 bebidas R, 2016). Constatou-se que a produção de cachaça em Brumadinho é um importante elemento para o turismo rural no município. Além de sitiantes que compram, com mais frequência, a produção local, turistas de final de semana também se interessam em comprar esse produto. A produção de cerveja artesanal também vem chamando a atenção dos turistas que visitam Brumadinho. Há, ainda, poucas pessoas que se dedicam a esse negócio, porém há uma família que se dedica a essa atividade no distrito de Aranha e que tem recebido um bom número de visitantes, principalmente, aos finais de semana e feriados. Fotografia 8 – Destaque da placa da Cervejaria da família Piacenza Fonte: Acervo pessoal (2016) Essa família fabrica e vende a cerveja em um pequeno bar e restaurante que montaram no terreno do sítio onde moram com os filhos. Esse local foi preparado para permitir com que o turista possa comprar, beber e comer o que eles produzem e, também, conhecer como é produzida a cerveja artesanal. Além disso, o proprietário dessa pequena cervejaria ministra um curso para as pessoas que desejam aprender sobre o processo de fabricação de cerveja artesanal. De acordo com os proprietários 128 dessa cervejaria a origem dos alunos são as mais variadas, sendo que poucos são moradores de Brumadinho, mês retrasado, foi um pessoal da Serra do Cipó, que tem uma pousada na Serra do Cipó e estão querendo colocar uma cervejaria lá. Aí eles fizeram o curso aqui. Ele é de Contagem. Aí já tem um pessoal que marcou hoje, eles vieram para o voo livre, para a pista lá em cima, aí foram andar por Brumadinho para ver o que tinha, porque não está dando para voar, vieram para cá e já deixaram pago o curso desse mês. [...] Para eles poderem vir. Então é muito variado. Tem gente de São Paulo que quer fazer o curso aqui. Aí a gente tem que ver como fazer para atender (empresários de bebida W e J, 2016). Essa família de empresários do ramo de bebidas saiu de Belo Horizonte há mais de uma década para residir em Brumadinho onde desenvolvem essa atividade. Não plantam a matéria prima que utilizam na fabricação das cervejas e das outras bebidas e raramente compram de produtores locais. Fotografia 9 – Detalhe da estante de dentro do estabelecimento com os produtos em exposição. Fonte: Acervo pessoal (2016). 129 2.11. Equinocultura de Brumadinho: entre grandes haras e pequenos currais Há uma atividade no campo de Brumadinho que chama bastante a atenção: a equinocultura. A equinocultura é uma atividade que reúne criadores riquíssimos como, também, os menos capitalizados. Criam animais que se destinam ao lazer, às competições ou ao trabalho nas atividades de agropecuária. A criação de cavalos é considerada por muitos uma atividade econômica da elite. Porém, existem criadores de cavalos pouco capitalizados e que dispõem de um número pequeno de animais, comercializando-os com menos tempo de vida para que possam obter algum lucro. Há, em Brumadinho, pelo menos, 8 grandes haras de criação e cuidados de cavalos. São eles: Haras Felicita, Haras Capitão Lucão, Haras do Juarez, Haras Marina Sansão, Haras Recanto das Pedras, Haras RK, Haras Serra da Moeda e Haras Pontal. Esses haras se dedicam, principalmente, a criação de cavalos da raça Mangalarga Marchador e são reconhecidos nacionalmente pela qualidade dos animais que criam e por isso figuram no mercado, muitíssimo valorizado, desses animais. Foi possível constatar que em Brumadinho a criação de cavalos e a realização de cavalgadas vem se estabelecendo como uma importante atividade no campo do município. De acordo com um dos funcionários da EMATER-MG em Brumadinho “[...] um outro potencial que a gente tem aqui são as cavalgadas. Aqui tem várias cavalgadas” (agrônomo EMATER-MG M, 2016). Elas acontecem por toda a área delimitada como rural do município, mas identificamos que as cavalgadas realizadas próximas ao condomínio Retiro do Chalé, na encosta da Serra da Moeda, são mais famosas. Além dos criadores de cavalo que dispõem de área para poderem criá-los, há, também, os proprietários de equinos que não tem condições de cuidar dos animais durante a semana e, por isso, alugam baias onde deixam os seus animais sob os cuidados de pessoas especializadas. Além de oferecem o serviço de baias esses estabelecimentos equestres alugam animais para pessoas que estejam interessadas em participar de alguma cavalgada ou que deseja realizar um passeio. Deve-se, portanto, sublinhar o fato de que os sitiantes, nomenclatura 130 comumente usada em Brumadinho para caracterizar os proprietários de segundas residências, localizadas na zona do rural do município, usufruídas, principalmente, para o lazer de final de semana e outros momentos do ano em que os proprietários não se encontram trabalhando (como férias e feriados) são os principais consumidores dos serviços oferecidos pelos proprietários de estabelecimentos equestres que oferecem baias para aluguel. Os sitiantes podem dispor de área e infraestrutura para poder criar o(s) seu(s) animais, mas para que isso seja realizado em sua propriedade, haveria grande dispêndio de dinheiro, além de ter que contar com mão de obra especializada. Constatou-se que os gastos que o sitiante tem com um cavalo para o lazer são bastante elevados, pois o cavalo lhe custou, aproximadamente, R$3.000,00 e é usado em momentos de folga do trabalho que realiza na cidade, proporcionando-lhe um gasto mensal de, aproximadamente, R$500,00 para pagar o aluguel da baia. Contudo, sem contabilizar outros valores que decorrem das necessidades do animal. Trata-se, claramente, de uma atividade de lazer realizada por pessoas que compõem as classes sociais mais abastadas. As cavalgadas, as trilhas ou os passeios realizados com os cavalos no município não necessitam de, praticamente, nenhum tipo de infraestrutura para que seja realizado, diferentemente das corridas de cavalo, rodeios ou de provas hípicas. Em decorrência disso a instalação de condomínios residenciais no município foi apontada por um dos criadores de cavalo de Brumadinho como negativa, mesmo compreendendo que para alguns moradores do município tenha sido bom, principalmente, devido a geração de empregos, pois, em suas palavras, “[...] evolui, vem a evolução junto” (agricultor familiar R, 2016). Um dos sinais dessa evolução, ainda de acordo com ele, é o asfalto, apesar dele considerar que “[...] o asfalto não contribui para o cavaleiro” (agricultor familiar R, 2016). Esse paradoxo é interessante de se observar. Pois, para ele, enquanto rurícola, que compreende progresso, desenvolvimento e evolução de uma localidade a partir da implementação de elementos urbanos (como o asfalto) rechaça esses elementos quando relacionados às cavalgadas, pois durante a realização das cavalgadas o asfalto não contribui para um passeio confortável. Para os turistas que procuram visitar o campo aos finais de semana, as estradas de chão conservadas, ou seja, sem buracos ou pedras, podem figurar como um atrativo a mais, caracterizando o lugar como mais rústico em relação à cidade sem, no entanto, tornar o passeio desagradável. Mas ao se tratar, por 131 exemplo, do escoamento da produção agrícola o asfalto contribui enormemente, facilitando os deslocamentos, tornando-os mais rápidos e menos custosos. Ou nos deslocamentos das crianças e jovens rurais para as escolas em dias de chuva evitando que se atrasem ou não possam comparecer às aulas devido ao péssimo estado das estradas. De acordo com um pequeno criador de cavalos de Brumadinho são poucas as pessoas no município que dependem economicamente da criação de cavalos, principalmente quando está se tratando de criatórios de cavalos, pois [...] é o criatório que dá o gasto, que você tem o gasto de manter, tem o gasto de proprietário, tem o gasto de manter o haras, tem o gasto de fazer o cavalo para exposição que não é fácil, que é um gasto altíssimo. Esse gasto é um dos piores. Você tem com medicamento, tem com o peão, tem com o transporte, muita coisa que envolve. [...] porque esses outros que tem esses cavalos que vão para exposição, que tem esses gastos todos, eles tem uma outra atividade rentável que aqui ele faz mais de lazer, mais de esporte dele, mais um lazer de final de semana (agricultor familiar R, 2016). Verifica-se, portanto, que os haras, ao menos em Brumadinho, não são algo lucrativo, onde capitalistas investem a fim de acumularem mais capital. Ademais, os haras figuram como propriedades particulares de citadinos, onde criam as raças de cavalos que gostam e desfrutam do lazer que essa criação pode lhes render. Além do lazer, a vaidade pessoal também entra em cena quando se trata da criação, de grande porte, de cavalos de raça como os Mangalarga Marchador. É muito vaidoso esse pessoal que eu acabei de falar. É muito vaidoso. Então eles querem ter um nome bom, querem ser reconhecidos no meio [...] é pelo reconhecimento. Muito vaidoso. Todos esses que eu falei, muito vaidosos. Tanto é que tem um desses que tem um haras por aqui que é coisa de novela. [...] Haras Serra da Moeda. Esse é trem de... você fica até com vergonha quando você entra lá dentro (agricultor familiar R, 2016). Obviamente, trata-se de um lazer para poucas pessoas, já que os animais, a manutenção dos mesmos, das instalações e a mão de obra necessária geram custos extremamente elevados. Tanto a criação de cavalos, como as atividades de lazer, esporte e turismo realizadas com esses animais, em Brumadinho, tem pouco apoio da Prefeitura local ou de outras entidades públicas. Isso advém da condição de parte dos interessados 132 na atividade, que como identificou-se, são, em grande medida, pessoas das classes mais ricas. 2.12. Turismo pode figurar como alternativa econômica para os residentes do campo em Brumadinho? O turismo é aventado em diversos municípios brasileiros, que se situam nos mais diversos contextos, como uma atividade econômica capaz de gerar renda e desenvolvimento. Essa atividade é especialmente incentivada em municípios como Brumadinho que apresentam pouca diversidade econômica, visto que os principais empregadores do município são a Prefeitura, o Inhotim e as empresas de mineração. Em outros municípios do Quadrilátero-Ferrífero de Minas Gerais, como Mariana, essa situação de dependência econômica pode ser ainda maior. Portanto, a atividade turística é incentivada como uma alternativa a essa dependência. Destacam-se como atrativos turísticos de Brumadinho a localidade de Casa Branca, o distrito de Piedade do Paraopeba, a rampa de voo livre localizada na Serra da Moeda (situados na face oeste da Serra da Moeda), Inhotim, além de pousadas e restaurantes dispersos pelo município. Foi possível identificar que a exploração da atividade turística pelos empreendedores do setor no município de Brumadinho é feita quase que de forma isolada. Os turistas que procuram, por exemplo, a rampa de voo livre para praticarem algum tipo de esporte aéreo eventualmente exploram outros atrativos do município. Há, também, muitos turistas que se encaminham para o município a fim de praticarem outras atividades esportivas como mountain bike, moto cross e trekking, por exemplo, e que pouco exploram outros atrativos do município. Apesar da grande dimensão do município e dos mais diferentes tipos de atrativos turísticos que o compõem o que se identificou foi que o principal tipo de turismo realizado em Brumadinho é aquele de final de semana para fins diversos como esportes, lazer, descanso e gastronomia, por exemplo. 133 2.12.1. A presença do Inhotim e os limites do turismo como atividade econômica em Brumadinho. Em Brumadinho a atividade turística ganhou especial tônus a partir da instalação e abertura para visitação do Inhotim no ano de 2006, apesar do turismo rural, ecoturismo e o turismo de aventura estarem presentes no município há mais tempo como nos informaram os funcionários da Secretaria de Turismo e Cultura municipal. Segundo Faria (2016) é possível compreendermos que o Inhotim é um importante vetor de urbanidade no município de Brumadinho devido à capacidade de atração de turistas e de negócios que ele detém. Desde os anos de 1990 Bernardo Paz (proprietário do Inhotim), através das suas empresas, comprou uma enorme extensão de terras no local onde está instalado o museu, desterritorializando uma comunidade rural que contava com, aproximadamente, 300 moradores. Ainda de acordo com Faria (2016) está prevista a construção de outros empreendimentos pelo Inhotim que tende a ampliar a participação do instituto na economia do município. Ademais, as diversas melhorias realizadas nas estradas do município, desde o início das atividades do instituto, facilitaram o acesso de visitantes e turistas, assim como podem contribuir para elevação dos lucros de atividades que procurem se associar ao museu. Através das obras e melhorias nas estradas do município, principalmente aquelas que permitem a sua ligação com a rodovia federal BR-040, poderá se consolidar a ligação do Inhotim ao vetor sul da Região Metropolitana de Belo Horizonte, reconhecidamente um vetor de expansão imobiliária de alta renda que congrega os municípios de Nova Lima, Raposos, Rio Acima e, também, Brumadinho. Portanto, os benefícios econômicos, para o Inhotim, dessa ligação com a rodovia BR-040, são bastante óbvios. O turismo rural, o ecoturismo, as pousadas e restaurantes, bem como o lazer praticado na zona rural delimitada pelo município, tendem a se aproveitar da presença desse museu de grande capacidade atrativa transformando, assim, sobremaneira o campo. Essa transformação do campo pela atividade turística deve ser vista com bastante parcimônia, pois ela requer diversas outras ações complementares para que possa gerar renda e emprego para a população do município. Uma ação 134 complementar fundamental que deve acompanhar a expansão de atividades de turismo em uma determinada localidade é a capacitação da população interessada. No caso de Brumadinho, segundo funcionários da Secretaria de Turismo e Cultura do município, apesar de haver um grande número de pessoas do município trabalhando no setor não há qualificação, “então, hoje, em algumas atividades específicas do turismo, por exemplo: garçom, camareira, as vezes a gente tem dificuldade de encontrar esses profissionais em Brumadinho”(servidor público P, 2016). Com vistas a superar essa situação a Prefeitura local, através da Secretaria de Turismo e Cultura, já ofereceu, em diferentes oportunidades, cursos de capacitação e treinamento em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) e com o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR): [...] nós já trouxemos vários cursos, já trouxemos de garçom, recepcionistas em meios de hospedagem, voltados para a área de culinária: pizzaiolo. Agente de turismo, já trouxemos também de recepcionista. Trouxemos de auxiliar de cozinha, dentre outros. Sempre nós estamos trazendo esses cursos e esses programas de capacitação (servidor público P, 2016). Um dos programas de capacitação que a Secretaria de Turismo e Cultura ofereceu à população de Brumadinho, em parceria com o SENAR, foi o Programa de Qualificação para Agentes de Turismo Rural com o objetivo de fazer com que os profissionais do setor de turismo local possam promover o município para além do Inhotim. “Então estão se formando agentes de turismo e o que eles irão fazer é promover o município, o interior do município. Todos aqueles produtos e serviços ali, além do Inhotim”(servidor público P, 2016). Existem outras iniciativas que procuram promover o turismo no município para além do Inhotim, mas ainda são, como as desenvolvidas pela Prefeitura de Brumadinho, de pouca expressividade e bastante recentes. Merecem, portanto, maior atenção do poder público local para que possam, de fato, desenvolver esse setor econômico. 135 2.12.2. Inhotim: fraco indutor turístico em Brumadinho, porém franco indutor urbano no contexto regional. Um dos funcionários da Secretaria de Turismo e Cultura de Brumadinho compreende que o Inhotim desempenha um papel muito importante no município, pois [...] você tem um município aí que cresceu muito incentivado pela exploração minerária. Você tem várias famílias voltadas para isso. [...] aí você vem com o Inhotim impactando essa turma de 14, 15 anos. Então, quer dizer, pegando uma parte da família e trazendo para uma outra dinâmica, com uma outra mentalidade, já introduzindo isso na cabeça das pessoas. O Inhotim promove isso. A interação entre os jovens. O primeiro emprego. Então você vem tendo uma mudança dos conceitos, que havia uma certa desconfiança sobre o que é isso. Inhotim? O que é isso? [...] hoje está incorporado exatamente porque ele está criando essa abertura com as comunidades também. Que é fundamental dentro do processo de aceitação e assimilação e pertencimento deles junto das pessoas (servidor público R, 2016). Mas até que ponto o Inhotim tornou a população brumadinhense menos dependente das empresas de mineração se o capital utilizado para construir o instituto veio das atividades de mineração realizadas pelo seu proprietário? Se uma parte considerável dos recursos financeiros utilizados pelo Inhotim provém de um dos seus maiores patrocinadores que é a empresa mineradora Vale? Diante disso, a presença do Inhotim no município tende a eliminar ou atenuar conflitos relacionados com a mineração ao fazer com que a população identifique as empresas mineradoras como parceiras do desenvolvimento local, da arte, da cultura e da educação. A presença do Inhotim em Brumadinho também deve ser vista com moderação no que se refere a capacidade de geração de emprego e renda, bem como para ampliar os negócios turísticos, pois, de acordo com um funcionário da Secretaria de Turismo e Cultura do município, o Inhotim vem se constituindo de forma independente e a prova que o Inhotim tem essa independência do município como parceiro é só a gente pensar na oferta que ele está instituindo dentro dele. Começou apenas com algumas galerias e um restaurante, hoje você tem lá dentro 12 equipamentos de alimentação, constituíram-se uma pousada, um hotel, que já está na sua fase de finalização [...] e isso é bom? É, para o Inhotim. Mas para Brumadinho e para o turismo 136 em Brumadinho isso não é bom. Porque o turista ele fica ilhado. [...] então o município não se desenvolve. O destino não se desenvolve (servidor público P, 2016). De acordo com Faria (2016, p.42, 43) as pretensões do empresário Bernardo Paz, proprietário do Inhotim, são de construir, pelo menos, a) um Hotel Boutique que se chamará Nhô e contará com 44 chalés de alto luxo e uma vila de apartamentos; b) 9 pousadas; c) um teatro; d) um Centro de Convenções; e) uma rua com lojas de marcas globais; f) aeroporto, e g) “vilas tecnológicas” destinadas a receber um grande número de moradores. Como bem demonstra Faria (2016, p. 44), para a execução desses projetos há a necessidade de obter um grande número de terras, visto que “o empresário já possui hoje uma área de aproximadamente 1.100 hectares (11.067.128 m²)”. “Brumadinho é só Inhotim para visitação. É. Tem gente que nem conhece Brumadinho. Onde é a cidade de Inhotim?” (servidor público A, 2016). Essa é a fala de um dos funcionários da Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Brumadinho ao ser indagado sobre a importância do Inhotim para o turismo rural no município. Essa sua opinião vai ao encontro, portanto, com a forma independente de atuação do Inhotim no município tratada logo acima. Essa percepção é compartilhada por outras pessoas que foram entrevistadas ao longo da pesquisa. Por exemplo, para um dos produtores rurais de Brumadinho “o pessoal vem visitar o Inhotim e pergunta: cadê? A cidade chama Inhotim. [...] Você vê que tem a placa para o lado da BR-381. Você vindo de BH pela BR-381 você vê a placa: INHOTIM” (agricultor familiar R, 2016). Enquanto que para um assentado da reforma agrária “o Inhotim está flutuando” (assentado da reforma agrária M, 2015), pois não colabora, de maneira efetiva, com o desenvolvimento rural local. Em certa medida, o Inhotim é um gerador de empregos, mas, de maneira geral, as oportunidades de trabalho que oferece são de baixa remuneração. E deve-se indagar: qual é o papel que Inhotim ocupa como lócus privilegiado da recepção de recursos provenientes da política de compensação ambiental? Outro fato, impressionante, que colabora para entender como o Inhotim vem sendo representado como algo independente do município de Brumadinho foi a forma como o Ministério do Turismo, em 02 de abril de 2016, através do Facebook, informou que “Brumadinho, a cidade mais próxima a Inhotim, fica a 60km de Belo Horizonte”. Tal fato, proveniente de um erro grosseiro, é, contudo, exemplar, pois representa 137 fortemente o Inhotim como entidade independente do contexto onde está inserido. 2.13. Segundas residências em Brumadinho: extensão do modo de vida urbano industrial. Há, também, em Brumadinho um grande movimento de proprietários de segundas residências (sitiantes) que se dirigem ao município nos finais de semana, feriados ou férias para aproveitarem as suas propriedades localizadas, geralmente, em áreas rurais. O IBGE classifica esses domicílios como “domicílios particulares não ocupados de uso ocasional”. O Censo Demográfico do ano 2000 constatou que o estado de Minas Gerais apresentava 289.006 domicílios nessa categoria, enquanto Brumadinho apresentava 2.315 destes domicílios. No Censo Demográfico de 2010 foram identificados 449.452 domicílios de uso ocasional no estado enquanto que em Brumadinho o número passou para 3.733. Ainda de acordo com o IBGE, através dos dados do Censo Demográfico de 2010, Brumadinho é um dos 140 municípios brasileiros que apresentam um percentual de 20,1% a 30% de domicílios particulares não ocupados de uso ocasional. Segundo Arrais (2013, p. 33), seria importante para a análise, contabilizar, não somente os domicílios particulares não ocupados de uso ocasional, mas, também, “[...] a ocupação de áreas sem edificação (lotes e glebas parceladas em condomínios fechados), pois são potenciais estoques para construção de residências secundárias”. Em Brumadinho, de acordo com o Plano Diretor do município, é possível identificar que as localidades de Piedade do Paraopeba, Casa Branca, Alberto Flores e Palhano apresentam índices consideráveis de lotes sem edificação. Em Piedade do Paraopeba, no ano de 2000, apenas 1% dos lotes de um loteamento aprovado em 1982 havia sido edificado, e em 2006, o percentual de lotes com edificação passou para 4%. Já a localidade de Casa Branca apresentava, no ano de 2000, apenas 7,4% dos lotes com edificações, e em 2006, esse percentual passou para 21,5%. Em Alberto Flores, no ano de 2000, 11,2% dos lotes contavam com edificações, e em 2006, 29% dos lotes. E, em Palhano, 30,8% dos lotes contavam com edificações em 2000, número que aumentou para 55,1% em 2006. Apesar desses números serem de 2006, quando o Plano Diretor de 138 Brumadinho foi publicado, eles são bastante significativos pelo fato de evidenciarem uma considerável reserva de valor monopolizada por proprietários individuais ou grupos empresariais e que, certamente, impacta a questão habitacional e fundiária do município, ainda mais se somado à existência de um grande percentual de domicílios de uso ocasional como verificado pelo Censo Demográfico realizado pelo IBGE em 2010. Mesmo havendo a necessidade de atualização desses dados eles demonstram que a ocorrência de segundas residências no município de Brumadinho é elevada e, portanto, corrobora com a análise de que o seu território faz parte de um contexto espacial que se liga à expansão da urbanização da RMBH. Nesse contexto, segundo Arrais (201, p. 44) “É oportuno assinalar que a emergência contemporânea dos assentamentos de segunda residência guarda relação com a urbanização, com a expansão do tecido urbano, como anunciado por Lefebvre (1991)”. De acordo com Arrais (2013, p. 35) “é oportuno não perder de vista que a denominação domicilio de uso ocasional designa um conjunto de situações espaciais que não se limitam ou mesmo não apresentam como único indutor a atividade turística”, visto que parte das pesquisas acerca do tema das segundas residências as associam à tal atividade. No caso de Brumadinho, é possível concordar com essa observação, não sendo prudente, portanto, adjetivar uma família, moradora da RMBH, que se desloque frequentemente – finais de semana, feriados e férias – para seus sítios, chácaras ou residências em condomínios residenciais fechados, situados em áreas rurais ou de expansão urbana, como turistas. Conquanto, não são turistas em virtude da própria condição de proprietários e da frequência dos deslocamentos realizados pela família, tornando a segunda residência fortemente vinculada ao cotidiano familiar. Enfim, as segundas residências demonstram a fragmentação do morar e a intensificação das formas de lazer privativos (ARRAIS, 2013, p.45). 139 3. RELAÇÕES CAMPO, CIDADE, RURAL E URBANO DIANTE DA PROBLEMÁTICA URBANA E ANÁLISE CRÍTICA DAS PROPOSTAS EM TORNO DO “NOVO RURAL”. A definição clara e exata sobre o que é campo e rural no Brasil é alvo de intensos e longos debates acadêmicos. Diversos autores, como Marques (2002), José Eli da Veiga (2007) e Suzuki (2007) enveredaram sobre esse debate, identificando que a dificuldade para se obter uma acepção clara sobre esse espaço decorre, em larga medida, da imprecisa definição oficial utilizada no país proveniente do IBGE. Esse órgão do governo federal utilizou, para a realização do Censo Demográfico de 2010, a definição de área rural como o espaço exterior ao urbano, ou seja, toda a área do município que não foi definida através de um procedimento legal como área urbana deve ser entendida como rural. Conforme Costa; Onofre dos Santos; Costa (2013, p.111) “Enquanto a área correspondente aos setores censitários urbanos é definida de acordo com a legislação vigente, os setores rurais são o efeito residual dessa mesma legislação” e que pode ser apontado como um dos fatores responsáveis, longe de ser o mais importante, pela desvantagem que o campo teve, historicamente, no âmbito das políticas de desenvolvimento econômico. Os estudos que se debruçam sobre questões que tocam na forma de definição político-administrativa das áreas rurais ou urbanas, são de grande importância, já que algumas prefeituras delimitam determinadas áreas como urbanas com o objetivo de obterem maior recolhimento de tributos através do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU). Além do mais, em algumas municipalidades, os funcionários dos setores da educação e da saúde recebem um valor adicional para exercerem suas atividades em áreas rurais, entretanto, a transformação dessas áreas em urbanas, através de um procedimento político administrativo, pode servir para reduzir os valores presentes na folha de pagamento municipal. Entretanto, é possível depreender que as definições de áreas rurais ou urbanas utilizadas pelo IBGE decorrem das decisões tomadas no âmbito dos municípios, que apenas as referendam utilizando-as nos Censos Demográficos, bem como em suas mais diversas pesquisas. Esse é, portanto, um tema de fundamental importância, e que deve ser tratado no contexto da legislação 140 brasileira que rege o uso e o parcelamento do solo. E mais, a sua utilização decorre de uma opção teórico-metodológica que deve estar expressa na pesquisa. Geralmente é utilizada por pesquisadores que se valem, majoritariamente, de informações agrupadas em diferentes bancos de dados. Haja vista a importância do tema e o envolvimento que o IBGE tem com esse debate, esse órgão do governo federal vem tornando pública a reflexão que vem fazendo em torno dessa temática. Em 2011 lançou o Atlas do espaço rural brasileiro com o objetivo de divulgar a forma como esse órgão federal tem procurado compreender o campo e o rural no Brasil, pelo menos, desde a realização do Censo Agropecuário de 2006. Segundo o IBGE (2011) essa publicação procura lançar luz sobre uma realidade bastante complexa, se comparada com as décadas anteriores, na qual as relações estabelecidas entre o campo e a cidade já não podem ser compreendidas, somente, a partir de uma leitura dicotômica. Trata-se de uma iniciativa tomada por parte do IBGE, para repensar as metodologias utilizadas em suas pesquisas, principalmente, os Censos Demográficos. Esse esforço ganhou publicidade em 2011 e apresentou o seu último resultado em 2017. Porém, parece que ainda não foi concluído. Como indícios da superação das relações dicotômicas estabelecidas entre o campo e a cidade o IBGE (2011) ressalta a identificação de diversas atividades econômicas no campo, tornando-o um espaço não apenas de atividades primárias stricto sensu. Além do mais, dão destaque “[...] para uma integração intersetorial da economia e para a emergência da variável ambiental como elemento-chave” (IBGE, 2011, p. 10). Apesar de continuar procedendo metodologicamente através da contagem populacional e identificação da principal atividade econômica desenvolvida no lugar o IBGE (2011, p. 243, minha ênfase) afirma sua nova forma de compreender o campo, o rural e as relações que esses estabelecem com as cidades e o urbano da seguinte maneira: Longe da visão de dualidade rural-urbano que orientou os estudos, levantamentos e políticas voltadas para o meio rural e suas relações com o urbano, o enfoque atual refere-se a uma nova ruralidade que redefine o recorte rural-urbano no âmbito das sociedades capitalistas modernas. Este espaço rural associa produção agrícola com outras atividades, revalorizando e diversificando o meio rural com práticas atuais e modernas nas formas de produzir e de interagir com o urbano. 141 A nova ruralidade é um processo que imprime desenvolvimento e constrói, num processo mais amplo, um novo hábitat e um novo território para a sociedade contemporânea. A nova ruralidade, segundo esse órgão do Governo Federal, compreende a pluriatividade, a “variável” ambiental e integração do campo com a cidade numa equação fortemente marcada pela ideologia do desenvolvimento sustentável. O campo deixa de ser visto de maneira abjeta pelos citadinos. Contudo, passa a ser reforçado como espaço de consumo capaz de fornecer “[...] bem-estar a populações através de uma qualidade de vida melhor” (IBGE, 2011, p. 243). Trata-se, portanto, de uma visão simplista sobre o campo, o rural e as relações que podem ser estabelecidas com a cidade e o urbano, levando a crer que toda a população residente no campo poderá se beneficiar dessa nova ruralidade. Esse raciocínio nega, portanto, questões fundamentais como a reforma agrária, educação e saúde do campo, infraestrutura básica como água, esgoto e iluminação, dentre outros elementos que compõem o urbano e que não foram completamente “instalados” no campo. Contudo, Alentejano (2003, p. 40-41) é certeiro: [...] a criação de um padrão de desenvolvimento no meio rural pautado pela equidade e pela sustentabilidade econômica, social e ambiental, em consonância com a diversidade regional brasileira, não pode prescindir de uma estruturação radical da estrutura fundiária, razão maior das desigualdades econômicas e sociais existentes no meio rural brasileiro. E tal restruturação jamais será consensual, pois atinge um dos pilares da riqueza e do poder no Brasil. Reordenar o espaço agrário brasileiro através de uma ampla e massiva reforma agrária é o passo primordial para construir um novo padrão de desenvolvimento rural, o que, por sua vez, é requisito fundamental para a construção de um novo modelo de desenvolvimento para o conjunto do país, rompendo com séculos de dependência, miséria e desigualdade. Conquanto, afirmar o potencial de desenvolvimento do país, principalmente do campo, a partir dessa concepção de nova ruralidade, baseada no tripé pluriatividade, meio ambiente e integração com a cidade, não contribui, de maneira alguma, para ampliar a cidadania a todo o conjunto da população brasileira. Pois, a meu ver, não adianta o IBGE decretar o fim da visão dicotômica sobre as relações estabelecidas entre o campo e a cidade substituindo-a pela ideia de uma nova ruralidade e, para que, assim como fez o Barão de Münchhausen15, a população residente no campo 15 Personagem da literatura fantástica que foi, em uma de suas diversas proezas, capaz de se salvar, 142 deixasse de figurar subalternamente diante dos interesses dos principais atores do modo de produção capitalista. Já em 2015, como desdobramento do projeto do Atlas do espaço rural brasileiro o IBGE publicou o Relatório Técnico do Projeto Regiões Rurais, no qual iniciou a argumentação afirmando que o campo não pode ser mais marcado, apenas, pelos tempos lentos, em decorrência da inserção, de fato, do modo de produção capitalista industrial e urbano nesses espaços. E por isso, adverte que é fundamental realizar pesquisas periódicas sobre a forma como esses espaços se organizam em vista da velocidade das transformações que podem sofrer. Trata, inclusive, de uma mudança do papel que o campo pode desempenhar na organização do espaço. Segundo o IBGE (2015) as cidades concebidas como únicos espaços capazes de controlar os fluxos em diversas escalas conviveriam, contemporaneamente, com a atuação do campo, fundamentalmente em decorrência do agronegócio mundializado, como pontos nodais dessa rede mundial de fluxos. Diante dessa perspectiva não haveria mais lugar para análises que levassem em consideração a dicotomia campo-cidade reconhecendo que há uma enormidade de fluxos que organizam o espaço sob uma divisão territorial do trabalho mais complexa do que aquela que associava o campo às atividades primárias e a cidade às atividades econômicas dos setores secundário e terciário. Entretanto, essa rede mundial de fluxos tem como seus principais pontos nodais as cidades mais importantes dos países desenvolvidos como, por exemplo, Nova Iorque, Tóquio, Londres, Pequim e Paris. Para o IBGE (2015), a partir dos anos de 1960 ocorreu uma mudança histórica “[...] sem retorno, de um Brasil rural para um país dominantemente urbano, virada essa que não se limite aos parâmetros populacionais/legais, mas de profunda alteração nos padrões culturais em direção a um complexo mundo urbano- industrial” (IBGE, 2015, p. 8, minha ênfase). E em outra passagem IBGE (2015) procura fundamentar a sua concepção de urbano com base no conceito “urbanização extensiva”. Pode-se afirmar que nas últimas décadas do século XX ocorreu um processo de urbanização extensiva no Brasil através do qual a juntamente com o seu cavalo, de um atoleiro arrancando-se dessa situação lamacenta ao puxar os seus próprios cabelos levando, consigo, entre as pernas, o cavalo que montava. 143 influência do ritmo e do modo de vida urbano atingiu e submeteu o campo à sua cultura e condições de consumo e produção, eliminando a separação entre o rural e o urbano e unificando a problemática regional/rural e urbana tornando-se mais afinada a uma abordagem relacional do território brasileiro (IBGE, 2015, p.12, minha ênfase). Diante, portanto, de um processo iniciado nos anos de 1960 e com fortes implicações nas décadas de 1980 e 1990 o IBGE procurou repensar a sua concepção teórico metodológica: de regiões agrícolas para regiões rurais (IBGE, 2015, p.9). O IBGE (2017) declarou que o tema das relações entre o campo e a cidade é um dos mais caros para a formação identitária dessa instituição. No documento “Classificação e caracterização do espaço rurais e urbanos no Brasil: uma primeira aproximação”, publicado em 2017, o IBGE parece estar próximo de concluir as reflexões que se propôs realizar, desde 2011, com a publicação do “Atlas do espaço rural brasileiro” (IBGE, 2011) passando pelo “Projeto Regiões Rurais – Relatório Técnico” (IBGE, 2015, minha ênfase) como se vê no seguinte trecho: As transformações que ocorreram no campo e nas cidades nos últimos 50 anos vêm a demandar, nos dias de hoje, abordagens multidimensionais na classificação territorial. O rural e o urbano, enquanto manifestações socioespaciais, se apresentam de forma bastante complexa e heterogênea, portanto, a identificação de padrões dessas manifestações se constitui um desafio principalmente ao se considerar a extensão do território brasileiro. Em relação ao meio rural vale destacar elementos como o aumento das atividades não agrícolas, a mecanização, a intensificação da pluriatividade, a valorização da biodiversidade, a expansão do setor terciário e a intensificação de fluxos materiais e imateriais na caracterização e maior compreensão de suas dinâmicas. Por outro lado, a intensa urbanização vivenciada no País deve levar em conta hoje não apenas os processos migratórios como também o fenômeno da peri- urbanização tanto pela difusão do modo de vida urbano quanto pela construção de novas zonas residenciais. É possível demarcar, diante dessas 3 publicações, realizadas no intervalo de 6 anos, que o IBGE tem compreendido como atributos essenciais do campo, e das relações estabelecidas entre o campo e a cidade, no país os seguintes elementos:  O campo não deve ser visto como palco exclusivo para as atividades do setor primário da economia.  As atividades econômicas ligadas ao setor terciário são, paulatinamente, uma realidade no campo brasileiro. 144  As famílias residentes no campo são, cada vez mais, pluriativas.  A natureza passou a ser valorizada economicamente e não vista apenas como entrave às atividades econômicas realizadas no campo. O que guarda estreita relação com os três pontos acima se suportado pela ideologia do desenvolvimento sustentável.  A urbanização subsumiu, em parte, o campo brasileiro, precipuamente no que tange ao consumo e a forma como as atividades econômicas são desenvolvidas nesse espaço.  A mecanização tornou-se uma realidade nas atividades de agropecuária. Apesar de considerarem que ainda devem refletir mais sobre as caraterísticas que definem o rural e o campo, bem como as relações que se estabelecem entre eles, a cidade e o urbano, nesse mesmo documento publicado em 2017 o IBGE propôs uma tipologia de municípios alinhada a sua recente reflexão sobre as transformações nas relações estabelecidas entre o campo e a cidade. Os critérios utilizados para essa tarefa foram a densidade demográfica e a acessibilidade da população a um centro urbano de considerável importância na rede urbana nacional. Portanto, essa classificação empreendida pelo IBGE permanece centrada no urbano. A tipologia proposta foi a seguinte: município predominantemente urbano, intermediário e predominantemente rural. E esse estudo concluiu, a partir dessa tipologia, que [...] 76,0% da população brasileira se encontra em municípios considerados predominantemente urbanos, correspondendo somente a 26,0% do total de municípios. A maior parte dos municípios brasileiros, foram classificados como predominantemente rurais (60,4%), sendo 54,6% como rurais adjacentes e 5,8% como rurais remotos (IBGE, 2017, p. 61). Portanto, apenas 26% dos municípios podem ser considerados como urbanos e concentram 76% da população, enquanto que a maior parte dos municípios brasileiros foi considerada rural. A proporção entre a população urbana e os municípios considerados como predominantemente urbanos permite visualizar o padrão extremamente concentrado de ocupação do espaço, o que está longe de ser um alento se compreendermos que as demandas desse contingente populacional urbano extrapolam os limites políticos administrativos dos municípios que ocupam. Quero dizer que o modelo de urbanização brasileiro, que tem 76% de sua população 145 considerada como urbana, assim como o de outros países, demanda muito mais espaço do que os limites político-administrativos dos 26% dos municípios considerados predominantemente urbanos. Em decorrência do modo de produção e consumo urbano-industrial-capitalista essas áreas urbanas exigem enormes fluxos de matéria e energia que extrapolam os limites políticos administrativos dos municípios, pressionando o campo ao exigir desses espaços água, alimentos, energia, recursos minerais e, inclusive, amenidades ambientais que pouco ou nada podem ser obtidos dentro de seus limites político administrativos. Conquanto, essas exigências contribuem, para em diversos casos, subordinar espaços e populações aos interesses e desejos desse modelo de urbanização. E por isso, na minha pesquisa, concordo com Suzuki (2007, p. 144) ao afirmar que o perímetro urbano é extremamente falho para a diferenciação do rural e do urbano, sobretudo porque há, por um lado, muito de rural em aglomerações urbanas, particularmente as mais diminutas, mas, também, nas médias e nas grandes, ou mesmo nas metrópoles. Enquanto, por outro lado, há muito de urbano no campo brasileiro, sobretudo nas áreas mais próximas das metrópoles ou das cidades de maior porte. [...] A distinção entre o rural e o urbano, muito mais vinculada à lógica da reprodução das relações sociais que a materialidade espacial, campo e cidade, permite pensar que há rural na cidade e urbano no campo. Contudo, levando em consideração essa premissa, o trabalho de pesquisa não se torna mais fácil, haja vista, ser necessário construir um caminho metodológico que seja frutífero esquivando-se de receitas prontas, procurando maior engajamento transdisciplinar – que não é tarefa de um único pesquisador – a fim de superar “[...] o dilema interpretativo do que seja campo e cidade, bem como as suas metamorfoses e as relações entre estas duas realidades socioespaciais” (SUZUKI, 2007, p. 146). 3.1. Pode-se falar em “novo rural”? A fim de propor metodologias e análises para as relações socioespaciais estabelecidas entre o campo e a cidade, entre o rural e o urbano, Eli da Veiga utilizou 146 diversos dados secundários como densidade demográfica e setor de ocupação da população sem refletir sobre a legislação concernente ao parcelamento e uso do solo consagrada pelo IBGE. Segundo Eli da Veiga (2007, p. 132) é possível afirmar, inequivocamente, que “não há habitantes mais urbanos do que os residentes nas 12 aglomerações metropolitanas”. Não me proponho refutar os dados estatísticos aos quais esse pesquisador recorreu para sustentar as suas análises. Contudo, devo problematizar o uso desses dados procurando relativizá-los reforçando a importância das análises empíricas que poderão indicar a extensão e os impactos da urbanização para além das fronteiras político-administrativas das cidades, bem como identificar ruralidades nos mais diversos espaços. Ademais, as leituras dos dados provenientes de grandes pesquisas estatísticas, como o Censo Demográfico ou Censo Agropecuário realizados pelo IBGE, não devem ser feitas acriticamente sendo fundamental o estranhamento em relação a esses dados16. Para sustentar a afirmação acima, Veiga (2007, p. 133) recorreu ao grau de artificialização dos ecossistemas, que segundo ele é a melhor forma de reconhecer a urbanização do espaço. Esse é um dado que pode ser obtido pelos números relacionados à densidade demográfica e pode servir para embasar um possível índice de pressão antrópica. De acordo com este autor (VEIGA, 2007, p. 133) as áreas naturais conservadas, praticamente intocadas, seriam as representantes dos espaços rurais mais legítimos, enquanto que as megalópoles estariam situadas no pólo contrário, por apresentarem elevado grau de artificialização. Portanto, essa concepção associa natureza à ruralidade sem refletir sobre os seus conteúdos. Dessa forma, Veiga defende que a definição do espaço como rural deve se apoiar sobre a densidade demográfica que indicará o grau de artificialização ecossistêmica. Quanto maior a densidade demográfica, maior será a artificialização do ecossistema e mais urbano será aquele espaço. Consequentemente, imputa-se ao campo, e evidentemente, aos seus moradores, a função de “guardião(ões) da natureza”. Partindo dessa concepção dual, de espaços mais e menos artificializados, Veiga (2007) identificou que o campo pode se apresentar, diante das relações urbano- 16 Conforme uma das falas do Professor Alfredo Wagner Berno de Almeida durante a Mesa 1 – Sociedade, desenvolvimento e cidadania na perspectiva do rural brasileiro, realizada no dia 28 de agosto de 2018, dentro da programação do VIII Encontro da Rede de Estudos Rurais que aconteceu nas dependências da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). 147 rurais (ou relações estabelecidas entre ecossistemas mais ou menos artificializados), sob três padrões básicos: a) um primeiro padrão, no qual prevalece a ideia de espaço como exportador de bens primários, b) outro padrão no qual seria possível identificar atividades que permitem a exportação de bens manufaturados e c) um terceiro padrão no qual [...] as vantagens comparativas se deslocam para o chamado setor ‘terciário’, pela atração de rendas geradas nas cidades, que são importadas através dos deslocamentos de aposentados, turistas (inclusive o fenômeno da ‘segunda residência’, como as ‘casas de campo’ ou ‘chácaras de recreio’), esportistas, participantes de eventos, etc (Veiga, 2007, p. 139, minha ênfase). Ainda segundo Veiga (2007) a combinação desses 3 padrões, com a maior presença das atividades relacionadas ao terceiro padrão, e com as atividades dos outros dois, em formas menos agressivas ao meio ambiente, é encontrada nos espaços rurais mais dinâmicos. Portanto, é bastante evidente, no caso do campo de Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte, a presença desses 3 padrões com uma forte tendência de crescimento da participação das atividades ligadas ao lazer e turismo, apesar da permanência das atividades de mineração em grande escala. Esse município apresentou, na última década, o crescimento do setor terciário em seu campo, fortemente associado à dinâmica de expansão metropolitana da região sul da cidade de Belo Horizonte e à instalação do Inhotim. Levando em consideração os padrões estabelecidos por Veiga (2007) o campo em Brumadinho se comportaria como as regiões rurais mais dinâmicas decorrente do fenômeno da “nova ruralidade” que transformou a configuração anterior desse espaço fornecendo-lhe conteúdo fortemente marcado pela presença do setor terciário. Entretanto, o “novo rural”, nos termos de Veiga (2007, p.146), surgem em contextos de prosperidade econômica que permitem alcançar a [...] conservação da biodiversidade, o aproveitamento econômico de suas repercussões paisagísticas, através das diversas formas de “turismo”, bem como a alteração da matriz energética mediante aumento de suas fontes renováveis. A partir desses critérios é possível afirmar que no Brasil dificilmente serão encontradas essas “regiões rurais dinâmicas”. Pois, em um país, onde temas tão 148 fundamentais para o campo, como a Reforma Agrária, ainda são assunto de polícia, longe se está de atingir um contexto mais igualitário de desenvolvimento econômico. Deve-se, ao menos, duvidar de propostas autointituladas modernas que afirmam, dentre outras coisas, que a Reforma Agrária não seja fundamental para minimizar a pobreza no campo (cf. GRAZIANO; NAVARRO, 2015). Ao contrário do que diz, por exemplo, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) em seus cadernos de conflitos no campo, que a necessidade da Reforma Agrária é urgente para que se possa frear a violência no campo, visto que ocorreram 61 e 71 assassinatos no campo nos anos de 2016 e 2017, respectivamente, sendo os mais elevados desde quando a CPT iniciou a publicação sistemática de seus registros em meados da década de 198017. Esses registros guardam estreita relação com o processo de impeachment da Presidenta Dilma Roussef, finalizado no ano de 2016, escancarando a face violenta da política capitaneada, principalmente, pela “[...] bancada dos 4-B (Boi, Bala, Bíblia e Banco) que vem protagonizando as diferentes ações contra os assentamentos, contra os direitos indígenas, dos quilombolas, à legislação ambiental” (PORTO-GONÇALVES et al., 2017, p. 34). No âmbito do município de Brumadinho, apesar de eu não deter nenhum registro oficial relacionado a casos de violência, foi evidente a mudança de postura das pessoas que eu encontrei e pude conversar ao longo dos anos de realização dessa pesquisa. Durante o ano de 2015 até meados de 2016 foi possível perceber que as pessoas estavam mais receptivas e dispostas a conversar sobre as questões que lhes incomodavam, entretanto, a partir do segundo semestre de 2016 muitas pessoas começaram a se esquivar, procurando evitar falar sendo, inclusive, mais difícil marcar entrevistas após esse período. Ademais, importantes lideranças locais que ocupavam cargos na administração local foram exonerados, afastados e/ou tiveram seus salários reduzidos após a mudança na gestão decorrente das eleições municipais no ano de 2016. Além disso, a contratação de algumas dessas lideranças, por parte de outras prefeituras da RMBH, que estavam prestes a ocorrer não foram concretizadas sem justificativas claras. Ademais, essas lideranças ainda relataram que sofreram ameaças de violência física como, por exemplo, perseguições por automóveis nas estradas da região como tentativa de forjar um acidente automobilístico. 17 Ver a coleção de Cadernos de Conflitos publicado anualmente pela Comissão Pastoral da Terra. Disponível em https://cptnacional.org.br/. 149 Diante desses dados da CPT e depoimentos colhidos no decorrer da pesquisa, deve-se reiterar o despautério daqueles que, diante da configuração desse “novo rural”, decretam a erosão do paradigma agrário que enfatizava a importância das políticas de desenvolvimento agrário alicerçadas sobre os aspectos produtivos e a necessidade premente da Reforma Agrária como fazem Favareto (2006, 2007) e Buainain et al. (2013). Segundo Buainain et al. (2013, p. 116) “O tema da reforma agrária, concretamente, perdeu sua relevância, e a insistência (e correspondente alocação de recursos) em ações estatais nesse campo não encontra nenhuma justificativa razoável.” Nos últimos anos18, o sociólogo Zander Navarro, tem ministrado palestras, nas quais profere o fim da necessidade de políticas de desenvolvimento agrário como a Reforma Agrária e, também, trabalha pelo detrimento da agroecologia. A seguir reproduzo uma das telas de sua apresentação no senado federal, realizada no dia 04 de dezembro de 2016, que sintetiza bem as ideias que esse conjunto de autores do “novo rural” procuram defender com essa tese (NAVARRO, 2016): Figura 9 – Slide produzido por Zander Navarro que sintetiza as ideias em torno do que propõe como "novo rural" Fonte: Apresentação através de slides feita por Zander Navarro com o título “O mundo rural brasileiro: seis tendências” em 2016. 18 Tomo por base duas palestras que o Engenheiro Agrônomo em tela proferiu no ano de 2016. A primeira, realizada pela Comissão de Agricultura e Reforma Agrária, requerida pela senadora Ana Amélia (PP-RS) como audiência pública com o objetivo de discutir o conteúdo do livro “Novo Mundo Rural: a reforma agrária e as lutas sociais pela terra” de autoria conjunta de Zander Navarro e Xico Graziano, publicado em 2015. E a segunda, realizada em dezembro, por ocasião do Encontro Estadual de Empreendedores e Líderes Rurais 2016, promovido pelo Sistema FAEP/SENAR-PR. 150 Como os autores da corrente do “novo rural” não levam em consideração em suas análises as relações de poder acabam concluindo que o paradigma agrário encontra-se obsoleto e deve ser decretada a sua erosão. Entretanto, Porto-Gonçalves et al. (2019b) recorre aos dados sobre conflitos no campo do Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno para afirmar que O ano de 2018 registra um acirramento dos conflitos por terra no Brasil. Com relação à extensão de terras (hectares) em disputa no território brasileiro, houve, de 2017 para 2018, um aumento da área em disputa de 6,5%, com cerca de 39 milhões e 425 mil hectares implicados em conflitos no campo, em 2018, contra 37 milhões e 19 mil hectares, em 2017. Registre-se que a área de 39 milhões e 425 mil hectares implicada em conflitos em 2018 corresponde a 4,6% da área total do país, o que dá a dimensão da importância da terra, e tudo que nela está implicado, na atual conjuntura brasileira. Permitam-nos frisar: em um só ano, cerca de 40 milhões de hectares, ou seja, 4,6% da área territorial do país, estava sendo objeto de disputa. Não há a menor dúvida que há uma questão (de reforma) agrária em aberto (PORTO-GONÇALVES et al. ,2019b, p. 104, minha ênfase). Portanto, como os autores da corrente do “novo rural” não levam em consideração em suas análises as relações de poder ignorando dados como esses, acerca da enorme extensão de terras e famílias implicadas em conflitos sociais por terra e por água no Brasil, se aventuram ao afirmar a obsolescência da reforma agrária e do paradigma agrário. Ainda segundo Favareto (2007), a erosão do paradigma agrário está acompanhada da crescente racionalização econômica da vida no campo que interfere, inclusive, em uma das principais características das populações rurais: o contato mais íntimo com a natureza. Navarro (2015) defende essa tese afirmando que o mundo rural brasileiro encontra-se, desde os anos 2000, imerso em uma sociabilidade capitalista que está “[...] ancorada em um binômio [...]: a multiplicação de mercados e a decorrente monetarização da atividade e, também, da própria vida social do campo” (NAVARRO, 2015, p. 187). Conforme Porto Gonçalves (2002) falar de racionalidade passou a significar falar de um determinado tipo, qual seja, aquela que se funda nos parâmetros da ciência em detrimento de outras formas de conhecimento (não científicos). Novas formas de relacionamento com a natureza passam a ocorrer, contudo, sob princípios, cada vez mais, racionais (tecnocientíficos). Conquanto, para a consolidação dos espaços do “novo rural”, essa relação mais racional com a 151 natureza deve ser aproveitada com o objetivo de captar rendas urbanas, principalmente através do mercado imobiliário (primeira ou segunda residências) e do turismo (rural, ecológico ou de aventura, por exemplo). Para Favareto (2006) um tipo ideal de nova ruralidade poderia ser medido quando Um determinado padrão de urbanização associado a características morfológicas do território, envolvendo o meio ambiente e a estratificação social, favoreceu a que ali se criasse uma forma de uso social dos recursos naturais onde a busca pela conservação encontra correspondentes em formas de dinamização da vida social. A diversificada economia local conta com um alto grau de integração econômica e de coesão territorial. Paisagem, cultura e economia se entrelaçam de uma maneira a fazer com que se consiga associar a dinamização econômica com bons indicadores sociais e com desempenho positivo em indicadores ambientais. Portanto, a dimensão ambiental é fundamental para caracterização do que esse autor, junto com outros já apontados acima, procuram fazer sob o título de “nova ruralidade”. Contudo, parece que a ênfase na dimensão ambiental e seu entrelaçamento com a cultura e a economia, como defendem Veiga (2004) e Favareto (2006), a fim de dinamizar a economia encontra-se alicerçada sobre a ideologia do desenvolvimento sustentável em seu sentido de "adequação ambiental" ou "modernização ecológica" (ZHOURI; LASCHEFSKI, 2010). José Graziano da Silva (1997) vem, desde os anos de 1990, refletindo sobre as mudanças pelas quais os espaços rurais tem passado indicando a sua transformação para algo novo, em decorrência da presença, cada vez maior, de atividades econômicas não-agrícolas e, consequentemente, de agricultores em tempo parcial. Em parte, a presença das atividades econômicas não-agrícolas no campo decorre do processo de urbanização, que incentivou a expansão do setor de serviços, especialmente, das atividades ligadas ao lazer e ao turismo. Conquanto, não é o “mundo rural” que está criando outro tipo de riqueza, como afirmou Graziano (1997), já que se trata da mercantilização de determinadas características presentes nos espaços rurais que são representadas em contraposição às da cidade, como, por exemplo, a proximidade com a natureza em relação ao “concreto” da cidade. Ou seja, baseia-se na ideia de que espaços rurais e urbanos possam ser diferenciados segundo graus de artificialização ecossistêmica. Concomitantemente, observa-se o crescimento do número de segundas residências de citadinos nos espaços rurais representados como portadores de rara beleza, como aqueles que ainda comportam 152 áreas montanhosas ou lacustres, por exemplo. Partindo de uma revisão dos estudos e propostas sobre o espaço e desenvolvimento rural no âmbito dos Estados Unidos da América, da França e de países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e da literatura internacional, concernente ao tema, Abramovay (2003, p. 25) identificou características gerais que permitem uma definição de campo. São elas: o contato mais imediato com a natureza, a ocorrência de áreas não densamente povoadas e a dependência do sistema urbano. Tal proposição está de acordo com a conjectura de Veiga (2007) acerca do grau de artificialização ecossistêmica, pois ambas se baseiam na densidade demográfica como indicador fundamental para a classificação de espaços como campo ou cidade. Favareto (2006) também concluiu que as transformações socioespaciais em curso no Brasil, permitem estabelecer uma nova forma de organização socioespacial rural, tornando-se primaz as atividades ligadas ao setor de serviços, principalmente lazer e turismo (em detrimento das atividades de agropecuária), que tendem a se aproveitar de uma condição ímpar do campo: sua baixa densidade demográfica que, segundo os autores da mesma corrente (VEIGA, 2004, 2007; GRAZIANO, 1997) indicaria uma menor artificialização ecossistêmica e, portanto, uma relação mais próxima da natureza. Abramovay (2003, p.26) afirma que a relação com a natureza, no campo, foi alçada à categoria econômica, considerada uma “[...] promissora fonte de geração de renda rural” assim como afirma Favareto (2014, p. 1112) acerca da proximidade com a natureza: [...] os recursos naturais, antes voltados para a produção de bens primários, são agora crescentemente objeto de novas formas de uso social, com destaque para a conservação da biodiversidade, o aproveitamento do seu potencial paisagístico e a busca de fontes renováveis de energia. Portanto, essa relação estabelecida entre camponeses com o território deixa de ser uma característica forjada por eles, ao longo de uma íntima e ancestral afinidade, que lhes permitem, por exemplo, identificar as condições meteorológicas, pedológicas e hidrológicas sem recorrerem, necessariamente, à métodos científicos conve 153 ncionais. Ainda segundo Abramavoy (2003, p. 26) a valorização econômica da natureza, associada aos ambientes rurais, ocorreu, fortemente, nos Estados Unidos da América durante os anos de 1980. Contudo, ela se tornou mais nítida e evidente nos países da Europa ocidental. E isso também se tornou visível no Brasil, principalmente a partir dos anos de 1990. Veiga (2004) resume esse “consenso” acerca, segundo ele, do novo rural (ou ruralidade avançada) nos países do norte, principalmente os EUA e os países da Europa Ocidental, através do quadro 2. Desses 10 pontos que Veiga (2004) listou como parte de um “consenso” obtido através das reformulações político-econômicas para o desenvolvimento rural feitas pelos países centrais em decorrência das transformações geopolíticas das décadas de 1980 e 1990 é possível verificar que a dimensão ambiental é estruturante como pode ser lido através do Quadro 2 apresentado na página seguinte. Contudo, baseada em sua valorização econômica que é construída no contexto das relações estabelecidas entre campo, cidade, rural e urbano nas quais, o campo e o rural apresentam como conteúdo a dimensão ambiental e cultural que o urbano e as cidades não detém, como vegetação, água, relações sociais mais afetivas e tradições que proporcionariam melhores condições de vida à população em contraposição ao modo de vida urbano industrial. Entretanto, a valorização do campo marcado pelos aspectos naturais não se dá sem contradições, pois estudiosos europeus (confira, por exemplo, FIGUEIREDO, 2001) alertam para o fato dessa valorização ocorrer em detrimento do aspecto produtivo, ou até, de que essa valorização tende a opor um espaço produtivo e um espaço pós-produtivo. Abramovay (2003, p.29) afirma que [...] a medida que a noção de ruralidade incorpora o meio natural como um valor a ser preservado – e não como um obstáculo que o progresso agrícola deve fatalmente remover -, vão ganhando força as políticas e as práticas produtivas voltadas para a exploração sustentável da biodiversidade. Contudo, é importante ressaltar que se deve, também, debater a forma como se dá a exploração da terra e as relações sociais no âmbito das atividades de agropecuária para que se atinja práticas menos predatórias. 154 Quadro 2 – 10 Pontos listados por Veiga (2004) a fim de resumir o que ele nomeou por consenso básico, de meados dos anos de 1990, sobre a Ruralidade Avançada. Fonte: VEIGA (2004, p. 59). Ou seja, não se trata somente de uma maior valorização da natureza, 155 especialmente sob parâmetros econômicos, mas sim de outras formas de relação como diversas experiências agroecológicas vem demonstrando. Como já foi dito, a densidade demográfica é um dos indicadores utilizados pelos estudiosos da “corrente” do “novo rural” para se compreender a forma como esse espaço vem sendo organizado e produzido contemporaneamente. Segundo Abramovay (2003) a baixa densidade demográfica presente nos espaços rurais não deve ser encarada, apenas como sinônimo de esvaziamento do campo, pois constatou-se que nos países europeus ocidentais e nos EUA ocorreu um considerável fluxo migratório populacional em direção a essas áreas. São pessoas que não se ocupam, fundamentalmente, das atividades relacionadas a agropecuária, mas que procuram no campo aspectos que não encontram facilmente nas cidades como a presença de áreas verdes e a possibilidade de residirem em casas com quintais. Conquanto, parece ser primordial que haja infraestrutura de transportes eficiente para que possam realizar periodicamente deslocamentos para a cidade próxima a fim de trabalharem (diariamente, por exemplo) ou para consumirem produtos e serviços em supermercados ou bancos, por exemplo, já que parecem se encontrar “umbilicalmente” ligados às cidades. Assim como Veiga (2007) e Graziano (1997), Abramovay (2003, p.33) encara o “novo rural” como uma possibilidade de desenvolvimento e de geração de renda. Se uma das principais características desse “novo rural” é a sua baixa densidade demográfica, seria fundamental mantê-la para que o desenvolvimento e a geração de renda permaneçam. Mas, como controlar a ocupação do campo, evitando torna-lo densamente povoado? Quais seriam as ações necessárias para que isso seja efetivado? As camadas mais pobres da sociedade também alimentam o mesmo desejo de morar no campo? Melhor: são tocadas por um discurso que representa o campo como um lugar aprazível para se morar? Sabendo-se que os serviços de comunicação e de transportes no Brasil são, de maneira geral, precários, já que não são rápidos, confortáveis e eficientes, morar no campo e trabalhar na cidade exige do indivíduo que faz tal escolha maiores gastos. Ele deverá contratar serviços especializados de comunicação (internet e telefonia celular, que não se encontram amplamente disponíveis no campo) bem como possuir automóvel para os seus deslocamentos o que amplia a inserção dessas famílias em uma sociedade fortemente marcada pelo consumo. 156 Pires (2003, p. 305) ao estudar a evolução do processo de ocupação urbana do município de Nova Lima em sua dissertação de mestrado associou o automóvel a um estilo de morar que tem fortes ligações com o modelo de organização espacial estadunidense. E mais, em decorrência da falta de transportes públicos eficientes o automóvel cumpre mais do que a função de deslocamento, pois contribui para ampliar a desigualdade socioespacial. Como na Londres do século XIX, o subúrbio londrino ou a cidade jardim de Howard (1996) se utilizou do trem, tipo de transporte que permite a apropriação perfeita do subúrbio. No caso do subúrbio americano, o automóvel substitui o trem como transporte possibilitando outro tipo de vantagem: a individualidade do transporte permitida pelo meio de acessibilidade e a desigualdade existente entre classes no Brasil que inibe o amplo acesso à sociedade de consumo, transformaram o veículo individual em artigo de luxo, e os moradores desses bairros, em privilegiados. Todos esses elementos: acessibilidade, qualidade de vida e conforto associado à noção da segurança estiveram associados à propaganda do estilo Alphaville de morar. Somados a eles está o status da moradia em condomínio, elemento da cultura moderna que faz duas associações: a do culto ao carro e o culto ao lugar sofisticado da moradia (PIRES, 2003, p. 305). Diante disso, as camadas mais pobres da sociedade apresentam condições para residirem no campo e trabalharem nas cidades? Ou se trata de um movimento realizado apenas pelas classes mais abastadas da sociedade? No caso de Brumadinho, a institucionalização de um grande número de unidades de conservação e a ocupação de uma parte considerável do município pelas empresas mineradoras (que impactam fortemente e negativamente o ecossistema onde operam), podem ser indicados como fatores que permitiram a permanência da baixa densidade demográfica, visto que essas áreas e suas adjacências contam com algum tipo de impedimento legal para serem ocupadas. Além disso, a valorização econômica das áreas rurais, representadas como pouco artificializadas, pelos empreendedores imobiliários tende a tornar o preço da terra elevado, atalhando grande parte da população de residir nesse espaço. Enfim, é possível conjecturar que a tendência do campo valorizado como ambiente natural permaneça com baixa densidade demográfica caso não sejam criados postos de trabalho e não seja melhorada a infraestrutura de comunicações e transporte. Daí decorre a produção de espaços elitizados, com fortes traços de 157 segregação socioespacial, nos quais, apenas algumas parcelas da sociedade brasileira (geralmente associadas aos maiores estratos de renda) reúnem condições para morar ao mesmo tempo que desfrutam do acesso a serviços e bens urbanos sem comprometer a cidadania. A produção desse “novo rural”, está associada a ampliação da mobilidade individual. O asfaltamento das vias que permitem as ligações entre campo e cidade, conjugada com uma sociedade baseada nos automóveis, permite com que as famílias citadinas se desloquem, periodicamente para o campo próximo às cidades onde residem para apreciarem a paisagem composta pelas amenidades rurais. Enquanto as classes mais ricas compram terras, com o objetivo de acumularem reservas financeiras e, também, construírem suas primeiras ou segundas residências, as classes menos abastadas se deslocam para o campo em busca de hospedagens, pesque e pagues ou outros serviços de turismo e lazer que combinem a aproximação da natureza com as tradições rurais. Ademais, fica a impressão de que a configuração do “novo rural”, como tratam Veiga, Abramovay, Graziano, Navarro e Favareto encontra-se, cada vez mais, sob a égide de vetores urbanos de produção espacial, aproximando-se, portanto, da noção de continuum da cidade com o campo. Pois, se conforma um espaço com elementos de uma natureza produzida para o consumo dos citadinos, a fim de se refugiarem do caos das cidades. Trata-se, da produção intencional, por parte do capital, de uma natureza e do campo que se constituam, simbioticamente, como oposições ao caos, à poluição e outras mazelas da cidade, mas sirvam, também, como complemento do cotidiano dos citadinos pertencentes às classes médias e mais abastadas. Ademais, a valorização da natureza não está sendo realizada por citadinos que se mantém nas cidades? E quando passam a morar no campo, permanecem hiperconectados com a forma de viver nas cidades? Segundo Andersson et al. (2016) essa forma de produção do espaço corresponde a busca por uma “quase-rural life privately” que não pode ser tomada como fundante de novas relações socioambientais, pois indicam, a meu ver, a expansão e o aprofundamento do modo de vida urbano-industrial. A valorização da natureza é bem descrita pelo próprio Favareto (2007), pois é aquela das amenidades naturais que são consumidas através das atividades turísticas ou da constituição das segundas residências, que devem ser compreendidas como extensões da vida nas cidades. O próprio deslocamento 158 definitivo para o campo, a fim de se aproximar das amenidades naturais, está alicerçado sobre o modo de vida que a família estabeleceu anteriormente na cidade. A avaliação realizada por Favareto, Veiga, Abramovay e Graziano acerca da configuração de um “novo rural” está baseada em uma leitura rasa e, consequentemente, equivocada da obra de Henri Lefebvre. Pois eles asseguram que o filósofo francês afirmou ao longo de seus escritos que os caracteres substantivos do campo e do rural se diluiriam diante da constituição da sociedade urbana. Entretanto, seria o fim do rural. Para Favareto (2006, p. 22) Lefebvre afirmou que houve a passagem completa de uma era industrial para uma era urbana através da Revolução Urbana. Ao fazer uma consideração como essa, tão infundada, Favareto (2006) nega a maior parte dos estudos e reflexões do filósofo francês que se dedicou a compreender, exatamente, a complexidade das transformações pelas quais o mundo ocidental estava passando, desde os anos de 1960, que indicavam o fim e o início de eras. Entretanto, sem que esse processo estivesse concluído por si só, sem a necessidade da ação humana, fundamentalmente, através de uma revolução que se baseia, inclusive, na forma de produção do espaço. Esse disparate está exposto da seguinte maneira em Favareto (2006, p. 22) Segundo o filósofo e sociólogo francês, originalmente um pesquisador dedicado aos estudos rurais, a passagem para o último quarto do século passado havia representado a emergência da sociedade urbana, a sucessora da sociedade industrial: a Revolução Urbana. Ainda segundo Favareto (2006) para uma crítica mais detida ao pensamento de Henri Lefebvre sugere consultar Veiga (2004). Nesse texto, Veiga (2004) insiste em uma de suas ideias centrais como solução para compreender o conteúdo do campo, do rural, da cidade e do urbano que é a associação, direta, entre ocupação do espaço e alteração do ecossistema, defendendo a existência de uma gradação de ecossistemas mais e menos alterados face a urbanização que estariam vinculados à densidade demográfica. Portanto, segundo essa lógica, áreas rurais apresentariam menor grau de alteração ecossistêmica, enquanto que as megalópoles apresentariam os mais elevados graus de alteração ecossistêmica, indicando, elevada urbanização. É fácil notar que esse autor compreende as relações estabelecidas entre a cidade e o campo pela perspectiva da continuidade entre esses espaços que são separados por graus de alteração ecossistêmica. Ainda de acordo com Veiga (2004) para sustentar 159 a crítica à Lefebvre ele afirma que a extinção da população rural indicaria a urbanização completa, contudo, não passa disso a sua análise da obra desse filósofo francês, que não é demais reforçar, se estende por mais de 30 livros produzidos ao longo de pelo menos 50 anos. Segundo esses autores observa-se, em diversas partes do mundo, a capacidade do campo em atrair a população, representando um indício da permanência do rural. Ou seja, indicaria que a tese de Lefebvre está errada. Mas até que ponto a tese central de Lefebvre indica o fim do rural diante da urbanização completa da sociedade? Contudo, em quais fatores se baseia a capacidade de atração que o rural exerce sobre uma grande parcela da população mundial? São os mesmos fatores que caracterizavam os espaços rurais durante a era industrial? Inclusive, a era industrial é marcada pela oposição entre campo e cidade, na qual o campo é tido como lugar do arcaísmo e a cidade lugar de avanços. As transformações nos espaços rurais, das quais tratam esses autores, e que eles caracterizam como a emergência de um novo rural, não são, na verdade, traços de uma nova forma de produção do espaço na qual a dispersão e a desconcentração populacional e de atividades econômicas, proporcionadas pelos avanços empreendidos nos meios de transportes e comunicações, se impõe? Não se trata, como bem definiu Lefebvre (2004) da implosão-explosão da cidade, num fenômeno que não tem em si a capacidade de anular a ruralidade e nem a urbanidade, mas sim, tornar mais forte a contradição entre segregação e integração socioespacial? 3.2.1. A era urbana pode ser reconhecida como uma superação, por completo, da era industrial? De acordo com Lefebvre (2001) vivemos em um momento histórico no qual o processo de urbanização é total e que as diferenças, antes existentes entre a cidade e o campo, que os colocavam como lados opostos e dicotômicos, tornaram-se mais sutis fazendo com que as relações estabelecidas entre esses espaços ficassem mais complexas, haja vista a extensão do tecido urbano. Esse tecido urbano refere-se, não apenas a uma malha física, de edificações, “[...] mas a uma lógica, a um conteúdo 160 social, que é a lógica surgida com a industrialização que leva a prevalência das trocas, da compra e venda e do mundo da mercadoria, do dinheiro e do capital” (SOBARZO, 2004, p. 59). Nos anos de 1960, Lefebvre (1978b, p.227) indicou a sua preferência em denominar a sociedade como “urbana” frente a outras qualificações, como: sociedade industrial, técnica, de consumo, do lazer, etc.. A urbanização completa da sociedade, antes de estar acabada, pronta, é, também, uma tendência. Doravante, a sociedade urbana como hipótese teórica, apontada pelo filósofo francês em meados do século XX, permite um marco inicial de reflexão: a urbanização cem por cento (LEFEBVRE, 1978b, p. 227). Figura 10 - Eixo espaço temporal do processo de urbanização total. Fonte: Lefebvre (2004, p.27). O filósofo Henri Lefebvre lançou a hipótese acerca de um eixo histórico para as sociedades no qual poderiam ser feitas duas marcas, sendo elas o 0% e o 100% de urbanização. Esta hipótese, portanto, vincula-se a um objeto virtual, nem por isso fictício, que pode estar além do constatável empiricamente, e que antecipa e prolonga uma tendência. Conquanto, dessa forma, reitera-se que o analista deve se preocupar pela produção do espaço e menos com as coisas no espaço (LEFEBVRE, 1991). Ademais, esse objeto virtual [...] não é outra coisa que a sociedade planetária e a ‘cidade mundial’, além de uma crise mundial e planetária da realidade e do pensamento, além das velhas fronteiras traçadas desde o predomínio da agricultura, mantidas no curso do crescimento das trocas e da produção industrial (LEFEBVRE, 2004, p.28,29, minha ênfase). 161 Do 0% de urbanização, passando pelas cidades política e comercial, o conflito entre a riqueza imobiliária (propriedade fundiária) e o movente (mercadorias) é intenso. O campo ainda guardava primazia na relação com a cidade em decorrência, principalmente, da riqueza imobiliária. A cidade comercial encontrava-se, até então, “[…] como uma ilha urbana num oceano camponês” (LEFEBVRE, 2004, p. 23). A constituição do Estado, que já se esboçava como realidade sob o domínio do racionalismo, trouxe importante baliza: a inflexão do agrário para o urbano. O Estado se tornou o ente, por excelência, detentor da razão. O desenvolvimento da razão, cartesiana fundamentalmente, permitiu o descolamento das pessoas com relação à natureza (mundo tenebroso e misterioso). A realidade urbana passou, portanto, a mediar as relações entre sociedade e natureza. A inflexão do agrário para o urbano ocorreu pouco antes do surgimento da cidade industrial visto que […] essa inversão de sentido não pode ser dissociada do crescimento do capital comercial, da existência do mercado. É a cidade comercial, implantada na cidade política, mas prosseguindo sua marcha ascendente, que a explica (LEFEBVRE, 2004, p. 25). A partir de então a cidade passa a ter um peso maior nas relações com o campo. Essas cidades europeias tem um caráter revolucionário em sua gestação. É a burguesia que rompe com o poder que estava instalado e admite a cidade como lócus de suas relações. A indústria compreendida como não-cidade, pois surge fora dela, com o objetivo de buscar matérias primas, obter energia e mão de obra, foi ao longo do tempo – portanto, do eixo que tende aos 100% de urbanização – procurando conquistar e penetrar a cidade. E, quando conseguiu, a fez explodir “[…] e com isso estendê-la desmesuradamente, levando à urbanização da sociedade, ao tecido urbano recobrindo as remanescências da cidade anterior à indústria” (LEFEBVRE, 2004, p. 25). 162 3.2.2. Zona (ou fase) crítica – contradições, incertezas, cegueira... Precede a zona (ou fase) crítica o fenômeno descrito por uma metáfora emprestada da física nuclear: implosão-explosão da cidade, […] ou seja, a enorme concentração (de pessoas, de atividades, de riquezas, de coisas e de objetos, de instrumentos, de meios e de pensamento) na realidade urbana, e a imensa explosão, a projeção de fragmentos múltiplos e disjuntos (periferias, subúrbios, residências secundárias, satélites etc.)” (LEFEBVRE, 2004, p. 26, itálico no original). Este fenômeno se associa, portanto, com a conquista da cidade comercial pela indústria após a inflexão do agrário para o urbano. Porém, ainda não se teria atingido o final dessa linha e, hodiernamente, vivenciar-se-ia, o que Henri Lefebvre nomeou como zona crítica, após a cidade industrial e o processo de implosão- explosão. A fase crítica designa um campo cego (LEFEBVRE, 2004). Lefebvre (2004) utiliza o termo campo cego para indicar a existência de características obscuras da fase crítica que se situa, retomando o eixo espaço temporal da urbanização total, entre o industrial e o urbano. Serve para sublinhar as incertezas. Mas a cegueira advém da incapacidade do olho que procura ver, mas não só, pois há ocultação. De acordo com Lefebvre (2004, p. 38), procura-se compreender a sociedade urbana utilizando-se categorias, conceitos, que foram forjados ao longo da era industrial, sendo, portanto, necessário revê-los. Contudo, não se trata apenas de “[...] uma ausência de educação, mas de ocultação” (LEFEBVRE, 2004, p. 38). O campo cego implica ocultação e representações que não serão superadas através da iluminação do que se encontra sob a penumbra (LEFEBVRE, 2004, p.39). O campo cego indica, portanto, a força que as ideologias e as representações apresentam, pois para Lefebvre (2004), a ideologia significa ocultamento que se dá através das representações. As ideologias são os cegantes que impedem de se olhar para o desconhecido (LEFEBVRE, 2004, p. 39). A era urbana, ainda por se completar, não superou, ao mesmo tempo, as eras anteriores, principalmente, ao se tratar de formações espaciais como a brasileira onde se acumulam, ainda sem solução, diversos problemas dessas três eras. O foco do olhar, evidentemente, por conta da 163 incompletude do urbano, encontra-se desviado e é, exatamente aí, que reside a tarefa do analista que se depara com o campo cego. Pois, por ser campo está posto à exploração e à ação, contudo há impedimentos decorrentes das ideologias que tendem a ofuscar a vista e desviar o intento19. Ademais, a zona crítica marca a transição da era industrial para a era urbana. Ao se definir três grandes eras para a história humana ocidental (agrária, industrial e urbana) Lefebvre não decretou a supressão de uma pela outra integralmente. Não se trata de uma periodização excludente, na qual uma era implicaria no fim imediato da outra. O que se deve reter dessa periodização é o fato de se estar vivendo um momento diferente com relação às eras anteriores, pois os mais diversos componentes da vida estão em transformação, apesar de muitos ainda resistirem sem mudar. Entre a ausência e a presença encontra-se, portanto, a zona crítica. Com a hipótese acima, Lefebvre (2008, p. 80 e p. 87) quis colocar em questão, teórica e prática, o conjunto da vida social, compreendendo que o fenômeno urbano se apresenta como realidade global, fundamentado sobre o deslocamento da problemática industrial para a problemática urbana. O deslocamento se dá, portanto, de uma problemática que tendia apenas para a hom*ogeneização e uniformização para uma que evidencia, também, a diferenciação, em decorrência do amplo conjunto de redes e fluxos numa complexificação múltipla espaço-temporal (LEFEBVRE, 2004). Tal processo não se faz sem contradições e conflitos. Ao mesmo tempo em que se observa a integração de atividades de agropecuária às relações de produção capitalistas, como se vê, por exemplo, através do agronegócio e outras formas de desenvolvimento da agropecuária comercial, observa-se, também, inúmeras resistências e propostas de novas relações de produção que procuram escapar à hom*ogeneização e uniformização característicos da era industrial decorrentes, por exemplo, das iniciativas agroecológicas. Assim como é possível verificar sobre as formas de produção do espaço associadas a metabolismos territoriais urbano e não- urbano como propõe Laschefski; Zhouri (2019). Consequentemente, a produção do espaço associa-se, ao mesmo tempo, à hom*ogeneização e uniformização, assim como, à diferenciação com o recrudescimento dos conflitos resultando em um espaço 19 “O urbano, velado, escapa ao pensamento que se cega e se fica apenas nas luminosidades atrasadas em relação ao atual. As descontinuidades (relativas) entre o industrial e o urbano encontram-se, assim, mascaradas e ilusoriamente sedimentadas (assim como estiveram e frequentemente ainda estão entre o rural e o industrial)” (LEFEBVRE, 2004, p. 47, 48). 164 hom*ogêneo-fraturado (LEFEBVRE, 2008, p. 49). No contexto da sociedade urbana a contradição se assenta sobre a integração e a segregação e não mais, apenas, sobre a oposição cidade e campo o que não indica o desaparecimento do campo, do rural e das atividades de agropecuária. 3.2.3. Oposições: campo – cidade e segregação – integração Antes da inflexão do agrário para o industrial e para o urbano, o campo detinha certa preponderância ou autonomia diante das cidades política e comercial. O campo não era subalterno à cidade. A divisão social do trabalho existente não subjugava o campo frente a cidade. A divisão social do trabalho, materializada na divisão campo- cidade, estabelecida a partir do capitalismo industrial inaugurou a dominação da cidade sobre o campo. A zona crítica representaria, dentre outras questões, uma outra forma de relação campo-cidade, pois […] as contradições não se situam mais entre a cidade e o campo. A contradição principal se desloca e se situa no interior do fenômeno urbano: entre a centralidade do poder e as outras formas de centralidade, entre o centro 'riqueza-poder' e as periferias, entre a integração e a segregação (LEFEBVRE, 2004, p. 155). A oposição segregação-integração é marcante, por exemplo, quando se analisa o agronegócio brasileiro. Os capitais mobilizados pela atividade do agronegócio são de grande magnitude, comparáveis a outras atividades exercidas no âmbito da cidade. A importância econômica que o setor do agronegócio vem recebendo no Brasil, desde a década de 1990, o torna central diante da política nacional. Segundo Porto- Gonçalves et al. (2019b) o bloco de poder fundado no capital financeiro e nos capitais de exportação de bens primários agrícolas e minerais ganhou maior força diante do ciclo de acumulação inaugurado pelo Plano Real (1994) que [...] levou à reprimarização da nossa pauta de exportações e, ainda, viu cair a contribuição do setor secundário industrial no PIB de cerca de 26%, em 1994, para menos de 10% nos dias atuais. Acrescente-se 165 a continuidade da política financeira e de exportação de produtos agrícolas e minerais que caracterizaram todos os governos desde FHC, sem exceção (PORTO-GONÇALVES et. al., 2019b, p. 120). Fazer parte da cadeia do agronegócio, mesmo que a atividade seja desempenhada no campo, pode significar compor a centralidade do poder político, econômico e social. Para Henri Lefebvre (2001, p. 94, itálico no original) a segregação deve ser focalizada, com seus três aspectos, ora simultâneos, ora sucessivos: espontâneo (proveniente de rendas e das ideologias) – voluntário (estabelecendo espaços separados) – programado (sob o pretexto de arrumação e de plano). O par dialético segregação-integração decupa o cotidiano em fragmentos, transforma as dimensões da vida em espectros. Vida privada, lazer, transporte, trabalho encontram-se separados e a produção do espaço segue esse curso disjuntivo. Sobarzo (2006, p. 58), ao analisar a obra de Henri Lefebvre, propôs que a cidade pode ser lida como uma morfologia material, uma realidade presente, imediata, um dado prático-sensível, arquitetônico. O urbano corresponde à morfologia social, uma realidade social composta de relações presentes e relações a serem concebidas, construídas ou reconstruídas pelo pensamento. Assim também se procede com o rural e com o campo. Pois, seguindo a lógica da não dualidade, da não dicotomia no pensamento lefebvriano, o campo é “a base prático-sensível e o rural, a realidade social” e tanto o rural quanto o urbano, como morfologias sociais, em decorrência da atenuação das fronteiras entre campo e cidade, podem ocupar esses dois espaços. Obviamente, que, de acordo com Lefebvre, diante da era urbana, a influência da morfologia social urbana é enorme e é capaz, inclusive, de transformar (visto que nenhuma cultura é ou pode ser estática) a morfologia social rural, porém sem apagá-la. O domínio do urbano é inegável, mas sem que isso signifique a negação de um pelo outro. 166 3.2.4. Tecido urbano A expansão da sociedade urbana é explicada por Lefebvre a partir de uma metáfora bastante elucidativa: o tecido urbano. O tecido urbano prolifera, estende-se, corrói os resíduos de vida agrária. Estas palavras, “o tecido urbano”, não designam, de maneira restrita, o domínio edificado nas cidades, mas o conjunto das manifestações do predomínio da cidade sobre o campo (LEFEBVRE, 2004, p. 17, itálico no original). O que o autor propõe com a proliferação do tecido urbano é, muito provavelmente, o que ele observou próximo à sua terra natal, na região dos Pirineus franceses. O que se esboça, e se oferece aos olhos como o reflexo, impõe outra problemática que é a transição do rural para o urbano. Os problemas se sobrepõem, se exasperam: destino de uma terra marcada pela História, as tradições camponesas, os próprios camponeses. A industrialização se apodera de regiões até então negligenciadas. A urbanização, cuja importância cresce sem cessar, transforma o que existia anteriormente. (LEFEBVRE, 1978a, p. 11, minha tradução) 20. E é todo um conjunto de problemas e questões que se colocam a partir do tecido urbano e a formação, ainda que incompleta, da sociedade urbana. A ampliação do assalariamento, as rupturas e ameaças às tradições camponesas, a necessidade de novos conceitos e novas abordagens para se compreender a produção do espaço em decorrência, inclusive, do recrudescimento dos conflitos entre integração e segregação amplificados pela era urbana, que, ao invés de neutralizarem as contradições anteriores, por exemplo entre proletariado e burguesia, tendem a acentuá-las (LEFEBVRE, 1978a, p. 12). Ao afirmar que o tecido urbano corrói a vida agrária Lefebvre (2004) estava se referindo às três eras de sua periodização com o objetivo de ressaltar a força da 20 No original: “Lo que ahí se esboza, y se ofrece a los ojos como a la reflexión, impone otra problemática que es el tránsito de lo rural a lo urbano. Los problemas se superponen, se exasperan: destino de una tierra marcada por la Historia, las tradiciones campesinas, los campesinos mismos. La industrialización se apodera de regiones hasta entonces olvidadas. La urbanización, cuya importancia crece sin cesar, transforma cuanto existía anteriormente”(LEFEBVRE, 1978a, p. 11). 167 era urbana.21 Trata-se, principalmente da transformação das heranças do feudalismo. E quando se trata de feudalismo deve-se ter especial atenção, pois essa é uma fase histórica europeia que não deve ser transplantada para o Brasil. Entretanto, a extensão do tecido urbano transforma a realidade dos camponeses e das atividades de agropecuária de diferentes maneiras sem significar a sua eliminação. Mas como o tecido urbano se prolifera? Lefebvre não vê a metáfora do tecido urbano apenas como uma malha estendida sobre o território representando as formas urbanas. Para ele, uma representação ainda mais elucidativa da ideia do tecido urbano, seria a de uma “[…] espécie de proliferação biológica e uma espécie de rede de malhas desiguais, que deixam escapar setores mais ou menos amplos: lugarejos ou aldeias, regiões inteiras” (LEFEBVRE, 2001, p. 11). O tecido urbano carrega consigo, por onde expande, sistemas de valores e de objetos, mas sua expansão não é ilimitada, não se dá por todo o território com a mesma intensidade, e por isso, permite dizer que a “A relação 'urbanidade-ruralidade', portanto, não desaparece; pelo contrário, intensifica-se, e isto mesmo nos países mais industrializados” (LEFEBVRE, 2001, p. 12). Ou seja, a existência de grupos portadores de ruralidade, como os camponeses, em meio a expansão do modo de vida urbano industrial não é um contrassenso e deve receber a atenção do Estado com vistas à produzir ações direcionadas às suas particularidades. Inclusive, essas diferenças tem sido valorizadas como mercadorias, quando associadas às atividades de turismo e lazer, por exemplo, que visam atender aos interesses de citadinos. A implosão-explosão, ainda incompleta, está diante de nós. Convive-se com o prenúncio da era urbana e os resquícios da era industrial. Trata-se de um período de grandes reestruturações e transformações que, analogamente, traz incertezas. A metáfora do tecido urbano, proposta por Lefebvre, pode ser analisada a partir de dois pontos de vista: 21 “Será preciso insistir demoradamente que a produção agrícola perdeu toda autonomia nos grandes países industriais, bem como à escala mundial? Que ela não mais representa nem o setor principal, nem mesmo um setor dotado de características distintivas (a não ser no subdesenvolvimento)? Mesmo considerando que as particularidades locais e regionais provenientes dos tempos em que a agricultura predominava não desapareceram, que as diferenças daí emanadas acentuam-se aqui e ali, não é menos certo que a produção agrícola se converte num setor da produção industrial, subordinada aos seus imperativos, submetida às suas exigências. Crescimento econômico, industrialização, tornados ao mesmo tempo causas e razões supremas, estendem suas consequências ao conjunto dos territórios, regiões, nações, continentes” (LEFEBVRE, 2004, p. 17). Contudo, é preciso reforçar, “[...] se há uma realidade urbana que se afirma e se confirma como dominante, isso só se dá através da problemática urbana” (LEFEBVRE, 2004, p. 27, itálico no original). 168 Se se puser os fenômenos em perspectiva a partir dos campos e das antigas estruturas agrárias, pode-se analisar um movimento geral de concentração: da população nos burgos e nas cidades pequenas ou grandes – da propriedade e da exploração – da organização dos transportes e das trocas comerciais, etc. O que resulta ao mesmo tempo no despovoamento e na 'descamponização' das aldeias que permanecem rurais perdendo aquilo que constituía a antiga vida camponesa: artesanato, pequeno comércio local. Os antigos 'gêneros de vida' caem no folclore. Se se analisar o fenômeno a partir das cidades, observa-se a ampliação não apenas das periferias fortemente povoadas, como também das redes (bancárias, comerciais, industriais) e da habitação (residências secundárias, espaços e locais de lazer, etc.) (LEFEBVRE, 2001, p. 11) Contudo, o que Lefebvre estabeleceu como sendo o movimento de expansão do tecido urbano, a partir do ponto de vista da cidade, apresenta enorme semelhança com a proposta de constituição do “novo rural”. Ou seja, a ampliação das redes e da habitação pode significar a extensão do domínio da cidade sobre o campo transformando-o de diversas maneiras. Por exemplo, poderá ocorrer o assalariamento da população do campo em atividades não agrícolas como as requeridas em loteamentos fechados destinados às segundas residências, que, consequentemente, poderá gerar uma grande diminuição das atividades de agropecuária correndo-se o risco de agravar problemas sociais e ambientais diversos. O estudo das relações estabelecidas entre campo e cidade tornou-se extremamente complexo diante do advento, mesmo que incompleto, da sociedade urbana. Na verdade, é exatamente em decorrência da incompletude da constituição da sociedade urbana, ou seja, da fase crítica, que a dificuldade se impõe. A implosão- explosão da cidade, a expansão do tecido urbano, levou ao surgimento, por exemplo, de aglomerações secundárias como as cidades satélites. Também constituíram as periferias que se tornam cada vez mais distantes do centro. “Além de lugares com status, ao que parece, intermediários, mal definidos, nem cidade nem campo, ‘isolats’, ‘guetos’” (LEFEBVRE, 1986, p. 2). 169 3.2.5. Desruralização e incompletude urbana: características fundamentais do campo cego Henri Lefebvre identificou que estava em curso a transformação da sociedade industrial a caminho de uma sociedade de outro tipo: a sociedade urbana. Nesse processo de grandes transformações, profundas, mas também sutis, não se previu, de antemão, a extinção do campo. O que Lefebvre trouxe em seus textos, acerca da sociedade urbana e das transformações sobre o campo, decorrem desse processo. Ou seja, de maneira geral, a forma como o campo se subordinava à cidade, ao longo da era industrial, não mais ocorre, pois algo novo está se estabelecendo. Indícios dessa nova era e da nova forma de relação entre campo e cidade são: proliferação de enclaves residenciais no campo destinados, tanto a primeira, quanto a segunda residências; elevação do número de atividades ligadas ao lazer e ao turismo que passam a ser realizadas no campo. Contudo, o que deve se afirmar é que o campo não se encontra subordinado à cidade, apenas como local de produção de alimentos, detentor de técnicas rudimentares e da imbecilidade. O campo, em decorrência da era urbana, se tornou um espaço com fortes ligações com a cidade, com vistas a servi-la por meio de outras funções como: lazer, turismo e moradia; alimentos e recursos hídricos; amenidades ambientais que reverberam sobre o clima como um todo. Todavia, a definição, inclusive, sobre a pertinência e existência do campo é, ainda, uma questão aberta, parte da fase crítica na qual a sociedade urbana se encontra, e caso sejam operadas análises com conceitos derivados da era industrial permanecerá em um campo cego. A partir da produção intelectual de Henri Lefebvre é possível afirmar que em decorrência do advento da sociedade urbana ter-se-á a transformação das relações entre campo e cidade. Esse par não será mais capaz de definir, por si só, as contradições da produção do espaço, pois essas se deslocaram para o par integração- segregação. E campo e cidade não representam, a priori, nem segregação, nem integração. Inclusive, a proposta dos autores da “corrente” do “novo rural” é a de que o campo se integre a partir da representação de natureza intocada, de rara beleza, associadas às tradições rurais, para ser consumido pelos citadinos. Como procurei demonstrar a representação do rural produzida pela corrente do “novo rural” age como uma resposta a um problema real, que é o descaso histórico 170 com o campo e os seus moradores. Contudo, é falsa, pois dissimula as reais finalidades, haja vista, colaborarem, muito mais, para o avanço do capital imobiliário e do setor de serviços sobre o campo. O “novo rural” identificado por esses autores, certamente, define algo de novo. Contudo, sob o domínio da urbanização, através do papel preponderante que o setor de serviços passou a desempenhar. Portanto, uma outra divisão territorial do trabalho vai se constituindo: passa-se de uma divisão territorial na qual o campo figurava, apenas como fornecedor de matérias primas (ou seja, como a base do setor primário) e a cidade como consumidora dessas matérias primas, pois nela se baseava, exclusivamente, as atividades industriais e aquelas ligadas ao setor de serviços. Passa-se para uma divisão territorial do trabalho na qual o campo e a cidade não detêm funções que lhes são exclusivas. As atividades destinadas ao fornecimento de matérias primas (através, principalmente, da agropecuária e extrativismos) são, ainda, em larga medida, desenvolvidas no campo. Apesar da presença da agropecuária e de extrativismos realizados nas cidades suas lógicas, muitas das vezes, são outras que não nos permitem classificá-las, apenas sob a lógica da produção de matérias primas. Contudo, é certo que as cidades não são o loci específico das atividades industriais e do setor terciário que estão espalhadas para os mais diversos locais (inclusive o campo), em busca de vantagens locacionais que permitam aos seus proprietários auferirem maiores lucros. Para os autores da “corrente” do “novo rural”, esse espaço representa uma considerável alternativa para o desenvolvimento rural de maneira sustentável, pois, segundo os mesmos, as transformações em curso, com a proliferação de atividades econômicas não-agrícolas, apoiadas, principalmente, sobre o setor de serviços (turismo e lazer, essencialmente), trazem consigo funções de conservação e preservação ambiental atuando, inclusive, na recuperação de áreas antes degradadas afirmando o papel dos rurícolas como guardiões da natureza. Diante do exposto até agora deve-se considerar a impossibilidade de compreender o campo separadamente da cidade. As funções e o conteúdo do campo passaram por diversas transformações ao longo do tempo e por isso continuam importantes os debates acerca das relações entre esses espaços, principalmente sobre os rebatimentos sobre o campo, dado que é fundamental e necessário se pensar em formas de desenvolvimento que contribuam, de fato, para as populações 171 do campo. Segundo Marques (2002) desde os anos de 1970 retomou-se a perspectiva dicotômica na análise cidade e campo resultante da noção de degradação da vida nas cidades e crise urbana, na qual uma imagem de campo próximo da natureza foi elaborada e que tem como pano de fundo a representação do campo como espaço menos artificializado em oposição ao elevado grau de artificialização das cidades. A dicotomia campo-cidade tende a ser ampliada pela [...] transformação da paisagem rural em objeto de consumo e a tendência crescente de elaboração e/ou valorização de identidades rurais para atender a exigências mercadológicas. Estas mudanças observadas de modo mais significativo em países desenvolvidos como a França levam à passagem da imagem do campo ligada à produção, à atividade agrícola, para a imagem-consumo (MARQUES, 2002, p. 103). E é nesse sentido que Marques (2002, p. 99, minha ênfase), critica a forma de análise elaborada por Veiga: [...] sua análise de caráter instrumental, restringe-se a uma perspectiva econômica e não problematiza os aspectos sociais envolvidos nas atuais mudanças verificadas na relação cidade-campo. Desta forma, o autor apreende de forma naturalizada a manipulação da imagem do espaço rural como espaço natural, defendendo a necessidade de se tirar vantagem desta tendência, que transforma o espaço rural em objeto de consumo. Corrobora-se, portanto, com a crítica realizada por Marques (2002) sobre a proposta de Veiga, que pode ser estendida aos autores da “corrente” do “novo rural”, no que se refere ao reforço ideológico que eles realizam diante dos processos de transformação do campo, e de seus habitantes, a fim de torná-los uma mercadoria para ser comercializada. Na era industrial grandes parcelas da população foram “arrancadas” do solo para serem transformadas em operários das indústrias. Os camponeses desgarrados do solo passam, portanto, a formar, em países do continente europeu, como na Inglaterra, uma grande massa de trabalhadores assalariados que possuíam, apenas, a força de trabalho para vender aos capitalistas industriais que constituíam um pequeno número de proprietários de meios de produção. Das relações sociais estabelecidas entre trabalhadores assalariados e capitalistas industriais são 172 produzidas as mercadorias comercializadas no mercado. Ainda dessa relação social entre capitalistas e assalariados gera-se a mais valia que comporá parte fundamental do lucro. Contudo, apesar das transformações sociais do mundo ocidental terem ocorrido neste sentido – da oposição entre classes sociais como trabalhadores assalariados e capitalistas – a passagem da era agrária para a era industrial não significou a eliminação dos camponeses, que por apresentarem fortes relações com a terra – seja na forma de propriedade, posse, arrendamento, ou outra – não passaram a compor a massa de assalariados nas cidades, permanecendo no campo produzindo alimentos para a sua subsistência e/ou mercado. Todavia, os camponeses não formam uma classe social isenta das influências da dinâmica capitalista. Foram gestadas diversas formas de subordinação dos camponeses ao sistema capitalista urbano-industrial. Basta, por exemplo, ver os inúmeros casos de agricultores e pecuaristas integrados aos frigoríferos, aos laticínios, à indústria do fumo, dentre outros. Segundo Fernandes (2013, p. 157) O mercado capitalista é muito mais o espaço da destruição do que da recriação do campesinato, e, em diferentes escalas, os diversos tipos de camponeses: posseiros, rendeiros, assentados, pequenos proprietários estão inseridos do mercado. Outras formas de subordinação do campo e de seus moradores à dinâmica capitalista são marcantes na era urbana e ocorre através da valorização de suas características atuais para fins de mercado. O campo passou a ser qualificado como detentor de uma natureza de rara beleza, ainda preservada, para fins de contemplação. Nesse sentido, o campo vai sendo moldado para tornar-se um espaço para ser consumido. Segundo Marques (2002, p. 110, minha ênfase) [...] o campo não pode ser concebido apenas como complementar à cidade e paisagem a ser consumida. [...] Discutir alternativas para o campo apoiadas sobretudo em demandas da cidade implica forte risco de manutenção da população rural em situação de subordinação. A população do campo deve, primeiro, se tornar autônoma para que a condição de subordinação do campo diante da cidade possa ser quebrada. A população empobrecida do campo e da cidade (MARQUES, 2006, p. 182) deve ser protagonista 173 das decisões que lhes afetam. Para que isso possa ocorrer deve-se ampliar o acesso às informações e a educação não centrada na dinâmica urbano-industrial, tornando- se sujeitos políticos de fato. Sem essa preocupação, mesmo com os incentivos destinados à comercialização dos produtos da agropecuária ou a outras atividades econômicas, a condição de população subalterna permanecerá. Organizações sindicais, movimentos sociais populares, coletivos, associações e cooperativas tem sido, dentre outras formas, as alternativas encontradas por essa população para tentarem obter autonomia. 3.3. Elaboração de um rural idílico A partir, principalmente das obras de Lefebvre, que ressaltam o movimento de constituição da sociedade urbana, uma busca pela definição clara e objetiva das categorias campo, cidade, rural ou urbano passou a se assemelhar com uma insídia. Se procurar uma definição de campo e de cidade a partir da base produtiva encontrará, por exemplo, a seguinte armadilha: o campo é o lugar da produção agropecuária, mas pode-se observar que na cidade as hortas urbanas crescem e se tornam importantes fontes de renda e de alimentos para diversos indivíduos; e observa-se a presença crescente, no campo, de atividades ligadas ao setor terciário, como o turismo. De acordo com Lefebvre (1991a, p.68) a vida urbana compreende mediações originais entre a cidade, o campo, a natureza. [...] essas mediações não podem ser compreendidas sem os simbolismos e representações (ideológicas e imaginárias) da natureza e do campo como tais pelos citadinos. Verifica-se na literatura brasileira22 acerca do tema das relações que são estabelecidas entre a cidade e o campo múltiplos esforços por elaborar definições acerca das categorias campo, cidade, urbano e rural. Contudo, ressalta-se os 22 Destacamos aqui alguns autores como João Rua; Glácio José Marafon; Maria Encarnação Beltrão Spósito; Júlio César Suzuki; Roberto José Moreira; Francisco Graziano Neto; Ricardo Abramovay, dentre outros que envidam esforços na direção de compreender o atual estado das relações entre cidade e campo, entre o rural e o urbano. 174 trabalhos de pesquisa desenvolvidos pela socióloga portuguesa, Elisabete Figueiredo, acerca do campo e do rural português e europeu que podem contribuir enormemente para as pesquisas no Brasil. Em seus trabalhos, ela identificou que diversas áreas rurais em regiões remotas de Portugal foram transformadas para cumprir funções de proteção e conservação ambiental. Destaca-se o projeto de pesquisa intitulado “Rural Matters”. Em tal projeto, a equipe de investigadores coordenada pela pesquisadora portuguesa, da Universidade de Aveiro, teve como objetivo compreender a reconfiguração do campo e do rural, procurando analisar a dissociação entre campo e rural das atividades de agropecuária. Um dos apontamentos fundamentais foi que esse processo pode significar, tanto, constrangimentos, como, potencialidades para o campo e os seus habitantes. De acordo com a socióloga, em decorrência da própria história social e econômica do campo e das relações, historicamente estabelecidas, entre campo e cidade “O espaço rural-natural aparece cada vez mais como um complemento do desenvolvimento urbano e, muitas vezes, constitui-se como um contrapeso” (FIGUEIREDO, 2008, p. 159, minha tradução)23. A representação do campo como espaço de conservação natural foi acompanhada pelo entendimento de que esse espaço também cumpre uma função de reserva moral e cultural, não representando mais uma oposição ao desenvolvimento ou ao moderno, marginalizado, portanto. “Mas é mais um sinônimo de uma noção que se refere à modernidade (ou pós-modernidade) expressa através da descoberta e valorização das diferenças, do autêntico e do genuíno” (FIGUEIREDO, 2008, p. 161, minha tradução, itálicos no original)24. Essa representação social do rural-natural, como reserva ambiental, moral e cultural, decorre, portanto, das relações historicamente estabelecidas entre campo e cidade. Tratar-se-ia, portanto, de uma representação social de um rural idílico (FIGUEIREDO, 2008). Corrobora-se com Figueiredo (2008, p. 162) quanto ao papel hegemônico que a representação social do campo e rural idílicos detém frente a outras imagens sociais. Deve-se enfatizar que as características ambientais, sociais e culturais – reais ou idealizadas – ocupam um lugar central nessa representação social do rural idílico, ou do rural-natural. 23 No original: “Rural-natural space increasingly appears as a complement of urban development and is often instituted as a counterbalance” (FIGUEIREDO, 2008, p. 159). 24 No original: “[…] but is rather a synonym of a notion referring to modernity (or postmodernity) expressed through the discovery and valorization of the differences, of the authentic and of the genuine” (FIGUEIREDO, 2008, p. 161, itálicos no original). 175 O campo idílico cumpriria, por exemplo, a função de um lugar de descanso, de restauro, de reenergização, de contemplação. Mas quem o apropriaria para esses fins? Os rurícolas compreenderiam o espaço que vivenciam dessa forma? Ou são os citadinos que assim concebem (representam) o campo e “usufruem” de suas amenidades? Raymond Williams, em “O campo e a cidade” (2011, p.201), afirmou que “Raramente uma terra em que se trabalha é uma paisagem”, haja vista, o conceito de paisagem denotar uma dimensão fortemente associada à contemplação: aquilo que a vista alcança para ser contemplado. Criticamente, a socióloga portuguesa entende que a representação do campo e do rural idílicos denota uma nova forma de subordinação diante da perspectiva urbana. Como o campo se integrava diante da era do capitalismo industrial? E hodiernamente: como o campo se integra frente a constituição da sociedade urbana? Se a integração das áreas rurais sob os modelos dominantes até cerca de duas/três décadas atrás foi feita pelo tamanho de sua capacidade de produção e modernização, atualmente as áreas rurais estão sendo integradas seletivamente com base na sua capacidade de preservação natural e, por extensão, seu uso recreativo (FIGUEIREDO, 2008, p. 169, minha tradução, minha ênfase)25. A perversidade que a representação social do campo e do rural idílicos comporta é demarcada por Figueiredo (2008, p. 162, minha ênfase) da seguinte maneira: A função simbólica das áreas rurais, acima mencionada, voltadas aos locais da natureza (como lugares de descanso, de regeneração, de contemplação, entre outros aspectos), bem como o idílico, se desenvolve em um cenário de longa evolução, através do qual a sociedade rural se torna vazia de suas oposições sociais mais fortes e tornando-se despolitizada (Chamboredon, 1985: 140) e esvazia-se de sua função produtiva (FIGUEIREDO, 2008, p. 162, minha tradução, minha ênfase)26. 25 No original: “If the integration of the rural areas in the type of models which were dominant until about two/three decades ago was made by the size of their capacity for production and modernization, nowadays rural areas will be integrated selectively based on their capacity for natural preservation and, by extension, recreational use” (FIGUEIREDO, 2008, p. 169, minha ênfase). 26 No original: “The aforementioned symbolic function of the rural areas as back to nature locales (as places of rest, of regeneration, of contemplation, among other aspects) as well as the idyllic, develops in a scenario of long evolution, through which rural society 'becomes empty of its stronger social oppositions and it gets depoliticized' (Chamboredon, 1985:140) and it is even emptied of its 176 A construção de uma representação social/visão social de mundo como essa não substituiu de forma alguma a dicotomia presente nas relações entre o rural e o urbano, pois “[…] trata-se de reconhecer que a pré-modernidade que caracteriza uma parte importante das nossas áreas rurais é actualmente uma mais-valia dessas mesmas áreas” (FIGUEIREDO, 2001, p. 3). Ou seja, a não integração, de determinadas áreas rurais (no caso português, mas também, no caso brasileiro) aos circuitos capitalistas mais modernos no que tange às atividades de agropecuária pode ser um fator para que estas áreas passem a ser valorizadas por meio da elaboração da representação social do campo e do rural idílicos. Por não ter sido ocupado pelo agronegócio e apresentar atividades de agropecuária de menor porte (quando destinadas exclusivamente ao mercado), mas também de subsistência e complemento das necessidades das famílias, nas quais os seus membros dividem o tempo de trabalho, seja: a) como agricultores e pecuaristas (nas terras onde moram ou de parentes e familiares, bem como nas terras de outros onde prestam serviço por tempo determinado ou tornam-se empregados fixos), b) como jardineiros, pedreiros, caseiros, dentre outras funções inerentes aos cuidados das residências de citadinos no campo, e c) como empregados no conjunto de atividades associadas à mineração, o campo próximo à Belo Horizonte, no município de Brumadinho, são representados pelos citadinos como pouco alterados. No contexto metropolitano, de intensa transformação da natureza para a produção das cidades que a conformam, espaços representados como pouco alterados tornaram-se raros e valorizados. Portanto, essa valorização está calcada sobre a representação do campo como lugar de pequenas alterações o que o aproximaria da ideia de uma natureza intocada, noção própria da sociedade urbano industrial (DIEGUES, 2001). Cachoeiras, trilhas, montanhas, áreas de mata, por exemplo, são apropriadas para usos privados por parte daqueles que tem condições de cercar e demarcar parcelas de terras como suas. Dessa forma, o campo, tornado raro, é oferecido como mais uma mercadoria para quem dispor de recursos financeiros suficientes para comprá-lo. Segundo Figueiredo (2018) são dominantes, entre boa parte das populações productive function (FIGUEIREDO, 2008, p. 162, minha ênfase). 177 citadinas dos países da Europa Ocidental, os discursos e as representações sobre o rural e sobre o campo reconfigurados e, até certo ponto, revalorizados frente a outros discursos e representações que os associam à produção agropecuária ou à pobreza em termos de renda monetária. São produzidos discursos e representações sobre o campo e o rural como idílicos através dos quais procura-se valorizá-los como “[...] repositório de valores culturais e recursos naturais fundamentais que devem ser protegidos e preservados” (FIGUEIREDO, 2018, p. 41). São discursos e representações produzidos externamente, fundamentalmente por populações citadinas sobre o campo e sobre o rural. Mas, que mesmo produzidos externamente, tem efeitos poderosos sobre a produção do espaço e da ruralidade, pois tendem a contribuir para “[...] o emergir de novas procuras e de novos consumos” (FIGUEIREDO, 2018, p. 41). Inclusive, decorre dessa aparente imaterialidade, haja vista sua produção exterior, a possibilidade de tornar esses discursos e representações idílicos sobre o campo e o rural globais. 3.3.1. Ideologias e representação do campo e do rural A representação do campo e do rural como idílicos ganha força, pois encontra- se suportada por ideologias, igualmente, hegemônicas. Ademais, deve-se fazer uma importante consideração sobre as estratégias de dominação e subordinação presentes na sociedade contemporânea. Segundo Lefebvre (1983, p. 37) a sociedade procura se estabelecer sobre representações que tendem a substituir aquilo que deveriam representar. Portanto, trata-se de uma das representações possíveis sobre o campo de Brumadinho, sem, portanto, tornar-se a única, e muito menos, a que demonstre os aspectos fundamentais daquela realidade. Pode-se conjecturar, inclusive, que ela seja um instrumento importante de dominação e controle produzido e utilizado pelas classes mais abastadas da sociedade e por empreendedores (sejam eles imobiliários, do turismo, etc) a fim de garantirem a sua hegemonia sobre a produção do espaço. Concordo com Fairclough (2001, p.122) ao dizer que 178 Hegemonia é liderança tanto quanto dominação nos domínios econômico, político, cultural e ideológico de uma sociedade. Hegemonia é o poder sobre a sociedade como um todo de uma das classes economicamente definidas como fundamentais em aliança com outras forças sociais, mas nunca atingindo senão parcial e temporariamente, como um “equilíbrio estável”. Hegemonia é a construção de alianças e a integração muito mais do que simplesmente a dominação de classes subalternas, mediante concessões ou meios ideológicos para ganhar seu consentimento. Hegemonia é um foco de constante luta sobre pontos de maior instabilidade entre classes e blocos para construir, manter ou romper alianças e relações de dominação/subordinação, que assume formas econômicos, políticas e ideológicas. A luta hegemônica localiza-se em uma frente ampla, que inclui as instituições da sociedade civil (educação, sindicatos, família), com possível desigualdade entre diferentes níveis e domínios. Aproxima-se, portanto, as representações das ideologias com vistas a interpretá-las como instrumentos destinados a ações de ocultação, submissão e qualificação de espaços, valores, ideias e seus sujeitos. A representação social do rural como idílico, ou como rural-natureza, transformou ou transformará esse espaço – que em alguns casos ainda é representado socialmente como sinônimo de atraso e pobreza – em um espaço de oportunidades para o crescimento econômico dos seus habitantes? A representação social de um rural natureza contribuiu ou contribuirá para autonomizar os rurícolas que, novamente, em diversos lugares, ainda são subalternizados aos ditames de ordens distantes? Autonomiza-se o morador do campo ao incluí-lo no circuito de atividades capitalistas através do setor de serviços, principalmente a fim de atender os desejos de lazer e ócio (programados) de citadinos? Tendo em conta que as ideologias apresentam uma matriz ou base material, esta permite ebulir ou estagnar a reprodução de circuitos de valorização dos capitais. Em competição, os capitais em suas variações disputam novos espaços de acumulação. Desse modo, a conformação dos mercados tem penetrado na produção, distribuição e consumo não só de mercadorias e espaços, mas também de processos concernentes à apropriação inclusive das relações sociais, dos corpos, das emoções, dos sentimentos, da vida (PEREIRA; DEL GAUDIO, 2014, p. 208-209). Trata-se exatamente disso: da mercantilização de tudo, inclusive do espaço e da vida! A “naturalização do rural” é uma estratégia do capitalismo em tempos de sociedade urbana, a fim de absorver mais elementos para auferir novas rendas. O 179 desejo de morar na “cidade grande” – metrópole – que o camponês (de forma bastante generalista) alimentou e alimenta, convive, atualmente, com o desejo das classes citadinas (médias e abastadas) de se mudar, temporariamente ou em definitivo, para o campo – lugar no qual a “natureza ainda está de pé” e o “ar é mais fresco”! Mas, sempre, recorrendo a uma natureza asseptada/pasteurizada (PEREIRA; DEL GAUDIO, 2014, p. 214) aos desejos citadinos. Conquanto, aceitar tal representação do campo e do rural (idílico ou rural- natural) é, portanto, uma operação ideológica. Baseando-se em Therborn (1991, p. 13, minha tradução) é possível assimilar que A função da ideologia na vida humana consiste basicamente na constituição e modelagem do modo como os seres humanos vivem suas vidas como atores conscientes e reflexivos em um mundo estruturado e significativo. A ideologia funciona como um discurso dirigido ou - como diz Althusser - interpela os seres humanos como sujeitos27. Essa representação social do rural como idílico vem se tornando hegemônica em decorrência de sua associação com ideologias, igualmente, hegemônicas. Compreende-se que a representação do rural idílico, como representação social hegemônica, advenha da sobredeterminação de classe de uma estrutura ideológica, já que “[...] todas as ideologias estão inscritas em um sistema global de poder social constituído por classes em conflito cuja força é variável” (Therborn 1991, p.33, minha tradução)28. O aspecto da hegemonia de uma classe no capitalismo é fundamental para a compreensão desse modo de produção. De acordo com Lefebvre (1991) a hegemonia de classe significa mais do que simples capacidade de influenciar e não se estabelece apenas através do uso da violência e da repressão, pois se utiliza de diversos meios e instrumentos para que se efetive como tal. Geralmente, a mediação humana é o principal meio para o exercício hegemônico de classe, podendo se realizar através de políticos, líderes sob diversos aspectos (por exemplo, atletas, músicos, entre outros), intelectuais ou especialistas. Ademais, “A classe dominante busca 27 No original: “La función de la ideología em la vida humana consiste básicamente en la constitución y modelación de la forma en que los seres humanos viven sus vidas como actores conscientes y reflexivos en un mundo estructurado y significativo. La ideología funciona como un discurso que se dirige o – como dice Althusser – interpela a los seres humanos en cuanto sujetos” ((THERBORN, 1991, p. 13) 28 No original: “[…] todas las ideologías están inscritas en un sistema global de poder social constituido por unas clases en conflicto cuya fuerza es varable” (Therborn 1991, p.33). 180 manter sua hegemonia por todos os meios disponíveis” (LEFEBVRE, 1991b p. 10, minha tradução) 29. Para Henri Lefebvre (2006) a representação é sempre aquilo que se constitui entre o mundo sensível e a abstração (o conceito ou a ideia). Compreendendo, portanto, o nível intermediário do intelecto analítico. Nem sempre as representações são ilusões, erros, mitos ou símbolos. Não se distinguem em verdadeiras ou falsas, mas sim em estáveis ou móveis, alegorias ou estereótipos. Duas importantes representações presentes no modo de produção capitalista são aquelas que se vinculam com a representação quantitativa do trabalho e a representação do não trabalho. Através das representações do espairecimento Lefebvre (2006, p. 45) afirma que o não trabalho tornou-se, também, um ramo a ser explorado, absorvido pelo modo de produção capitalista e com isso, se vê, o espairecimento preenchido de obrigações e acabam se parecendo com o cotidiano, porém deslocado, levemente, de lugar. Para Henri Lefebvre (2006, p. 68) as representações são inevitáveis e, quiçá, necessárias. Não são essencialmente, sem dúvida, verdadeiras. Mas, também, não são falsas, “[...] ao mesmo tempo, são falsas ou verdadeiras: verdadeiras como respostas a problemas "reais" e falsas como dissimuladoras das reais finalidades” (LEFEBVRE, 2006, p. 68, minha tradução)30. Elas conferem status de verdade ou de falsidade ao relacionar-se com as condições de existência de quem as produz (LEFEBVRE, 2006, p.57). As representações se originam a partir de uma conjuntura de forças em uma sociedade dividida em classes, dirigindo-se à toda sociedade. Enquanto os dominados são interpelados, no contexto dessa sociedade dividida em classes, e não rompem com tal dominação seguem aceitando as imagens impostas e, inclusive, as reproduzem introjetando-as, tornando, ainda mais difícil, a revolta31. E 29 No original: “The ruling class seeks to maintain its hegemony by all available means” (LEFEBVRE, 1991, p. 10) 30 No original: “[…] sino a la vez falsas o verdaderas: verdaderas como respuestas a problemas ‘reales’ y falsas como disimuladoras de las finalidades ‘reales’” (LEFEBVRE, 2006, p. 68) 31 Os dominados obedecem devido a algumas circunstâncias que se relacionam com a forma como ocorrem as interpelações dos sujeitos gerando, pelo menos, seis efeitos: “O primeiro corresponde à adaptação, uma espécie de conformidade que permite que os dominadores sejam obedecidos e que tenha como causa uma determinada distribuição social do conhecimento e da ignorância. Um segundo é a inevitabilidade, uma obediência por ignorância relativa à possibilidade de alternativas à sociedade atual, sobre uma marginalização política de amplos setores da população em sociedades capitalistas avançadas. O terceiro efeito compreende o sentido da representação, um efeito de dominação ideológica na medida em que a ‘representatividade’ dos dominadores é confrontada por outras ideologias. A representatividade dos dominadores pode basear-se em uma sensação de semelhança ou pertencimento, em que dominadores e dominados são vistos como 181 os dominantes, objetivando perpetuarem a sua dominação, acentuam as características que lhes conferirão mais força procurando naturalizá-las e as convertendo em caracteres definitivos e estáveis. Por exemplo: a representação do campo e do rural como idílicos propõe-se, inclusive, como resolução do problema, real, relacionado ao descaso com os seus habitantes no que se refere a crescimento econômico, aumento da qualidade de vida, desobrigação da migração de jovens do campo para a cidade para garantirem a sua sobrevivência, etc. Mas, a representação idílica, a qual afirma contribuir para o desenvolvimento de atividades não agrícolas no campo, como o turismo rural, diversificando, de tal forma, a economia desses espaços tem como finalidade contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos habitantes rurais? E se sim, em que medida contribui e faz a transformação? Ou, a finalidade de tal representação, se identifica mais com os interesses do capital imobiliário e dos serviços urbanos para o consumo dos moradores da cidade, o que, faria, com que houvesse o assalariamento da população rural que se sujeitaria, a partir de então, à relação de exploração tipicamente capitalista? Não seria aqui que a alienação espreitaria os sujeitos? Afirma-se, portanto, que as representações sempre tem um suporte social e um conteúdo prático não significando simples fatos, nem simples efeitos e muito menos são compreensíveis como resultantes de suas origens. São falaciosas? Certamente, ou seja, tem a intenção de enganar simulando a verdade. Porém, são mentirosas? Nem sempre e não em essência. Na sociedade capitalista “O espaço integra as novas raridades. […] É preciso acrescentar que a raridade do espaço acompanha a raridade crescente dos recursos e bens anteriormente abundantes: a água, o ar e até a luz?” (LEFEBVRE, 2008, p. 153). A expansão do tecido urbano incluiu novos setores econômicos no hall do modo de produção capitalista. pertencentes ao mesmo universo, independentemente de como este se defina. O quarto efeito, a deferência, seria um efeito de enunciações no qual os dominadores são concebidos como uma casta à parte, possuidora de superiores qualidades – qualificações necessárias para dominar que somente os dominadores possuem, a exemplo da descendência e/ou da educação. O quinto efeito do processo de interpelação/submissão e qualificação implica o medo promovido pela força e violência, que fazem funcionar a dominação pela força e pelo exercício do poder. Por fim, há a resignação associada ao medo, que deriva de considerações a respeito do que é possível em uma situação determinada, levando à submissão e à constelação de forças reinantes. O medo/resignação podem também corresponder a uma obediência decorrente da impossibilidade prática de uma alternativa clemente, melhor, mais do que a força repressiva dos poderes existentes” (PEREIRA; DEL GAUDIO, 2014, p.210,211, itálicos no original). 182 Por meio dos lazeres foram conquistados o mar, as montanhas e até os desertos. A indústria dos lazeres se conjuga com a da construção para prolongar as cidades e a urbanização ao longo das costas e nas regiões montanhosas. […] Essa indústria dos lazeres se estende ao espaço desocupado pela agricultura e pela produção industrial clássicas (LEFEBVRE, 2008, p. 157, minha ênfase). A constituição da sociedade urbana, portanto, como descrito nas metáforas de implosão-explosão da cidade e expansão do tecido urbano, não rompeu com a fragmentação do espaço, senão a aprofundou. Por isso a revolução urbana, como descrita por Henri Lefebvre (2004), é ainda pertinente e fundamental de ser realizada. O contexto atual da sociedade capitalista exige que os trabalhadores sigam padronizados, diariamente, para os seus locais de trabalho. Não se misturam, ao longo da semana – nos dias “úteis” - lazer e atividade produtiva destinada à sua sobrevivência. De tal forma, são reservados tempos e espaços para o trabalho e para o lazer. Torna-se natural, corriqueiro, comum e indiscutível que os trajetos diários e as funções de todos sejam cumpridas, esperando o momento ideal de se repor as energias a fim de continuarem no trabalho. A natureza dominada, controlada, produzida para fins de consumo, travestida por paisagens rurais, é alçada a função de recuperação de ânimos. Ganha função contemplativa e procura realizar o descolamento da realidade da cidade caótica e poluída do dia a dia estressante. De certo, o espaço se configura fragmentado e hierarquizado. A representação da cidade, como elaborada aqui – caótica, poluída, estressante – colabora para a construção da representação do campo e do rural idílicos, exatamente por ressaltar a contraposição entre cidade e campo. Contraposição que se baseia na raridade dos elementos que são evocados para compor a representação do rural idílico. Uma representação de natureza ainda preservada e intocada é, como já deve estar claro, mobilizada para a elaboração da representação desse rural que se contrapõe à cidade do caos, do estresse e da poluição. Mas, trata-se da pasteurização da “natureza natural” como ensinam Pereira; Del Gaudio (2014, p. 214): 183 […] uma natureza/paisagem profundamente alterada para manter o simulacro do 'natural'. As árvores selecionadas e esteticamente podadas, gramados aparados, domados, os insetos e quaisquer pragas ausentes: o paraíso natural ao gosto do cliente – que pouco tem de natural. O domínio racional da sociedade ocidental sobre a natureza que produziu os espaços citadinos do caos, da degradação ambiental, da competição, da aflição, também produz, contudo, um campo na metrópole que evoca a natureza como o seu principal atributo. Os indivíduos são interpelados de tal maneira que não cabe mais combater a natureza, dominá-la, controlá-la, pois isso já teria sido feito. Deve-se deixar incluir-se na paisagem rural-natural a fim de contemplá-la e recarregar as energias. Uma nostalgia da natureza passa a compor a representação social do campo e do rural. Cria-se um passado que não se viveu. Inventa-se uma tradição. Romantiza-se aquilo que não foi experimentado. Corrobora-se, portanto, novamente com Pereira; Del Gaudio (2014 p .214) quando afirmam que […] esse retorno à 'natureza' é aparente porque esse bucólico e natural é ele mesmo profundamente humanizado, uma segunda natureza adaptada aos padrões estéticos de um determinado tempo e grupo social específico. A ideologia das novas raridades, como entendida por Pereira; Del Gaudio (2014, p. 216), é, fundamental para o entendimento da representação social do campo e do rural idílicos. É justamente dessa crença na finitude cada vez mais irrefutável da natureza que eclodem problemáticas tais como “nosso futuro comum”, a “escassez absoluta de água”, o “esgotamento do petróleo” - a própria “natureza natural” do mundo, constituindo-a como “nova raridade”. As geógrafas Pereira; Del Gaudio (2014) criticam o processo de mercantilização que há por detrás da concepção de novas raridades. Não significa, portanto, que os problemas ambientais inexistem, que não haja, diante do processo de constituição da sociedade urbana, o açambarcamento de todo o espaço, impactando-o. A crítica que elas tecem 184 […] é dirigida especificamente para a construção da ideia de finitude da natureza, da água, do ar, do petróleo e seja lá do que for para a conversão de bens comuns em negócios e mercadorias. Observamos a construção ideológica não apenas de uma ideia, mas da materialidade de um processo/ideia pela comercialização de áreas verdes, privatização das águas, políticas de “sequestro de carbono”, dentre outras proposições (PEREIRA; DEL GAUDIO, 2014, p. 230- 231). Diante, portanto, da expansão do tecido urbano metropolitano, as áreas rurais, como representações sociais da simplicidade, do verdadeiro contato com a natureza, dos valores mais humanos, seriam, sob essa ideologia das novas raridades, cada vez mais escassas. Mas essas áreas escassas, que não foram açambarcadas pela urbanização, estão sendo pasteurizadas/asseptadas. A assepsia da natureza torna-se, inclusive, valor agregado. Ao se idealizar a viagem ao hotel fazenda, deseja-se um atendimento “vip”, ausente de insetos e dos trabalhos de cozinhar e servir as refeições. Ninguém idealiza uma ida ao hotel fazenda para ordenhar vacas, matar galinhas ou plantar uma roça para a própria alimentação. (PEREIRA; DEL GAUDIO, 2014, p. 230). Indubitavelmente, as representações sociais do campo e do rural idílicos estão sendo materializadas em um contexto no qual se tem a fuga para o rural-natural revestida como uma ação de quem procura escapar da cidade. E por isso, busca-se a sua oposição. O campo, representado e produzido como espaço privilegiado da natureza, oposto à cidade, é o lugar ideal para que as pessoas possam se reestabelecer para o retorno programado da rotina da cidade. Produz-se, destarte, um campo idílico. 3.3.2. Elementos para elaboração das representações sociais do campo e do rural idílicos em Brumadinho: depoimentos de turistas, que visitaram o município em 2016, colhidos através do site TripAdvisor A fim de se analisar a construção das representações sociais acerca do campo e 185 do rural idílicos optou-se por verificar os elementos que se referem a essa representação e que compõem os comentários dos membros da comunidade virtual de viagens TripAdvisor sobre Brumadinho. As redes sociais e os mais diversos sites registrados na rede mundial de computadores se tornaram, no Brasil, ao longo dos últimos 20 anos, importantes instâncias do cotidiano. Um exemplo é o TripAdvisor que pode ser considerado “[…] o maior site de viagens do mundo e ajuda turistas a planejarem e reservarem a viagem perfeita.”32 . Em funcionamento desde o ano 2000 o alcance das informações divulgadas e compartilhadas por ele é bastante significativo visto que, em 2016, operava em 48 países e 28 idiomas33. Outros números que nos ajudam a compreender a importância, a dimensão e o alcance de suas informações serão listados aqui a partir de informações coletadas no endereço eletrônico do TripAdvisor34:  Visitas ao site: 340 milhões de visitantes em um único mês e 103 milhões de usuários cadastrados.  Avaliações e opiniões acerca de lugares: 350 milhões de avaliações e opiniões sobre mais de 6,5 milhões de empresas em mais de 136 mil destinos, incluindo: mais de 1 milhão de hotéis, pousadas e hotéis especializados; 775 mil propriedades do “Aluguel Temporada”; 626 mil atrações; 3,8 milhões restaurantes; 53 milhões de fotos feitas pelos usuários. Em média, cerca de 2.600 novos tópicos são postados diariamente nos fóruns do TripAdvisor.  Fotos: Mais de 200 novas postagens a cada minuto. O site permite que o usuário selecione o destino que lhe interessa e obtenha informações acerca de voos, o que fazer, restaurantes, hospedagens, veja fotos daqueles que já visitaram o lugar, etc. Por se tratar de um endereço eletrônico que tem como um de seus objetivos subsidiar o planejamento de uma viagem as avaliações e opiniões dos usuários cadastrados acerca do destino de interesse são 32 Site TripAdvisor. Apresenta grande variedade de informações e serviços para turistas. Disponível em . Acesso em: 19 jun. 2016. 33Site TripAdvisor. Apresenta grande variedade de informações e serviços para turistas. Disponível em . Acesso em: 19 jun. 2016. 34Site TripAdvisor. Apresenta grande variedade de informações e serviços para turistas. Disponível em: . Acesso em: 19 jun. 2016. 186 fundamentais. Sobre Brumadinho havia mais de 1200035 avaliações e opiniões que poderiam servir como subsídio ao planejamento da viagem. Essas informações encontram-se distribuídas entre: acomodação; aluguéis de temporada; voos; o que fazer; restaurantes; fórum. Diante da enorme quantidade de informações reunidas por esse site procurei selecionar e identificar avaliações e opiniões apresentadas pelas pessoas que visitaram esse município e se preocuparam em descrever, através desse site, a experiência que tiveram. Devo reiterar que não são depoimentos fornecidos à minha pesquisa, pois foram escritos nessa plataforma a partir de diversas motivações as quais desconheço, pois não entrei em contato com os usuários que as realizaram, mas que tem como elemento central a experiência que tiveram ao visitar as “atrações” do município de Brumadinho. Concentrei-me no item “o que fazer”, que contava com 568436 avaliações sobre 13 tipos de atrações. As 13 atrações eram, em ordem crescente de avaliações: Inhotim; Parque Estadual do Rola Moça; Cachoeira da Ostra; Vila de Piedade do Paraopeba; Igreja Matriz de Brumadinho; Rota da Cachaça; Cachoeira da Toca de Cima; Fazenda dos Martins; Igreja Nossa Senhora de Piedade; Igreja Batista Nacional Ebenezer; Serra da Calçada; Siga La Vaca Safari Rural; Destilaria Pedra do Cedro. Diante do grande número de avaliações e opiniões, mais de 5.000, sobre as 13 atrações de Brumadinho optei por analisar as 10 primeiras avaliações e opiniões escritas para a atração “Parque Estadual do Rola Moça”, assim como, para a atração “Vila de Piedade do Paraopeba”37. Foi possível identificar alguns elementos que ajudam a compor a representação de Brumadinho como uma paisagem rural idílica. Como já foi dito, a representação do campo e do rural idílicos realiza-se, majoritariamente, para atender à recreação, ao lazer, ao ócio, ao consumo dos citadinos. Por isso, a análise dos comentários realizados por membros da comunidade virtual TripAdvisor, que estiveram em Brumadinho, pode contribuir para revelar elementos que garantem a hegemonia da representação do campo e do rural idílicos. E, pelo fato desse site subsidiar o planejamento de viagens, as opiniões expressas 35 Em acesso ao site TripAdvisor realizado no dia 19 de junho de 2016. 36 Em acesso ao site TripAdvisor realizado no dia 19 de junho de 2016. 37 O acesso ao endereço eletrônico para coletar essas avaliações e opiniões ocorreu no dia 21 de junho de 2016. Todas as avaliações e opiniões foram copiadas e reunidas em um arquivo que pode ser acessado sem a necessidade de conexão com a internet. 187 por quem já esteve no lugar podem servir para consolidar uma imagem sobre aquele espaço, mesmo que não seja, de fato, a sua correspondência fiel, fortalecendo, de tal maneira, uma ou outra representação. Quando o usuário realiza uma avaliação e opina no site do TripAdvisor ele preenche um formulário no qual primeiro define se aquele lugar é “horrível”, “ruim”, “razoável”, “muito bom” ou “excelente”. Em seguida, preenche o título da sua avaliação, quando é, contudo, convidado a fazer um resumo da sua visita ou destacar os detalhes mais interessantes, para em seguida descrever a atração. O site convida o usuário a contar às pessoas sobre a sua experiência. Ele ainda deve preencher como classifica o tipo de visita: “romântica”; “familiar com crianças pequenas ou adolescentes”; “com amigos”; “de negócios”, ou “sozinho”. Ademais, deve preencher quando visitou. É opcional o preenchimento de outras informações como, por exemplo, duração recomendada da visita e compartilhamento de fotos. 3.3.2.1. Depoimentos de turistas sobre o Parque Estadual do Rola Moça em 2016: mirando um trio de relações – urbanização, rural e natureza. O Parque Estadual do Rola Moça é uma Unidade de Conservação gerida pelo Instituto Estadual de Florestas do Estado de Minas Gerais (IEF – MG). Localiza-se nos municípios de Belo Horizonte, Nova Lima, Ibirité e Brumadinho, sendo considerada como uma das mais importantes áreas de conservação ambiental do estado de Minas Gerais, principalmente em decorrência de sua localização em área metropolitana e por abrigar importantes mananciais que servem para o abastecimento da capital do estado. Sobre a atração “Parque Estadual do Rola Moça”, dentre as 10 primeiras avaliações e opiniões apresentadas, ressalta-se os elementos apresentados a seguir. A paisagem vista a partir dos mirantes que se encontram na área do Parque Estadual do Rola Moça é constantemente citada nas opiniões e avaliações realizadas. Um dos comentários assim descreve a experiência da paisagem avistada a partir de um dos mirantes do Parque: “[…] de um lado a cidade lá embaixo e de outro as 188 serras”38. As referências à natureza como lugar que proporciona paz e tranquilidade são constantes, como na seguinte: “Pra quem gosta de Natureza e a Paz de uma serra, vale a pena conhecer. Não fica muito longe do centro e a vista de lá é linda”39. Como nessa descrição foi possível perceber que é constante a referência à proximidade do lugar com a cidade de Belo Horizonte. Se esboça uma relação entre o que se intitula por natureza e o espaço da cidade. Uma relação entre a cidade como ambiente construído e a natureza como ambiente preservado, sem a interferência humana, como ilustrado da seguinte forma: “Existem ângulos onde se pode observar a área preservada do Parque e a malha urbana, bom momento para reflexão sobre preservação do nosso patrimônio natural e sobre o crescimento de Belo Horizonte”40. Suscita, ademais, uma contraposição, aparentemente intransponível, entre a urbanização e a natureza. É o que também se lê em “O Parque tem muitas atrações desde uma vista maravilhosa até a vilinha de Casa Branca com cachoeiras e pousadas em um ambiente pitoresco e rural, mas bem próximo a cidade grande”41. Com esta citação o trio urbano, rural e natureza, e suas relações, toma forma. A natureza é evocada também em sua raridade e perfeição: “Perfeição da natureza! A Serra do Rola Moça é um lugar de rara beleza! A típica vegetação do serrado (sic) e variados animais silvestre (sic) fazem deste luga (sic) uma raridade da natureza”42. 3.3.2.2. Depoimentos de turistas sobre Piedade do Paraopeba em 2016: vende- se/aluga-se (finais de semana, temporadas ou para morar) espaço bucólico, rústico e interiorano Piedade do Paraopeba é um dos distritos de Brumadinho e situa-se na porção leste do município, próximo a localidade de Casa Branca que é bastante procurada pelos que visitam Brumadinho. Esses dois lugares situam-se “ao pé” da Serra do Rola Moça. Com relação a “Vila de Piedade do Paraopeba” as referências ao lugar como 38 Realizado pelo usuário: “wenderson f”. 39 Realizado pelo usuário: “sillasreis”. 40 Realizado pelo usuário: “guilhermemarra”. 41 Realizado pelo usuário: “Sandro S”. 42 Realizado pelo usuário: “Glaucilene V”. 189 bucólico, rústico e interiorano são marcantes. “Local bucólico e rústico. Local oferece artesanato da região e comida mineira em locais sugestivos. Natureza mto (sic) bonita e condomínios residenciais muito bem cuidados”43. E também em “Lindo vilarejo! Uma cidadezinha aconchegante, com um ar bucólico. Excelente para viajar a dois e curtir um fim de semana romântico”44. As características desse espaço como bucólico, rústico e interiorano aparecem como mercadorias a serem consumidas. O espaço do distrito de Piedade do Paraopeba é representado como bucólico, rústico e interiorano para ser consumido aos finais de semana, como na segunda citação, ou serve como parte do cenário perfeito para a instalação de condomínios residenciais. Trata-se do consumo imaterial do espaço. A beleza da paisagem serve para agregar valor à outras mercadorias ou serviços oferecidos para os turistas como os provenientes do artesanato e da culinária local vendidos como tradições do lugar. A valorização do bucólico, rústico e interiorano aparece, também, em “Cidade pequena, com cara de interior, comida mineira, petiscos e suco de frutas de verdade”45. O que permite o usuário do site TripAdvisor afirmar que são verdadeiras as frutas que servem para o preparo dos sucos em Piedade do Paraopeba? Não seriam verdadeiras as frutas que servem para o preparo dos sucos nas lanchonetes da cidade de Belo Horizonte? A representação da “Vila de Piedade do Paraopeba” como um espaço de consumo para citadinos aos finais de semana pode ser identificada através do seguinte depoimento: “Passeio de domingo. A vila encanta pelas Igrejas e astral interiorano, contudo não tem muitas opções de lazer. Recomendo visita em um domingo para almoço no restaurante madona Pieta”46. Diferentemente do comentário anterior, nesse, o usuário do site destaca um restaurante que, pelo nome, oferece comida proveniente da gastronomia italiana. O “astral interiorano”, as Igrejas e o restaurante especializado em comida italiana compõem, de acordo com essa avaliação, um domingo de lazer recomendável. Além de um espaço com elementos naturais e culturais ao gosto do consumidor citadino vê-se que a excentricidade pode compor um cardápio de lazer de domingo ao adicionar um restaurante, provavelmente italiano, ao distrito de Piedade do Paraopeba, uma típica “vila”. 43 Realizado pelo usuário: “LincolnRay”. 44 Realizado pelo usuário: “Fernanda C”. 45 Realizado pelo usuário: “Leonardo S”. 46 Realizado pelo usuário: “Elizabeth M”. 190 A representação da cidade como caos e desordem se apresenta nos depoimentos quando, por exemplo, tem-se o seguinte: “Um lugar de descanso e paz! […] tudo para quem deseja alguns dias de descanso longe da agitação da cidade… um lugar dentro da natureza”47. Qual é o espaço que se encontra fora da natureza? A cidade seria um ambiente não natural? Ademais, volta-se a ideologia da raridade da natureza. O distrito de Piedade do Paraopeba, por exemplo, seria um resquício diante da artificialização ecossistêmica. Portanto, a partir da representação da cidade como caos e desordem, representa-se o campo como espaço rural-natural em oposição a partir da ideologia da natureza como raridade. A ideologia da natureza como raridade não está descolada da romantização do rural e da natureza e pode ser inferida a partir desse depoimento: “Aconchegante. […] estrada de terra, macaquinhos pelo caminho e sentido (sic) o cheiro da natureza. Armazéns com muita delicadeza e produtos caseiros”48. A estrada de terra tão deplorável no ambiente da cidade por representar o atraso, a pobreza, por identificar uma parte da cidade ainda não urbanizada, quando se trata da representação do rural para o consumo é valorizada, tornando-se parte importante da paisagem. A rua não asfaltada na cidade é fruto de disputas políticas sendo, inclusive, instrumento de barganhas eleitorais numa democracia de favores. Muitos candidatos a prefeitura de diversas cidades do país as utilizam para angariar votos prometendo, se eleitos, asfaltá-las. Ou, quando se trata de candidatos a reeleição, as asfaltam para garantir aquela parcela de votos. Assim, também, pode-se interpretar com relação à natureza. A presença de “macaquinhos pelo caminho”, da mesma forma que a estrada de terra, tornar-se-ia um problema caso estivesse se referindo à cidade, como amplamente noticiado por diversos meios de comunicação. Os “macaquinhos pelo caminho” poderiam ser vistos como pragas, como invasores, etc. representando, portanto, um aspecto negativo. Para tais representações acerca da presença de animais na cidade podem ser citadas as manchetes de 2 notícias: 1) “Macacos-prego invadem casas por comida”(GLOBO REPÓRTER, 2012). 2) “Quatis e macacos invadem casas no interior de SP e problema para no MP. População de animais explodiu em Palmital. Tranquilidade da cidade estaria garantida se eles se contentassem com a área onde nasceram”(GLOBO REPÓRTER, 2014). 47 Realizado pelo usuário: “Erika V”. 48 Realizado pelo usuário: “Armênio V”. 191 Tanto a “estrada de terra” como os “macaquinhos pelo caminho” compõem uma representação do rural como idílico com elementos que se estivessem na cidade comporia a sua representação como desurbanizada. O usuário ainda reiterou em sua avaliação o cheiro da natureza. Qual seria o cheiro da natureza? Tratando-se do campo idílico esse cheiro seria o proveniente dos galinheiros ou dos currais de bovinos? Deve-se observar que os elementos destacados na avaliação anterior também poderiam ser interpretados diferentemente pelos moradores do campo: um agricultor, por exemplo, poderia desejar que a estrada de terra fosse asfaltada para que o caminhão da associação de produtores de leite chegue com mais facilidade à sua propriedade, ou que os seus filhos possam se apresentar, mesmo nos dias de chuva, no horário da entrada na escola. 3.4. Especificidades das relações campo-cidade/rural-urbano na formação socioespacial brasileira. A partir da análise dos depoimentos de usuários da comunidade virtual TripAdvisor foi possível identificar como as representações sociais acerca da natureza e do campo se imbricam, diante da ideologia da raridade da natureza. Essas representações do rural são construídas, em grande medida, pelos citadinos. Outras representações acerca do campo e do rural são feitas por outros grupos sociais sob ideologias diversas. Mas, o que se vê no campo de Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte, é a consolidação de uma representação do campo e do rural idílicos. Sobretudo, a representação da natureza e do campo está associada com a fuga do caos urbano – na verdade, a representação da cidade como ambiente do caos – e a busca pela paz, pela tranquilidade, pela simplicidade, por experiências mais verdadeiras, compondo uma oposição de representações. A partir da implosão-explosão da cidade ocorre a expansão do tecido urbano. Antes da implosão-explosão da cidade industrial, que inaugura a era urbana, o campo deveria se integrar à economia por meio da produção e pelo uso de máquinas e insumos modernos. Por isso, aqueles espaços rurais que não se “modernizaram” 192 representavam o passado, o atraso, a rusticidade e se encontravam destinados ao abandono. Após a implosão-explosão a integração do campo continua a se dar pela produção e modernização tecnológica, mas, também, por sua capacidade de preservação ambiental e, por extensão, por seu uso recreacional (FIGUEIREDO, 2008). A forma urbana se expande sem deixar de ser acompanhada pelo conteúdo urbano. Mas, não andam, necessariamente, sempre juntos. O conteúdo urbano – ressalta-se os valores ligados ao mercado – se apressam diante da forma. As redes de fluxos materiais e imateriais permitem a veloz expansão dos valores citadinos. São eles que ajudam a compor as representações acerca do rural idílico. As facilidades (para alguns, poucos, talvez) de deslocamento e de comunicação permitem aos citadinos expressarem suas opiniões acerca de um determinado lugar. As trocas de informações, cada vez mais facilitadas devido aos avanços nas telecomunicações, contribuem para a consolidação de visões de mundo acerca de determinados lugares, fatos ou fenômenos. As diversas redes sociais como o TripAdvisor podem servir para a consolidação de uma representação acerca de um lugar, pois os seus usuários se valem dela para realizarem suas viagens. Levam, portanto, de antemão, impressões do lugar que visitarão. Será que todos confrontam tais informações com as experiências que vivem? Ou apenas reiteram em suas experiências aquilo que leram sobre o lugar? A partir desse movimento, que não é unidirecional, tanto visitantes quanto empresários colaboram para que a representação do campo e do rural idílicos vá se tornando real. Ou seja, apesar da natureza e do campo serem representados como asseptados ao gosto do cliente citadino ele é produzido de tal maneira. Apesar de simulacro, não deixa de ser real. Trata-se de tornar real o que foi representado. O simulacro aqui é a imitação, não apenas idealizada, ganhando a sua materialidade no espaço. Trata-se de um movimento dialético. Por um lado, temos a confirmação de um imaginário do rural. Por outro lado, os moradores locais procuram corresponder a este imaginário para agradar os turistas com o objetivo de aumentar o valor de troca. O campo passa a ser produzido para atender os anseios dos citadinos deixando, portanto, de atender aos interesses dos rurícolas. A perversidade da representação do campo idílico advém do fato de que ela pode impedir a autonomia de seus habitantes. Por tal representação pode-se ter a impressão de que a oposição social/territorial do trabalho entre campo e cidade foi apagada. Os rurícolas são 193 interpelados por estratégias ideológicas que propugnam a modernidade, a melhoria das condições de vida de toda a população e a preservação ambiental através da inclusão do espaço que habitam nos circuitos econômicos urbanos. Nesse movimento de ressignificação do campo é crescente a sua vinculação com a natureza em contraposição à cidade como ambiente construído no qual a natureza não estaria presente. Além disso, a cidade seria o ambiente do caos e da agitação enquanto o campo seria o representante da serenidade. Enfim, dialeticamente, a representação do campo idílico está fortemente imbricada pela representação da cidade como ambiente do caos, da desordem e do estresse. 3.4.1. Constituição da aliança campo-cidade dos dominantes no âmbito da Formação Socioespacial brasileira Moreira (2005) corrobora com o plano geral desenhado por Lefebvre (2004), contudo ressalva que “no Brasil o fenômeno da cidade e do campo só em linhas gerais seguiu o modelo universal” (MOREIRA, 2005, p. 1). Para esse geógrafo é fundamental que se reitere, pelo menos, dois fatos históricos fundamentais da formação socioespacial brasileira: o caráter agromercantil e exportador da colonização portuguesa e a natureza não subversiva da cidade no processo histórico. Vale ressaltar que esses fatos se encontram fortemente imbricados tornando a revolução burguesa daqui singular, pois deve ser considerada como [...] algo distinto e ao mesmo tempo contemplativo dos termos da via prussiana e da via americana, não sendo uma nem outra, mas a via que seguem as revoluções burguesas na América Latina. Isto é, a revolução burguesa de base numa relação cidade-campo estruturada como armadura da articulação contraditória de conjunto dos dominantes do campo e da cidade, garantindo-lhes a unidade por cima e ao mesmo tempo o controle e ação desintegradora da realização dessa aliança por baixo (MOREIRA, 2014, p. 147, minha ênfase). Ademais, a forma de operar dessas classes dominantes ao longo da história da formação espacial brasileira esteve pautada, e ainda é, por práticas de concessões como estratégia de antecipação, que tem o urbano e a cidade como moedas de troca, 194 a fim de evitar transformações profundas que possam desestruturar a armadura constituída pelas classes hegemônicas (MOREIRA, 2014, p. 294, 295). No período do Colonialismo e da Implantação da Moderno-colonialidade (PORTO GONÇALVES, 2006) se assenta sobre a América Latina uma colonização de exploração que incluiu esse continente em uma lógica mundial, na qual as colônias latino-americanas tornaram-se fonte inesgotável de recursos, permitindo a acumulação primitiva de capitais no continente europeu e contribuindo para que esse se tornasse o centro hegemônico do mundo (devendo se registrar a passagem dessa centralidade do Oriente para o Ocidente a partir do século XVI). Segundo Porto-Gonçalves (2016) a modernidade europeia, que levou consigo a colonização, contribuiu enormemente para uma visão que credita à cidade o status de local onde se desenvolvem todas as potencialidades do humano e por isso capaz de proporcionar formas de vida superiores às que são encontradas nos campos. Essa ideia está associada a uma concepção, também europeia, de que a ciência e a filosofia são formas superiores de racionalidade, capazes de melhor compreender o humano e a natureza. Inclusive, a racionalidade científica deslocou o humano em relação à natureza. Ao mesmo tempo, foram relegadas outras formas de entendimento do mundo realizadas pelos que não tinham acesso ao conhecimento desenvolvido pelas ciências. Vai se constituindo na América, portanto, uma oposição baseada na Cidade- Razão e Campo-Natureza sob a racionalidade moderno-colonizadora europeia com fortes traços de controle e dominação (PORTO-GONÇALVES, 2008). Na constituição desse sistema-mundo moderno-colonial (PORTO- GONÇALVES, 2006) as relações campo-cidade são fortemente marcadas pelo caráter agromercantil e exportador (MOREIRA, 2005). Trata-se de uma economia rural destinada a atender às demandas de um mercado internacional. A produção local se faz a partir dos interesses europeus. A sociedade pode ser encarada como rural cosmopolita. Sobre a base da relação terra-território-senhorio, regente de uma nova estrutura de relação homem-espaço-natureza, ergue-se uma sociedade rural com as janelas da casa-grande abertas para a entrada dos traços culturais de um mundo em franco caminho de integração. Os laços agromercantis sobre os quais esta sociedade se estrutura fazem dela a um só tempo senhorial e burguesa. Senhorial nas relações para dentro. Burguesa nas relações para fora (MOREIRA, 2011, p. 45, minha ênfase) 195 Pois, apesar de baseada em uma economia rural referenciava-se em valores mercantis e externos (MOREIRA, 2005). Portanto, as cidades cumprem uma função estritamente político-administrativa, a fim de organizarem uma sociedade rural cosmopolita. Um híbrido de rural-local com mundial-cosmopolita marca as relações estabelecidas entre o campo e a cidade, na qual a cidade não nasce das demandas internas da sociedade ou da evolução da divisão territorial do trabalho, mas sim configurou-se como uma necessidade de “[...] entronizar a sociedade colonial” (MOREIRA, 2005, p. 5) no âmbito de uma divisão internacional do trabalho na qual se tem um campo-colônia e uma cidade-metrópole. Trata-se, portanto, de um período no qual o rural vigorou frente ao urbano, como estabelecido pelo esquema geral desenhado por Henri Lefebvre (2004) no qual a cidade exercia uma função política, porém com as especificidades derivadas da imposição da economia agromercantil exportadora pela moderno-colonialidade europeia. A emergência do período do Capitalismo Fossilista e do Imperialismo e a sua evolução (sem bruscas rupturas) para o Capitalismo de Estado Fossilista Fordista (PORTO-GONÇALVES, 2006) é marcada pela criação das máquinas a vapor, que proporcionaram considerável ampliação na capacidade de produção de mercadorias, acompanhada da elevação da exploração da natureza sem romper, “[...] entretanto, a estrutura moderno-colonial” (PORTO-GONÇALVES, 2006, p. 26). Até o século XVIII a Europa não produzia nada para o mercado mundial. Mas explorava o mundo inteiro. Apenas com a Revolução Industrial as relações estabelecidas entre o campo e a cidade no continente europeu se modificaram com efeitos sobre as relações entre a sociedade e a natureza extrapolando os limites daquele continente. O Brasil e as outras colônias, que haviam contribuído para o processo de acumulação primitiva do capital na Europa, tornaram-se os responsáveis pelo fornecimento de matérias-primas para a indústria nascente, principalmente na Inglaterra. Nesse momento histórico, a divisão territorial do trabalho ganha a face mais conhecida até os dias de hoje: a cidade passa a abrigar os setores secundário e terciário e o campo o setor primário. Se na Europa a cidade é revolucionária por aparecer “[...] como porta-voz da representação burguesa de mundo e a instância difusora do seu ideário revolucionário contra o mundo de representação rural das classes fundiárias” (MOREIRA, 2005, p. 3) no Brasil após a independência e a 196 instalação do Estado nacional, apesar de, também, subordinar e comandar o campo, ela mantém o seu caráter não subversivo ao se reafirmar como a sede do poder político da elite rural que procura transformar “[...] a sociedade colonial-escravista na sociedade industrial-urbana” (MOREIRA, 2005, p. 7). Consolidando, portanto, a visão europeia, advinda com a moderno-colonialidade, de que a cidade é um espaço dotado de características superiores que subjuga o campo e seus habitantes. Deste modo, a cidade colonizou o mundo. A cidade seria como o locus por excelência da vida civilizada e própria do trabalho dos homens, mais que das mulheres, diga-se de passagem. A razão, masculina, permitiria deixar o reino da natureza através de um artefato, uma obra dos homens: as cidades. E as cidades, lugares de artes e conhecimento e poder local seriam autorizadas a dominar o mundo do campo, tanto o mundo rural e seus camponeses e os mundos dos povos / etnias / nacionalidades associadas à natureza, os outros, os selvagens (da floresta) ou bárbaros (palavra que deriva do canto desconexo dos pássaros, portanto, da natureza). [...] São profundas as implicações da oposição Cidade-Razão, por um lado, Campo- Natureza, por outro (PORTO-GONÇALVES, 2016, p. 296, minha tradução)49. Em Moreira (2014) vê-se que a hegemonia conquistada pela elite agrário- exportadora no processo histórico permitiu a sua metamorfose em um leque de posições diversas que ocupou, tanto nas cidades quanto nos campos, impedindo com que o campesinato realizasse esse mesmo movimento, ficando circunscrito ao minifundismo. Esse é, portanto, um dos traços fundamentais e diferenciadores em relação ao plano geral desenhado pelo filósofo Henri Lefebvre, que marca as relações estabelecidas entre campo e cidade ao longo do processo de formação socioespacial brasileiro. É da matriz agromercantil exportadora que uma aliança campo-cidade dos dominantes irá se estabelecer, não sem contradições, numa constante “[...] repactuação da distribuição das cotas de mando” (MOREIRA, 2014, p. 149) entre as frações daquilo que era originalmente a elite agrário mercantil exportadora. O que 49 De este modo, la Ciudad colonizó el mundo. La ciudad sería como el locus por excelencia de la vida civilizada y obra propia de los hombres, más que de las mujeres, dicho sea de passo. La razón, masculina, permitiría salir del reino de la Naturaleza a través de un artefacto, una obra de los hombres: las ciudades. Y las ciudades, lugares de las artes y del saber y locidel poder, estarían autorizadas a dominar el mundo toutcourt, tanto el mundo rural y sus campesinos como los mundos de los pueblos/etnias/nacionalidades asociadas a la naturaleza, los otros, los salvajes (de selva) o bárbaros (palabra que deriva del canto desarticulado de las aves, por tanto, de la naturaleza). [...] Son profundas las implicaciones de la oposición Ciudad-Razón, de un lado, Campo-Naturaleza, del otro. (PORTO- GONÇALVES, 2016, p. 296). 197 explica, por exemplo, a existência e persistência de uma Bancada Ruralista no Governo Federal50 que se alimenta, inclusive, da forma como o pacto federalista no Brasil foi estabelecido. Não sendo por acaso a definição de cidade como sede municipal que controla, domina e organiza todo o município. E é do mando sobre o município, reafirmado através do mando sobre a cidade em seu elo logístico com a fazenda, que o grande fazendeiro de lavoura e de gado, de cujas raízes emerge o industrial e a indústria, extrai sua presença política de mando sobre o Estado. É por meio do controle político do município que o vínculo terra-território-Estado institui-se e é mantido como a lei espacial estruturante por excelência da relação sociedade-espaço brasileiro no tempo. O poder sobre o município é, todavia, o viés de arranjo de espaço dessa lei. Com a propriedade de deste fazer a própria ossatura rural e urbana da organização geográfica do país. O domínio político do município é a base de referência. Mas é o monopólio da terra a fonte e o espelho. [...] Em suma, o município é o elo institucional que intermedia este fato, por decorrência pura e simples do modo pactual do federalismo. (MOREIRA, 2011, p. 140). A formação socioespacial brasileira evidencia, portanto, uma organização que não colaborou para o desenvolvimento daquilo que se convencionou chamar por cidadania. Se a população das cidades brasileiras ainda carece das 3 dimensões básicas que compõem a cidadania (direitos civis, políticos e sociais) a população rural está, ainda mais longe, de conquistá-los plenamente. A análise das relações estabelecidas entre o campo e a cidade permite ver o papel que as elites rurais desempenharam, ao longo do tempo travestindo-se em outras frações de elite, emperrando a marcha da cidadania em nossa sociedade (CARVALHO, 2001). Com as transformações na forma de realização dos fluxos (materiais e imateriais) decorrentes das inovações nos sistemas de comunicação e transportes – a partir, principalmente, da II Revolução Industrial – as fronteiras entre o rural e o urbano caminham na direção da atenuação. Contudo, sem alterações no papel de comando da modernização conservadora que a cidade desempenha (MOREIRA, 2005). A implementação e disponibilização da rede de transporte ferroviário, das transmissões via rádio, de transmissões via televisão, da malha rodoviária e, mais recentemente, da internet vão transformando a forma como os moradores do campo 50 Desde 1995 a Bancada Ruralista atua formalmente no âmbito do Governo Federal através da Frente Parlamentar da Agropecuária (que já contou com outros nomes: Frente Parlamentar da Agricultura e Frente Parlamentar de Apoio à Agropecuária) que congrega políticos comprometidos com a defesa dos interesses do setor do agronegócio. 198 vivem suas vidas em decorrência da, cada vez mais ampla, difusão de valores produzidos e/ou ressignificados nas mais distantes cidades, consolidando-os como valores urbanos. No final do século XX e início do XXI as relações campo-cidade no Brasil passam a ser marcadas por um movimento de hom*ogeneização dos valores e dos modos de vida sob formas de representação de mundo do imaginário urbano ao mesmo tempo em que elimina e prenuncia um retorno ao rural do passado (MOREIRA, 2005). Nos anos de 1980, a Globalização Neoliberal e o estabelecimento do Período Técnico-Científico-Informacional (PORTO-GONÇALVES, 2006), que se anunciou nos anos de 1960, ganhou mais força, abarcando mais evidentemente o Brasil, sem apagar elementos ligados ao colonialismo e ao imperialismo. Como demonstrado por Porto-Gonçalves (2006) e Moreira (2005, 2014) em cada período da formação socioespacial brasileira não houve supressão das características marcantes das fases anteriores, mas sim incorporação das mesmas ao se estabelecer um novo período. Uma das principais características da Globalização Neoliberal relaciona-se com os enormes montantes da dívida externa que tem efeitos desastrosos sobre, principalmente, as questões sociais e ambientais. Haja vista as iniciativas que buscam realizar “ajustes estruturais” com vistas a obter superávit primário balizadas pelas taxas de juros. Estão incluídos nesses “ajustes estruturais”: as (contra)reformas trabalhista e previdenciária, por exemplo. Assim como a redução de gastos públicos com educação, saúde e assistência social. Inclusive, o estabelecimento de um teto para os gastos públicos. Além do mais, redução do orçamento destinado à programas vinculados à agricultura camponesa, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) justificando-se que o Estado deve ajustar as suas contas, como todos os indivíduos deveriam fazer, a fim de não gastar mais do que consegue arrecadar. Entretanto, nesses momentos de “ajustes” pouco se trata dos perdões de dívidas milionárias e bilionárias de indivíduos e grandes grupos empresariais dos mais diversos segmentos da economia como, por exemplo, mídia, telecomunicações, financeiro, minerário e agronegócio. O relatório da OXFAM (2016) apontou que latifundiários brasileiros e estrangeiros com terras no país são responsáveis por uma dívida que chegava na casa dos R$ 900 bilhões e que uma pequena parte desses devedores era proprietária de terras em número suficiente para assentar o dobro de 199 famílias que se encontravam acampadas naquele ano. Segue-se a seguinte lógica: o capital será aplicado em atividades produtivas, preferencialmente, em casos nos quais a atividade produtiva possa apresentar rendimentos superiores aos obtidos através das aplicações financeiras. Portanto, elevadas taxas de juros, além de desestimularem os investimentos produtivos, [...] induzem a práticas produtivas que garantam uma rentabilidade dos investimentos compensando as taxas de juros altas. A maior exploração da natureza e a materialização dos danos ambientais podem bem ser, e tem sido, uma compensação para as altas taxas de juros (PORTO-GONÇALVES, 2006, p. 39). A intensa exploração dos recursos naturais (solo, água, minerais, por exemplo) e transferências de indústrias altamente poluentes para a periferia do mundo, associa- se ao aumento da exploração do trabalhador, configurando, de tal maneira, uma desigual distribuição dos ônus e dos bônus que a fase de Globalização Neoliberal pode proporcionar. As cidades da periferia do mundo repetem a função que desempenharam na fase do Colonialismo e Implantação da Moderno-Colonialidade, como gestoras dos interesses externos, procurando comandar a produção realizada localmente. E intensifica-se a exploração do campo através das ações implementadas pelas empresas mineradoras e do agronegócio sob o discurso da necessidade de se atingir o superávit. Contudo, como efeito da busca pelo superávit, como procurou-se apresentar aqui, houve a elevação da dívida ecológica (PORTO-GONÇALVES, 2006). O agravamento dos problemas ambientais nessa fase da história tem levado o capitalismo a desenvolver diversas estratégias com o objetivo de ultrapassá-los. Uma delas é a preservação de algumas áreas de recarga hídrica, que se encontram no campo, a fim de permitirem, principalmente, o abastecimento de água nas cidades, sem, contudo, transformar a forma como as atividades de mineração a utilizam. Ademais, o campo pode ser chamado para cumprir a função de um contrapeso e complemento diante de tal contexto de intensa degradação ambiental numa espécie de “valorização conservadora do rural” que se configura como uma visão que não compreende o campo como um espaço dinâmico, diverso, vivo e capaz de romper com a condição de subalternidade frente às cidades (ALENTEJANO, 2003). Portanto, apesar da importância de ações direcionadas à preservação e conservação da 200 natureza nas áreas próximas às cidades, elas devem se preocupar com as demandas dos moradores do campo. 3.5 Ajustando os termos: modos de vida citadino e rural diante da incompletude urbana Agora é possível tratar de forma mais clara os conceitos de campo, cidade, rural e urbano. Campo e cidade devem ser entendidos como espacialidades, com especificidades que se relacionam às formações socioespaciais onde se desenvolvem. Rural e urbano se referem aos modos de vida que diferentes grupos desenvolveram ao longo da história. Não há correspondências diretas entre esses dois pares, ou seja, não foi, somente, no campo que modos de vida rurais se desenvolveram, assim como, não é apenas nas cidades que o modo de vida urbano industrial se desenvolve. Como não é possível destacar essas realidades, trabalhando-as separadamente, campo, cidade, urbano e rural desenvolveram-se no âmbito de suas relações e, portanto, fortemente imbricados um no outro. Tanto na academia, quanto para o senso comum, essas categorias estão fortemente relacionadas à divisão territorial do trabalho decorrente do modo de produção capitalista europeu. Portanto, da era industrial. Uma das marcas desse período foi o intenso processo de migração da população do campo para as cidades sob as mais diferentes condições de vida. Deriva daí um discurso que interpreta a elevação do número de pessoas residindo nas cidades como sinônimo do processo de urbanização, obscurecendo “[...] o fato de mundialmente a cidade nascer sem vir acompanhada do urbano estruturalmente, mas é depois transformada por pressão popular” (MOREIRA, 2014, p. 293). Então, está mais para modos de vida citadino e rural, do que para urbano e rural, haja vista a incompletude do urbano em decorrência das enormes dificuldades enfrentadas pela população em se atingir uma cidadania plena. Trata-se de um urbano presente-ausente instrumentalizado pelo modo de fazer política no Brasil, marcado por estratégias de concessão por antecipação, a fim de conter contestações e revoltas, impedindo o aprofundamento das mobilizações sociais (MOREIRA, 2014, p.294). 201 E mais: como nas cidades a urbanização está em um movimento de permanente incompletude, nos campos ela está ainda mais longe de se concretizar, apesar do avanço do tecido urbano. 202 4. INJUSTIÇA AMBIENTAL-HÍDRICA COMO PARTE CONSTITUTIVA DO PROCESSO DE MONOCULTURIZAÇÃO DO ESPAÇO Durante os trabalhos de campo realizados no município de Brumadinho foi constantemente citado pelos moradores do município, com os quais eu conversei, o fato da água estar “minguando” e como isso tem sido um enorme limitador para a continuidade das atividades de agropecuária que muitos deles e seus familiares desenvolvem, sejam elas para complementar a renda e alimentação ou como atividade econômica principal. Muitos deles apontaram que esse é um importante fator que impede, em diversos casos, a continuidade das famílias no campo fazendo com que elas optem por migrar para a cidade, principalmente Belo Horizonte. Esses dados, contudo, não são registrados sistematicamente por nenhum órgão da administração pública. Apenas são revelados pelos depoimentos daquelas pessoas que permanecem no campo. Os conflitos em torno da água em Brumadinho envolvem diversos sujeitos como agricultores familiares, assentados da reforma agrária, moradores e administradores dos condomínios residenciais, empresas mineradoras, Inhotim e pousadas. Segundo o engenheiro agrônomo do escritório local da EMATER-MG [...] se você perguntar ao produtor eles... a reclamação do agricultor é água, não é?! Mas aí, uma das causas que eles reclamam é a mineração, outros falam, talvez, que é o condomínio. Então a gente não tem nada certificado que é isso (agrônomo EMATER-MG M, 2016). Essa fala corrobora com as conversas realizadas durante os trabalhos de campo. Os moradores do município, principalmente os que se ocupam, mesmo que parcialmente, com as atividades de agropecuária, identificam como potenciais causadores da redução de água disponível as empresas mineradoras e a instalação de diversos loteamentos residenciais destinados, principalmente, para o lazer dos citadinos. 203 Sobre o uso indiscriminado dos recursos hídricos pelas empresas mineradoras o Presidente da ASPRUB declarou que [...] todas as pessoas da região já perceberam que está influenciando muito na região esse rebaixamento de teto. Porque você sabe que tem rebaixamento de teto da Vale que já chegou em baixo. [...] a gente vê que a Vale, naquela serra, que ela já furou mais de 1.000 metros para baixo (agricultor familiar P, 2016). Uma das principais lideranças do Assentamento Pastorinhas também criticou as operações realizadas pelas empresas mineradoras da seguinte maneira: “[...] a gente já perdeu mais de 40% do volume por causa dos rebaixamentos dos lençóis. E são atividades que estão totalmente licenciadas. Está tudo correto” (assentada da reforma agrária V, 2016). Além da crítica relacionada a forma de atuação das empresas mineradoras no município também são criticados os trâmites legais conduzidos pelos órgãos públicos que licenciam as atividades mineradoras, pois, apesar dos impactos negativos gerados pela operação de rebaixamento de nível do lençol freático realizada pelas empresas mineradoras não há inconformidade legal. As empresas mineradoras impactam negativamente, de diversas formas, o município de Brumadinho. Por exemplo, no povoado do Córrego do Feijão encontra- se sob exploração da empresa Vale S.A. uma mina de ferro intitulada por mina Córrego do Feijão, que até o ano de 2003 era de propriedade da empresa Ferteco. Os moradores desse povoado trabalham, majoritariamente, com atividades relacionadas à mineração, seja nessa mina da Vale S.A. ou de outras empresas que detém a propriedade de outras minas próximas. Além das atividades relacionadas à mineração muitos trabalham com a construção civil e prestam serviços para os sitiantes seja para os cuidados dos jardins ou limpeza residencial, por exemplo. Poucos trabalham com atividades relacionadas a agropecuária e quando o fazem a exercem no sistema meação, parceria e aluguel. A Vale S.A. em parceria com uma ONG de atuação regional implementou um centro e uma horta comunitária no povoado além de ter mapeado locais e pessoas interessadas em implementar outras hortas. Contudo, poucos moradores se envolveram com o projeto, tanto o da horta do centro comunitário como o das hortas em outros espaços pelo povoado. A foto a seguir foi tirada no mês de março do ano de 2018. É possível observar que o capim havia tomado conta de grande parte do terreno que foi cercado com o 204 objetivo de delimitar a área da horta desse projeto comunitário, inaugurado no ano de 2016, que tem como objetivo ser uma contrapartida da Vale S.A. ao povoado do Córrego do Feijão. Fotografia 10 - Vista da horta, em 2018, implementada pela mineradora Vale S.A. em Córrego do Feijão como contrapartida pelos impactos que as suas atividades geram. Fonte: Acervo pessoal (2018). Segundo depoimentos de moradores do povoado, no ano de 2018, poucas pessoas se encontram envolvidas de fato com esse projeto. Não é, portanto, muito difícil de compreendê-lo como uma iniciativa de baixa relevância para a população impactada sob as mais diversas formas em decorrência das atividades relacionadas à operação da Vale S.A. no povoado. Na semana de inauguração desse centro comunitário foi possível conversar com moradores locais que previam o baixo impacto positivo de uma ação como essa diante da carga negativa que o conjunto de atividades ligadas à mineração na Mina Córrego do Feijão impõe sobre os moradores desse provoado. Muitos deles estavam preocupados com a enorme quantidade de poeira vermelha que adentra as suas casas durante o período seco e com o barro espesso que cobre a rua durante o período chuvoso tornando tarefas cotidianas como a limpeza das casas, lavagem e secagem das roupas enormes desafios e que são 205 totalmente ignorados. Ademais, no período seco, a água que abastece as casas, proveniente de uma rede de água administrada pela Vale S.A., chega, segundo os moradores do povoado, carregada de minério apresentando coloração avermelhada. Tais depoimentos foram facilmente comprovados quando eu me dirigi para a única mercearia do povoado Córrego do Feijão, onde os funcionários, também moradores do povoado, confirmaram que durante o período seco é comum abrir as torneiras das casas e ver a água com a coloração avermelhada. Essa situação se repete em outras localidades e povoados do município de Brumadinho, principalmente os situados nas cercanias da Serra Três Irmãos. Como, por exemplo, no povoado do Tejuco e na localidade de Casa Branca. São comuns reclamações acerca da qualidade das águas no período de seca. Uma agente comunitária de saúde do município de Brumadinho, em 2018, relatou que na localidade de Casa Branca, mais especificamente, no bairro da Jangada, em períodos secos, a população passa a relatar fortes dores abdominais e nos rins as quais associam ao consumo da água que chega às suas casas. Já no povoado Tejuco funcionários, professores e estudantes da Escola Maria Solano Diniz enfrentam enormes dificuldades ao longo do ano com abastecimento de água. Segundo reportagem do jornal Hoje Em Dia, publicada em 24 de novembro de 2016, são, geralmente, 5 meses do ano com dificuldades de abastecimento e no período chuvoso a água chega com alterações na coloração. Segundo a diretora da escola naquela época “a água é barrenta na época da chuva e enfrentamos grande escassez durante o ano” (JORNAL HOJE EM DIA, 2016). Ainda no âmbito dessa escola no povoado Tejuco, segundo depoimento da diretora no ano de 2018, a escola tem sido abastecida por caminhões pipa e por isso o problema foi amenizado. Entretanto, ainda segundo a diretora da escola, o povoado enfrenta diversos problemas decorrentes das atividades de mineração, sejam eles ligados à potabilidade da água ou ao intenso trânsito de caminhões que trabalham nas atividades de mineração que geram forte medo de atropelamento ou outros acidentes de trânsito. Inclusive, tornou-se recorrente, a necessidade de destacar um funcionário da escola para auxiliar os alunos a atravessarem a rua durante os horários de entrada e saída escolar. Situação comum nas cidades brasileiras diante do enorme fluxo de automóveis e característica não tão presente no campo. E mais, os funcionários da mercearia do povoado Córrego do Feijão afirmam que durante o período seco a venda de água engarrafada aumenta pois, a população local evita consumir a que chega em suas casas tendo em 206 vista diversos casos de dores abdominais e diarreia. Um restaurante situado no povoado encerrou suas atividades no ano de 2017 em decorrência da dificuldade de acesso ao povoado. A estrada que liga esse povoado à sede municipal e à BR-040 é a principal reclamação dos moradores. São muitas as histórias de pessoas que foram obrigadas a descer no meio da estrada que liga o povoado à sede do município, principalmente no período chuvoso. As crianças, após a conclusão do 5º ano do Ensino Fundamental na escola do povoado, têm que se deslocar para a localidade de Casa Branca ou para a sede do município a fim de continuarem os seus estudos e enfrentam diariamente os problemas relacionadas às péssimas condições da estrada que permite essa ligação. Portanto, é comum para esses estudantes terem que continuar a viagem a pé até a escola após o ônibus escolar não conseguir avançar. Como se vê pelas fotografias números 11 e 12 essa estrada não é asfaltada e o trânsito de caminhões das empresas mineradoras é intenso. Fotografia 11 - Estrada para Córrego do Feijão. O trânsito de caminhões é intenso e a qualidade da via está bastante comprometida. Fonte: Acervo pessoal (2016). 207 Fotografia 12 - Estrada para Córrego do Feijão. O trânsito de caminhões é intenso e a qualidade da via está bastante comprometida. Fonte: Acervo pessoal (2016). Sobre a diminuição do volume de água, um dos entrevistados, agricultor familiar de Brumadinho, não culpa diretamente as empresas mineradoras ou os condomínios, apesar de ter constatado que [...] a nascente principal já tem uns 3 anos que secou. Aí já está nascendo um pouquinho em baixo. Porque a nascente era lá no alto. Tinha ela lá, secou, vai secando, tinha várias nascentes e ela vai só secando, o pouquinho que ainda está conseguindo nascer já não, no fundo já, no brejo (agricultor familiar E, 2016). [...] Há 10 anos, quer dizer, tinha água ali para tocar moinho. Então, assim, eu acho que do jeito que lá vai daqui há uns 10 anos eu acho que a população inteira vai atravessar um problema sério (agricultor familiar E, 2016). E, em mais uma passagem dessa entrevista, ele afirmou que é generalizado, no município, a percepção de que a água está cada vez mais escassa, pois “[...] é 208 todo lugar. Todo lugar. Igual por aqui, toda casa praticamente, assim, as casas mais antigas no caso. [...] tudo tinha aquela bica d’água na porta da casa” (agricultor familiar E, 2016). A utilização de moinhos movidos pela força da água para beneficiar, principalmente, o milho era algo bastante comum no dia a dia das famílias rurais e a desativação de suas operações pode ser apontado como um importante indício sobre as mudanças sobre o acesso à água, tendo em vista que atualmente “não há água suficiente para tocar moinho”. E não discuto aqui sobre as mudanças em torno do acesso aos alimentos provenientes da industrialização e as consequências sobre as práticas de beneficiamento do próprio alimento por parte das famílias rurais. Ressalto que o depoimento nos informa sobre a redução do volume e da força das águas. Os investimentos (recursos financeiros, materiais, mão de obra, etc.) para construir a maquinaria destinada a beneficiar os grãos foram realizados a partir da experiência de seus executores e não como uma aventura e a sua obsolescência decorreu, dentre outros fatores, pela diminuição da força das águas tornando-se incapaz de gerar energia hidráulica para alimentar o moinho. Dias de Andrade (2015) nos ajuda a compreender sobre a escolha bastante planejada sobre o uso de artefatos técnicos como os moinhos em terras como as de Minas Gerais: “Os moinhos de rodízio foram mesmo um equipamento aqui sempre associado a terrenos mais movimentados, cujos cursos d´água encachoeirados poupavam maiores despesas em sua construção” (DIAS DE ANDRADE, 2015, p. 138). E em outra passagem afirma que [...] suas implantações sempre procuraram garantir o melhor aproveitamento energético possível dos riachos em que se localizavam. Assim, poupavam aos seus construtores não apenas o custoso trabalho de construir azenhas e engrenagens (nas quais o acesso ao ferro de boa qualidade é imprescindível), mas também obras muito mais onerosas, como barragens e açudes (DIAS DE ANDRADE, 2015, p. 139). “Água suficiente para tocar moinho” e as “bicas d’água na porta de toda a casa” alimentaram (hidrataram) o dito camponês de que “água não se nega a ninguém”. Görgen (2018) afirma que a água deve ser tratada como um bem comum que não se nega a ninguém, como uma visão de mundo camponesa em contraposição à mercantilização da água que está imbuída de uma outra ética que torna possível o 209 inimaginável: Hoje, em qualquer bar, meio litro de água sem gás custa mais que um litro de leite. E, sem dinheiro, sem água. Alguém se adonou da fonte, engarrafou e vende caro. E nega se não acontecer troca da mercadoria por dinheiro. Água virou mercadoria (GÖRGEN, 2018). Portanto, é evidente que os agricultores familiares e os assentados da reforma agrária de Brumadinho percebem que o acesso a água se tornou mais restrito ao longo dos anos, porém não é possível estabelecer apenas um gerador desse problema, já que identificaram as empresas mineradoras ou os condomínios residenciais como possíveis causadores da diminuição das águas. Os que não culpam as empresas mineradoras ou os condomínios residenciais pelos impactos negativos sobre os recursos hídricos do município culpabilizam as mudanças climáticas (às vezes usam esses 3 agentes como culpados) afirmando que “o tempo hoje está totalmente diferente” ou “[...] por causa do tempo que não está ajudando igual assim para trás, uns anos atrás aí” (agricultor familiar E, 2016). Porto-Gonçalves (2005) chama a atenção para os efeitos sobre os modos de vida não urbanos frente a desordem ecológica da seguinte maneira: Não bastassem esses efeitos há um outro, pouco debatido mas de efeitos igualmente graves, que diz respeito ao fato de que outras diferentes formas de lidar com a água desenvolvidas por diferentes povos e culturas em situações muito próprias, estão impossibilitadas de serem exercidas até porque essa desordem ecológica de caráter global produz desequilíbrios locais de novo tipo, cujas dinâmicas hídricas estão longe de constituir um padrão que possa servir de referência para as práticas culturais. Esse problema vem sendo acusado por populações camponesas em diferentes regiões e lugares no Brasil, que não mais conseguem fazer as previsões de tempo com a mesma precisão que faziam há não mais do que 30 anos (anos 70). Assim, diferentes culturas e, com elas, diferentes modos de se relacionar com a natureza também vão sendo extintos e, com eles, todo um enorme acervo de conhecimentos diversos sobre a forma de lidar com as dinâmicas naturais (PORTO-GONÇALVES, 2005, p. 119, minha ênfase) De certo, o que se tem é que a forma de produção capitalista do espaço gera diversos conflitos em torno do acesso à água que faz parte de uma desordem ecológica global e não simplesmente de escassez hídrica como nos ensina Porto- Gonçalves (2005, p.119, minha ênfase) 210 Entretanto, é preciso sublinhar que embora estejamos diante de uma desordem ecológica global, particularmente visível quando abordado a partir da água, seus efeitos estão longe de serem distribuídos igualmente pelos diferentes segmentos e classes sociais, pelas diferentes regiões e países do mundo, assim como estão muito desigualmente distribuídos os meios para lidar com a questão. E mais, os efeitos e os meios também se distribuem desigualmente quando se trata da, ainda pertinente, divisão territorial entre campo e cidade, que estabelecem relações cada vez mais associadas ao posicionamento que detêm em uma hierarquia de lugares mais e menos integrados ou segregados no âmbito de uma rede de fluxos, também desigual, de escala mundial. Portanto, no âmbito dessas relações territoriais as classes sociais que dispõem de maiores recursos financeiros, estejam elas no campo ou na cidade, detêm maior capacidade para solucionar os problemas que lhes afetam. Gostaria de destacar duas iniciativas da prefeitura de Brumadinho que guardam relação entre si e que foram estabelecidas com o intuito de resolverem os problemas da “escassez hídrica”, sem, contudo, atuarem sobre o uso da água realizado pelas empresas mineradoras nesse município. Em setembro de 2014 a prefeitura de Brumadinho lançou o programa Lagoa Viva que visava identificar e recuperar lagoas, açudes e barragens no município, principalmente na área rural, com vistas a atender às necessidades dos agricultores. Tratava-se de uma parceria público privada que contou com a participação da EMATER-MG. Um dos fundamentos desse projeto foi proporcionar maiores condições para que os reservatórios de até 5.000 m³ pudessem ser identificados e regularizados frente a legislação concernente aos recursos hídricos em âmbito estadual. Esses reservatórios são classificados pela legislação pertinente como de uso insignificante e por isso não havia registros sobre eles e com essa iniciativa intenta-se algum tipo de registro. Além do uso que os agricultores poderão fazer dessas águas esse projeto, segundo o secretário de meio ambiente do município no ano de 2014 em declaração à reportagem exibida pelo programa de televisão do canal Globo (Globo Rural) no dia 01 de março de 2015, proporciona a recarga das águas subterrâneas pois: O mais importante nesse contexto de crise hídrica é que a gente está fazendo uma recarga do lençol freático. Essa água que ao invés dela vir em um período de chuva, em um pico de chuva, e ela passar por 211 aqui e ir embora para os rios ela vem amortecendo nesses tanques. Ela tem mais tempo para penetrar no lençol que vai beneficiar diretamente toda a microbacia, que são as nascentes que estão nesse contexto, além dos poços artesianos que foram feitos para suprir a demanda de água. Então nós estamos guardando água para o período de crise. Então esse que é o projeto! (GLOBO RURAL, 2015) Trata-se de uma importante iniciativa tendo em vista propor práticas de conservação de água e de solo de maneira mais integrada, mas que não deve ser posta como capaz de resolver toda a problemática da água, principalmente, no que se refere ao contexto de um aquífero ou de uma bacia hidrográfica. Contudo, pode contribuir para democratizar meios de lidar com a desordem ecológica e seus efeitos sobre as águas. Apesar da importância que esse projeto apresentou ele não foi continuado pela gestão que assumiu a administração municipal após as eleições de 2016. Já em 22 de março de 2018 o município de Brumadinho publicou uma resolução que aprovou o Programa Água Viva, haja vista, a administração pública desse município considerar-se situada em uma “[...] região estratégica em relação aos recursos hídricos responsáveis pelo abastecimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte” (resolução 22 de março de 2018). Em um contexto de enorme pressão sobre os recursos hídricos destinados ao abastecimento da cidade de Belo Horizonte, Brumadinho se esforça para contribuir com o abastecimento da metrópole. Esse programa tem, dentre outras funções, identificar e registrar as formas como a água tem sido utilizada. Tendo em vista que nem a Prefeitura sabe, ao certo, a situação das captações de água (superficiais e subterrâneas) que ocorrem no município. Segundo dados da Prefeitura há em seu território 52 poços tubulares sob a sua responsabilidade. Contudo, os dados são de um relatório produzido em 21 de dezembro 2012 e o funcionário da Prefeitura responsável por apresentar esse relatório disse não saber a real situação desses poços. Apesar da maior parte do município utilizar água captada através de poços artesianos, sejam eles de responsabilidade da Prefeitura ou geridos por associações locais e condomínios residenciais, a administração local não detém informações precisas como, por exemplo, número de poços, localização e vazão. Diante disso, o Programa Água Viva está sendo implementado para tentar regularizar as intervenções de menor impacto sobre as águas tendo em vista que através de conversas e trabalhos de campo no município pode-se constatar que há, pelo menos, o dobro de poços artesianos operando sem o 212 conhecimento da Prefeitura e sem outorga pelo órgão ambiental responsável. Conquanto, a realidade do município de Brumadinho não é diferente de outros no Brasil, pois, [...] as estatísticas sobre a extração das águas subterrâneas são precárias. Segundo a ANA (2013) há 225.868 poços cadastrados, porém se estima que existam pelo menos 476.960. A maioria dos usuários das águas subterrâneas está em condição irregular, pois não possui outorga de recursos hídricos ou declaração de uso isento. A diferença entre os poços cadastrados e a realidade é significativa e implica reconhecer que o Brasil não sabe quanta água subterrânea extrai, nem os efeitos desse uso para os usuários outorgados, para os mananciais superficiais ou subterrâneos e nos ecossistemas (Villar, 2016, p. 89). Nesse contexto de desordem ecológica global, com efeitos bastante graves sobre as águas, agricultores familiares e assentados da reforma agrária de Brumadinho, são convocados a cumprirem uma função primordial que é a da preservação das águas – seja para uso local ou metropolitano –, mesmo diante da permanência do uso, muitas das vezes excessivo, desse recurso por parte das empresas mineradoras, condomínios residenciais e empreendimentos turísticos. Uma das principais lideranças do Assentamento Pastorinhas em Brumadinho declarou acerca do programa Lagoa Viva o seguinte: “[...] além de nós produzirmos alimentos nós também somos obrigados a produzir água” (assentada da reforma agrária V, 2016). Os produtores rurais tornam-se, portanto, jardineiros ou guardiões da natureza com funções de conservação da natureza (FIGUEIREDO, 2003) e dessa maneira contribuem para que serviços de lazer e turismo, destinados fundamentalmente para citadinos, possam se instalar valendo-se de toda essa riqueza. Juntamente com a conservação da natureza, esses guardiões devem conservar a sua ruralidade, da mesma forma como conservam a natureza, ou seja, intocada para fins de lazer e turismo urbanos. Mas como indagação a essa tese uma das lideranças camponesas do assentamento Pastorinhas lança o seguinte: “nós vamos viver de que?” (assentada da reforma agrária V, 2016). Conquanto, reafirma a necessidade de aprofundamento de iniciativas direcionadas à agricultura familiar que ampliem a autonomia em contraponto a subalternidade decorrente da “[...] invenção do rural, motivada pelas crescentes procuras e consumos deste espaço” (FIGUEIREDO, 2003, p. 570) haja vista o modo de vida citadino. 213 Além dessas iniciativas organizadas pelo poder público municipal foi possível identificar uma organização não governamental (ONG) intitulada Abrace a Serra da Moeda que tem trabalhado, há pelos menos uma década, em torno de importantes questões socioambientais que afetam a população de Brumadinho, mais especificamente dos residentes nos condomínios residenciais, nas localidades e nos povoados localizados na face oeste da Serra da Moeda. Essa ONG organiza, anualmente, uma manifestação pública que procura evidenciar os conflitos inerentes ao uso da água na Serra da Moeda. Em 2017, a ONG Abrace a Serra da Moeda se manifestou contra a) a atuação da empresa Coca Cola FEMSA instalada no distrito industrial de Itabirito (município que tem seus limites politico-administrativos fronteiriços à porção oeste de Brumadinho) , b) um mega-empreendimento imobiliário (CSul) a ser instalado próximo à Lagoa dos Ingleses em Nova Lima e c) a reativação da mina da Serrinha, pela empresa mineradora Ferrous Resources do Brasil. A principal preocupação dessa ONG é com relação ao uso dos recursos hídricos que serão utilizados por esses empreendimentos e que poderá comprometer o uso da água realizado pelos moradores da região. Apesar da preocupação que essa ONG expressa com relação ao uso dos recursos hídricos da região da Serra da Moeda, denunciando 3 mega-empreendimentos que poderão, de fato, comprometer toda a dinâmica hídrica regional, é possível observar certa contradição na atuação dessa ONG, pois segundo um dos entrevistados [...] todo o mundo gosta de falar de preservação, de proteção, mas é muito bom que você proteja para mim. Aqui em Brumadinho tem um movimento que se chama mãe d’água [...] quem puxa o movimento todos moram em condomínios. Foi lá e cercou a nascente, o outro botou a cachoeira no parque ecológico dele, no empreendimento dele, que ele tem a cachoeira era pública, ele foi lá e cercou porque ele comprou o terreno. Aí chama os agricultores para uma reunião que eu vou lá e está tudo cimentado, a mulher anda de carro, aí tem piscina, e troca de 8 em 8 dias troca a água da piscina, porque não paga, essa água não é paga, ela não tem o hidrômetro, então ela joga essa água com os resíduos, porque é assim. O pessoal fala de contaminação pela agricultura [...] não tem fossa séptica, aí depois intitula um movimento de proteção. É muito bom quando eu mando você proteger e eu vou ficar lá com as minhas regalias (assentada da reforma agrária V, 2016). Ou seja, apesar desse movimento denunciar a atuação de megaempreendimentos e os impactos negativos que eles causam nos recursos 214 hídricos os seus membros, majoritariamente, moradores dos condomínios situados na encosta da Serra da Moeda, no município de Brumadinho, com destaque para o condomínio Retiro do Chalé, são apontados, também, como causadores de impactos negativos, pois são acusados de terem impactado nascentes, cercado cachoeiras que antes eram de uso público, terem impermeabilizado o solo impedindo a recarga natural de água através da infiltração, utilizarem indiscriminadamente a água para o lazer em piscinas, saunas e chuveiros juntamente com o descarte sem tratamento após a utilização. Essa crítica apenas evidencia o enorme distanciamento da base de reprodução material das sociedades urbanas conforme nos ensinam Laschefski; Zhouri (2019, p.23, minha tradução, minha ênfase) Esses "territórios flutuantes" do capital global evidenciam a alienação dos meios de vida modernos de sua base física de reprodução. Este fato limita as possibilidades, até mesmo de "cidadãos amigos do meio ambiente", para reduzir seus padrões de consumo devido à estrutura socioespacial dispersa na qual a vida cotidiana se desdobra. No espaço urbano, as relações socioambientais são mediadas pelo comércio e pela tecnologia: a água vem da torneira, a eletricidade da tomada e a comida do supermercado. Na vida cotidiana, rastrear as origens desses bens é simplesmente impossível. Consequentemente, o território como base para viver tornou-se um conceito abstrato, sem significado real na vida cotidiana. O acesso a recursos materiais para a vida é mediado pelo mercado e pela tecnologia. Devido ao seu distanciamento cognitivo das paisagens operacionais acima mencionadas, que sustentam seus meios de subsistência, as sociedades urbanas muitas vezes não sabem que seu espaço ambiental está se expandindo nos territórios de outras pessoas. Desnecessário dizer que as redes globais que permitem o metabolismo urbano consomem grandes quantidades de energia fóssil. Os indivíduos urbanos, portanto, são alienados não apenas dos bens e serviços produzidos por seu próprio trabalho, mas também dos territórios necessários para assegurar seu dia-a-dia51. 51 No original: “These ‘floating territories’ of global capital are evidence of the alienation of modern livelihoods from their physical base of reproduction. This fact limits the possibilities even of ‘eco-friendly citizens’ to reduce their consumption patterns due to the dispersed socio-spatial structure in which everyday life unfolds. In urban space, socio-environmental relations are mediated through commerce and technology: water comes from the tap, electricity from the plug and food from the supermarket. In everyday life, tracking the origins of these goods is simply impossible. Consequently, the territory as a basis for living has become a somewhat abstract concept with no real significance in everyday life. Access to material resources for a living is mediated through the market and technology. Due to their cognitive detachment from the abovementioned operational landscapes, which sustain their livelihoods, urban societies are often unaware that their environmental space is expanding in other people’s territories. Needless to say, the global networks enabling the urban metabolismo consume vast amounts of fossil energy. Urban individuals, thus, are alienated not only from the goods and services produced by their own labor but also from the territories required to secure their day-to-day lives” (Laschefski; Zhouri, 2019, p.23, minha ênfase). 215 A ideologia do urbano como destino desejável e inexorável pode ser vista através dos depoimentos das pessoas que residem “aos pés da Serra da Moeda”, em sua face oeste, e trabalham nos condomínios residenciais dessa região de Brumadinho, principalmente no Condomínio Retiro do Chalé. Essas pessoas valorizam os empregos gerados pelo condomínio nas mais diversas funções. Afirmam que sem esses empregos as comunidades de Córrego Ferreira, Campinho, Suzana, Chácara, dentre outras, já teriam sido desfeitas: “se não fosse ele [o Condomínio Retiro do Chalé] estava todo mundo morto de fome!” (J. pedreiro e morador de Chácara, 2018). Apesar de não ser possível prever com tanta assertividade assim arrisco-me a realizar uma outra previsão que se desenha da seguinte maneira: sem a instalação dos condomínios residenciais a ideologia do urbano seria enfraquecida e a população poderia continuar ocupada com as atividades de agropecuária. Com a devida assistência técnica e políticas no sentido de incentivar a agroecologia, por exemplo, a gestão dos recursos naturais, inclusive das águas, poderia ser mais democrática e justa, pois a forma de ocupação do espaço por parte dos condomínios, em grande medida, é apenas consumidora de água. Contudo, apesar desse debate ser relevante, no âmbito dessa pesquisa não ficarei detido sobre ele. Entretanto, utilizo duas fotos do loteamento Retiro do Chalé datadas do início dos anos de 1980 e imagens de satélite obtidas através do software Google Earth, de 2018, para mostrar que com o passar do tempo e o aumento da ocupação do loteamento desse condomínio residencial houve considerável recomposição vegetacional. 216 Fotografia 13 -Parte do loteamento do Retiro do Chalé no início dos anos de 1980. A referência para localização no loteamento é a Avenida Cachoeira que está no canto inferior direito da foto. Fonte: Cedida pela ONG Abrace a Serra da Moeda. 217 Fotografia 14 - Parte do loteamento do Retiro do Chalé no início dos anos de 1980. A referência para localização no loteamento é a Alameda das Braúnas localizada mais ao centro da foto. Fonte: Cedida pela ONG Abrace a Serra da Moeda. 218 Figura 11 - Imagem de satélite do Google Earth que mostra parte do condomínio Retiro do Chalé com as duas referências anteriores: Alameda das Braúnas e Avenida da Cachoeira. Fonte: Google Earth (acesso em 10 jan. 2019). Conforme tratei no início desse capítulo, ao longo da minha pesquisa, diante das diversas conversas e visitas que realizei, o conflito em torno da água foi se tornando uma preocupação central, haja vista, a forte propaganda em torno da “crise hídrica brasileira” que teria se iniciado em 2014, com forte incidência na Região Metropolitana de São Paulo, mas como parte de sua construção discursiva, também atingiu outras regiões, como Belo Horizonte. Contudo, um grave conflito chamou a minha atenção por se tratar da apropriação das águas subterrâneas como matéria prima para fabricação de mercadorias por parte de uma empresa transnacional e que poderia ser a responsável por privar parte da população de Brumadinho de acessá-la e que se tornou mais grave quando, em meados do ano de 2017, diversos moradores de Suzana e Campinho ficaram sem água em suas redes de captação e distribuição. Portanto, gostaria de me debruçar sobre um caso específico de conflito ambiental relacionado à água no município de Brumadinho e que relaciona a operação 219 da fábrica de refrigerantes da Coca Cola FEMSA instalada no Distrito Industrial de Itabirito e a idilização do campo. Ressaltando que o processo de idilização do campo pode ser entendido, conforme Figueiredo (2008), como profundamente marcado por visões de mundo associadas ao modo de vida urbano industrial que tendem a produzir territórios descolados da sua base física imediata, tornando-se dependentes de espaços monoculturizados (LASCHEFSKI; ZHOURI, 2019) que, geralmente, se encontram distantes e exigem enormes dispêndios de energia para suprir necessidades cotidianas fundamentais como água e alimentos. Apesar da fábrica da Coca Cola FEMSA ter se instalado na face leste da Serra da Moeda, no município de Itabirito, ela tem utilizado como matéria prima para a fabricação de suas mercadorias a água do Aquífero Cauê que também serve para abastecer uma parte da população de Brumadinho localizada na face oeste da mesma serra onde se dá o processo que intitulei de idilização do campo e do rural para fins de consumo citadino, no qual se tem uma grande quantidade de loteamentos residenciais (fechados ou não) destinados, principalmente, às classes média e alta de Belo Horizonte. Portanto, um dos elementos centrais desse processo de idilização do campo na região relaciona- se com a disponibilidade de água farta e de qualidade que pode ser obtida, principalmente, através da captação das águas subterrâneas. A imbricação desses dois pontos acima (idilização do campo e abundância de água de qualidade) acabou, a meu ver, produzindo injustiça hídrica no contexto das relações desiguais do campo e da cidade tendo em vista modos de vida e de produção do espaço que podem se constituir de forma contraditória. E mais, esse conflito se dá em torno das águas subterrâneas que apesar de ser compreendida como um recurso mais democrático no que se refere à possibilidade de acessá-la tem se tornado, justamente por isso, um recurso escasso. Haja vista, o acesso as águas subterrâneas estar, cada vez mais, mediado pelas tecnologias de prospecção, perfuração e bombeamento que se associam intimamente à capacidade financeira para adquiri-las. Ademais, a gestão por parte do poder público dessa forma de acessar a água encontra bastante dificuldade para ser realizada sendo parcos os exemplos e modelos que poderiam subsidiar algo nessa direção, principalmente se estiverem pautadas na gestão por parte de órgãos governamentais e menos em formas locais ou autônomas de gestão. Nesse contexto é importante frisar a noção de água como relações de poder e, 220 portanto, como território. E mais, esse conflito também demonstra que as relações cidade e campo permanecem dominadas pelo pólo da cidade, pois ganhou força um discurso durante o conflito em torno da água com a Coca Cola FEMSA que é a necessidade de preservá-la para abastecer a cidade de Belo Horizonte nos moldes do que Laschefski (2006, 2008) conceituou como “monoculturização do espaço”. E não é só a necessidade de água para abastecer Belo Horizonte que produz essa monoculturização do espaço, mas também o processo de idilização do campo o faz, haja vista se configurar como a destinação de uma parcela do espaço para o lazer e descanso dos citadinos. Esse discurso se baseia em uma ideologia do urbano que determinou cidade e urbano como superiores ao campo e ao rural em um contexto fortemente influenciado pela colonização e que se justifica politicamente como estratégia de dominação de um sobre o outro. assim, mais do que o fato de a humanidade ser urbana vivemos o espectro de que devemos todos ser urbanos! A urbanização é vista como um destino nos múltiplos sentidos que a palavra comporta e, assim, as políticas devem estar voltadas para superar o rural, essa forma pré-moderna e inferior de existência, que deve ser superada pela industrialização e, consequentemente, pela urbanização. (PORTO-GONÇALVES, 2008, n.p.) E mais: “estamos assistindo mais a um processo de des-ruralização do que a um processo de urbanização, isto é, estamos diante muito mais de um desfazer do rural do que da conformação do urbano” (PORTO-GONÇALVES, 2008, n.p.). 4.1. Conflito ambiental: Coca Cola FEMSA e comunidades ao sul do município de Brumadinho A produção do espaço idílico advém da idealização romântica sobre o rural e a natureza por parte da mentalidade pequeno burguesa citadina em oposição ao que ela considera odioso nas cidades (poluição, violência, congestionamentos, etc.) e no campo (idiotice, insetos, etc.) Portanto, motivados pelo desejo de morar no campo idealizado produzem esse espaço. E um dos fatores mais marcantes da idilização do campo de Brumadinho 221 relaciona-se com a farta disponibilidade de água pura que jorra da Serra da Moeda. Segundo depoimento, durante a Audiência Pública realizada na Assembléia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) no dia 7 de dezembro de 2017, de um morador e membro da Associação dos Moradores da Comunidade de Suzana e Região (AMOCOS) de Brumadinho Nós sempre fomos privilegiados na região de Suzana, que é uma região de poder turístico muito grande, principalmente por causa da nossa oferta de água. Então, Suzana, Campinho, condomínios Retiro do Chalé e Águas Claras. A nossa região lá sempre foi elogiada e procurada por essa facilidade hídrica. A gente sempre teve isso como o nosso carro chefe. Além de farta, em muitos casos, ainda, gratuita. A não ser, por exemplo, na comunidade de Suzana onde a Associação de Captação de Águas da Serra (ACAS) cobra por esse recurso. E em Campinho, recentemente, após iniciar o conflito com a empresa Coca Cola FEMSA, tentou, sem sucesso, implementar a cobrança pela água. Nesse caso, os hidrômetros foram instalados, porém não houve concordância sobre a cobrança das tarifas. Entretanto, essa água, segundo os moradores, já não brota mais como antes, erodindo, portanto, um dos principais atributos desse rural idílico. Algo que os pareceres encomendados pela empresa Coca Cola FEMSA atribuem à condições climáticas dos últimos anos. O conflito estabelecido em torno da apropriação da água por parte da Coca Cola FEMSA nos remete a outro problema em torno do acesso desigual sobre a água que se refere à forma de utilização das águas subterrâneas por parte dos sitiantes (citadinos do rural idílico). Ele nos leva ao debate sobre crescimento populacional no campo – inclusive abre-se aí outra problemática relacionada ao esvaziamento do campo – com um modo de vida tipicamente citadino, ou seja, de certa forma desconectado com o local podendo gerar fortes impactos onde se instala. O impacto do crescimento populacional no campo não se restringe ao maior número de pessoas, mas ao modo como esses novos residentes utilizam os recursos disponíveis. Portanto, o conflito instalado na região, com diversos registros recentes de falta de água, está associado à diversos fatores: as atividades de mineração, a operação da Coca Cola FEMSA e a forma de vida citadina no rural idílico. Os moradores do povoado de Suzana, Campinho, Gorduras, Carneiros e 222 Chácara, situados ao sul de Brumadinho, localizados “ao pé da Serra da Moeda”, (conforme localização presente na figura nº 11) relatam enfrentar, desde o ano de 2015, um grave problema relacionado à diminuição da vazão de água proveniente das nascentes que se encontram na face oeste da Serra da Moeda e abasteciam as suas redes de captação e abastecimento. Figura 12 – Figura que mostra a localização de Suzana, Campinho e Carneiros, junto aos limites dos municípios circunvizinhos. Fonte: Water Services Brasil (2018, p.6). 223 Figura 13 - Infraestrutura de recebimento, armazenamento e distribuição da água para os moradores de Campinho. Ao fundo se vê a face oeste da Serra da Moeda onde se encontra a nascente que abastece essa rede de água. Fonte: Acervo pessoal 12/07/2018. Figura 14 - Infra estrutura de recebimento, armazenamento e distribuição da água para os moradores de Carneiros. Ao fundo se vê a face oeste da Serra da Moeda onde se encontram as diversas nascentes que abastecem grande parte da Fonte: Acervo pessoal 12/07/2018. 224 Há diversos depoimentos sobre a diminuição do volume de águas em diversos pontos dessas localidades que não se restringem a diminuição do volume de águas provenientes das nascentes que servem para o abastecimento local. São nascentes que não jorram água, assim como córregos e cachoeiras que não vertem mais como há alguns anos atrás como deixam claro os depoimentos ouvidos na Audiência Pública realizada na ALMG no dia 07 de dezembro de 2017. Entretanto, o conflito com a Coca Cola FEMSA e a população residente na face oeste da Serra da Moeda tem seus contornos mais bem definidos no que se refere à diminuição do volume de água que nasce na serra e serve para abastecer, através de uma rede de canos, a população local. No ano de 2016 os moradores da face oeste da Serra da Moeda relataram que uma das nascentes que abastece a localidade de Campinho secou completamente e, a partir de então, a Coca Cola FEMSA se comprometeu a enviar caminhões pipa diariamente que abastecem a caixa d’água dessa localidade. Situação que permanecia até o final do ano de 2018. A fábrica da Coca Cola FEMSA, instalada no distrito industrial de Itabirito, perpassou por todo o trâmite legal exigido para operar. Encontra-se, portanto, operando segundo as exigências da lei. Contudo, os órgãos fiscalizadores dispensaram esse empreendimento de apresentar Estudos de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) por ter sido considerado como não causador de significativo impacto ambiental, ou seja, suas atividades foram interpretadas como não capazes de comprometer a qualidade de vida das pessoas ou de causar danos aos recursos naturais conforme o inciso I do artigo 1º do Decreto do Estado de Minas Gerais número 45.175 de 17 de setembro de 2009. Conquanto, por ter sido assim classificado não lhe cabia, legalmente, imputar-lhe compensações ambientais. O processo administrativo de Licença Prévia desse empreendimento foi formalizado no dia 09 de setembro de 2011 acompanhado apenas por um Relatório de Controle Ambiental (RCA), haja vista a dispensa de EIA/RIMA que lhe foi concedida. Através do RCA (BRANDT MEIO AMBIENTE LTDA., 2011) foi possível observar que a Coca Cola FEMSA já procurava se isentar de prestar informações sobre um dos seus mais importantes insumos, sobre uma das suas principais matérias primas – a água – pois nesse documento declarou utilizar água captada e fornecida pelo Serviço Autônomo de Abastecimento de Água e Esgoto de Itabirito (SAAE- 225 Itabirito). Mesmo tendo apresentado um quadro de um estudo dos consultores da Brandt Meio Ambiente LTDA. (2011, p. 36) no qual consta que a fábrica da Coca Cola FEMSA em Itabirito utilizará, em média, por mês, 173.253,1m³ de água como matéria prima para fabricação de refrigerantes. Mesmo assim, ela continuou isenta de prestar maiores informações sobre a sua principal matéria prima. A dispensa de realização e apresentação de EIA/RIMA também impactou na análise da relação desse empreendimento com as Unidades de Conservação localizadas nas proximidades das instalações fabris dessa empresa. Segundo o próprio RCA apresentado pela Coca Cola FEMSA (BRANDT MEIO AMBIENTE LTDA., 2011) empreendimentos classificados como não causadores de significativo impacto ambiental, portanto dispensados de apresentar EIA/RIMA, podem utilizar um raio de influência (buffer) de 2.000 metros ao invés dos 10.000 metros exigidos quando não isenta o empreendimento de apresentar o EIA/RIMA. Caso não fosse concedida essa redução, em decorrência da classificação desse empreendimento como não causador de significativo impacto ambiental exigindo o EIA/RIMA, o órgão licenciador deveria dar ciência aos órgãos responsáveis pela administração das seguintes Unidades de Conservação: a) Reserva Biológica Campos Rupestres Moeda Sul, b) Reserva Biológica Campos Rupestres Moeda Norte e c) Estação Ecológica Arêdes. Além das já impactadas: d) Monumento Natural da Serra da Moeda, e) Área de Proteção Ambiental Sul da Região Metropolitana de Belo Horizonte e f) Área de Proteção Ambiental Serra da Moeda. Esse fato, muito provavelmente, possibilitou à empresa passar pelas fases do licenciamento de maneira mais rápida. No dia 18 de novembro de 2014 a Autorização Provisória de Operação (APO) lhe foi concedida. Já no ano seguinte, no dia 15 de outubro de 2015, o MPMG firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), por meio da 1ª Promotoria de Justiça da Comarca de Itabirito e da Coordenadoria Regional das Promotorias Justiça da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas e Paraopeba, com a fábrica de bebidas e o SAAE-Itabirito com o objetivo de controlar o licenciamento e estabelecer medidas preventivas, mitigadoras e compensatórias relativas aos impactos ambientais do empreendimento. Um dos principais fatores para o estabelecimento desse TAC foi a ausência dos EIA/RIMA. Ausência sob a anuência do órgão fiscalizador do estado de Minas Gerais. Entretanto, mesmo após a assinatura desse TAC, moradores de Brumadinho formalizaram representações que relacionavam as alterações nas 226 vazões das nascentes que lhes abasteciam com o início das operações fabris por parte da empresa Coca Cola FEMSA. Portanto, o TAC firmado entre MPMG, Coca Cola FEMSA e SAAE-Itabirito não se configurou como uma solução técnica capaz de resolver de maneira consensual o problema conforme noticiou o próprio MPMG após a assinatura desse Termo (MPMG, 2015). A primeira obrigação que esse TAC trouxe refere-se ao compromisso que o SAAE-Itabirito deve contrair com relação a elaboração de estudos acerca da disponibilidade hídrica e caracterização hidrogeológica local e não imputam à Coca Cola FEMSA essa mesma responsabilidade. Contudo, essa empresa encomendou a realização de pesquisa hidrogeológica na região que compreende o Aquífero Cauê e Gandarela. No RCA/PCA não foi abordado o impacto sobre o aquífero sob o argumento de que a empresa seria abastecida pelo SAAE-Itabirito. Aqui, a meu juízo, a empresa Coca Cola FEMSA procurou se desvencilhar de um futuro problema com a conivência da autarquia, responsável pelo fornecimento de água, e da administração local interessadas em atrair essa fábrica para o seu distrito industrial, que até o ano de 2018, tinha apenas essa fábrica instalada. Segundo o jornal Estado de Minas, em matéria publicada em seu site no dia 01 de julho de 2011 (TAKAHASHI, 2011), Itabirito foi o município escolhido, dentre mais de 40 candidaturas, pela empresa Coca Cola FEMSA para sediar uma de suas fábricas por apresentar dois quesitos considerados fundamentais para as suas operações: localização às margens da BR-040 e acesso à água. Segundo depoimento dado pelo secretário de desenvolvimento econômico de Itabirito à época ao jornal Estado de Minas “os critérios foram essencialmente técnicos e envolveram principalmente a matéria prima, já que a água representa 90% do produto, e o local para decantação do resíduo final” (TAKAHASHI, 2011, minha ênfase). A Coca Cola FEMSA se colocou, meramente, como uma empresa cliente do serviço de abastecimento de água, procurando, dessa forma, se isentar de qualquer responsabilidade diante de impactos que poderia causar com a captação de água, mesmo ela sendo sua matéria prima fundamental. Ademais, caso o SAAE-Itabirito e a Prefeitura local não consigam fornecer a matéria prima requerida pela fábrica, a Coca Cola FEMSA poderá expor isso, dando brechas para que no futuro outras formas de gestão das águas possam ocorrer. Contudo, tais formas poderão se dar sem a presença da sociedade e do poder público além de enfraquecer diversas formas 227 autônomas de gestão das águas. Nessa lógica, se autarquias ou empresas públicas não tem condições de gerir a água, quem dirá que serão capazes de fazê-lo, autonomamente, os grupos de pessoas que dela necessitam? Inclusive, as formas menos dependentes do Estado que procuram gerir a água autonomamente foram alvo de críticas. Outra justificativa utilizada para a dispensa do EIA/RIMA por parte da Coca Cola FEMSA foi o fato do distrito industrial de Itabirito ter realizado esses estudos. Ou seja, o distrito industrial estaria devidamente licenciado e, por isso, seria capaz de receber, dentro das normas legais, qualquer empreendimento. Contudo, o licenciamento ambiental do distrito industrial de Itabirito também não previu impactos no aquífero com justificativas variadas. Uma delas foi que havia a previsão de instalação de uma empresa que não requeria uso intensivo de água. Porém, após a confirmação da pretensão de instalação e operação da fábrica da Coca Cola FEMSA nesse distrito industrial não foram exigidos novos estudos. Em resumo: ninguém analisou o impacto da explotação do aquífero em vazões tão grandes, muito menos houve alguma preocupação em quantificar e monitorar o impacto decorrente da captação das águas através de poços tubulares profundos. Os estudos conduzidos sob encomenda da Coca Cola FEMSA se referem, portanto, à necessidade de regulamentar as suas atividades, haja vista a sua operação ter começado sem ter apresentado Estudos de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental. Conquanto, a disponibilidade hídrica subterrânea da região onde se instalou não é conhecida, pois, segundo o depoimento da representante do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM) presente na audiência pública realizada na ALMG em dezembro de 2017, é muito recente no Brasil as iniciativas que procuram subsidiar a gestão das águas subterrâneas, afirmando que há muito o que se fazer para poder conhecer e gerir esse recurso de maneira eficiente. A legislação de recursos hídricos está muito mais avançada em relação às águas superficiais. A maior parte dos Estados que possui legislação relativa às águas subterrâneas tem se limitado à questão da outorga e são poucas aquelas que tratam da proteção e conservação destes recursos e a sua gestão integrada, principalmente a interface com as águas superficiais (MMA, [entre 2000 e 2018]). Parece não haver instrumentos político-administrativos consolidados no país para a gestão das águas subterrâneas. Para as bacias hidrográficas existem maneiras 228 já implementadas de gestão compartilhada como, por exemplo, os conselhos de bacias hidrográficas. Contudo, a dinâmica das águas subterrâneas não se liga diretamente à dinâmica das águas superficiais nas bacias hidrográficas. Há conselhos definidos para gerir as águas dessas subbacias que se conectam com as ações das prefeituras e do estado, mas ainda não há formas de gerenciamento compartilhado dos aquíferos. Está aí um enorme desafio para a geografia. Qual é a categoria espacial que dá conta dessas relações? Acredito que é possível trabalhar com território da maneira como nos ensina Porto-Gonçalves (2006, p. 290,291, itálicos no original, minha ênfase). Assim, sob o capitalismo, haverá, sempre, relações espaciais de dominação/exploração, tirando dos lugares e, mais, tirando dos do lugar, o poder de definir o destino dos recursos com os quais vivem. [...] Toda a questão passa a ser, portanto, quem determina o quanto, com que intensidade, por quem e para quem os recursos naturais devem ser extraídos e levados de um lugar para outro, assim como o próprio trajeto entre os lugares. Como se vê, é toda a questão política que está implicada no cerne do desafio ambiental, por meio do território. Ademais, a legislação acerca das águas subterrâneas no Brasil é, ainda, fraca e ineficiente para dar conta de toda a complexidade que lhe é pertinente. Portanto, deriva da fraqueza de normas que poderiam contribuir para dirimir situações conflituosas, como essa vivida por moradores de Brumadinho, medidas de prevenção e precaução como o Decreto 41.578, de 08 de março de 2001 (MINAS GERAIS, 2001). Esse Decreto regulamenta a Lei 13.199, de 29 de janeiro de 1999 (MINAS GERAIS, 1999) que dispõe sobre a Política Estadual de Recursos Hídricos em Minas Gerais e no artigo 38, em seu parágrafo único, tem-se Art. 38. Parágrafo Único - A outorga de extração de águas subterrâneas, em local onde as disponibilidades hidrogeológicas não são conhecidas, será expedida após o encaminhamento, pelo interessado, dos testes de bombeamento que permitam a fixação das vazões a serem explotadas em condições sustentáveis para as reservas de águas subterrâneas e para as vazões de base dos corpos de águas superficiais (MINAS GERAIS, 2001). Portanto, atento aos princípios inerentes ao direito ambiental de prevenção e precaução, mais especificamente sobre o segundo, posso me arriscar e perguntar: 229 quais são os interessados que permitem que a empresa Coca Cola FEMSA explore as águas subterrâneas dos Aquíferos Cauê e Gandarela sem ter apresentado EIA/RIMA que contem procedimentos e normas mais rígidas do que o RCA/PCA? Quem determinou que a fábrica de refrigerantes da Coca Cola FEMSA, durante a sua operação, não geraria significativos impactos sobre o meio ambiente, principalmente nas águas subterrâneas, haja vista ser essa a sua matéria prima fundamental? Portanto, é possível conjecturar, com base no depoimento de um dos membros do MPMG, ouvido durante a Audiência Pública do dia 07 de dezembro de 2017 na ALMG, que os órgãos licenciadores e fiscalizadores competentes para esse caso tenham enormes responsabilidades sobre essa situação. Nesse caso, é o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM) vinculado no âmbito estadual à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD-MG), integrante do Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SISEMA) e do Sistema Estadual de Recursos Hídricos (SEGRH), bem como na esfera federal integrante do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), o maior responsável. Pois é o IGAM o órgão responsável por conceder as outorgas. Ou seja, concede ao usuário o direito de utilizar a água. Trata-se de um direito ao uso da água e não um instrumento jurídico que confere a propriedade da água. Entretanto, se se confirmar que a captação de água dos Aquíferos Cauê e Gandarela para ser utilizada como insumo para a fabricação da mercadoria refrigerante pela empresa Coca Cola FEMSA tem impedido a população de Brumadinho de acessá-la essa outorga não concedeu um direito de uso, mas sim a propriedade da água à essa empresa. A fábrica de refrigerantes e o SAAE-Itabirito afirmam estar agindo, desde o início, em conformidade com a legislação pertinente. Inclusive, se valem desse fato, pois não lhes interessa debater o que está expresso em lei com vistas a aprimorá-la. De fato, tanto o SAAE-Itabirito quanto a Coca Cola FEMSA parecem agir através da alegalidade, ou seja, “[...] práticas que são formalmente legais, mas que aproveitam as lacunas ou limitações das regras para alcançar benefícios que são claramente contra o espírito do quadro jurídico” (GUDYNAS, 2016, p. 31, minha tradução)52. Tomando por base Santos; Ferreira; Penna (2018) interpreto que a forma como as licenças foram concedidas à fábrica da Coca Cola FEMSA contribuiu para obscurecer 52 No original: “[...] prácticas que son formalmente legales pero que se aprovechan de los vacíos o limitaciones de las normas para lograr beneficios que claramente están contra el espíritu del marco jurídico” (GUDYNAS, 2016, p. 31) 230 os diversos danos ambientais potenciais, que, se iluminados, poderiam inviabilizar o empreendimento. Interessa a uma empresa como a Coca Cola FEMSA localizar-se onde há matéria prima abundante e de qualidade para que possa produzir uma mercadoria com altas taxas de lucro, pois água de melhor qualidade significa menores custos de produção. Inclusive, valendo-se de leis e sistemas de fiscalização mais frágeis para subsidiar onde se instalarão mantendo-se em conformidade com a legislação. Trata- se de escolher um conjunto de fatores locacionais que seja favorável aos negócios que realiza. Água de qualidade farta e barata, legislação e fiscalização ambiental pouco restritivos aos seus negócios, fraca capacidade de organização popular e de fazer frente aos seus interesses. Seria esse o conjunto que motivou a sua instalação no distrito industrial de Itabirito? Os estudos apresentados pelas empresas de consultoria contratadas pelo SAAE-Itabirito e pela Coca Cola FEMSA, conforme compromisso firmado no TAC, ao menos até maio de 2018, não apresentavam conclusões sobre os impactos decorrentes do bombeamento de água subterrânea realizado na face leste da Serra da Moeda sobre as nascentes situadas em sua face oeste. Essa situação de indefinição gerou intenso debate entre os envolvidos nesse conflito. Inclusive, resultou na realização de duas Audiências Públicas na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, nos meses de novembro e dezembro de 2017, com vistas a buscar soluções para esse conflito e que não surtiram o efeito desejado permanecendo, portanto, enormes dúvidas quanto à disponibilidade de água por parte dos atingidos. É fundamental mencionar que em nenhuma dessas duas audiências públicas convocadas pela ALMG se fez presente algum representante da Coca Cola FEMSA. Somente no mês de maio de 2018 foi protocolada pela Coca Cola FEMSA a segunda fase dos estudos encomendados a empresa Water Services do Brasil (WSB) no qual os consultores contratados pelo empreendedor concluíram que o bombeamento das águas subterrâneas através dos poços que se encontram sob a responsabilidade do SAAE-Itabirito não afetam a vazão das nascentes situadas na face oeste da Serra da Moeda, mais especificamente, das nascentes de Campinho e Suzana. Esse segundo relatório afirma que a redução do volume de águas nas nascentes observadas e relatadas pelos moradores de Brumadinho decorre dos baixos índices de pluviosidade (abaixo da média histórica da região) registrados no 231 período compreendido entre os anos de 2012 e 2017. Esse argumento foi defendido pela fábrica de refrigerantes e pelo SAAE-Itabirito desde os primeiros estudos apresentados. Em nota de esclarecimento, publicada após a realização da Audiência Pública do mês de dezembro de 2017, a Coca Cola FEMSA afirmou que há evidências técnicas indicam que os referidos poços não estão interferindo nas nascentes. Esta afirmativa se dá com base nos resultados obtidos no estudo hidrogeológico elaborado pela empresa Schlumberger Water Services e protocolado pelo SAAE no processo de outorga dos poços. O estudo visou, entre outros objetivos, averiguar se haveria relação entre a captação de água dos poços utilizados para o fornecimento de água à operação da fábrica em Itabirito e a redução de vazão em nascentes próximas. No mencionado estudo, há todo o embasamento técnico que demonstra que não foram encontradas evidências de que os poços outorgados ao SAAE Itabirito – e utilizados para o abastecimento da fábrica – estejam interferindo nas nascentes próximas das propriedades. Segundo a empresa tratam-se de evidências tecnocientíficas e não resultam da observação dos moradores e seus ascendentes familiares ao longo de muitos anos. Ademais, parece ser esse o objetivo: desqualificar, desonrando, a observação empírica realizada por aqueles que por várias gerações produzem aquele espaço. Portanto, procura-se, através da utilização do instrumental da tecnociência, subjugar os conhecimentos de populações tradicionais e locais gestados por relações intimamente estabelecidas com os seus territórios. Produz-se um discurso no qual a tecnociência seria superiora a outras formas de conhecimento e detentora de uma razão indiscutível, não questionável. Segundo Porto-Gonçalves (2006) trata-se, portanto, de um tabu, um mito, que produz uma sociedade tecnocentrada, na qual há sempre que buscar uma solução técnica para tudo. Ademais, não se trata de uma crítica à técnica enquanto tal, mas sim das relações que a sociedade moderno-colonial estabelece com as técnicas que ela mesmo engendra através das relações sociais e, fundamentalmente, de poder. A observação empírica dos atingidos pela escassez hídrica é desvalorizada. Sejam eles, inclusive, citadinos que tem propriedades no campo. Suas observações são subjugadas, pois não utilizaram nenhum artefato técnico considerado válido pela racionalidade moderno-colonial para embasá-las. Conquanto, apenas observaram nascentes e cursos d’água minguando com o passar dos anos e, a partir de 2015 ficaram sem água em suas casas. 232 Portanto, a empresa Coca Cola FEMSA, tem procurado se defender através da produção de um discurso centrado na tecnociência como algo a-intencional. Mas, impregnado de valor moral intrinsecamente positivo e inquestionável. A ciência e a técnica modernas, tal como concebidas pelo Ocidente europeu e expandidas pelo mundo, foram instituídas como critério não só de verdade mas, também, como se essa verdade tivesse uma bondade moral naturalmente nela inscrita. Com isso, a verdade científica deslocou outras formas de construção de conhecimento e se tornou uma verdade possuída por uma espécie de mais-valia simbólica: o que é cientifico é bom e, assim, o Estado e os gestores passaram a invocar a verdade cientifica como se fora A Verdade. Com isso, outros saberes tornaram-se menores – folclore; o saber popular tornou-se um não-saber; a religião perdeu seu reino; a arte passou a ser acessória, entretenimento; a filosofia, pouco a pouco foi deslocada e, até mesmo a política, para os gregos a mais sublime das Artes, passou a ser substituída por uma espécie de saber competente, uma mera administração das coisas, deixando de ser o locus por excelência onde todas as falas estavam convidadas a trazer a sua verdade. Com o tecnocentrismo, tenta-se afastar outros protagonistas possíveis e, assim, outras verdades ficaram impedidas de se apresentar enquanto cidadãs na pólis (PORTO-GONÇALVES, 2006, p. 85, 86, itálicos no original, minha ênfase). Ademais, devo ressaltar que as empresas de consultoria ambiental envolvidas venderam uma mercadoria para o SAAE-Itabirito e para a Coca Cola FEMSA. Os estudos que essas empresas desenvolveram estão inseridos em uma lógica de relações mercantis. Trata-se de uma mercadoria feita sob encomenda para o empreendedor que a comprou. Decorre dessa lógica mercantil que o objetivo precípuo desses estudos é concluir pela viabilidade ambiental do empreendimento (ZHOURI; LASCHESFKI; PAIVA, 2005). Entretanto, as incertezas permanecem. Pois, assim como fizeram para o primeiro relatório produzido pela empresa Schlumberger Water Services a ONG Abrace a Serra da Moeda analisou criticamente o segundo relatório apresentado pela Coca Cola FEMSA e produzido pela Water Services do Brasil. Com a juntada desses dois relatórios elaborados pela ONG supracitada ao inquérito civil o MPMG solicitou auditoria externa para pautar as providências que serão tomadas. A primeira auditoria, concluída em 14 de agosto de 2017, recomendou a continuidade das pesquisas hidrogeológicas em decorrência dos dois relatórios apresentados, um encomendado pela Coca Cola FEMSA e outro pelo SAAE-Itabirito, não serem conclusivos. Diante disso, MPMG instou o estado de Minas Gerais a se manifestar com relação às medidas que seriam tomadas, haja vista o empreendimento 233 encontrar-se em operação há, pelo menos, 2 anos sem conhecimento sobre a disponibilidade hidrogeológica e, principalmente, por haver diversos reclames de moradores de Brumadinho sobre dificuldades de acesso à água e diminuição da vazão das nascentes situados na face oeste da Serra da Moeda. Foi ao longo desse período de incertezas (até o final do ano de 2018), proveniente da não conclusão dos estudos realizados sob encomenda do SAAE- Itabirito e da Coca Cola FEMSA , além da falta de qualquer ação por parte do estado de Minas Gerais, que eu realizei diversas entrevistas e trabalhos de campo na região afetada, junto aos atingidos. Foram essenciais o apoio e os depoimentos de moradores locais responsáveis por gerir a rede de captação de água dessas localidades. Pois, são eles que lidam diariamente com toda a infraestrutura de captação, armazenamento e distribuição da água. Um desses moradores encontrava- se, durante o período em que realizei as entrevistas e trabalhos de campo, tão entristecido com a situação que pôs à venda a propriedade que herdou dos seus pais. No local onde nasceu, foi criado e ainda vivia no ano de 2018 com a sua esposa ele relatou que “pescava e toma banho no córrego que passava no fundo lá de casa. Era água até no peito. Agora, não tem nada!” (morador B, 2018). Já outro morador, com mais de 80 anos de vida, residente em uma casa situada em um ponto mais acima do que a do morador citado no depoimento anterior, afirma que “tinha muita água! ‘Formigando’! Tinha um regozinho ali. Agora, só tem o buraco”. Esses depoimentos são de pessoas que moram há, pelo menos, mais de 50 anos no local, assim como muitos dos seus ascendentes familiares nasceram e foram criados na região. Esses dois moradores sempre utilizaram as águas provenientes da nascente de Campinho que no ano de 2016 chegou a secar. Enfim, o que eu pude escutar, tanto desses moradores que estão envolvidos diretamente com todo o aparato de captação, armazenamento e distribuição da água, como daqueles que não estão, é semelhante e retrata uma situação crítica e singular que teve os anos de 2016 e 2017 como marcos, por ter sido generalizada a dificuldade em acessar a água proveniente das nascentes da face oeste da Serra da Moeda, como em outros pontos dessa região. Analisando esse conflito a partir da ecologia política, compreendo que não é possível atingir uma situação de consenso entre as partes envolvidas, haja vista ele fazer parte de um contexto no qual se tem diferentes e, por vezes, contraditórias formas de produção do espaço. Procurei, através de entrevistas e trabalhos de campo, 234 produzir informações junto aos atingidos, mas também me debrucei sobre diversos documentos que compõem o Inquérito Civil Público, número 0024.11.00765-2, instaurado pelo MPMG com vistas a ressaltar diferentes aspectos desse conflito. Conforme consta na introdução desse capítulo a Coca Cola FEMSA vem captando desde o início de suas operações, no final do ano de 2014 e início do ano de 2015, água subterrânea do aquífero Cauê e Gandarela, como matéria prima, para fabricar as suas mercadorias, através de poços artesianos situados na face leste da Serra da Moeda e que estão, formalmente, sob a responsabilidade do SAAE-Itabirito. Apesar dos poços estarem localizados fora dos limites político-administrativos do município de Brumadinho, inclusive não ser possível visualizá-los a partir das localidades que reclamam a diminuição de volume das águas nas nascentes que servem para abastecê-las, eles estão há 500 metros de uma dessas nascentes (uma das nascentes do povoado de Suzana). Ademais, apesar do forte discurso propagandeado pela mídia, especialmente a televisa, acerca da crise hídrica global, decorrente da falta de chuvas, que impediria a recarga de lençóis freáticos e dos reservatórios para abastecimento de diversas cidades, inclusive Belo Horizonte, os moradores de Suzana e Campinho correlacionaram a diminuição do volume de águas disponível para seu uso com o início das atividades da fábrica da Coca-Cola FEMSA instalada no distrito industrial de Itabirito, situado na escarpa leste da Serra da Moeda. O discurso da escassez hídrica foi utilizado pela empresa transnacional, que se apoia em estudos encomendados à empresas de consultoria com atuação global. Os discursos sobre a crise hídrica global estão carregados de metáforas inclusivas e globalizantes que dificultam a sua crítica e a empresa de consultoria contratada pela Coca Cola FEMSA se vale de dados provenientes de uma série histórica com registros datados desde os anos de 1940 sob responsabilidade da Agencia Nacional de Águas (ANA) para subsidiar seus argumentos (gráfico 9). 235 Gráfico 9 - Série histórica de precipitação anual registrada na estação meteorológica Lagoa Grande (2012-2016) Fonte: Water Services Brasil (2018). Para analisar os dados pluviométricos e sua correlação com a diminuição da vazão das nascentes na região, procurei reproduzir a série histórica utilizada pela empresa contratada pela Coca Cola FEMSA a fim de fazer alguns comentários que subsidiam o debate em torno da produção de um discurso acerca da crise hídrica. Primeiramente, é fácil notar que o gráfico apresenta número maior de períodos com precipitação anual média ou acima dela, do que valores abaixo dessa linha. Apesar disso, os consultores sequer mencionam a importância desses dados, negligenciando uma informação importante para se compreender a dinâmica de recarga dos aquíferos. Ou seja, não bastaria se concentrar em curtos períodos de tempo para apreender o volume de água que está presente no aquífero, pois a relação entre recarga e extração de água, apesar ser influenciado pelo regime pluviométrico, não é por ele determinado. Inclusive “devido ao grande armazenamento do aquífero, este 236 poder ser, durante períodos específicos, explorado em volumes maiores que a sua recarga sem problemas, desde que isso ocorra de forma estudada e planejada” (TEIXEIRA et al., 2000, p. 430). Portanto, os consultores estabeleceram um discurso, apoiado por dados científicos, que se encontra em consonância com outro acerca da crise hídrica global e por isso ressaltam a baixa pluviométrica mais recente (período 2012 à 2016) como mecanismo responsável pelas alterações observadas em campo. Ademais, ressaltam esse mecanismo (variação de precipitação) capaz de impactar as vazões das nascentes do aquífero Cauê como um fenômeno natural e, portanto, não imputável às atividades econômicas, por exemplo. E se há períodos de seca recente, inclusive datados durante a concessão das licenças de instalação e operação da fábrica vale a pergunta: por que liberá-la para se instalar e operar, tendo em vista que estava previsto que ela utilizaria essa mesma água como matéria prima para a fabricação de suas mercadorias, sabendo do baixo índice de recarga recente decorrente dos baixos índices de pluviosidade? Ainda sobre os dados arrolados no gráfico da série histórica de precipitação anual apresentado pelos consultores contratados pela Coca Cola FEMSA é possível observar dois períodos de baixa pluviosidade, semelhante ou mais acentuada do que o ocorrido no período de 2012-2016, registrados ao longo dos anos de 1950 e 1970, respectivamente. Contudo, os depoimentos dos moradores dessa região, ao serem indagados sobre diminuição drástica de água, não atestam situações semelhantes de falta de água como as que estão vivendo desde 2015. São depoimentos de pessoas nascidas e criadas na região, algumas pessoas com 50 anos residindo no mesmo lugar. Além do mais, suas famílias sempre habitaram a região e não relataram, em nenhum momento de suas vidas, condições parecidas com essa, o que poderia servir para a descartar a hipótese de que a escassez hídrica é um fenômeno estritamente natural decorrente da baixa pluviosidade confinada em um pequeno período. Ademais, ao recorrer à uma empresa de consultoria de atuação global a Coca- Cola FEMSA pretende convencer os atingidos apoiando-se em experts de know how internacional em contraposição aos atingidos que se valem de outros saberes ou outras formas de racionalidade. Portanto, a Coca-Cola FEMSA se valeu da Schlumberger Water Services, na primeira fase de estudos que realizou, para impor um discurso científico de credenciais internacionais. Entretanto, com o apoio de profissionais como geólogo, engenheiro e meteorologista, colaboradores na ONG 237 Abrace a Serra da Moeda, os atingidos estão contrapondo os argumentos utilizados pela Coca-Cola FEMSA, também, através de um discurso científico. E não só, como também lutam judicialmente em inquérito civil público instaurado junto do MPMG. Nesse caso, com o apoio dessa ONG, os atingidos, apesar de não terem tido acesso à nenhuma informação prévia sobre os impactos decorrentes da instalação da fábrica de refrigerantes e da perfuração de poços artesianos para captação de água que lhe é destinada em decorrência da inexistência de EIA/RIMA, não se encontram tão à margem como em diversas outras situações de conflito ambiental. Nesse caso, sem o apoio técnico desses profissionais que colaboram com a ONG supracitada os atingidos, talvez, pouco teriam o que argumentar diante do volume de dados técnicos e científicos utilizados pela Coca Cola FEMSA e pelo SAAE-Itabirito. Pois, quem dialoga com um estudo hidrogeológico? Quem é geólogo? Quem é geólogo estrutural? Quem conhece algo tão desconhecido como águas subterrâneas? As empresas mineradoras que atuam no Quadrilátero Ferrífero talvez disponham de todo o aparato para tratar desse tema. Mas, será que colaborariam para dirimir um conflito como esse se elas mesmas atuam impactando diretamente as águas subterrâneas dessa região? No dia 07 de dezembro de 2017 foi realizada Audiência Pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para debater esse conflito. Participaram moradores, representantes das associações de moradores e de captação de água, representantes de ONGs ambientalistas, poder público municipal e estadual, profissionais técnicos de órgãos municipais e estaduais e representantes políticos. Todavia, nenhum representante da empresa Coca-Cola FEMSA esteve presente para dar o seu depoimento. O não comparecimento de nenhum representante da Coca- Cola FEMSA nessa Audiência Pública apenas escancara a forma como ela passou a agir desde meados do ano de 2017. Segundo depoimentos dos presentes na Audiência Pública a empresa transnacional procura se esvair de qualquer reunião na qual possa ser chamada a dar explicações sobre a diminuição do volume de águas nas localidades de Suzana e Campinho. Segundo o presidente da Associação de Captação de Água da Serra (ACAS), entidade responsável por gerir a captação e distribuição da água na localidade de Suzana, em entrevista realizada no dia 09 de março de 2018 na sede da ACAS, a última reunião que tiveram com a Coca-Cola FEMSA foi em abril de 2017. Segundo ele, apesar de diversas reuniões terem sido 238 realizadas entre a empresa e os atingidos as informações nunca foram conclusivas ou objetivas. Portanto, as reuniões com os representantes da Coca-Cola FEMSA eram bastante evasivas e alguns atingidos acreditam que elas apenas serviram para que a empresa pudesse observar quais eram os atingidos mais envolvidos com o problema e os que apresentavam maior combatividade procurando enfraquecê-los e estabelecer ações direcionadas a eles. Ainda segundo o presidente da ACAS uma das estratégias da Coca-Cola FEMSA foi realizar reuniões em separado com determinados envolvidos no conflito até que, no caso da ACAS, não foram mais realizadas desde abril de 2017. Como já apresentei a Coca Cola FEMSA procura responsabilizar o SAAE – Itabirito pelos estudos e licenças necessários para a utilização da água para fins industriais. A Coca-Cola FEMSA se coloca apenas como uma cliente dessa autarquia municipal e com isso procura amenizar os discursos que a colocam como causadora da diminuição das águas nas localidades de Suzana e Campinho. Essa estratégia tem sido exitosa, pois diversas falas de atingidos, durante a Audiência Pública realizada em dezembro de 2017, indicaram o SAAE de Itabirito como principal responsável e eximiram a culpa da Coca-Cola FEMSA. Ademais, em conversa com o presidente da ACAS também se pode observar o mesmo quando ele disse que “[...] apesar de achar a Coca responsável deve-se fazer com que o SAAE de Itabirito resolva, já que a Coca compra água do SAAE” (J. 2018). De fato, o estado de Minas Gerais, através da Secretaria de Meio Ambiente, e a Prefeitura de Itabirito tem enormes responsabilidades sobre esse conflito, haja vista não estar prevista, na Licença Prévia para a instalação do distrito industrial de Itabirito, as operações da fábrica da Coca-Cola FEMSA. Ademais, não foram realizados estudos que procurassem analisar os possíveis impactos nas águas subterrâneas decorrentes da instalação de uma empresa que tem a água como principal matéria prima para a fabricação das mercadorias comercializa. Contudo, consta da Licença de Operação da fábrica da Coca-Cola FEMSA a seguinte informação sobre o seu processo produtivo e o uso de sua principal matéria prima: O empreendimento informou que serão consumidos 2,69 L de água para a fabricação de cada litro de bebida, devido a ajustes operacionais previsíveis para o início das operações. Ao longo do tempo, com a maturação das condições operacionais, os fatores de eficiência aumentarão, chegando a 1,40 litros de água consumidos 239 para a fabricação de cada litro de bebida em 2040. (MINAS GERAIS, 2015, p. 5) Seria, portanto, fundamental requerer da Coca-Cola FEMSA estudos de impactos sobre as águas subterrâneas. Trata-se de uma responsabilidade inerente à empresa Coca-Cola FEMSA procurar compreender e analisar os impactos que causará onde se instalará. E, como ela mesma declara, o uso da água como recurso para a produção de refrigerantes é intensivo. Apesar da previsão – longínqua, por sinal – de diminuição na utilização de água para a fabricação de um litro de bebida a Coca-Cola FEMSA prevê um aumento de produção de refrigerantes ao longo das próximas décadas como expresso no quadro a seguir o que resultará em igual elevação do uso de água: Tabela 8 – Demanda de água da fábrica da Coca Cola FEMSA instalada no distrito industrial de Itabirito durante o período de 2015 à 2040. Fonte: Licença de Operação da fábrica da Coca-Cola FEMSA (MINAS GERAIS, 2015, p. 5). Obviamente, os impactos sobre os recursos hídricos tornar-se-ão mais elevados com o decorrer dos anos. Entretanto, o SAAE de Itabirito tem se responsabilizado pelo fornecimento de água para a empresa. Portanto, caberia analisar se essa autarquia está em consonância com as perspectivas de futuro dessa transnacional e, inclusive, se o licenciamento do Distrito Industrial de Itabirito encontra-se afinado com essas projeções. Um dos argumentos utilizados para o licenciamento ambiental do Distrito Industrial de Itabirito foi a disponibilidade de água “[...] ressaltando que as fontes de 240 água não são as mesmas de abastecimento da população da Sede Municipal (do município de Itabirito)” (SUPRAM CM, p. 12, meu acréscimo). Contudo, parece claro que a análise feita não levou em consideração o impacto na face oeste da Serra da Moeda, pois prendeu-se aos limites municipais. O nível de abstração da burocracia na tentativa de organização do espaço é tão elevado que não se levou em consideração os efeitos do uso da água para além dos limites político-administrativos municipais. E também, nesse caso, as águas desrespeitam limites geográficos considerados referenciais de demarcação espacial como os divisores de água. Trata- se de um caso que segue por caminhos subterrâneos. Segundo o processo administrativo para examinar a Licença Prévia do Distrito Industrial de Itabirito não houve nenhum estudo sobre a ocupação da face oeste da Serra da Moeda. Ou seja, não estava previsto nenhum estudo acerca dos impactos sobre aquela região. Levaram em consideração, na fase dos estudos de impacto ambiental, apenas a face leste da Serra da Moeda e ficaram presos aos limites político-administrativos municipais de Itabirito onde, de fato, foi instalado o Distrito Industrial. Contudo, os impactos do empreendimento, obviamente, não respeitam os limites político-administrativos municipais. Inclusive, extrapola também os divisores de água (a própria Serra da Moeda), já que o abastecimento de água do Distrito é feito a partir das águas subterrâneas que não obedecem às linhas de cumeada. A Licença de Instalação do Distrito Industrial de Itabirito foi concedida com o compromisso de cumprimento de algumas condicionantes. Uma delas, a condicionante 10, que tratava sobre o Programa de Monitoramento de Águas superficiais e subterrânea sofreu uma alteração importante desde que foi estabelecida. A instalação do Distrito Industrial iniciou-se no ano de 2012 e em 2013 os empreendedores solicitaram dispensa da responsabilidade de monitoramento das águas subterrâneas não instalando piezômetros. Os empreendedores argumentaram na solicitação da dispensa que as atividades que seriam instaladas no Distrito Industrial de Itabirito apresentavam potencial poluidor de contaminação das águas subterrâneas. Contudo, após a desistência por parte dessas empresas e o anúncio da instalação da Coca-Cola FEMSA houve essa solicitação sob a alegação, portanto, de que ela não se apresenta como potencialmente poluidora das águas subterrâneas. Ou seja, uma condicionante prévia não foi cumprida justificando que a empresa que se instalará não é potencialmente poluidora. Contudo, o piezômetro é um instrumento 241 utilizado para medir a pressão de líquidos não servindo apenas para verificar a qualidade das águas subterrâneas. 4.2. Privação do acesso à água em um contexto de falta de alternativas de emprego e renda A ideologia do desenvolvimento e do progresso através da geração de renda e trabalho em um cenário de certa dependência econômica diante da atividade de mineração como é o caso dos municípios situados no Quadrilátero Ferrífero torna-se mais fácil de ser propalada e aceita pelos mais diversos segmentos da sociedade como pode ser visto no caso da Audiência Pública realizada na ALMG acerca do conflito entre Coca-Cola FEMSA e as localidades de Campinho e Suzana. Nessa oportunidade, muitas pessoas que se pronunciaram na Audiência Pública, afirmaram que, apesar de correlacionarem a diminuição da disponibilidade de água na face oeste da Serra da Moeda, oposta ao lugar de onde está sendo captada água para abastecer a fábrica da Coca-Cola FEMSA, não são contra a empresa, pois consideram-na fundamental para a geração de emprego e renda para a população. Uma das falas registradas nessa Audiência é emblemática sobre a força que essa ideologia tem ao interpelar os sujeitos envolvidos no conflito: “Nós não queremos parar o progresso! O progresso é necessário e a gente não pode parar. Quem somos nós para fecharmos uma fábrica da Coca ou um empreendimento?” (trecho do depoimento dado por um Advogado e morador de Brumadinho na Audiência Pública realizada na ALMG no dia 07 de dezembro de 2017). Esse progresso que não pode parar está embutido na ideia de des-envolvimento, ou seja, [...] tirar o envolvimento (a autonomia) que cada cultura e cada povo mantém com seu espaço, com seu território; é subverter o modo como cada povo mantem suas próprias relações de homens (e mulheres) entre si e destes com a natureza; é não só separar os homens (e mulheres) da natureza como, também, separá-los entre si, individualizando-os. Não deixa de ser uma atualização do princípio romano – divide et impera – mais profunda ainda, na medida em que, ao des-envolver, envolve cada um (dos desterritorializados) numa nova configuração societária, a capitalista. O urbano é o oikos por 242 excelência de uma sociedade mercantil (PORTO-GONÇALVES, 2006, p. 81). Complementa esse discurso o argumento da alternativa locacional ao empreendimento que, segundo os envolvidos nesse conflito e que defendem essa ideia, a situação pode ser solucionada de maneira satisfatória, para ambas partes, caso a Coca-Cola FEMSA passe a captar água subterrânea em outros poços na encosta da Serra da Moeda. Os que propõem tal resolução para o conflito se apoiam na contraposição existente entre a atividade de fabricação de bebidas e a mineração que não tem alternativa locacional haja vista a natureza extrativa de sua atividade. De acordo com Acselrad et al. (2012, p.171-172) esse raciocínio associa-se ao que foi denominado como fetichismo da mineração. Segundo tal forma de pensar [...] a razão de existir do minério, sustentam os mineradores, é ser extraído, e a mineração deve ocorrer onde quer que esteja, dada a sua “rigidez locacional”. Alega-se que a sociedade existe acima do subsolo e que índios, quilombolas e geraizeiros podem se mover, mas o minério não. Os grandes interesses minerários não concebem, assim, que esses povos precisem estar no território onde estão. Ademais, as cavernas e sítios arqueológicos, também possuem “rigidez locacional” e têm sido destruídos por causa do próprio minério. Há que se estender, portanto, a ideia da “rigidez locacional” aos povos e comunidades com os seus territórios e não apenas aos recursos materiais Segundo o documento “Análise Crítica do Relatório da Schlumberger para a Coca-Cola” produzido pela ONG Abrace a Serra da Moeda existiria, portanto, alternativas locacionais para a fábrica da Coca Cola FEMSA: Existem três alternativas para isto:  Deslocar seus poços para leste, para fora dos limites do Distrito Industrial, de tal forma que o cone de depressão não afete as nascentes. Neste caso, provavelmente, teria que se abastecer do aquífero Cercadinho;  Ativar sua portaria de lavra na fonte de Água Quente, cuja água só difere da água dos poços atuais por ser mais bicarbonatada, o que exigirá um custo suplementar de tratamento.  Adquirir a Fonte Indaiá, ainda mais próxima que a fonte Água Quente, também, com lavra suspensa e sem aproveitamento. Como se vê, a luta por parte dessa ONG, principal articuladora dos envolvidos no conflito, não toca na questão da mercantilização da água e sua privatização. Pois, 243 em seu discurso ela reforça a ideia de que empresas como a Coca-Cola FEMSA são imprescindíveis para se atingir o desenvolvimento econômico às custas da drenagem dos recursos naturais disponíveis. Apenas tangenciam a questão do uso público da água, não problematizando o direcionamento da água como matéria prima para a fabricação de mercadorias comercializadas por uma empresa transnacional. Outra questão fundamental e que também não é problematizada no âmbito desse conflito é o elevado número de poços artesianos perfurados na região onde o conflito está instalado. Segundo informações de moradores da região podem ser contabilizados mais de 50 poços de captação de água subterrânea sendo que a Prefeitura afirma que em todo o município há 52 poços. Toda a porção oeste da Serra da Moeda, no munícipio de Brumadinho, conta com uma forte ocupação de segundas residências, sitiantes e citadinos que se mudaram em definitivo para o campo mas continuam trabalhando em Belo Horizonte. Os custos para a perfuração de poços de captação de água subterrânea variam segundo o terreno, a disponibilidade de água e profundidade. Contudo, na face oeste da Serra da Moeda foi possível verificar que poços mais profundos, com maior disponibilidade de água, custaram aproximadamente R$30.000. Entretanto, há, também, os “mini-poços” que podem custar R$3.000 e demoram apenas um dia para ficarem prontos e tem sido uma opção para diversos moradores dessa região que não podem arcar com os custos de perfuração de poços mais profundos. Contudo, poços como esses tem fornecido água por pouco tempo segundo aqueles que resolveram fazê-lo. A população que imobilizou capital nessa região, comprando terras e casas, teve como principal motivador a sua enorme disponibilidade de água. Contudo, por não serem servidos por empresas de abastecimento de água e saneamento, sejam elas públicas, mistas ou privadas, dependem de outras formas de obter água para as suas residências e uma delas tem sido através da perfuração de poços com o objetivo de acessarem as águas subterrâneas. Entretanto, essa forma de acessar a água revela que a construção de um campo idílico, no contexto de forte interação com a cidade, haja vista estar situado no âmbito da metrópole de Belo Horizonte, apresenta, também, um componente de injustiça ambiental. [...] com o motor a diesel se busca água no subsolo e, com isso, introduz-se no nosso léxico cotidiano novas expressões como aquíferos, já que as águas superficiais e mesmo os lençóis freáticos já não se mostram suficientes, pelo menos na hora e no lugar desejados. 244 Cada vez é maior o saque aos aquíferos e, deste modo, introduz-se um componente novo na injustiça ambiental generalizada no mundo e em cada país com a expansão da racionalidade económico-mercantil engendrada pelo capitalismo. Afinal, a captação de água na superfície era, de certa forma, mais democrática na medida que a água estava ao alcance de todos, literal e materialmente. Com a captação de águas nos subterrâneos os meios de produção, as bombas a diesel, se tornam sine qua non conditio e como nem todos dispõem desses meios a injustiça ambiental ganha novos contornos por meio do desigual acesso aos recursos hídricos (PORTO-GONÇALVES, 2006, p. 124, minha ênfase). É evidente que o aumento de moradores e sitiantes em Brumadinho gerou impactos sobre a água. A disponibilidade de água já não é a mesma em diversas localidades, pois houve, com a crescente ocupação, a perfuração de diversos poços de captação de água subterrânea que a desviaram de seus cursos anteriores. Não se trata de um impacto decorrente, apenas, do crescimento populacional, mas de um conflito de diferentes formas de uso da água. Os moradores mais antigos relatam que havia água disponível em maior quantidade do que nos anos mais recentes, já que não haviam tantos poços perfurados. Portanto, a elevação do número de sitiantes e moradores nessa porção do município de Brumadinho que buscam o campo para “se afastarem da cidade” teve enorme impacto sobre a água, principalmente em decorrência da forma como a utilizam. Contudo, não se trata de acusar o uso doméstico da água, mas apontar que houve alterações nos cursos de água (em suas diferentes formas e caminhos) que podem estar tornando-a escassa em alguns locais e para algumas pessoas. Quero chamar a atenção para a diferença de acesso à água em decorrência da renda, pois a perfuração de poços mais profundos e com estudos mais acurados sobre a disponibilidade e vazão os custos são mais elevados o que é comumente feito nos condomínios residenciais. Já em áreas ocupadas pelos mais pobres (em termos de renda monetária) a água utilizada, como se viu em campo, provem de cursos de água superficiais, afloramentos espontâneos ou poços rasos de custos mais baixos configurando, de tal maneira, usos e acessos desiguais. A história de ocupação do Condomínio Águas Claras em Piedade de Paraopeba, próximo aos condomínios Retiro do Chalé e Mãe Terra, apresenta em um de seus trechos algo que é marcante para a discussão sobre a injustiça ambiental associada à disponibilidade de água. No início da ocupação do condomínio 245 O sistema de abastecimento era deficitário, a água não chegava em várias ruas por falta de pressão, ora por defeito nas bombas. Suas ruas eram de terra batida (encascalhadas) e sem canaletas. Em sua nascente (na Serra) a água era pura e cristalina, abundante, mas percorria por superfície sobre duas fazendas de gado, além de um pequeno povoado, o bastante para torná-la imprópria para o consumo. Estava ali o nosso primeiro desafio: buscá-la limpa e canalizada em sua nascente "Mãe D água" a 4 km dali (APROBAC, 2019). Como se vê em destaque no trecho acima o desafio era canalizar a água que corria em superfície. Nesse caso, canalizar deve ser entendido como tornar privado o uso de um recurso que se encontrava disponível para o público. Ademais, a limpeza está associada à sua intocabilidade, pois deveria ser canalizada antes de poder ser utilizada por agricultores ou moradores locais (quiçá mais antigos do que os moradores que investiram capital nas terras desse condomínio). Valendo-se dessa estratégia de privatização das águas agiram mais intensamente chegando a um estágio que comemoram por considerarem-no de: Expansão e correção definitiva da rede interna de distribuição de água de nosso condomínio. O estudo e projeto foram realizados por engenheiro hidráulico com larga experiência no setor. Com muito sucesso portanto, foram instaladas mais 8 caixas d'água com o sistema hoje funcionando perfeitamente, além de muito espaço, conforme a necessidade de armazenamento futuro de água. Hoje temos um armazenamento aproximado de 240 mil litros e vazão de 4 litros por segundo na nascente (APROBAC, 2019). Nesse caso destacamos a figura do engenheiro hidráulico que através de seus estudos e projetos encarna a tecnociência a fim de indicar a superioridade de seus conhecimentos com relação à outras possíveis formas de relacionamento com a água. E mais, é possível perceber que a preocupação com o abastecimento de água para os moradores do condomínio permaneceu como uma questão central, pois, além da reestruturação da rede interna de distribuição de água, foi planejada uma infraestrutura destinada ao armazenamento desse recurso. Segundo a ONG Abrace a Serra da Moeda (2017, p.15, minha ênfase) Caso tivesse havido um estudo hidrogeológico no EIA-RIMA do Distrito Industrial de Itabirito ou da Coca-Cola FEMSA para avaliar o impacto de se bombear água neste aquífero, ter-se-ia percebido o quão as nascentes de Campinho e Suzana são sensíveis a pequenas variações do NA, naturais ou provocadas. 246 E a crítica dessa mesma ONG ao segundo relatório traz o seguinte: Equiparar as nascentes de Mãe d’Água e Valente com Campinho e Suzana é um disparate. Isto porque a intensidade da redução da vazão depende da carga hidráulica em cada nascente. A carga hidráulica nestas nascentes depende antes de tudo da face exposta do aquífero, que corresponde à diferença de altitude entre o NA superior do aquífero e o contato da fm. Cauê com a fm. Batatal. Este foi um parâmetro importante que deixou de ser medido no Estudo. Enquanto a carga hidráulica do aquífero nas nascentes Valente e Mãe d’Água é de 30m e 78m respectivamente, nas nascentes de Campinho ela não passa de 2 a 3m. Correspondentemente as vazões em Valente e Mãe d’Água são da ordem de 259m3/h e 180 m3/h respectivamente, enquanto que em Campinho e Suzana elas são da ordem de 4m3/h e 10m3/h. Fica então óbvio que um pequeno rebaixamento do NA terá um impacto percentual muito grande na vazão das duas últimas nascentes e menos perceptivel nas duas primeiras. Ou seja, para nascentes menores, tais que Campinho e Suzana, bastam pequenos rebaixamentos, de apenas poucos metros para fazer a diferença entre vazão expressiva e vazão nula. O poço de monitoramento PZ03 mostrou no curso de pouco mais de dois meses (início de nov. 2016 e meados de jan. 2017) um rebaixamento de aprox. 10m, suficiente para repercutir 0,5m na nascente (ONG ABRACE A SERRA DA MOEDA, 2018, p.12-13, minha ênfase). Esses argumentos permitem identificar mais um componente da injustiça ambiental (hídrica) no caso em tela. As nascentes menos sensíveis às variações no nível da água subterrânea (nível d’água, NA) servem para abastecer as residências do condomínio Retiro do Chalé. Portanto, ao se apropriarem das águas dessas nascentes, privaram o conjunto da população residente “aos pés da Serra da Moeda” de também fazerem uso dessas águas, tendo que buscar água nas nascentes descritas como mais vulneráveis, portanto, às variações do NA naturais ou provocadas. Entretanto, grande parte da população residente nessa região trabalha nesse condomínio. Ademais, desses trabalhadores pode-se observar a presença de imigrantes que se deslocaram para Campinho, Suzana, Gorduras, Carneiros, Chácara dentre outras comunidades em Brumadinho, com o objetivo de trabalharem nesse condomínio residencial e que passaram a pressionar ainda mais os recursos naturais, principalmente a água. O condomínio Retiro do Chalé, que está localizado na mesma região que o condomínio Águas Claras, contudo situado em altitude maior na encosta oeste da Serra da Moeda, também atuou recentemente com vistas a garantir maior quantidade 247 de água para os seus condôminos. Recorrendo ao discurso da crise hídrica a gestão condominial do período 2014-2016 realizou uma vultuosa obra que é emblemática para se compreender a relação entre renda e acesso aos recursos naturais. Segundo a revista “Nosso Retiro”, publicação periódica do próprio condomínio Retiro do Chalé, Como medida preventiva para enfrentar as graves consequências da crise hídrica de 2015, quando passamos pela maior seca dos últimos 100 anos, outra obra de vulto ocorreu paralelamente à reforma das piscinas: a nova Caixa d’Água do Condomínio, com capacidade para armazenar 500 mil litros de água captados da nascente Mãe d’Água (NOSSO RETIRO, 2016, p. 9). Valem-se do discurso da crise hídrica, afirmando, inclusive que ao longo de um século as chuvas nunca foram tão escassas como no ano de 2015 a fim de justificarem a construção dessa nova caixa d’água. Chama a nossa atenção o fato dessa obra ter sido realizada em apenas 6 meses em um terreno com declividade que dificultava a execução do serviço. Entretanto, isso revela o quanto que a renda pode ser determinante para viabilizar projetos como esse, que permitem a uma população de alta renda armazenar ainda mais água proveniente da Serra da Moeda. A nascente Mãe d’Água é a mesma que serve ao condomínio Águas Claras supracitado. E, pelo menos os dois, tem capacidade de armazenamento em suas caixas d’água de 740 mil litros. Ainda no condomínio Retiro do Chalé, são realizadas análises periódicas para verificar a condição da água que recebe tratamento com cloro. Outro condomínio – Mãe Terra – situado mais abaixo ainda do condomínio Águas Claras, no mês de junho do ano de 2017 ficou sem água conforme pode-se ler no comunicado da diretoria da Associação de Moradores do Condomínio Mãe Terra: Prezados, Neste último fim de semana, fomos surpreendidos pela falta de água. Literalmente a água acabou, e só podemos atribuir ao grande número de moradores que resolveram vir ao Mãe Terra. Quase todas as 40 casas do nosso condomínio estavam ocupadas. Porém o problema foi prontamente sanado, graças à reserva de água que acumulamos na antiga caixa d’água, hoje recuperada, revitalizada e em perfeito funcionamento. A Diretoria (ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DO CONDOMÍNIO MÃE TERRA, 2017, minha ênfase). Nesse caso se vê que, mesmo sendo um condomínio destinado a moradia de uma população mais capitalizada, os efeitos da falta de água foram sentidos. Contudo, 248 em decorrência dos investimentos que fizeram antes de 2017, na reforma de uma caixa d’água que os serve as dificuldades foram amenizadas, pois puderam acumular esse recurso. Ademais, associaram a escassez hídrica ao aumento de pessoas que passaram a residir no condomínio, sem problematizarem outros fatores como o aumento populacional e o uso mais intenso da água nos condomínios próximos situados mais acima. Durante Audiência Pública, realizada em dezembro de 2017, na ALMG, o representante do SAAE-Itabirito, em parte de sua fala, culpou a administração pública de Brumadinho pela dificuldade de acesso à água que os moradores desse município estavam passando. Segundo ele “aquelas comunidades estão agindo por si só. Onde está o abastecimento público do município de Brumadinho nas localidades? Não existe”. Trata-se de produzir um discurso de eficiência da gestão das águas por parte das empresas (sejam públicas ou privadas) em detrimento de iniciativas de autogestão do serviço de abastecimento e tratamento de esgoto. No segundo relatório produzido pela empresa de consultoria contratada pela Coca Cola FEMSA, na seção destinada às recomendações, há um tópico destacado para lançar argumentos contrários à iniciativas de autogestão das águas que ocorrem na face oeste da Serra da Moeda. Procura-se construir um discurso de ineficiência na gestão das águas por parte da população de Campinho e Suzana, enquanto que a forma como os condomínios residenciais a gerem não é, sequer, citada. Ademais, parece-me que essas recomendações fogem ao escopo do próprio trabalho que foi encomendado pela Coca Cola FEMSA à essa empresa de consultoria figurando, portanto, como uma alternativa discursiva que visa desviar a atenção dos possíveis impactos negativos que o bombeamento de água subterrânea realizado pelo SAAE-Itabirito destinado a atender a demanda industrial de fabricação de refrigerantes poderia causar. Portanto, segundo essa empresa de consultoria, os moradores de Campinho e Suzana encontram-se em situação de vulnerabilidade por não contarem com empresa especializada na gestão da água. Apesar dos esforços empreendidos por estas comunidades, a ausência de fornecimento de água por concessionária de serviço público representa uma vulnerabilidade para os usuários finais, uma vez que não há equipamentos ou equipes especializadas para fazer a manutenção do sistema e da qualidade da água ou que possam agir com presteza em caso de dano à rede de distribuição e/ou falha de abastecimento (WATER SERVICES BRASIL, 2018, p. 237). 249 Entretanto, o que eu pude constatar em campo foi que os moradores atendidos pelas associações que se organizaram para fornecer água, tem pouco a reclamar sobre da manutenção do sistema, da qualidade da água e da presteza na solução dos problemas. Ademais, os principais envolvidos com a gestão das águas nessa região guardam forte vínculos com o lugar. Alguns deles nasceram e foram criados na região, assim como seus ascendentes familiares e conhecem amplamente a dinâmica das águas. 250 CONCLUSÃO Essa pesquisa foi desenvolvida antes do trágico evento crítico de rompimento da barragem de rejeitos da mina Córrego do Feijão, município de Brumadinho, de propriedade da Vale S.A. no dia 25 de janeiro de 2019. Entretanto, acredito ter indicado, principalmente, através da discussão em torno da minério-dependência no contexto mais amplo de vigência do modelo neoextrativista, o lado funesto (no sentido daquilo que pressagia a morte) das atividades de mineração em Brumadinho. Ademais, a geografia tem como papel fundamental colocar em relevo as presenças e as ausências do processo de produção do espaço sem, entretanto, acreditar que uma conclusão definitiva, objetiva e neutra fora atingida. Mais detidamente, no âmbito da minha pesquisa, sobre a problemática das relações socioespaciais estabelecidas entre cidade, campo, rural e urbano, bem como suas implicações para a questão ambiental, no âmbito do vetor sul da RMBH. Num primeiro momento da pesquisa foi importante compreender como o município de Brumadinho se insere no contexto da formação espacial brasileira. A ocupação do espaço onde atualmente se situa o município de Brumadinho decorreu de um processo extremamente violento organizado para o beneficio dos colonizadores portugueses em sua incessante busca por metais preciosos. Esse resgate histórico permite afirmar que as riquezas minerais continuam a alimentar, na região do Quadrilátero Ferrífero, onde se situa Brumadinho, o ímpeto voraz dos interesses estrangeiros. As relações estabelecidas entre cidade e campo na formação espacial brasileira tem como um dos seus principais pilares de sustentação essas incursões violentas em busca de metais preciosos, escravização e assassinatos que permite observar a sua unificação sob o mando dos dominantes. Ou seja, o processo de acumulação primitiva de capitais para o continente Europeu impôs uma marca, ainda longe de ser superada na formação espacial brasileira, que se refere à hegemonia das classes dominantes do campo e da cidade unificadas a fim de conter uma união dos de baixo. Essa marca, até então indelével da formação espacial brasileira, se 251 estabeleceu em um contexto mundial no qual a cidade-Razão europeia vestida de cidade-metrópole colonizou o mundo determinando e dominando o campo-Natureza que foi vestido de campo-colônia. Uma das características da formação brasileira decorre, portanto, dessa aliança da cidade e do campo sob a hegemonia dos dominantes que impede com que se contrua uma aliança campo-cidade dos de baixo que consiga romper com a minério- dependência que foi agravada durante o período caracterizado pelo neoextrativismo. A opção pela reprimarização da economia, com forte peso da mineração, associada à liberalização da taxação mineral, elevou a carga sobre os mais vulneráveis que tiveram que suportá-la em troca dos interesses nacionais. O lado nefasto da hegemonia das classes dominantes, no contexto da minério-dependência, foi visto nessa pesquisa através, por exemplo, quando recorri às manifestações favoráveis ao retorno das atividades da Samarco (Vale/ BHP/Billiton). E mais, com o rompimento da barragem de rejeitos da Vale S.A. em Brumadinho confirmou-se, ainda mais, a tese acerca da minério-dependência, haja vista, o desastre da Samarco (Vale S.A. e BHP Billiton) ter ocorrido três anos antes. Entretanto, apesar da semelhança entre esses dois desastres, que tem a Vale S.A. como principal protagonista, o ponto de partida da análise não deve ser essa “coincidência”. Pois, se a análise iniciar levando em consideração que o rompimento da barragem de rejeitos da mina Córrego do Feijão de propriedade da Vale S.A. em Brumadinho foi a repetição do rompimento da barragem de rejeitos da mina Germano de propriedade da Samarco (Vale S.A. e BHP Billiton) poderá concluir que o problema está, apenas, na forma como os rejeitos provenientes da mineração são descartados. Portanto, indicaria que os dois eventos trágicos ocorreram pela utilização de um conjunto de técnicas ultrapassadas. Conquanto, uma solução mais “moderna” poderá ser implementada como se viu no anúncio realizado pelo presidente da Vale S.A., Fabio Schvartsman, no dia 29 de janeiro de 2019, no qual informou que as 10 barragens construídas sob a mesma técnica das que se romperam passarão pelos procedimentos inerentes ao descomissionamento. Apesar do anúncio ter sido feito com o intuito de afirmar um compromisso social e ambiental por parte da empresa mineradora devo ressaltar que essas barragens que serão descomissionadas já não estavam mais sendo utilizadas para o depósito dos rejeitos provenientes da exploração do minério de ferro. Portanto, cabe uma pergunta: por que elas não foram descomissionadas, haja vista os riscos 252 que elas envolvem e por não estarem sendo utilizadas? Portanto, deve-se abandonar a explicação para a ocorrência desses dois desastres, que tem a Vale S.A. como protagonista principal, que tome como ponto de partida as técnicas obsoletas de tratamento dos rejeitos da mineração. Defendo que esses dois desastres foram ocasionados pela forma predatória e agressiva de atuação da empresa mineradora Vale S.A. associada ao contexto do neoextrativismo. A semelhança com o desastre ocorrido no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, deriva da busca incessante pela elevação da extração do minério de ferro e diminuição dos custos, seja para aproveitar os elevados preços que essa commodity apresentou durante o período de 2003 à 2011 ou para compensar os preços em queda após esse período. Inclusive, o rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão poderá incitar novos desastres decorrentes da intensificação da extração de minérios que a empresa Vale S.A. praticará a partir de então. A intensificação da extração não decorrerá, apenas, com vistas a obter recursos para cobrir os prejuízos financeiros decorrentes das multas e indenizações que lhe serão imputadas, mas, também, pelos custos que envolvem o descomissionamento das barragens anunciado quatro dias após o rompimento da barragem na mina Córrego do Feijão. Pois, conforme o presidente da Vale S.A., o impacto decorrente desse processo “[...] será compensado através do aumento de produção em outros sistemas produtivos da companhia” (PORTAL DA MINERAÇÃO, 2019) num claro aceno aos acionistas dessa empresa. É de se esperar, reafirmo, que novos desastres ocorrerão. Ademais, procurei demonstrar que a noção de neoextrativismo não substitui o conceito de acumulação por espoliação, mas o marca espaço-temporalmente e não deve ser encarado como uma etapa descolada da reprodução expandida do modo de produção capitalista e que permite acentuar o papel da hegemonia das classes hegemônicas do campo e da cidade. Nesse contexto de simplificação e dependência econômica aponto para a necessidade premente de aprofundar e ampliar o debate sobre a forma como ocorre a exploração mineral no país com vistas a garantir a soberania popular. Um dos principais objetivos da minha pesquisa foi compreender como se estabelecem as relações socioespaciais entre o campo, a cidade, o rural e o urbano no contexto metropolitano. Diante desse objetivo, é possível considerar que o campo e o rural são chamados para cumprir, sob a ideologia do desenvolvimento sustentável 253 e do progresso, algumas funções como: fornecedor de um conjunto de alimentos (principalmente os hortifrutigranjeiros), reserva fundiária, lugar destinado ao lazer e ao turismo dos citadinos, além da conservação e preservação ambiental. Ademais, concluo que a função de conservação e preservação ambiental, com destaque para as águas, requerida pela cidade de Belo Horizonte à Brumadinho trata-se de uma relação mais parasitária do que de benefícios mútuos. É importante, também, destacar que Brumadinho está inserido no vetor sul da RMBH caracterizado pela produção de um espaço fortemente marcado por dinâmicas elitistas e segregadoras. Concorrem para a produção do espaço do vetor sul da RMBH dessa maneira as empresas mineradoras que passaram a operar no mercado imobiliário através de loteamentos e condomínios residenciais que amplificam a presença do metabolismo territorial dos modos de vida citadinos. Acompanhou a produção desse espaço, fortemente elitizado e segregado, a produção de discursos sobre essa região, que a vincularam a compra de terras como ótima estratégia para se realizar reserva de valor e da natureza e tradições rurais ainda preservadas. Apesar da produção de discursos que procuram representar o vetor sul da RMBH como lócus da natureza e do rural foi possível constatar que trata-se da produção de uma espaço de consumo para uma fração da população citadina onde a questão ambiental, com destaque para iniciativas que visam restringir o acesso e o uso do território, contribuiu, simultaneamente, para refutar a urbanização e reforça-la. A restrição de acesso e usos imposta pela determinação de áreas protegidas pode ser, inclusive, interpretada como um elemento que compõe o mosaico de paisagens monoculturizadas estabelecidos para servir ao metabolismo territorial dos modos de vida citadinos. A produção desses discursos que sustentaram a produção de um espaço elitizado e fortemente segregador no vetor sul da RMBH encontra-se sustentada por uma visão de mundo, hegemônica, sobre o campo e o rural que os interpretam como sendo compostos por 3 dimensões (ambiental, econômica e cultural) que não são, sob esse modo de ver as coisas, necessariamente imbricadas podendo, portanto, ser destacadas uma das outras e que enfraquece e pode destruir uma das principais características do metabolismo territorial desenvolvido pelos modos de vida das comunidades não citadinas: a autonomia. Posso concluir que a partir dessa visão de mundo e o quadro de minério-dependência da região onde se situa Brumadinho as atividades econômicas ligadas ao setor do turismo, em suas mais diversas feições, 254 mas mais enfaticamente o rural e o ecológico, tendem a amenizar conflitos, pois transformam agricultores e pecuaristas em assalariados nesse setor tornando-os incapazes de identificar a ocorrência de alterações nas dinâmicas da natureza. E, diante disso, ficou evidente que para contribuir com o desenvolvimento do campo em Brumadinho os agricultores e pecuaristas devem contar com maior apoio político. Conquanto, devem ser reforçados os programas que compõem os mercados institucionais, haja vista as empresas mineradoras, os diversos estabelecimentos turísticos e o Inhotim não se empenharem em comprar os alimentos produzidos no âmbito desse município. Ademais, devem ser reforçadas as iniciativas que procuram estabelecer as mais diversas formas de redes de produção e comercialização de alimentos que priorizem preços justos aos produtores com vistas a manter a condição de autonomia característica dos modos de vida das comunidades não citadinas. Reforça a conclusão do parágrafo anterior o depoimento apresentado no tópico 2.6 da minha pesquisa: “era produtor, foi trabalhar na mineração e agora voltou a produzir de novo” (servidor público municipal J., 2016). As atividades de agropecuária desenvolvidas pelas famílias do campo em Brumadinho são verdadeiros mourões enquanto que os empregos oferecidos por outras atividades econômicas presentes no município, como a mineração e os serviços oferecidos pelos condomínios residenciais, servem, apenas, para complementar a renda em determinadas situações, não podendo ser contabilizados como verdadeiros esteios. Portanto, a importância da agropecuária associa-se a relação típica do campesinato assinalada por Chayanov ([1924], 2014) na qual as famílias estabelecem um equilíbrio entre satisfação familiar e fadiga decorrente da autoexploraçao do trabalho familiar que segundo um outro depoimento, apresentado no tópico 2.7, pode ser traduzido da seguinte maneira: “eu não tenho emprego, eu sou uma pessoa livre” (agricultor familiar P, 2016). A análise dos esforços empreendidos pelo IBGE em torno do debate, ainda pertinente, sobre as relações estabelecidas entre campo, cidade, rural e urbano permitiu identificar que esse órgão do Governo Federal corrobora com a ideia de que a urbanização deva ser vista como um processo que está além das cidades e é capaz de alterar as dinâmicas do campo, do rural e das relações que são estabelecidas com a cidade e com o urbano e demonstra, portanto, que o uso dos resultados das pesquisas divulgados por esse mesmo órgão não devem ser utilizados acriticamente. 255 Ademais, o IBGE permanece sem debater o papel que a cidade no Brasil detém como dominadora e organizadora de todo o município. Ao analisar criticamente o que chamei por corrente de estudos e pesquisas em torno do “novo rural” posso afirmar que ela se alicerça sobre a noção de desenvolvimento sustentável baseada no paradigma da modernização ecológica (ZHOURI; LASCHEFSKI, 2010). A argumentação em torno do “novo rural” se sustenta através da dimensão ambiental (destacada das outras que compõem o campo e o rural) valorizada em termos mercantis no âmbito das relações estabelecidas entre campo, cidade, rural e urbano. Ademais, deve-se contrapô-la à necessidade irrevogável da reforma agrária para que o desenvolvimento rural possa ocorrer de maneira justa. Decorre da concepção do “novo rural” a produção de espaços elitizados e segregadores onde uma pequena parcela da população reúne condições para morar ao mesmo tempo em que desfrutam do acesso a serviços e bens urbanos sem comprometer a cidadania. E mais, a configuração do “novo rural” encontra-se sob a égide de vetores urbanos aproximando da ideia de continuum da cidade com o campo. Trata-se da produção intencional da natureza e do rural constituídos simbioticamente como oposição à cidade e complemento do cotidiano dos citadinos. Ademais, parte das considerações dos autores que defendem a ideia de um “novo rural” se baseiam na crítica infundada acerca do trabalho do filósofo Henri Lefebvre sobre a produção do espaço e da constituição, ainda inconclusa, da sociedade urbana. Por isso, foi de fundamental importância revisitar as obras de Lefebvre com o objetivo de ressaltar a sociedade urbana como um objeto virtual e afirmar que vivemos, ainda, numa zona crítica na qual um campo cego se oferece diante de nós. Entretanto, é mister afirmar que em decorrência dessa fase algo novo se pôs, pois as contradições socioespaciais não são determinadas apenas pelas relações estabelecidas entre campo e cidade, mas sim tem assento sobre a integração e a segregação. A condição de subalternidade dos rurícolas não será quebrada apenas em decorrência do abandono da situação de segregados para integrados. É de fundamental importância que sejam debatidas profundamente o que se entende por integração e segregação para que a condição de subalternidade seja transformada. Conquanto, deve-se levar em consideração que a formação espacial brasileira é marcada por relações cidade-campo dos dominantes e a incompletude do urbano é um instrumento para manter essa hegemonia que impede a transformação 256 decorrente de uma aliança campo-cidade dos de baixo. Ademais, o “novo rural” parece mais evidenciar (e forçar) uma des-ruralização do que urbanização (PORTO- GONÇALVES, 2008). A análise crítica das propostas em torno do “novo rural” permitiu identificar, sob influência das pesquisas realizadas pela socióloga Elisabete Figueiredo, que se trata de um processo perverso de representação e produção do campo e do rural como idílicos. Sua perversidade decorre do fato da idilização do campo e do rural figurar como resposta ao problema real da subalternidade do campo e de seus moradores, contudo dissimulando as reais finalidades, que se associam aos interesses do capital imobiliário e do setor de serviços. Ademais, foi possível identificar que o campo idílico configura-se mais como um contrapeso e um complemento às cidades. Outrossim, a idilização do campo e do rural se vale da não integração aos circuitos “modernos” da economia durante a era industrial. E, por isso, esses espaços passaram a ser representados como os últimos detentores das tradições e da natureza intocados pela modernidade. O rural idílico, e tudo o que ele contém, tornado raro, é mercantilizado. Através das incursões em campo e apoiado na literatura foi possível descortinar algumas características do campo idílico que procuram ser ocultadas em suas representações. São aquelas que se relacionam com a apropriação privada da natureza, na qual a disputa pela água tem se tornado central em termos de importância, pois, a produção do campo idílico em Brumadinho ter se baseado na farta disponibilidade de água de qualidade. Na face oeste da Serra da Moeda foi possível inclusive identificar que a produção do campo idílico foi acompanhada de injustiça hídrica. Nesse contexto conflituoso em torno do acesso à água em um campo produzido como idílico diversos agentes são apontados como geradores de impactos negativos sobre as águas. Além das empresas mineradoras, o crescente número de moradores na região com modos de vida citadinos, também é apontado como causador de impactos negativos sobre as águas. Entretanto, desde 2015 a fábrica de refrigerantes da Coca Cola FEMSA, instalada no distrito industrial de Itabirito, passou a ser apontada como responsável, por diversos moradores da região, por alterar a dinâmica das águas subterrâneas na divisa dos municípios de Brumadinho e Itabirito. Identifiquei que essas atividades estão, em sua grande maioria, regulamentadas na forma que a lei determina. Uma das principais conclusões que a análise do conflito em torno da água me 257 permite fazer é que tanto os efeitos decorrentes das alterações nos fluxos das águas são desigualmente distribuídos, assim como os meios para lidar com os impactos negativos decorrentes dessas alterações. Conquanto, a produção do campo idílico apoiado sobre a farta disponibilidade de água de qualidade produziu um quadro de injustiça hídrica pelo fato das relações desiguais estabelecidas entre campo, cidade, rural e urbano. E mais, as águas subterrâneas são consideradas de acesso mais democrático. Contudo, exatamente por isso, em um contexto de forte pressão sobre esse recurso, tornou-se escasso. Porém, tal escassez não se apresentou para todos da mesma maneira, haja vista, o acesso as águas subterrâneas estar, cada vez mais, mediado pelas tecnologias de prospecção, perfuração e bombeamento que se associam à capacidade financeira para adquiri-las. Ademais, a gestão das águas subterrâneas pelo poder público, em todos os níveis, mostra-se bastante ineficiente ou conjugada com os interesses das empresas que pretendem se apropriar desse bem comum. Contudo, é possível afirmar que o fortalecimento das diversas formas locais ou autônomas de gestão desse recurso tem maior potencial de lograr êxito do que as geridas pela tecnoburocracia ou pela iniciativa privada. As disputas pelo acesso e apropriação das águas, a implosão-explosão da cidade de Belo Horizonte (apesar de não só) que extrapola os limites político- administrativos desse município, as representações de campo e rural que o reforçam como uma raridade e pretendem produzí-los como idílicos com sua face perversa de segregação e elitização territorial e o desastre decorrente do rompimento da barragem 1 da mina Córrego do Feijão de propriedade da Vale S.A. em Brumadinho são, ao mesmo tempo, evidências e resultados da fase crítica de constituição da sociedade urbana. Apesar estarmos de frente para um campo aberto à exploração e ação ainda é necessário ajustar o foco do olhar e conseguir derrubar os cegantes que impedem de se olhar para o desconhecido. Portanto, as mais diversas contradições e conflitos no município de Brumadinho ficam sem respostas imediatas pelo fato de ainda estarmos imersos no processo de implosão-explosão da cidade industrial que evidencia uma zona crítica. Ademais, é possível afirmar que esses resultados e evidências da fase crítica de constituição da sociedade urbana, sobre os quais me debrucei nessa pesquisa, guardam estreita relação com as ideologias de des- envolvimento moderno-coloniais (com profundas implicações sobre as relações metabólicas territoriais) que ignoram e subjugam as possibilidades produzidas por 258 grupos locais que contam com enorme grau de criatividade para superação das condições adversas em que se encontram nos mais diversos espaço-tempo de suas r-existências e que podem ser o ponto de partida para se pensar propostas em territórios com tantas contradições. Por fim, espero ter evidenciado que há toda uma questão política implicada no cerne do desafio ambiental. 259 REFERÊNCIAS ABRAMOVAY, Ricardo. O futuro das regiões rurais. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003. ACSELRAD, Henri; BEZERRA, Gustavo das Neves. Desregulação, deslocalização e conflito ambiental: considerações sobre o controle das demandas sociais. 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14. [PDF] mobilização do trabalho e autonomização do capital na área de

  • A contribuição de Hartshorne, segundo ele próprio, com o seu The Nature of ... assim o primeiro foi vendido por um preço muito abaixo do segundo. Dessa ...

15. [PDF] Editora da UFRGS, 2015.

  • Assim foi pensada a presente coletânea de textos cuja abrangência temática denota a intenção dos organizadores de dar conta das políticas que repercutem ...

16. [PDF] REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

  • PRESIDENTE. HENRIQUE EDUARDO ALVES (PMDB-RN). 1º VICE-PRESIDENTE ANDRE VARGAS (PT-PR). 2º VICE-PRESIDENTE FÁBIO FARIA (PSD-RN). 1º SECRETÁRIO.

17. [PDF] UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO ... - RI UFPE

  • BANCA EXAMINADORA. Prof. Dr. Russell Parry Scott (Orientador). Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Prof. Dr. Carlos Alberto Marinho Cirino ...

18. [PDF] Políticas sociais no Governo Bolsonaro - Alacip

  • Políticas sociais no Governo Bolsonaro: entre descasos, retrocessos e desmontes / Ádila Cibele França ... [et al.]; editado por Clovis Roberto Zimmermann; ...

19. [PDF] pontifícia universidade católica de minas gerais

  • À memória de Darcy Ribeiro, por todo seu desvelo, vigilância, amor e compromisso com os povos indígenas brasileiros. Page 6. AGRADECIMENTOS. Ab initio, agradeço ...

20. [PDF] Milton culpa Mauro pelamtranqüílidadé

  • ... era uma identificação de gerações literárias, no re- conhecimento de seus altos méritos. ‡ i classe para dar a minha aula, vi uma aluna, a um canto da sala ...

21. [PDF] Sargentos serão candidatos mais lugar na UDN'

  • na América, foi criada, pela Organização dos E stados Americanos, uma Comissão Especial de ... Seus trabalhos tinham mo tivos populares, transportando para ii ...

Em 1.850 Na França, Foi Criado Em Uma Cooperativa De Mineradores Um Fundo Para Ajudar Os Seus Integrantes. Eles Participavam Com Uma Contribuição Mensal E Valor Fixo, Por Um Combinado Período, E Assim Tinham A Garantia De Resgate Com Acúmulo Ao Final De U (2024)
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Name: Clemencia Bogisich Ret

Birthday: 2001-07-17

Address: Suite 794 53887 Geri Spring, West Cristentown, KY 54855

Phone: +5934435460663

Job: Central Hospitality Director

Hobby: Yoga, Electronics, Rafting, Lockpicking, Inline skating, Puzzles, scrapbook

Introduction: My name is Clemencia Bogisich Ret, I am a super, outstanding, graceful, friendly, vast, comfortable, agreeable person who loves writing and wants to share my knowledge and understanding with you.